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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.20 no.2 Fortaleza May/Aug. 2020

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v20i2.e9193 

RELATOS DE PESQUISA

 

Representações Sociais de Desastres Socioambientais na Mídia

 

Social Representations of Social and Environmental Disasters in the Media

 

Representaciones Sociales de Desastres Socio Ambientales en los Medios

 

Représentations Sociales des Catastrophes Sociales et Environnementales dans les Médias

 

 

Larissa Papaleo KoelzerI; Andréa Barbará da Silva BousfieldII

IDoutoranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
IIProfessora Associada II do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em Psicologia pela UFSC. Pós-doutorado no Instituto Universitário de Lisboa (ISCET-IUL) - Lisboa/Portugal e Pós-doutorado na Università degli Studi di Padova (Unipd) - Itália

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Nas últimas décadas, a preocupação com questões ambientais ganhou visibilidade mundial, sendo o clima do planeta e suas mudanças um dos assuntos mais debatidos na atualidade. A retomada do debate mundial deve-se, sobretudo, à emergência da temática dos desastres socioambientais. Esta pesquisa teve como objetivo caracterizar as representações sociais desses desastres na mídia. Buscou-se responder a esse objetivo por meio de um estudo documental retrospectivo, com análise de 264 reportagens da revista Veja, publicadas de 1968 a 2018, cujo conteúdo evidenciava o tema. Analisou-se o corpus por meio de uma classificação hierárquica descendente. A representação social observada na revista Veja apresenta aspectos representacionais relacionados à divulgação de conhecimentos científicos, relatos pessoais focados na tragédia e na superação, e reportagens sobre temas políticos e econômicos ligados aos desastres. Identificou-se ainda que, ao longo das décadas, houve uma sensível mudança na abordagem aos desastres. Sobretudo, uma maior implicação do papel da sociedade e dos governos, dando mais ênfase à questão política e social. Ainda assim, o aspecto social poderia ser debatido com mais profundidade e frequência, para que não caísse no esquecimento até o próximo desastre. Percebe-se também, por outro lado, ampla difusão de uma cultura que considera a maioria dos desastres naturais apenas expressão de causas naturais, desconsiderando fatores sociais, políticos e culturais.

Palavras-chave: representações sociais; desastres socioambientais; mídia.


ABSTRACT

In the last decades, the concern with environmental issues has gained worldwide visibility, with the planet's climate and its changes being one of the most debated subjects today. The resumption of the global debate is mainly due to the emergence of the theme of socio-environmental disasters. This research aimed to characterize the social representations of these disasters in the media. We sought to answer this objective through a retrospective documentary study, analyzing 264 reports from Veja magazine, published from 1968 to 2018, whose content evidenced the theme. The corpus was analyzed using a descending hierarchical classification. The social representation observed in Veja magazine presents representational aspects related to the dissemination of scientific knowledge, personal reports focused on tragedy and overcoming, and reports on political and economic issues related to disasters. It was also identified that, over the decades, there was a significant change in the approach to disasters. Above all, greater involvement of the role of society and governments giving more emphasis to the political and social issue. Even so, the social aspect could be debated deeply and more often so that it would not put aside until the next disaster. On the other hand, there is also widespread dissemination of a culture that considers most natural disasters just an expression of natural causes, disregarding social, political, and cultural factors.

Keywords: social representations; socio-environmental disasters; media.


RESUMEN

En las últimas décadas, la preocupación con cuestiones ambientales ganó visibilidad mundial, siendo el clima del planeta y sus cambios uno de los temas más debatidos en la actualidad. La retomada del debate mundial se debe, sobre todo, a la emergencia de la temática de los desastres socio ambientales. Esta investigación tuvo como objetivo caracterizar las representaciones sociales de estos desastres en los medios. Se buscó responder a este objetivo por medio de un estudio documental retrospectivo, con análisis de 264 reportajes de la revista Veja, publicadas de 1968 a 2018, cuyo contenido evidenciaba el tema. Se analizó el corpus por medio de una clasificación jerárquica descendente. La representación social observada en la revista Veja presenta aspectos representacionales relacionados a la divulgación de conocimientos científicos, informes personales enfocados en la tragedia y en la superación, y reportajes sobre temas políticos y económicos relacionados a los desastres. Se identificó también que, a lo largo de las décadas, hubo un sensible cambio en el enfoque a los desastres. Sobre todo, una mayor implicación del papel de la sociedad y de los gobiernos, dando más énfasis a la cuestión política y social. Aún así, el aspecto social podría ser debatido con más profundidad y frecuencia, para que no cayera en el olvido hasta el próximo desastre. Se percibe también, por otro lado, amplia difusión de una cultura que considera la mayoría de los desastres naturales solo expresión de causas naturales, desconsiderando factores sociales, políticos y culturales.

Palabras clave: representaciones sociales; desastres socio ambientales; medios.


