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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.19 no.2 Fortaleza May/Aug. 2019

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v19i2.e9237 

DOSSIÊ: ÓCIO E CONTEMPORANEIDADE

 

Participação sociocultural, ócio, acessibilidade e envelhecimento ativo no contexto de idosos institucionalizados

 

Sociocultural participation, idleness, accessibility and active ageing in the context of institutionalized elderly

 

Participación sociocultural, ocio, accesibilidad y envejecimiento activo en el contexto de ancianos institucionalizados

 

Participation socioculturelle, osiveté, accessibilité et vieillissement actif dans le contexte des personnes âgées institutionnalisées

 

 

Jenny Gil Sousa (OrcID)

Doutora em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro - Portugal. Investigadora integrada do CICS.NOVA.IPLEIRIA e membro colaborador do CI&DEI. É professora na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria - Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Nas últimas décadas, a visão da velhice e do envelhecimento tem-se transformado, originando preocupações com a criação de ambientes favoráveis à população de pessoas idosas, designadamente as institucionalizadas a título permanente. Vive-se, hoje, sob o paradigma do envelhecimento ativo, processo que valoriza a combinação de indivíduo e seu ambiente, bem como a relação que entre eles se cria. Essa relação consubstancia-se em trajetórias positivas de envelhecimento e demarca-se na participação social e cultural enquanto experiência vital de ócio e de desenvolvimento humano, em que a(s) acessibilidade(s) se salienta(m) enquanto fator essencial. Tendo por base esses pressupostos, procurámos compreender de que modo a participação e o usufruto de atividades socioculturais e artísticas, em espaços externos às instituições residenciais de idosos, podem constituir contextos privilegiados de envelhecimento ativo e de construção de experiências de ócio e de desenvolvimento para os indivíduos residentes. O presente artigo está estruturado em duas partes fundamentais: Na primeira parte, apresenta-se o enquadramento teórico, discutindo o processo de envelhecimento ativo no âmbito específico da participação sociocultural; será, ainda, realizada uma discussão em torno do conceito de ócio, analisando-o desde a perspetiva humanista e enquanto elemento central numa velhice saudável e ativa; por fim, será discutida a importância da(s) acessibilidade(s) enquanto elemento determinante da participação sociocultural das pessoas idosas institucionalizadas. Na segunda parte, serão discutidos os resultados obtidos numa investigação qualitativa conduzida junto de 25 pessoas idosas, institucionalizadas a título permanente em cinco estruturas residenciais da região de Leiria, em Portugal. Assim, através da utilização de entrevistas semiestruturadas, percebemos que, quer a participação ativa em atividades de natureza sociocultural e artística, quer o usufruto deste género de atividade são percecionadas pelas pessoas idosas institucionalizadas enquanto elemento essencial no processo de envelhecimento ativo, na vivência de experiências de ócio e no sentimento de bem-estar. Contudo, essa participação sociocultural e artística só é sentida como verdadeiramente benéfica se tiver em linha de conta as questões da acessibilidade, aspeto referenciado como essencial no processo de (re)construção identitária.

Palavras-chave: envelhecimento ativo; institucionalização; participação sociocultural; ócio; acessibilidade cultural.


ABSTRACT

In the last decades, the vision of old age and aging has been transformed, giving rise to concerns with the creation of favorable environments for the elderly population, namely those permanently institutionalized. Today we live under the paradigm of active aging, a process that values the combination of the individual and his environment, as well as the relationship between them. This relationship is embodied in positive aging trajectories and is marked by social and cultural participation as a vital experience of idleness and human development, in which accessibility (s) stands out as an essential factor. Based on these assumptions, we sought to understand how the participation and enjoyment of socio-cultural and artistic activities, in spaces outside the residential institutions of the elderly, may constitute privileged contexts of active aging and the construction of leisure and development experiences for the elderly resident individuals. This article is structured in two fundamental parts: in the first part, the theoretical framework is presented, discussing the active aging process in the specific scope of socio-cultural participation; it will also hold a discussion around the concept of idleness, analyzing it from the humanist perspective and as a central element in a healthy and active old age; Finally, the importance of accessibility(s) will be discussed as a determining element of the sociocultural participation of institutionalized elderly people. In the second part, we will discuss the results obtained in qualitative research conducted with 25 elderly people, permanently institutionalized in five residential structures in the Leiria region, in Portugal. Thus, through the use of semi-structured interviews, we realize that both active participation in sociocultural and artistic activities and the enjoyment of this kind of activity are perceived by institutionalized elderly as an essential element in the active aging process, in the experience of idleness and the feeling of well-being. However, this socio-cultural and artistic participation is only felt to be truly beneficial if it takes into account accessibility issues, which is referred to as essential in the process of identity (re)construction.

Keywords: active aging; institutionalization; sociocultural participation; idleness; cultural accessibility.


RESUMEN

En las últimas décadas, la visión de la vejez y del envejecimiento está transformándose, originando preocupaciones con la creación de ambientes favorables para la populación de ancianos, específicamente las institucionalizadas permanentemente. Hoy se vive bajo el paradigma del envejecimiento activo, proceso que valora la combinación del individuo y su ambiente, y la relación creada entre ellos. Esta relación se consolida en trayectorias positivas de envejecimiento y se demarca en la participación social y cultural mientras experiencia vital de ocio y de desarrollo humano, en que la(s) accesibilidad(es) se destaca(n) mientras factor esencial. Teniendo por base estos presupuestos, buscamos comprender de qué modo la participación y el usufructo de actividades socioculturales y artísticas, en espacios externos a las instituciones residenciales de ancianos, pueden constituir contextos privilegiados de envejecimiento activo y de construcción de experiencias de ocio y de desarrollo para los individuos residentes. Este trabajo está estructurado en dos partes fundamentales: En la primera parte, es encuadramiento teórico es presentado, discutiendo el proceso de envejecimiento activo en el ámbito específico de la participación sociocultural; será, todavía, realizada una discusión sobre el concepto de ocio, analizando desde la perspectiva humanista y mientras elemento central en una vejez saludable y activa; por fin, será discutida la importancia de la(s) accesibilidad(es) mientras elemento determinante de la participación sociocultural de los ancianos institucionalizados. En la segunda parte, serán discutidos los resultados obtenidos en una investigación cualitativa conducida con 25 ancianos, institucionalizados permanentemente en cinco estructuras residenciales de la región de Leiria, en Portugal. Así, por medio de entrevistas semiestructuradas, percibimos que, sea por la participación activa en actividades de naturaleza sociocultural y artística, sea por el usufructo de este gênero de actividad son percibidas por los ancianos institucionalizados mientras elemento esencial en el proceso de envejecimiento activo, en la vivencia de experiencias de ocio y en el sentimiento de bienestar. Sin embargo, esta participación sociocultural y artística solo es sentida como verdaderamente benévola si tiene en cuenta las cuestiones de la accesibilidad, aspecto referenciado como esencial en el proceso de (re)construcción de identidad.