RÉSUMÉ

Au cours des dernières décennies, la préoccupation pour les questions environnementales a gagné une visibilité mondiale, le climat de la planète et ses changements sont l'un des sujets les plus débattus aujourd'hui. La reprise du débat mondial est principalement due à l'émergence du thème des catastrophes socio-environnementales. Cette recherche a eu l'objectif à caractériser les représentations sociales de ces catastrophes dans les médias. Cet objectif a été répondu à travers une étude documentaire rétrospective, avec une analyse de 264 reportages du magazine Veja, publiés de 1968 à 2018, dont le contenu souligne le thème. Le corpus a été analysé en utilisant une classification hiérarchique descendante. La représentation sociale observée dans le magazine Veja présente des aspects de représentation liés à la diffusion des connaissances scientifiques, des rapports personnels axés sur la tragédie et le dépassement, et des rapports sur les questions politiques et économiques liées aux catastrophes. Il a également été constaté qu'au fil des décennies, il y a eu un changement important dans l'approche des catastrophes. Surtout, une plus grande implication du rôle de la société et des gouvernements, en mettant l'accent sur les questions politique et sociale. Néanmoins, l'aspect social pourrait avoir été débattu avec plus de profondeur et de fréquence, afin qu'il ne soit pas laissé de côté jusqu'à la prochaine catastrophe. D'autre part, il y a aussi une diffusion généralisée d'une culture qui considère la plupart des catastrophes naturelles uniquement comme l'expression de causes naturelles, sans tenir compte des facteurs sociaux, politiques et culturels.

Mots-clés: représentations sociales ; catastrophes socio-environnementales ; média.


 

 

Nas últimas décadas, a preocupação com questões ambientais ganhou visibilidade mundial, sendo o clima do planeta e suas mudanças um dos assuntos mais debatidos na atualidade. A retomada do debate mundial deve-se, sobretudo, à emergência da temática dos desastres socioambientais. A identificação de fatores que influenciam a mudança climática e o aumento da frequência de eventos extremos constitui-se num dos maiores desafios da ciência, assim como o estudo de suas consequências e medidas de prevenção.

Cabe explicar que o termo socioambiental vem sendo utilizado em substituição ao termo desastre natural ou desastre ambiental, por ser uma forma de evitar a descontextualização da realidade, levando em consideração o aspecto social do fenômeno.

O acelerado processo de urbanização levou ao crescimento das cidades em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, muitas vezes em áreas impróprias à ocupação, aumentando a vulnerabilidade da população aos eventos naturais e aos danos e impactos decorrentes dos desastres. Pode-se afirmar que os desastres naturais resultam da combinação entre características físicas do lugar, suas suscetibilidades e fragilidades, e a capacidade de resposta e recuperação da sociedade, expressas por sua vulnerabilidade e resiliência (OPAS, 2015).

Considera-se desastre o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, em uma comunidade ou sociedade, podendo resultar em perdas humanas, materiais, econômicas ou ambientais de grande proporção, provocando danos que excedem a capacidade de superá-los utilizando recursos próprios (UNISDR, 2016). De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2015), os desastres naturais podem se tornar cada vez mais frequentes e/ou mais graves do que já vem ocorrendo, impactando a saúde das populações de forma que seus efeitos não se restringem somente aos de curto prazo, mas aos de médio e longo prazo.

A mídia ocupa importante papel na construção de representações sociais (Jodelet, 2001), um saber social que contribui na construção de uma realidade comum e influencia as práticas sociais. Moscovici (2012), em sua teoria das representações sociais , procura explicitar como os saberes socialmente difundidos permitem que a coletividade processe um conhecimento veiculado pela mídia, transformando-o numa propriedade impessoal, pública, que permite a cada indivíduo manuseá-lo e utilizá-lo de acordo com valores e motivações sociais da coletividade a qual pertence (Nascimento-Schulze, 2000).

A representação de riscos, como o risco ambiental, é influenciada pelas fontes de informação que o indivíduo ou grupo privilegia, ou seja, as pessoas elegem suas fontes de informação de acordo com critérios que refletem sua pertinência cultural, além das suas motivações, preocupações pessoais e conhecimentos (Kuhnen, 2009). Assim, a percepção de risco ambiental também sofre forte influência de fatores psicológicos, simbólicos e socioculturais, além de elementos referentes ao lugar e à proximidade de perigos ou riscos, ao acesso às informações e à forma como são veiculadas. Tais fatores, agregados a diferentes crenças, atitudes e experiências, influenciam as condutas individuais e coletivas e as ações de mitigação e adaptação (Di Giulio & Ferreira, 2013; Favero et al., 2016; Moser, 2010; Santos & Marandola, 2012; Spink, 2014).

O estudo das representações sociais permite ampliar a compreensão dos conhecimentos da população sobre os temas ambientais e uma apreensão do processo pelo qual as pessoas se apropriam do conhecimento científico, incluindo-o no discurso social (Félonneau, 2003; Jodelet, 1996, Polli & Kuhnen, 2011). Estudos recentes acerca das representações sociais do ambiente (Joffe, Rossetto, Solberg, O'Connor, 2013; Moloney et al., 2014; Oliveira & Maia, 2016; Polli & Camargo, 2015; Polli & Camargo, 2016) demonstram ser este um tema de relevância atual, que vem ganhando espaço na pesquisa científica, visto que se relaciona de forma direta com a vida e a saúde das pessoas.

 

Teoria das Representações Sociais, Comunicação e Mídia

A teoria das representações sociais (TRS) é uma teoria científica sobre os processos pelos quais os indivíduos em interação social constroem explicações acerca dos objetos sociais (Vala & Monteiro 2006). Portanto, constitui-se em um modelo teórico para estudar cientificamente o pensamento leigo, ou seja, as teorias que os indivíduos desenvolvem com o objetivo de dar sentido à realidade que vivenciam.

As representações sociais (RS) caracterizam-se como formas de conhecimento dinâmicas, originadas da apropriação de fragmentos de diversas outras formas de conhecimento difundidas pelos meios de comunicação (Moscovici, 2003). Essa forma de conhecimento é vinculada tanto a sistemas de pensamentos mais amplos como também à condição social e ao âmbito da experiência pessoal e afetiva dos indivíduos, apoiando-se em valores que diferem de acordo com os grupos sociais que as elaboram e em saberes anteriores.

Para Abric (2003), são funções essenciais das RS: a função de saber prático (possibilidade de explicar a realidade a partir do senso comum), a função de identificação (manutenção da coesão grupal), a função de orientação (orienta práticas e comportamentos em um contexto social) e a função de justificativa e avaliação de condutas. As funções das RS são fortemente relacionadas aos comportamentos, sendo enunciadoras de ações desejáveis. Embora haja comportamentos não ancorados em representações, portanto não considerados representacionais, é por meio dessas funções que as RS podem guiar comportamentos.

De acordo com Palmonari e Cerrato (2014), as RS são concebidas para explicar o que une as pessoas a um grupo ou a uma sociedade, fazendo-os agir em conjunto. As pessoas, com o objetivo de continuar unidas, criam instituições e adotam um conjunto de regras que demandam um sistema de crenças e de representações partilhadas próprias de sua cultura. Assim, fatores intrasubjetivos, sociais, culturais e históricos são determinantes na elaboração de determinada representação. No caso dos desastres socioambientais, as representações podem, por sua vez, influenciar comportamentos frente a essa condição, mantendo ou desconstruindo as concepções socioculturais.

A representação social de determinado objeto é composta do conhecimento social partilhado no cotidiano, do qual faz parte toda uma série de crenças, imagens e metáforas que formam essa representação. Os indivíduos, no geral, adotam imagens e representações que são o produto de um processo coletivo de interpretar e conferir inteligibilidade a novos objetos. Esse processo é orientado pela comunicação interpessoal e midiática. Marková (2006) afirma que, de forma dinâmica, alguns fenômenos se transformam em um problema social, adquirindo notoriedade nos meios de comunicação de massa. Com relação a isso, Teixeira (2012) também discorre sobre a importância de se compreender a função da mídia como mediadora na construção das representações e vínculos sociais, portanto, na produção de sentido dos fenômenos.

Na teoria proposta por Moscovici, os aspectos conceitual e epistemológico são considerados em referência à inter-relação entre os sistemas de pensamento e as práticas sociais. Isto permite que se compreendam os fenômenos complexos do senso comum e a eficácia das RS na orientação dos comportamentos e na comunicação. A psicologia social tem como objeto de estudo a comunicação do ponto de vista da sua estrutura e função, de modo que a questão não reside no conteúdo comunicado, mas na maneira que se comunica algo e o significado que a comunicação tem para os indivíduos (Alexandre, 2001).

No caso das mídias de comunicação de massa, uma minoria é responsável pela produção das mensagens que a grande massa absorve. A finalidade dos meios de comunicação de massa é atingir o máximo de pessoas com o máximo de mensagens. Podem-se comparar as mensagens das mídias de comunicação de massa a outros produtos de consumo. Essa acentuação de materialidade das mensagens permitiu o desenvolvimento da análise de conteúdo que as decompõe, recenseia seus elementos, calcula frequências, apura correlações (Kientz, 1973).

Como afirma Rouquette (1986), a comunicação de massa faz parte do cotidiano. Dirigida a um grande público heterogêneo e anônimo, é uma técnica de difusão coletiva quantitativamente relevante de informações. Os meios de comunicação social (entre eles, os de comunicação em massa) tornaram-se cada vez mais presentes no modo de vida contemporâneo, especialmente no que se refere à circulação de objetos presentes no debate social.

Ainda, segundo Kientz (1973), a análise de conteúdo da mídia permite revelar os modelos, as imagens e os estereótipos que circulam na cultura de massa. Sendo assim, a investigação do conteúdo midiático difundido contribui para a compreensão da cognição social acerca de temas importantes do cotidiano, a partir da identificação dos temas presentes nos discursos do senso comum e da maneira como são apresentados na "agenda" midiática.

Diante disso, o presente estudo tem como objetivo identificar e descrever o conteúdo das RS de desastres naturais presentes em uma revista de expressiva circulação nacional ao longo das últimas décadas.

 

Método

Foi realizado estudo documental, de caráter descritivo, cujo objetivo foi identificar e descrever o conteúdo das RS de desastres naturais presentes em uma revista de expressiva circulação nacional ao longo das últimas décadas (Gil, 2008). A realização deste estudo justificou-se pela contribuição que a análise do conteúdo midiático pode trazer para a compreensão da cognição social sobre temas relevantes ao cotidiano, devido à importância da mídia impressa como fonte de informação para a adoção das RS (Jodelet, 2001).

A pesquisa documental utiliza-se das fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, como tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, entre outros (Gil, 2008). Neste estudo, foram analisadas matérias publicadas na revista Veja, lançada em 1968 pelo Grupo Abril, sendo o semanário de informação pago com maior tiragem do Brasil (Villalta, 2002).