Palabras clave: envejecimiento activo; institucionalización; participación sociocultural; ocio; accesibilidad cultural.


RÉSUMÉ

Au cours des dernières décennies, la vision de la vieillesse et du vieillissement s'est transformée, en suscitant des inquiétudes quant à la création d'environnements favorables à la population âgée, à savoir ceux qui ont été institutionnalisés de manière permanente. Aujourd'hui on vit sous le paradigme du vieillissement actif, un processus qui valorise la combinaison de l'individu et de son environnement, ainsi que la relation qui les unit. Cette relation s'incarne dans les trajectoires positives du vieillissement et est marquée par la participation sociale et culturelle en tant qu'une expérience vitale de l'oisiveté et du développement humain, dans laquelle l'accessibilité apparaît comme un facteur essentiel. Sur la base de ces hypothèses, on a cherché à comprendre comment la participation et la jouissance d'activités socioculturelles et artistiques chez des espaces extérieurs aux institutions résidentielles des personnes âgées peuvent constituer des contextes privilégiés de vieillissement actif et de construction d'expériences d'oisiveté et de développement pour les personnes âgées résidentes. Cet article est structuré en deux parties fondamentales: Dans la première partie, le cadre théorique est présenté. On aborde le processus de vieillissement actif dans le cadre spécifique de la participation socioculturelle; Outre, on organise une discussion sur le concept de l'oisiveté, en l'analysant du point de vue humaniste, en tant qu'élément central d'un vieillissement sain et actif. Enfin, l'importance de l'accessibilité est discutée en tant qu'élément déterminant de la participation socioculturelle des personnes âgées institutionnalisées. Dans une seconde partie, on discute des résultats d'une étude qualitative menée avec 25 personnes âgées institutionnalisées en permanence chez cinq bâtiments résidentiels de la région de Leiria, au Portugal. Ainsi, à travers des entretiens semi-structurés, on a aperçu que soit la participation active à des activités socioculturelles et artistiques, soit la jouissance de ce type d'activité, sont perçues par les personnes âgées institutionnalisées comme un élément essentiel du processus de vieillissement actif, dans l'expérience d'oisiveté et dans le sentiment de bien-être. Cependant, cette participation socioculturelle et artistique n'est vraiment ressentie comme bénéfique que si elle prend en compte les problèmes d'accessibilité, considérés comme essentiels dans le processus de (re) construction de l'identité.

Mots-clés: vieillissement actif; institutionnalisation; participation socioculturelle; oisiveté; accessibilité culturelle.


 

 

As sociedades contemporâneas têm sido alvo de mudanças significativas em suas demografias, verificando-se um aumento substancial do número de pessoas idosas. Nesse campo, Portugal não é exceção, e a preocupação com o envelhecimento ativo e saudável toma cada vez mais espaço nas agendas e nas preocupações do Estado e da sociedade em geral.

O paradigma do envelhecimento ativo traz consigo o princípio da construção de um mundo mais favorável aos adultos mais idosos, assente na elaboração de trajetórias positivas de envelhecimento, que não devem terminar com a institucionalização.

Aprendemos com a literatura (Lima, 2010; Pais, 2006; Sousa & Baptista, 2015; Scocco, Rapattoni & Fantoni, 2006) que a entrada a título definitivo numa instituição pode originar a rutura da pessoa idosa com o seu self e com a comunidade de pertença, comprometendo o bem-estar e a qualidade de vida. É nesse contexto que a participação social e cultural assume especial relevância, tal como preconizado pela Organização Mundial de Saúde (2015).

O facto de se encontrar a residir a título permanente numa instituição não significa que a pessoa idosa já não possa envelhecer ativamente. Na verdade, este fenómeno - o do envelhecimento ativo - está muito associado à participação sociocultural e artística, desde que essa participação seja perspetivada enquanto experiência de ócio. O ócio a que nos referimos aqui é entendido numa perspetiva humanista, de desenvolvimento pessoal e social, como experiência privilegiada de (re)construção da narrativa pessoal (Cuenca, 2012, 2013, 2014). Nesse contexto, o ócio é compreendido como uma experiência que está em relação com a vivência de situações e de experiências prazerosas e satisfatórias. Ócio experimental, positivo e digno, é entendido como ação livre, geradora de experiências e "que favorece a melhoria da pessoa e da comunidade; um ócio que se sustenta em três valores fundamentais: liberdade, satisfação e gratuitidade, que se orienta face aos referentes de identidade, superação e justiça" (Cuenca, 2014, p. 17). Todavia, se esse ócio humanista não é algo que acontece por acaso, mas uma realidade cultivada, tendo em vista o desenvolvimento humano, então não pode ser esquecida a adaptação dos espaços e das atividades, ou seja, a acessibilidade cultural. A participação sociocultural, no âmbito do processo de envelhecimento ativo, só é verdadeiramente possível se existirem estratégias, ações e recursos criados para eliminar barreiras, sejam físicas, sejam intelectuais, sejam sociais, para permitir o verdadeiro envolvimento por parte das pessoas, independentemente das suas limitações.

Tomando esses pressupostos por base, foi desenvolvido um estudo de índole qualitativa que procurou compreender de que modo é que a participação e o usufruto de atividades socioculturais e artísticas, em espaços externos às instituições residenciais, se pode constituir, para os idosos residentes, em contextos privilegiados de envelhecimento ativo e em experiências de ócio e de desenvolvimento pessoal e social. Devido à natureza deste estudo, privilegiou-se o conhecimento das representações dos sujeitos no que concerne aos comportamentos que se constroem no contexto das interações entre os sujeitos e os espaços, mediados por esquemas culturais e representações sociais diversas.

O texto que a seguir se apresenta começa com um debate teórico em torno da tríade envelhecimento ativo, ócio e acessibilidade, no contexto específico da população idosa institucionalizada, norteado por três grandes tópicos: "Envelhecimento ativo e institucionalização", discutindo-se o processo de envelhecimento ativo no âmbito específico da participação social e cultural; "Ócio e envelhecimento ativo? Sim, claro!", em que se realiza uma discussão em torno do conceito de ócio, analisando-o enquanto elemento central numa velhice saudável e ativa, destacando a relação existente entre a participação sociocultural e as práticas de bem-estar e de (re)construção identitária; e "A acessibilidade cultural como fator fundamental no processo de envelhecimento ativo", em que será analisada a importância da(s) acessibilidade(s) enquanto elemento determinante da participação social e cultural das pessoas idosas institucionalizadas.