Os dados da pesquisa foram coletados do acervo digital da revista, disponível com acesso gratuito na internet, das publicações entre setembro de 1968, data da primeira edição da revista, e junho de 2018. Os descritores utilizados foram "desastre ambiental", "desastres ambientais", "desastre natural", "desastres naturais", "inundação", "inundações", "enchente(s)" e "deslizamento(s)". Foram utilizados os termos desastres naturais e desastres ambientais por serem usualmente mais utilizados pela mídia, visando atingir o maior número de reportagens relacionadas à temática.

As reportagens foram coletadas e organizadas em um banco de dados, em um arquivo único, compondo um corpus de análise. Nesse banco de dados, o conteúdo de cada reportagem foi identificado por meio de uma linha de comando, na qual constavam as variáveis: edição da revista, ano de publicação e década de publicação. O material foi submetido a uma classificação hierárquica descendente (CHD). Para tanto, foi utilizado o programa informático IRaMuTeQ (Interface de R pour analyses multidimensionnelles de textes et de questionnaires).

A CHD é uma forma de análise de dados desenvolvida por Reinert (1990) para classificação de material textual. Numa primeira etapa da análise padrão, o conteúdo passa pelo processo de lematização e, para a realização da CHD, é dividido em segmentos de texto (ST). Assim, verifica-se a frequência com que palavras aparecem nos segmentos (análise de clusters), dando origem a classes que, concomitantemente, apresentam vocabulário semelhante entre si e vocabulário diferente dos ST das outras classes (Camargo & Justo, 2013). Com o software IRaMuTeQ, é possível recuperar, no corpus original, os segmentos de texto associados a cada classe, obtendo-se o contexto das palavras significativas estatisticamente de cada classe, possibilitando realizar uma análise qualitativa dos dados.

Dessa forma, as classes originadas da CHD representam o contexto do qual emergem as palavras e podem destacar RS ou elementos de RS sobre o objeto social em estudo (Camargo, 2005). A seleção das palavras representativas de cada classe foi realizada manualmente, de acordo com as palavras com frequência no corpus superior à frequência média por palavra (> 10) e a associação significativa da palavra com a classe, obtida por meio de teste de qui-quadrado (χ2=3,84).

 

Resultados

A revista Veja teve 2.597 edições de setembro de 1968 até junho de 2018. A fim de sintetizar e compreender o que esse importante veículo da mídia divulga a respeito dos desastres socioambientais, buscou-se, no acervo virtual da revista, reportagens internas que possibilitassem vislumbrar os conteúdos disseminados sobre a temática. Foram identificadas 264 reportagens envolvendo a temática dos desastres socioambientais, que continham os descritores em seu título e/ou texto. Salienta-se que esse número corresponde à soma das quantidades encontradas para cada descritor empregado, ocorrendo repetições quando uma mesma reportagem tem como resultado dois ou mais descritores.

Todas as reportagens passaram por uma leitura seletiva do título e conteúdo geral, a fim de verificar se satisfaziam aos critérios de inclusão propostos neste estudo. Essas reportagens foram armazenadas da forma disponibilizada no acervo digital, em formato PDF. Em seguida, foram transformados em documentos textuais, compondo um único corpus textual.

O programa IRaMuTeQ considerou na análise os 264 textos do corpus, que foram fracionados em 8.563 ST, dos quais, 82,6% foram retidos na CHD. O corpus foi dividido em seis classes, que foram nominadas pelos pesquisadores de acordo com o contexto do vocabulário típico de cada uma delas. Na Figura 1 podem-se visualizar as palavras significativas para cada classe, segundo a classificação por qui-quadrado.

A Figura 1 mostra como se relacionam as classes na CHD. Primeiramente, o programa dividiu o corpus em dois subcorpora. O primeiro originando as classes 5, 1 e 2, e o outro, as classes 6, 3 e 4. Em seguida, obteve-se outra partição, na qual as classes 1 e 5 separam-se da classe 2. Por último, a classe 6 separou-se das classes 3 e 4.

A classe 5, denominada Ação governamental, representa 19,08% dos ST retidos na análise e corresponde à segunda maior classe, com reportagens publicadas, em sua maior parte, na década de 1990. Os conteúdos que compõem essa classe tratam da reação de órgãos governamentais aos desastres socioambientais, como prefeituras, mostrando como se organizam para enfrentar e prevenir situações de crise. Na maioria das reportagens que trazem o tema da reação governamental, os políticos são questionados quanto a suas ações meramente paliativas e, muitas vezes, insuficientes, até mesmo para respostas imediatas. Também versam sobre a capacidade de execução de planos e programas governamentais existentes para as regiões e populações afetadas. Os trechos a seguir ilustram esse contexto:

O episódio mostrou a ineficiência da Prefeitura, que não tinha um plano razoável de evacuação, e do Governo Federal, que demorou a dar assistência às vítimas. Cinco anos depois do Katrina, Nova Orleans está renascendo - em grande parte, por força da cultura. (Edição 2165, ano 2010: A arte de tocar em frente)

Incompetência ou racismo? Na semana passada, na ressaca do furacão Katrina, que inundou 80% da cidade de Nova Orleans e obrigou a evacuação de meio milhão de moradores, uma parcela da opinião pública americana atribuía ao preconceito racial a lenta reação do governo federal diante da tragédia. Líderes religiosos, políticos e artistas tentavam vender a tese de que o governo do presidente George W. Bush demorou em providenciar socorro aos desabrigados - alimentos, água, medicamentos e transporte só começaram a chegar quatro dias depois do furacão porque a maioria dos atingidos eram negros. (Edição 1922, ano 2005: Katrina - incompetência, não racismo)