Depois dessa reflexão teórica, serão apresentados os dados e discutidos os resultados obtidos através da aplicação de entrevistas semiestruturadas a 25 pessoas idosas, institucionalizadas a título permanente em cinco estruturas residenciais da região de Leiria, em Portugal. Por fim, serão apresentadas as conclusões finais.

 

Debatendo a Tríade Envelhecimento Ativo, Ócio e Acessibilidade no contexto específico da População Idosa Institucionalizada

Envelhecimento Ativo e Institucionalização

As sociedades contemporâneas têm sido alvo de mudanças significativas em suas demografias, em que se verifica um aumento substancial do número de pessoas idosas. Nesse campo, Portugal não é exceção, e a preocupação com o envelhecimento ativo e saudável toma cada vez mais espaço nas agendas e nas preocupações, não só do Estado, mas da sociedade em geral. Estamos perante mudanças significativas no que se refere ao papel do Estado, mas também das instituições sociais, culturais, económicas, educativas e de saúde. As sociedades começam a perceber que um envelhecimento saudável vai além da simples ausência de doença e a tónica assenta, cada vez mais, na habilidade funcional (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2015).

O paradigma do envelhecimento ativo traz consigo um novo enfoque, assente na construção de um mundo muito mais favorável aos adultos mais velhos, solicitando uma intervenção mais ampla do Estado que se quer de bem-estar. E, nesse quadro, as políticas sociais e culturais são eixos estruturantes das intervenções públicas dirigidas às populações. Tendo nós consciência de que as políticas públicas são reflexos da forma como o sistema de proteção social perceciona os direitos sociais dos cidadãos no geral, e dos diversos grupos em particular, reiteramos que, neste cenário pós-moderno, "as políticas devem ser estruturadas de forma que permitam um maior número de pessoas alcançarem trajetórias positivas do envelhecimento" (OMS, 2015, p. 6).

Estas trajetórias positivas não devem terminar com a institucionalização. A literatura da especialidade (Cardão, 2009; Paúl & Ribeiro, 2012; Sousa & Baptista, 2015) é unânime em explicar que a entrada, a título definitivo, numa instituição é um marco muito importante de rutura da pessoa com o seu self e com a comunidade de pertença (fonte de construção da identidade), por isso não é de estranhar que a institucionalização influencie fortemente o equilíbrio psicológico e físico das pessoas, denotando-se uma prevalência de sintomas psiquiátricos e demenciais nesse tipo de instituição (Scocco, Rapattoni & Fantoni, 2006). Se a institucionalização não foi uma escolha da pessoa, mas, sim, uma obrigação imposta pelos familiares ou pelas próprias condições de vida, esse processo será vivenciado de forma ainda mais dolorosa, com amplas repercussões no sentimento de identidade e do self (Lima, 2010; Pais, 2006; Sousa & Baptista, 2015).

Com efeito, a institucionalização, com os seus capitais simbólicos de influência local e com os seus condicionalismos estruturais, que transformam o espaço residencial e que, através de poderes invisíveis, determinam os comportamentos de uns em função daquilo que é esperado por outros (Bourdieu, 1989; Foucault, 1988, 1997), impele a uma reorganização do quotidiano, do próprio modo de vida e, em última instância, do modo de ser. A pessoa idosa vê-se perante um novo processo de construção de relações com os outros e consigo próprio, numa reconstrução identitária. Essa reconstrução da identidade está intimamente associada a um processo de envelhecimento ativo e saudável, no qual se demarca a importância dos ambientes físicos e sociais que são habitados.

Tal como se explica no Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde, da autoria da Organização Mundial de Saúde (2015), os ambientes onde as pessoas mais velhas vivem são determinantes para trajetórias positivas de envelhecimento, em que a participação social assume especial relevância. O local onde se vive e as relações existentes com a vizinhança e com a comunidade local afetam diretamente a saúde e o bem-estar, em suma, a relação consigo próprio.

Assim, falar de envelhecimento ativo, tal como preconizado pela Organização Mundial de Saúde (2015), implica falar de um processo de cidadania plena e ativa, no qual as oportunidades de participação têm especial importância, associadas a uma maior qualidade de vida. Conforme se pode ler no Programa de Ação do Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações, saiu-se de uma postura reativa, em que a pessoa era percecionada enquanto agente passivo, "para uma outra, pró-ativa que reconhece a pessoa como um elemento capaz e atuante no processo político e na mudança positiva das sociedades" (2012, p. 3).

Segundo o Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas, "o envelhecimento ativo é o processo de optimização de condições de saúde, participação e segurança, de modo a melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem" (2009, p. 5). Se nas últimas décadas a visão da velhice e do envelhecimento se tem transformado, originando preocupações com a criação de ambientes favoráveis à população de adultos mais velhos, isso implica "a continuidade do desenvolvimento de políticas transversais e de estratégias de atuação multidisciplinares, flexíveis e de proximidade, que permitam que todas as pessoas idosas possam desfrutar de uma vida ativa e saudável" (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2017, p. 6).

Isto também é valido para as populações institucionalizadas. O facto de se encontrar a residir a título permanente numa instituição não significa que a pessoa idosa já não possa envelhecer ativamente. Muito pelo contrário, partindo de uma visão prospetiva, essa combinação de indivíduo e o seu ambiente, e a relação que entre eles se cria, é igualmente importante. Assim, e conforme se explica no Programa de Ação do Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações, "o envelhecimento ativo exige uma abordagem multidimensional e constitui um desafio para toda a sociedade, implicando a responsabilização e a participação de todos e de todas, no combate à exclusão social e à discriminação e na promoção da igualdade" (2012, p. 8).

O facto de as pessoas estarem a residir em instituições não pode ser sinónimo de afastamento da vida social, cultural, económica, espiritual e cívica. Em bom rigor, os profissionais que trabalham de forma mais direta com esse tipo de populações - desde as instituições de apoio a pessoas idosas até equipamentos sociais e culturais da comunidade - devem combater os estereótipos relacionados com o envelhecimento e a velhice, porque a perceção estereotipada influencia os procedimentos de intervenção e de ação.

Sabemos que a comunidade de pertença, bem como a família e as relações sociais que se estabelecem, é fundamental na forma como se envelhece (Cabral, Ferreira, Silva, Jerónimo & Marques, 2013) por afetar diretamente a qualidade de vida. A representação que a pessoa tem da sua qualidade de vida é a tónica dominante do envelhecimento ativo, na qual confluem variadíssimos setores, que vão desde a saúde, à participação social e cultural, e à própria perceção que o indivíduo tem de si enquanto agente nesses contextos.