Mesmo para pessoas acostumadas à ideia de que o governo japonês é ineficiente, foi impressionante constatar que nos dois dias depois do terremoto, momento decisivo para salvar vidas, as autoridades não tinham tomado nenhuma providência de socorro às vítimas. Denunciei isso em artigos para jornais e agora estou preparando um livro sobre Kobe, por achar que houve omissão de socorro. Segundo o governo, a maioria das 5400 vítimas fatais teve morte instantânea. Tenho dúvidas. É mais verossímil que muitos feridos tenham morrido por abandono naqueles dois dias. (Edição 138, ano 1995: O Japão está parado)

A classe 1, denominada Família, apresenta reportagens publicadas na década de 1990 a 2000, além de 2010 a 2018. Seu conteúdo refere-se a histórias trágicas de pessoas atingidas que tiveram familiares mortos ou feridos nos desastres. É possível perceber sofrimento, comoção e desespero nos relatos dos momentos que se seguiram, conforme ilustrado nos trechos:

Para mim, parece que foi um sonho. Eu ainda tenho a impressão de que vou encontrar a casa de pé e os meus filhos vivos lá dentro - diz Maria de Fátima Pena Moreira, de 30 anos. Na hora da avalanche, ela estava com os três filhos em casa. Ouviu os gritos dos vizinhos e, num pressentimento, pegou o do meio, Fernando, de 7 anos, o empurrou pela porta e o colocou numa laje próxima. Voltou para pegar os outros dois, Edcarlos, de 9 anos e Josiane, de 6. Tentou puxá-los, mas as paredes já estavam caindo e atingiram os dois irmãos em cheio. Edcarlos e Josiane foram resgatados mortos pelos soldados do Corpo de Bombeiros algumas horas mais tarde e sepultados na quinta-feira. "Foi uma coisa tão horrorosa, que eu nem consegui chorar" - diz ela. (Edição 122, ano 1992: O inferno na terra)

O advogado Samuel Guerra e Silva, de 43 anos, ainda chora muito. Chora pelo momento em que lembrou que sua mãe, sua irmã e três de seus sobrinhos ainda estavam na casa vizinha à sua, e constatou que ela simplesmente desaparecera. E chora quando se recorda de que, às escuras em sua cama, ao lado da mulher, ouviu um forte estrondo e, no instante seguinte, percebeu que o barulho fora só o prenúncio da avalanche de lama que arrancou das fundações toda a parte de trás da casa confortável que ele tinha em Nova Friburgo. E que, assim, obliterou o quarto em que dormiam sua filha Maria Vitória, de 14 anos e a sobrinha Manuela, de 13. (Edição 2205, ano 2011: Luto na Serra Fluminense, a tragédia continua dentro dos corações)

A classe 2, que se separou das classes 1 e 5, foi denominada Meteorologia. Ela apresenta matérias veiculadas nas décadas de 1960 a 2000, com reportagens que abordaram os fatores e as características e comportamentos meteorológicos que atuaram durante os desastres, como é possível observar nos trechos:

Um susto semelhante fora sentido dez dias antes pelos 14000 habitantes de Cruz do Espírito Santo, cidade paraibana localizada a 30 quilômetros de João Pessoa, quando o açude Bolqueirão, que represa o Rio Paraíba 125 quilômetros a montante, começou a despejar sobre o leito do rio um excedente de 8000 metros cúbicos de água por segundo. Deu ondas de 5 a 6 metros de altura, conta Edmundo Padilha Nóbrega, 34 anos, funcionário da Secretaria do Serviço Social da Paraíba. Os moradores tiveram que fugir às pressas e, na semana passada, quando o nível do rio começou a baixar, tentaram voltar para suas casas. (Edição 871, ano 1985: O flagelo das águas)

A subida das marés bloqueou o escoamento da água do rio para o mar, causando o seu transbordamento para as margens. Lama, destruição e fome. Carros esmagados, casas soterradas e água por toda parte. Na era das grandes navegações a palavra procela entrou para o vocabulário da língua portuguesa. Procelas são as fortes tempestades que se formam em alto mar. Na semana passada, uma procela se adensou, não sobre o oceano, mas nos céus da próspera Santa Catarina. Quando ela despencou sobre as cidades, foi com uma fúria e constância jamais vistas, mesmo numa região historicamente sujeita a precipitações caudalosas e enchentes. (Edição 2089, ano 2008: O horror diante dos olhos)

A resposta mais curta é que existe uma conjunção excepcional de fatores meteorológicos, cada um deles contribuindo para a continuidade do aguaceiro. Já a devastação que as águas provocam, por meio de alagamentos e enxurradas, é também consequência do perfil geográfico da cidade e das características da urbanização conduzida através dos anos. No que diz respeito à meteorologia, a chuva resultou de três fenômenos. (Edição 2151, ano 2010: Dilúvio... 45º dia)

Já a classe 6, denominada Mudanças climáticas, engloba reportagens que foram veiculadas principalmente nas duas últimas décadas (de 2000 a 2018). A partir do conteúdo dessa classe, pode-se perceber que a mídia vem enfatizando os efeitos das mudanças climáticas como desencadeante dos últimos desastres socioambientais, como é possível identificar nos trechos:

O suspeito óbvio é o aquecimento global. A temperatura média no planeta aumentou 1º nos últimos 100 anos. Não há consenso sobre as causas. Muitos meteorologistas acreditam que o fenômeno seja decorrência do efeito estufa, provocado por gases poluentes. (Edição 1815, ano 2002: A Europa pega fogo)

As mudanças climáticas criam um descompasso no planeta. Enquanto em alguns lugares ocorre seca recorde, em outros nunca choveu tanto. Há uma constatação incontornável: o planeta passa por drásticas mudanças climáticas que fazem proliferar cenários extremos, de áreas com secas persistentes a outras com tempestades intensas. Desde o início dos registros históricos, em 1880, a temperatura na Terra subiu 0,85º e aumentou a uma taxa de 0,05º ao ano na última década. Parece pouco, mas é o suficiente para criar um trágico descompasso no clima global. (Edição 2397, ano 2014: A era dos extremos)

O tema das mudanças climáticas vem ganhando repercussão internacional devido aos relatórios emitidos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC), que identificaram fatores ameaçadores à espécie humana em escala global. No Brasil, por exemplo, os eventos mais preocupantes devido à direta influência negativa que têm na produção agrícola e na saúde pública, são chuvas concentradas e estiagens prolongadas. (Valencio, Siena, Marchezini & Gonçalves, 2009).

Tomando o conceito de desastre como um fenômeno com dimensões físicas e culturais, conforme propõe Quarantelli (1998), as mudanças climáticas deveriam ser compreendidas como ameaças socialmente produzidas, e não apenas ameaças naturais, como vêm sendo arraigadas no imaginário social. Com isso, compreende-se que os desastres seriam eventos extremos secundários às mudanças climáticas que, por sua vez, têm uma dimensão tanto natural quanto social, o que implica uma consciência quanto à redução da vulnerabilidade global a eles.

A classe 3, denominada Economia e desenvolvimento, corresponde à maior classe, com 19,34% dos ST retidos na análise. As reportagens associadas a essa classe foram publicadas, em sua maioria, também nas últimas duas décadas (de 2000 a 2018). Do seu conteúdo, é possível depreender a questão do desafio que a sociedade enfrenta atualmente: de manter-se em expansão econômica e tecnológica sem, com isso, comprometer o clima, ou seja, sem colaborar para o aumento da frequência de desastres socioambientais. É o que se encontra nos trechos:

O Brasil entra na sua fase de maior crescimento econômico prolongado em um período sem precedentes de conscientização sobre a necessidade de preservação ambiental. Hoje o modelo é outro. Parece paradoxal, mas não há mais como crescer sem preservar o meio ambiente ou, pelo menos, sem diminuir o impacto causado pela produção - diz o economista americano. Ou fazemos essa transição para a sustentabilidade imposta pela crise global de 2008, que se resume na desaceleração do impacto ambiental, ou estaremos fadados a desaparecer, conclui. (Edição 2196A, ano 2010: O Brasil pode crescer em ritmo chinês sem agredir o ambiente? Sim)

Quando falamos em reduzir o desmatamento e em outras medidas de combate ao aquecimento global, não queremos de forma alguma prejudicar o direito ao crescimento econômico dos países emergentes. Para sustentarmos um bom padrão de vida para a população mundial de 9 bilhões de pessoas, como está previsto para 2050, teremos de ser mais eficientes no uso dos recursos naturais e investir em fontes renováveis de energia. Quinhentos milhões de pessoas vivem sem luz elétrica na Índia. Claro que não podemos pedir ao governo indiano que seu país pare de crescer economicamente. Precisamos descobrir uma maneira de tornar esse crescimento sustentado, com um impacto menor sobre o ambiente. (Edição 2081, ano 2008: A guerreira do clima)

Por fim, a classe 4, Fatores socioambientais, retrata o conteúdo predominantemente da década de 2000. Nele, está presente a busca de uma explicação para o aumento na ocorrência de desastres socioambientais, que abrangem tanto as mudanças climáticas quanto a ação humana. Há, portanto, algumas correntes de pensamento que delegam a responsabilidade a diversos fatores ligados à responsabilização das pessoas. Seguem os trechos:

As emissões de carbono, o grande responsável pelas mudanças climáticas e pelo aquecimento global, cresceram 10 por cento. Nos Estados Unidos, que abandonaram o Protocolo de Kioto, o tratado assinado por 178 países para controlar as emissões desse gás, o salto foi de 18%. Quanto ao crescimento sustentado, assunto tão debatido, a coisa parece caminhar para o fiasco. (Edição 1765, ano 2002: A Terra pede socorro)

Dentro de quarenta a cinquenta anos sentiremos o impacto do que já fizemos contra o planeta. São efeitos que aparecerão na forma de desastres naturais, como secas, enchentes e furacões progressivamente mais intensos. Não importa o que fizermos agora, esses efeitos serão sentidos, eles já são inevitáveis. Assim, tudo o que fizermos nas próximas duas ou três décadas só terá impacto no fim deste século. O que é preciso fazer? Está claro que temos de diminuir os níveis da emissão global de gases poluentes, como o gás metano que sai das mineradoras e o dióxido de carbono dos automóveis, fábricas, aviões. A redução desses gases não pode demorar mais do que vinte anos. Se for feita, poderá diminuir grandemente os riscos que o planeta corre. (Edição 1981, ano 2006: O alerta global)

A partir da análise das publicações da revista Veja sobre desastres socioambientais, desde sua primeira publicação, em 1968, constatou-se o aumento gradativo das publicações ao longo dos anos, além de mudanças na forma como o tema é abordado. O aumento do número de reportagens abordando o tema deve-se pelo crescimento do número de ocorrências e a crescente preocupação com questões ambientais na contemporaneidade. Na primeira década de publicação da revista Veja foram encontradas 7 reportagens sobre o tema, considerando que a revista passou a ser publicada em 1968. Na segunda década, de 1970 a 1980, foram 11 reportagens; de 1980 a 1990, 25 reportagens; de 1990 a 2000 foram 39; disparando entre 2000 e 2010, totalizando 115 e, na última década estudada, entre 2010 e junho de 2018, foram 72 reportagens.