Em jeito de síntese, destaca-se o facto de o envelhecimento ativo, mesmo quando as pessoas já se encontram institucionalizadas, estar muito associado à participação social, cultural e cívica. Esse protagonismo social concretiza-se na relação com a comunidade externa envolvente, numa perspetiva de utilização de capacidades e de potencialidades que permitam às pessoas idosas sentirem-se ativas (Tena, 2018). Com efeito, a integração sociocultural é "essencial para as pessoas idosas, proporcionando-lhes recursos emocionais e práticos, participação ativa e maior autoestima." (DGS, 2017, p. 26).

Face ao exposto, salientam-se duas ideias: a primeira prende-se com a forma como as pessoas experienciam essa participação, ou seja, a experiência de ócio vivenciada; e a segunda, o facto de esse envolvimento na comunidade implicar a possibilidade de acesso a um conjunto diversificado de espaços - designadamente, sociais e culturais - para que os indivíduos se mantenham inseridos na sociedade, preservando e mantendo o seu bem-estar e a sua identidade.

Ócio e Envelhecimento Ativo? Sim, claro!

Já vimos, no ponto anterior, que o processo de envelhecimento ativo está intimamente relacionado com a possibilidade de participação social e cultural, uma vez que permite que as pessoas idosas se reposicionem no sistema de relações pessoais e sociais (Cabral et al., 2013), com repercussões na "construção da identidade e atualização do Self, facilita[ndo] o autorreconhecimento e formação da autoimagem ou autoconceito" (Pinheiro, Rhoden & Martins, 2010, p. 1140).

Nesse processo, o desfrute e o exercício do ócio emerge enquanto elemento central. Diz-nos a literatura da especialidade (Aquino & Martins, 2007; Baptista, 2013; Cuenca, 2013; Lázaro, Doistua & Romero, 2018) que o exercício do ócio é uma experiência privada e subjetiva, mas também bastante relacionada com os grupos e a comunidade onde vivemos, por serem importantes meios de realização.

Nesse quadro, o ócio pessoal, entendido desde uma perspetiva humanista e criativa (Aquino & Martins, 2007; Baptista, 2013; Cuenca, 2009, 2012, 2013, 2014), está imbricado na trajetória social da comunidade e nos seus contextos culturais, materializando-se em práticas culturais, sociais e comunitárias. O ócio que aqui abordamos, humanista, valioso e pessoal, concretiza-se na praxis comunitária (Cuenca, 2012).

Esse enquadramento do ócio permite perceber uma profunda relação entre esse conceito e o de envelhecimento ativo, porque o "ócio como experiência humana está relacionado a valores e significados profundos, apenas assim pode o ócio ter sentido enquanto experiência significativa positiva, fonte de desenvolvimento e prevenção à ociosidade negativa, ou ócios nocivos" (Aquino & Martins, 2007, p. 497).

Também para as pessoas idosas institucionalizadas esse espaço de ócio é expressão da sua identidade, espaço de vivências fundamentais para a superação de momentos de crise e de salvaguarda do self.

Contudo, falar do exercício do ócio é falar de uma experiência complexa que requer liberdade e capacidades que não são alheias à cultura. O espaço do ócio é, na verdade, um espaço cultural, um contexto privilegiado de relações simbólicas. A cultura, enquanto "relação com o outro, comunhão com a natureza e compreensão da vida" (Tournier, 1981, p. 10) engloba tanto os aspetos intangíveis (crenças, ideias, valores) como os tangíveis (objetos, símbolos, tecnologia) (Giddens, 2007). É algo profundamente imbricado na sociedade e não deve ser entendida de forma linear. Como tal, o mais correto será falar de culturas e não em cultura, uma vez que se convocam ligações entre múltiplos atores sociais, numa relação de coexistência com espaços e pessoas.

Admitindo o dinamismo existente na cultura, esta é muito mais que uma tendência de adaptação e de equilíbrio estático do acervo cultural herdado; ela é, principalmente, matéria-prima a partir da qual se constrói o presente e o futuro: "a cultura como criação de um destino pessoal e coletivo, e não tanto como um conjunto de valores assumidos e assimilados" (Ander-Egg, 2009, p. 24).

É aqui, na (re)construção da identidade e no desenvolvimento pessoal, ancorado no paradigma do envelhecimento ativo através dos tempos de ócio, que a cultura e as atividades culturais adquirem especial relevância na quotidianidade das instituições residenciais para pessoas idosas. Na verdade, "os programas de ócio não só cumprem os objetivos específicos da participação social e o enriquecimento intelectual e cultural, mas, também, de forma colateral, quebram o risco de isolamento e fomentam a qualidade de vida das pessoas idosas" (Lázaro, Doistua & Romero, 2018, p. 67). Ócio enquanto aspeto fundamental da saúde; enquanto reivindicação social que envolve a cidadania e a participação cultural.

Todavia não nos podemos esquecer que "apesar do envelhecimento humano ser um processo universal e ter características e mudanças relacionadas ao desenvolvimento humano, [ele] é vivenciado e experienciado de maneira única, perpassado pela cultura, pelo tempo e espaço" (Lima, Moraes & Martins, 2018, p. 111).

É, por isso, fundamental que os técnicos que trabalham nas instituições de apoio às populações idosas valorizem a cultura e os momentos de ócio enquanto formas privilegiadas de participação social, de desenvolvimento pessoal e de manutenção da identidade (Monteagudo & Lema, 2016).

Em linha com o exposto, a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável (2017) propõe dois conjuntos de ações promotoras da participação social da pessoa idosa: em nível individual, a promoção da educação e formação ao longo do ciclo de vida; e a segunda, que nos interessa especialmente no âmbito deste trabalho, em nível contextual, ou seja, a criação de ambientes físicos e sociais potenciadores da integração e da participação das pessoas idosas.

Esse segundo aspeto toca de forma muito próxima questões da acessibilidade, especialmente a acessibilidade cultural. Com efeito, os ambientes potenciadores de integração e de participação, ou seja, de experiências de ócio, têm de ser pensados também para os mais velhos, numa ótica de acessibilidade a toda a comunidade.

Assim, falar de envelhecimento ativo implica falar de participação sociocultural e de ócio, sendo a acessibilidade o elemento basilar. Posto isto, abordaremos, no ponto a seguir, a importância da acessibilidade, especialmente a cultural, no processo de envelhecer ativamente.

A Acessibilidade Cultural como Fator Fundamental no processo de Envelhecimento Ativo

Como já vimos nos pontos anteriores, falar de envelhecimento ativo e saudável obriga, necessariamente, a uma reflexão sobre a participação social e cultural. Com efeito, para que uma pessoa idosa, mesmo estando institucionalizada, se considere incluída, ela tem de se sentir parte da sociedade, uma vez que a participação e interação com outras gerações é "potenciadora de bem-estar, integração e reconhecimento social" (DGS, 2017, p. 30).

Por isso, e como se alerta ainda no mesmo documento - Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável (2017) -, é muito importante que os adultos mais velhos continuem a sentir-se parte das diversas instituições comunitárias, designadamente as culturais. Nesse sentido, deve-se apostar na criação de ambientes potenciadores da integração e da participação, pois a "participação em atividades de lazer, sociais, culturais e espirituais realizadas no âmbito da comunidade e da família permite aos idosos continuar a exercer as suas competências, a ser objeto de respeito e estima e a manter ou estabelecer relações de apoio e de afeto (Organização Mundial de Saúde, 2009, p. 38).

Essa procura da acessibilidade dos espaços e dos contextos deve estar presente nas políticas públicas e nas agendas de decisores políticos, de dirigentes de equipamentos sociais e culturais, bem como de técnicos que trabalham quotidianamente com as populações idosas não institucionalizadas e institucionalizadas.

Contudo é na praxis diária das pessoas idosas institucionalizadas que essa questão se revela mais pertinente, uma vez que o nível de autonomia desses indivíduos se encontra, normalmente, mais reduzido. Por isso, as possibilidades de participação em atividades e eventos socioculturais são mais diminuídas, e se a este facto adicionarmos as outras inúmeras barreiras que se podem encontrar - desde as de natureza mais física, às comunicacionais e atitudinais -, facilmente se percebe que as pessoas idosas institucionalizadas constituem um dos grupos que mais dificuldades encontra em participar social e culturalmente nas comunidades onde reside.

A acessibilidade coloca-se, destarte, como um elemento de importância vital numa sociedade que pretende oferecer a convivência entre pessoas de todos os tipos e condições na realização de seus direitos, necessidades e potencialidades (Sarraf, 2012).

Assim, falar de acessibilidade é, em bom rigor, falar em acessibilidades. Segundo Romeu Sassaki (2009), quando se toma por base o paradigma da inclusão, favorecer o acesso aos equipamentos e bens culturais implica trabalhar em nível de seis grandes dimensões: arquitetónica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal.

No que se refere à dimensão arquitetónica, fala-se, essencialmente, em eliminar as barreiras e os obstáculos físicos que possam colocar em causa a livre locomoção (acesso fácil aos aeroportos, hotéis, museus, teatros, locais de eventos, entre outros).

A dimensão comunicacional tem em conta as barreiras comunicacionais e a criação de estratégias de comunicação acessível aos diversos conteúdos, mediante a utilização de linguagens e códigos aplicáveis, como a adequação das sinalizações dos locais, ou a utilização de uma linguagem simples e acessível.

Ainda segundo Sassaki (2009), a dimensão metodológica diz respeito à substituição da forma tradicional de funcionar (que não leva em consideração as necessidades especiais, numa perspetiva de acessibilidade para todos) para um paradigma de acessibilidade de serviços culturais, sociais, de lazer e de ócio, estabelecendo-se novas propostas e acordos para todo o tipo de pessoas, inclusivamente as de mais idade.

A dimensão instrumental está relacionada com a adequação dos aparelhos, dos equipamentos, das ferramentas e de outros dispositivos que fazem parte dos locais culturais, sendo que "tradicionalmente, os agentes do lazer ignoram as limitações físicas, sensoriais e mentais" (Sassaki, 2009, p. 5).

A dimensão programática refere-se à eliminação das barreiras invisíveis existentes nos documentos oficiais ou noutros documentos escritos as quais, embora estejam implícitas, na prática impedem ou dificultam a certas pessoas a utilização dos serviços de ócio.

A sexta dimensão, a atitudinal, diz respeito às pessoas que trabalham nesses espaços e à forma como interagem com os visitantes: "é acima de tudo uma questão de postura. A acessibilidade precisa se estender [] à equipe que presta esses serviços. Um bom atendimento ao público começa no balcão de receção e é sempre uma parte essencial para que a experiência [] seja positiva" (The Council for Museums, Archives and Libraries, 2005, p. 38).

Face ao exposto, e em forma de síntese, podemos afirmar que a acessibilidade está intimamente relacionada com a cidadania ativa, pois "aplica-se às estratégias, ações e recursos criados para eliminar barreiras físicas, mas também intelectuais ou sociais, para permitir o usufruto por parte da maioria das pessoas" (Mineiro, 2017, p. 10).

Verificamos que a "acessibilidade em campo ampliado significa eliminação de barreiras físicas, de comunicação e informação, aderência e aceitação do público em relação aos conteúdos apresentados pelos espaços culturais em suas ofertas" (Sarraf, 2012, p. 64).

Quando olhamos mais especificamente para as populações idosas, existem alguns cuidados que são importantes acrescentar, pois:

Por um lado, sentem grande necessidade de conforto, mas, por outro lado, a sua experiência de vida e o aumento das suas fragilidades em virtude da idade tornam-nas mais exigentes na qualidade dos serviços/experiências que lhes são proporcionados. Uma melhor qualidade da oferta [] traduz-se na ação de prestadores de serviços qualificados, espaços ergonomicamente bem pensados e na disponibilização de estratégias e meios de comunicação adaptada e inclusiva (Mineiro, 2017, p. 33).

Assim, e no que a este tipo de população diz respeito, o mesmo documento (Mineiro, 2017) alerta para diversos aspetos referenciais, mas, acima de tudo, para a importância de se respeitar a individualidade e as necessidades específicas de cada sujeito, aliado a um tratamento de deferência. Como tal, as estratégias de comunicação devem fazer uma utilização de meios que melhor se adequem às diversas características (de caráter motor, físico, sensorial, cognitivo ou emocional) de cada indivíduo.

Em síntese, percebemos pelo exposto até ao momento que, no processo de envelhecimento ativo, mesmo para as pessoas idosas que se encontram institucionalizadas, a participação na vida cultural e artística da sua comunidade, através do acesso aos bens e equipamentos culturais, é fundamental porque contribui:

para o desenvolvimento motor e intelectual [], permitindo-lhes desenvolverem ideias, sensações, capacidades, imaginação e criatividade, possibilitando-lhes a experiência de auto-realização e estimulando-os, através do contacto com a realização dos outros, à vivência em comunidade, para que possam apropriar-se dos espaços sociais, como autores das suas histórias de vida (ANACED, 2016, p. 4).