Os resultados da CHD corroboram o esperado, tendo em vista que, nas duas últimas décadas, ampliou-se o debate do tema, articulando-o com aspectos sociais e políticos. Pode-se perceber que, nas duas primeiras décadas de publicação da revista, a representação social do desastre relacionava-se aos aspectos físicos e meteorológicos dos eventos. Nessa época, as reportagens veiculadas frequentemente detiveram-se ao relato dos acontecimentos, como chuvas fortes, secas, vendavais e suas consequências em curto prazo. Era utilizado um vocabulário bastante técnico e objetivo, trazendo informações acerca do funcionamento meteorológico dos desastres, suas causas e consequências, sem ampliar a discussão para articulação com outras facetas do problema.

Já na década de 1990, foi possível perceber uma ampliação do debate, que passou a incluir as questões políticas dos desastres, com foco na ação governamental diante da sua ocorrência. Nessa época, as reportagens, além de abordarem o aspecto físico ou meteorológico dos desastres, passaram a problematizar as políticas adotadas para enfrentamento e prevenção de desastres socioambientais. Assim, além de ampliar um pouco mais o debate, o foco passou às questões de médio e longo prazo, e não mais às questões imediatas surgidas com a ocorrência do desastre.

A partir da década de 2000 novas mudanças na abordagem do tema se deram por conta da inclusão de termos científicos, como mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, entre outros. A partir de então, pode-se considerar que o conhecimento científico passou a ser mais divulgado e reconhecido pelas mídias quando da abordagem do problema, passando a influenciar a construção do pensamento social de forma mais direta. Isso pode ser observado nos achados deste estudo, pois, a partir da década de 2000 e até hoje, o debate dos desastres socioambientais inclui aspectos socioambientais, como preservação ambiental, desenvolvimento e economia, mudanças climáticas, além dos fatores psicossociais, como luto e enfrentamento.

Portanto, pode-se perceber que a representação social dos desastres, por constituir um fenômeno dinâmico, sofreu alterações, ao longo das cinco décadas analisadas, pelo incremento do debate, que aconteceu com a ampliação dos aspectos relacionados. Assim, os desastres, que já foram considerados fenômenos físicos baseados em alterações meteorológicas, aparentemente hoje constituem, no conhecimento social, um fenômeno multifacetado que contempla os aspectos físico, social e político.

 

Discussão

A realização do presente estudo permitiu identificar que o tema dos desastres socioambientais ganhou destaque na mídia à medida que passou a afetar mais intensamente a população. Interessante refletir que, geralmente, a atenção da mídia permanece focada em determinados assuntos por um período de tempo limitado, pois cada um desses problemas ganha relevância e, depois, gradualmente desaparece do centro da atenção, sem que tenha permanecido em foco por tempo suficiente para gerar pressão política capaz de causar mudanças (Downs, 1972).

Com relação aos desastres socioambientais foi possível perceber que a questão teve uma crescente discussão e disseminação na mídia, permanecendo como foco da atenção pública. A análise das reportagens veiculadas na mídia impressa, por meio da revista Veja, permitiu identificar o conteúdo das informações difundidas à população desde sua primeira publicação, em 1968, e as mudanças nas representações sociais do fenômeno desde então.

Considerando os resultados da CHD, podem-se considerar três diferentes representações sociais encontradas nos diferentes períodos de tempo analisados. Para que se possa identificar uma representação social expressa através das classes resultantes da CHD, devem-se considerar as classes com maior conteúdo, sendo que essas adicionam informações sem, contudo, configurar uma representação social diferente da identificada pela classe maior.

Ao longo das cinco décadas analisadas, verifica-se uma representação relativamente estável dos desastres socioambientais. Contudo a CHD apresentou a associação das classes a diferentes períodos, sugerindo algumas mudanças no conteúdo publicado ao longo do tempo. Acredita-se que a reprodução pelos meios de comunicação de massa de conhecimentos produzidos pelos cientistas pode exercer influência no pensamento coletivo, contribuindo para a produção e veiculação de representações sociais (Camargo, 2003; Moscovici, 1981). Isso corrobora os achados deste estudo, uma vez que foi possível perceber sensíveis mudanças nas representações sociais dos desastres socioambientais com a inclusão mais expressiva de informações científicas ao debate, o que ocorreu por volta da década de 2000.

Pode-se perceber, em primeiro plano, uma mudança no conteúdo enfatizado nas reportagens acerca de desastres socioambientais. Inicialmente, nas publicações referentes às primeiras décadas de veiculação da revista, as reportagens os tratavam como expressão de um fenômeno físico, sem incluir no debate a problematização social e política inerente ao fenômeno. Naquela época, até a década de 1990, poucas matérias relacionavam a ocorrência de desastres com a ação humana, a expansão econômica e tecnológica, tampouco tinham foco nas ações governamentais frente a esses eventos.

Esse cenário mudou na década de 1990, quando as reportagens passaram a focar a ação de diferentes esferas de governo, a eficiência de suas ações e o planejamento de políticas públicas de médio e longo prazo, para além dos aspectos físicos/meteorológicos. Essa mudança na abordagem dada pela mídia ocorreu no mesmo momento histórico em que foi realizada no Brasil a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como Rio 92, e reuniu chefes de estado para discussão de problemas ambientais mundiais. Sabe-se que a ocorrência de um desastre estabelece responsabilidades específicas aos governos, provocando-os a ampliar ou modernizar políticas e programas destinados às populações afetadas e suas ações de prevenção. A ocorrência de um desastre também propicia que governantes obtenham ou percam legitimidade, a depender da sua atuação, muitas vezes retratada pela mídia. Tem-se, por exemplo, uma exploração de sua imagem por parte das autoridades, veiculando-a ao contexto psicossocial dos desastres, de forma a identificar-se com uma comoção coletiva.

Outra característica que vem sendo abordada na mídia desde a década de 1990 refere-se às populações afetadas pelos desastres socioambientais. Embora não esteja propriamente relacionada à representação social dos desastres, são amplamente explorados pela mídia os relatos dos atingidos e os impactos nas suas vidas. Muitas histórias relatadas nas reportagens analisadas neste estudo versam sobre a perda e o luto por familiares, vizinhos, colegas e amigos que foram soterrados, mortos ou desapareceram. Geralmente, a mídia apresenta os afetados como emocionalmente desestruturados e frágeis (Valencio et al. 2009), e esse aspecto é intrínseco à representação social dos desastres, como pode ser constatado na identificação da classe 1 deste estudo.

Essa imagem contribui para o esvaziamento de suas subjetividades, a desconstrução da legitimidade de suas reivindicações e a destituição de seus recursos psíquicos para lidar social e emocionalmente com a situação. Assim, muitos dos complexos desdobramentos do desastre, que raramente aparecem nas notícias veiculadas, são perdidos no esquecimento social e acabam por fortalecer o imaginário social de culpabilização das vítimas e não chegam a compor a representação desse fenômeno (Valencio, 2012). Isso pode explicar por que a classe 1, neste estudo, é a segunda menor classe que compõem a análise, demonstrando que esse conteúdo não tem força suficiente para formar uma representação social do fenômeno, mas constitui um aspecto dela.

Além disso, é possível perceber que, no Brasil, o debate acerca dos desastres socioambientais, embora tenha sido ampliado nas últimas décadas, ainda tem girado em torno de determinados fatores de ameaça, como os aspectos políticos, econômicos e desenvolvimentais, bem como as mudanças climáticas em detrimento das dimensões socioambientais e psicossociais. Sendo assim, a mídia poderia contribuir com a questão da mitigação dos desastres passando a enfocar pertinentemente a vulnerabilidade social, precedente ou circunstancial, considerando as relações sociais e políticas que se conjecturam territorialmente (Quarantelli, 2006).

 

Considerações Finais

O presente artigo buscou analisar as RS de desastres socioambientais na mídia impressa a partir de reportagens veiculadas por uma revista de importante alcance nacional. Identificou-se que, ao longo das décadas, houve uma sensível mudança na abordagem dos desastres. Sobretudo, identificou-se maior implicação do papel da sociedade e dos governos, dando maior ênfase às questões política e social. Ainda assim, o aspecto social poderia ser debatido com mais profundidade e frequência, para que não caísse no esquecimento até o próximo desastre. Percebe-se também, por outro lado, uma ampla difusão de uma cultura que considera a maioria dos desastres naturais apenas expressão de causas naturais, desconsiderando a interferência das pessoas.

Analisar as notícias difundidas na mídia impressa proporcionou compreender um campo pelo qual o conhecimento científico é transmitido e popularizado, transmissor que viabiliza a produção de RS (Camargo, 2003). Os meios de comunicação, ao propagarem informações científicas e noticiarem os desastres, difundem RS que influenciam a dinâmica das relações e práticas sociais relativas a elas.

Para concluir, a análise das RS dos desastres socioambientais na mídia impressa, proposta deste estudo, colabora para o desenvolvimento científico da área. Esse objeto de estudo, embora socialmente relevante num país como o Brasil, onde já ocorreram importantes desastres socioambientais, é pouco investigado pela psicologia, sobretudo relacionando-os às representações sociais.

Cabe apontar que a restrição à uma fonte, a revista Veja, é um limite da pesquisa realizada, pois pode fazer surgir uma parcialidade nos resultados. Esse limite do estudo, no entanto, não interfere na credibilidade dos dados apresentados, mas aponta a necessidade de aprofundar, realizando pesquisas futuras mais amplas. Portanto, faz-se necessário dar continuidade à exploração de diferentes aspectos do tema com a realização de outras pesquisas, que abarquem diversos aspectos desse tema multifacetado.

 

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Endereço para correspondência:
Larissa Papaleo Koelzer
E-mail: larissapk@hotmail.com

Andréa Barbará da Silva Bousfield
E-mail: andreabs@gmail.com

Recebido em: 23/05/2019
Revisado em: 05/06/2020
Aceito em: 19/06/2020
Publicado online: 12/11/2020

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