 

O Estudo

A investigação que aqui se apresenta foi elaborada a partir do quadro teórico dos Estudos Culturais e insere-se no paradigma geral de investigação qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994; Flick, 2013; Guerra, 2006). Apresenta fortes contornos etnográficos, uma vez o nosso estudo valorizou a observação em contexto natural e o conhecimento da dinâmica real dos processos, enriquecida pelas perspectivas humanístico-interpretativa, fenomenológica e simbólica (Baptista, 2013; Dias, 2011; Martins, 2010). No que se refere aos objetivos, apresenta os seguintes: Conhecer as representações dos sujeitos relativas ao papel da participação social e cultural no âmbito do envelhecimento ativo; Perceber se o envolvimento dos sujeitos em espaços e atividades sociais, culturais e artísticas se constitui em experiências de ócio; Perceber se essas experiências de ócio têm influência no sentimento de bem-estar e (re)construção identitária dos sujeitos.

Devido à natureza deste estudo, privilegiou-se o conhecimento das representações dos sujeitos no que concerne aos comportamentos que se constroem no contexto das interações entre os sujeitos e os espaços, mediados por esquemas culturais e representações sociais diversas.

Assim sendo, o principal método de recolha de informação e de produção de dados consistiu em entrevistas semiestruturadas (Flick, 2013; Pernas, 2011), aplicadas a 25 pessoas idosas institucionalizadas a título permanente em cinco estruturas residenciais da região de Leiria, em Portugal.

Como procurámos compreender de que modo é que a participação e o usufruto de atividades socioculturais e artísticas, em espaços externos à instituição residencial, se pode constituir em contextos privilegiados de envelhecimento ativo, experiências ócio e de desenvolvimento pessoal e social, escolhemos essas cinco estruturas pelas suas características nas seguintes dimensões: ligações externas com a comunidade; parceria com equipamentos sociais e culturais comunitários; e participação em atividades socioculturais. Assim, "forte relação com a comunidade externa" foi o critério de escolha das estruturas residenciais. Das cinco estruturas selecionadas, duas situam-se na cidade de Leiria e três em aldeias limítrofes, mas que dispõem de transporte próprio para deslocação dos residentes.

No que se refere aos sujeitos do estudo, "participação em atividades socioculturais e artísticas exteriores à instituição" foi o critério de escolha dos nossos participantes, tendo sido convidados para o estudo os residentes que habitualmente participam em atividades socioculturais em espaços e equipamentos externos à estrutura residencial que habitam.

Um aspeto fundamental para poderem ser participantes do estudo prendia-se com a capacidade de entendimento e comunicação verbal. Atendendo a esses critérios, foram selecionados, tal como já foi referido, 25 indivíduos que passaram a constituir a amostra da pesquisa.

Faremos, de seguida, uma breve caracterização dos sujeitos, atendendo às seguintes categorias: sexo, idade e habilitações académicas. Assim, dos 25 participantes, 18 são do sexo feminino e 9 do sexo masculino. No que se refere à idade, os sujeitos encontram-se entre os 79 e os 90 anos. Quanto às habilitações académicas, 5 não têm qualquer escolaridade, 15 frequentaram a escola durante um número incerto de anos, mas nunca terminaram oficialmente a 4ª classe, e 5 estudaram para além da 4ª classe e tiraram cursos técnicos e profissionais. Todos os sujeitos participam ativamente em atividades socioculturais e artísticas. Como participação em atividades socioculturais e artísticas consideramos, quer as atividades realizadas pelos sujeitos em contextos socioculturais exteriores à instituição onde habitam, quer o usufruto de atividades que são oferecidas nesses mesmos contextos.

A Recolha dos Dados

As entrevistas aos participantes foram feitas nas estruturas residenciais onde os sujeitos vivem. Depois de abordadas as direções técnicas das instituições, e de se obter o devido consentimento, os sujeitos foram convidados a participar no estudo. Ao longo de todo o processo foram tidas em conta preocupações éticas e de procedimentos de proteção dos sujeitos, sendo toda a informação tratada com o máximo de confidencialidade e anonimato.

As entrevistas semiestruturadas permitiram um desenrolar não diretivo ao "combina[r] questões pré-fixas com outras emergentes que podem incluir-se, posteriormente, sempre que sejam pertinentes" (Pernas, 2011, p. 358). No que diz respeito à estrutura, aplicámos a aconselhada por Medrano e Cortés (2007).

É de salientar que, numa investigação como a que aqui se apresenta - qualitativa, de contornos etnográficos e no campo dos Estudos Culturais - interessou-nos, tal como defende Bourdieu (2011), mais do que a simples descrição das realidades vividas, o exercício reflexivo que os sujeitos fizeram sobre si próprios no que se refere às suas representações da praxis quotidiana e da sua noção de bem-estar e identidade, no âmbito da realização e do usufruto de práticas culturais. Embora a duração das entrevistas tenha variado de participante para participante, é de destacar que a grande generalidade se situou entre os 50 e os 60 minutos.

 

Participação e Usufruto de Atividades Socioculturais e Artísticas Acessíveis por parte de Pessoas Idosas Institucionalizadas: Tecendo Reflexões

Tomando por base o cruzamento da literatura científica com os resultados do trabalho empírico, nomeadamente com a análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas, iremos responder aos objetivos traçados.Para tal, teremos como eixo estruturante a temática que emergiu nos discursos dos sujeitos, assim como as respetivas categorias e subcategorias. O Quadro 1 exibe a grelha de análise temática.

Na análise dos discursos dos sujeitos, emergiu, de forma transversal, a questão da acessibilidade. Embora essa temática não estivesse diretamente presente nos objetivos do estudo, a verdade é que os dados indicam que a questão da acessibilidade, nas suas variadas dimensões (Mineiro, 2017; Sarraf, 2012; Sassaki, 2009), é condição sine qua non para que a participação sociocultural e artística seja efetivamente realizada. Assim, na resposta aos objetivos, a questão da acessibilidade surgirá sempre em pano de fundo.

No que se refere ao primeiro objetivo - Conhecer as representações dos sujeitos relativas ao papel da participação social e cultural no âmbito do envelhecimento ativo - todos os sujeitos reconheceram que a participação em diversas áreas sociais e em diferentes contextos comunitários é fundamental num processo de envelhecimento ativo. Se para alguns sujeitos a participação social estava associada a questões mais relacionadas com a saúde (como ir ao centro de saúde sozinhos, ir à farmácia, ), com atividades do quotidiano (ir comprar roupa, presentes para os familiares), e até,com atividades políticas (ir votar, ir à conservatória), a verdade é que a grande maioria associou a questão do envelhecimento ativo à participação sociocultural e artística.

Essa participação sociocultural e artística foi entendida pelos sujeitos de duas formas distintas: enquanto sujeitos participantes/agentes criadores de atividades socioculturais e artísticas, desenvolvendo os mecanismos necessários para integrar e realizar as atividades; e enquanto sujeitos fruidores de atividades socioculturais (ANACED, 2016; Ander-Egg, 2009).

No que se refere ao primeiro caso, os sujeitos admitiram que se sentem ativos e integrados na sociedade quando desempenham um papel ativo na produção cultural de determinado equipamento ou instituição comunitária: "não sei explicar, mas até parece que fico mais novo quando temos atividades de teatro lá no museu! [risos] Às vezes as pessoas pensam que os velhos do lar só estão à espera da morte, mas isso é mentira! Olhem as coisas tão lindas que fazemos lá!" (Ent. 5).

Segundo os dados apurados, a participação ativa em atividades de cariz cultural e artístico - como atividades de dança, música, literatura, teatro, artes plásticas, pintura, escultura, entre outras - favorece a oportunidade de as pessoas mais velhas utilizarem/estimularem valores, talentos e potencialidades criativas, artísticas e intelectuais, permitindo desfrutar de uma vida mais ativa, ligada ao ambiente envolvente (ANACED, 2016; DGS, 2017; OMS, 2009).

No que se refere ao seu papel enquanto fruidores culturais, os dados revelam que os sujeitos valorizam o acesso ao material e às atividades culturais e artísticas: "sou perdida por um bom bailado! Sabe que vivi muitos anos em Lisboa e ia aos bailados todos!? Adoro! Ainda hoje, se me querem ver contente e a falar pelos cotovelos, é puxarem a dança como assunto" (Ent. 11).

Acrescenta-se ao exposto que todos os sujeitos referiram a importância de se manter a ligação a locais destinados a atividades e serviços culturais, como bibliotecas, cinemas, teatros, casas da cultura, museus e outros equipamentos culturais: "gosto muito de ir a meio da manhã ler o jornal à biblioteca! Claro que vou ler o jornal e vou também trocar alguns dedos de conversa com quem lá está! Quando chove e eu não posso ir, fico logo diferente, sinto-me aprisionado!" (Ent. 18).

Percebemos, pelos dados apresentados, que o processo de envelhecimento ativo está muito associado à manutenção da ligação a espaços e atividades socioculturais para os sujeitos, quer numa perspetiva de participação, quer de fruição, indo ao encontro do preconizado na literatura (Governo de Portugal, 2012; OMS, 2015). Contudo, salientou-se um outro aspeto que é importante referir: esse sentimento de envolvimento só é vivenciado quando são oferecidas condições de acessibilidade (Sarraf, 2012).

Com efeito, todos os sujeitos admitiram que a escolha que fazem dos locais é influenciada, logo num primeiro instante, pela possibilidade de poderem entrar e circular sem ajuda (acessibilidade física) e depois, por espaços onde se sentem integrados, acolhidos, confortáveis e compreendidos (acessibilidade atitudinal, comunicacional, instrumental). Para além disso, e no que a fruição de atividades culturais e artísticas diz respeito, também foi valorizado o facto estarem preparados para o que vão assistir, e a forma como se podem "apropriar" da atividade: "fomos lá àquele museu e eu não gostei nada! Olhe, foi uma canseira para lá chegar Depois, não tinham banquinhos, nem nada, para a gente se sentar. Depois, a rapariga parecia que tinha engolido uma cassete e falava sem parar. As letras com a explicação das coisas eram muito pequeninas e eu não conseguia ler nada Enfim, nunca mais! Para isso, prefiro ficar aqui no lar!" (Ent. 19).

No que diz respeito ao segundo objetivo, tentámos perceber se o envolvimento dos sujeitos em espaços e atividades sociais, culturais e artísticas se constitui em experiências de ócio. Assim, e num primeiro momento, os sujeitos admitem que esses espaços são, essencialmente, espaços de ócio, porque possibilitam a participação social e cultural numa perspetiva de desenvolvimento pessoal. Os dados revelam que as experiências vivenciadas nesses espaços, materializadas em práticas culturais, sociais e comunitárias, se destacam, desde uma perspetiva humanista e criativa, enquanto formas privilegiadas de realização e crescimento pessoal (Cuenca, 2009, 2012, 2013, 2014; Monteagudo & Lema, 2016): "para mim, aquele espaço (biblioteca) é muito importante e é onde eu me sinto verdadeiramente feliz!" (Ent. 14); "eu gosto muito de ir por aí a esses sítios todos [risos] o que eu aprendo (e com esta idade! [risos]), o que eu ensino (sim, porque também sei umas coisitas), o que eu me divirto! [risos]" (Ent. 6).

Assim, para além desses espaços serem considerados espaços de desenvolvimento do ócio, as dinâmicas criadas em torno destes, quer na perspetiva da participação, quer da fruição, são consideradas experiências significativas positivas. Tal como defendido na literatura (Aquino & Martins, 2007; Cuenca, 2012; Sousa & Baptista, 2015), também os dados recolhidos revelam que a totalidade dos sujeitos encontra nessas experiências um espaço preferencial de desenvolvimento de relacionamentos afetivo-emocionais bem-sucedidos, quer com os pares, quer com outros indivíduos: "faz tão bem estas saídas e estas atividades que fazemos, que nem imagina! Quando vamos a esses sítios e fazemos outras coisas, também são outras conversas que temos entre nós [residentes da instituição] Muitas das vezes, conversamos sobre coisas e partilhamos coisas que só surgem porque vimos isto ou aquiloSão muito boas estas atividades, sim!" (Ent. 2); "Olhe, a mim, o que me vale são essas atividades, senão penso que já tinha morrido!" (Ent. 12).

Também nessa categoria a questão da acessibilidade esteve muito presente. Segundo os dados apurados, a acessibilidade (nas diversas dimensões) dos espaços e das atividades é considerada fundamental para os sujeitos vivenciarem esses espaços e atividades como experiências positivas de ócio: "olhe, aquilo parece que tem tudo ao nosso jeito e eu sinto-me muito bem lá! Gosto muito de lá ir, sim, senhora!" (Ent. 13).

Quanto ao terceiro e último objetivo - Perceber se estas experiências de ócio têm influência no sentimento de bem-estar e (re)construção identitária dos sujeitos - os dados apurados revelam que as experiências de ócio têm um papel determinante no bem-estar e na (re)construção identitária das pessoas idosas institucionalizadas.

Com efeito, os sujeitos foram unânimes em admitir que a participação e o envolvimento com a comunidade externa permitem um reconhecimento social muito importante para a o autoconceito e para a autoestima, bem como para a inserção na comunidade (Cabral et al., 2013; Tena, 2018). Esse tipo de participação favorece a integração sociocultural, porque permite a inclusão na vida da comunidade: "gosto muito de ir lá àquela instituição porque está lá muita gente que ainda me conhece! E vêm sempre cumprimentar-me, perguntar como é que eu estou e depois, às vezes, as pessoas começam a falar umas com as outras a contar algumas coisas que eu fazia aqui na terra! É bom!" (Ent. 17). Esse reconhecimento social tem especial importância na questão da (re)construção identitária, uma vez que a existência própria nos sentimentos e nos pensamentos de outra pessoa são fundamentais para validar o self e para assegurar uma certa perceção de continuidade.

Segundo os dados recolhidos, a participação social e cultural também favorece a criação de ligações intergeracionais, que se revertem de extrema importância para o sentimento de bem-estar e de (re)construção identitária. Na verdade, todos os sujeitos valorizaram o facto de esse tipo de participação favorecer o contacto e a criação de relações com pessoas de diversas faixas etárias, desde crianças a adultos. Este trabalho mais direto no âmbito da intergeracionalidade acolhe especial agrado junto dos sujeitos, porque promove o sentimento de utilidade e de integração na comunidade (Governo de Portugal, 2012; OMS, 2015): "sinto-me mesmo bem quando vou lá à banda filarmónica! Sabe que fui lá maestro muitos anos! E ainda consigo tocar e ensinar música! E os garotos respeitam-me [risos]. É bom voltar a ensinar e a fazer coisas úteis" (Ent. 24).

Por fim, os sujeitos destacam a importância que a participação social e cultural detém na criação e consolidação de trajetórias positivas de envelhecimento (OMS, 2015). A relação com o mundo é sempre mediada pelo simbólico e todos os entrevistados reconheceram que a participação nesse tipo de atividade favorece uma cidadania ativa, muito associada à construção e manutenção de um conjunto mais vasto de relações com os outros e consigo próprios: "sei que estou num lar, mas estas saídas e estas atividades fazem-me pensar que ainda sou útil, não acha?" (Ent. 9); "Às vezes, nessas atividades, pedem-me para eu costurar os fatos todos dos que vão representar. Fico toda contente e, enquanto não acabo a tarefa, não descanso [risos]. Gosto que se lembrem que toda a vida fui costureira e que ainda hoje é uma coisa que faço bem!" (Ent. 18).

Em jeito de síntese, segundo os resultados obtidos nesta pesquisa, a participação e o usufruto de atividades de cariz sociocultural e artístico é um aspeto valorizado por todos os sujeitos participantes deste estudo quando se aborda o processo de envelhecimento ativo. Com efeito, os dados revelam que o local onde se vive, as relações existentes com a vizinhança e o envolvimento com a comunidade afetam diretamente a qualidade de vida das populações idosas. Nesse contexto, os dados revelam também que a vivência de experiências positivas e significativas de ócio revelam-se determinantes para trajetórias positivas de envelhecimento, desde que sejam tidas em conta as questões de acessibilidade. As atividades de ócio foram reconhecidas pelos participantes do estudo enquanto elementos fundamentais de promoção da inclusão e da participação, favorecendo a qualidade de vida e a cidadania plena e ativa.

 

Conclusões Finais

A partir dos dados apresentados e discutidos nos pontos anteriores, percebemos que, quer a participação ativa em atividades de natureza sociocultural e artística, quer o usufruto desse género de atividade são percecionadas pelas pessoas idosas institucionalizadas enquanto elementos essenciais no processo de envelhecimento ativo, porque proporcionam a vivência de experiências de ócio e fomentam o sentimento de bem-estar, em que a (re)construção identitária assume especial importância. Contudo essa participação sociocultural e artística só é sentida como benéfica e verdadeiramente inclusiva se tiver em linha de conta as questões da acessibilidade.

Com efeito, segundo o nosso estudo, quando as pessoas idosas institucionalizadas têm uma relação próxima de envolvimento com espaços socioculturais externos à sua instituição de residência e participam ativamente em atividades dessa natureza, sentem-se parte da rede de recursos comunitários, favorecendo sentimentos de implicação social, de pertença e de ligação identitária (Mineiro, 2017).

Segundo os nossos entrevistados, quando essa participação se dá de forma acessível, de modo que todos se sentem integrados e em condições de dar e receber, os processos vivenciados transformam-se em experiências de ócio, de ligação ativa ao meio social e cultural no qual estão inseridos, numa perspetiva de cidadania e inclusão social. Esse aspeto é particularmente importante quando se trata de pessoas que já não vivem nas suas habitações, nem nos seus contextos comunitários de pertença. Quando são sujeitos que residem a título permanente em instituições de acolhimento de pessoas mais velhas, espaços com tendência para generalizações que conduzem à estereotipia e à anomia (Bourdieu, 1989), a participação social e cultural tem ainda mais valor no resgate da singularidade, da autonomia e do envelhecimento ativo. Com efeito, esse tipo de participação possibilita que a pessoa idosa institucionalizada se sinta parte da organização e coesão social, vivendo oportunidades de socializar e integrar outros grupos etários e outras culturas nos respetivos contextos comunitários (OMS, 2009).

Assim, os resultados do nosso estudo apontam para a necessidade de se apostar mais nesse tipo de participação, especialmente daqueles que já se encontram institucionalizados, quer em nível mais micro, ou seja, nas próprias instituições que acolhem os sujeitos idosos e nos espaços e equipamentos socioculturais comunitários, quer também em nível mais macro, nomeadamente nas políticas, nos planos e nas ações, em nível regional e nacional, para que seja criada igualdade de oportunidades de ócio, bem-estar e ligação identitária. Nesse desiderato, e como salientam os resultados do nosso estudo, a acessibilidade é um elemento fundamental, pano de fundo para o desenvolvimento e a implementação de qualquer estratégia de atuação no âmbito da participação social e cultural para pessoas idosas.

 

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Endereço para correspondência:
Jenny Sousa
Rua Dr. João Soares, Apartado 4045, 2411-901
Leiria - Portugal.
E-mail: jgil.sousa@gmail.com

Recebido em: 21/12/2018
Revisado em: 21/03/2019
Aceito em: 06/05/2019
Publicado online: 22/08/2019

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