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Cógito
Print version ISSN 1519-9479
Cogito vol.6 Salvador 2004
ABERTURA DO CONGRESSO
Carlos Pinto Corrêa
Sabemos que por séculos o progresso humano, entendendo-se aqui o progresso intelectual, científico, tecnológico, de recursos para a saúde e conforto, fez uma caminhada lenta em progressão aritmética, na qual os passos sucedem uns em conseqüências dos outros. O iluminismo talvez tenha sido a concentração necessária para impulso decisivo que se iniciaria logo depois.
A tecnologia ligada às questões básicas da energia, a partir da exploração industrial das minas de carvão na Inglaterra e logo a revolução industrial, levaram a ciência especulativa a um pragmatismo novo e inicia-se uma faze de transformações marcadas por invenções seguidas de fabricação e sua oferta para a população. Da progressão aritmética passamos à geométrica. Assim o século XX se tornou um espanto para os pensadores que viviam a surpresa e o temor frente a um futuro ameaçado pelas transformações que mudariam o mundo e conseqüentemente o homem.
Dentre os pensadores surpresos pelos novos caminhos, existem dois importantes autores que preferiram estabelecer sua crítica através de um exercício de futurologia. São eles Orwel e Aldous Huxley. Orwel fixou-se em uma data mais próxima, estando já com seu tempo esgotado.Huxley permanece com desafios ainda possíveis.
Descendente de uma ilustre família inglesa, cuja notoriedade se inicia com Thomas Henry Huxley (1825-1895, eminente cientista e humanista, cuja fama se espalhou por todo o mundo. Entre vários filhos ilustres está o escritor Aldous (Leonard), que viveu entre 1894 e 1963.
Admirável Mundo Novo é a obra mais famosa de Aldous Huxley, depois de “Contraponto”.Trata-se de uma Utopia pessimista que estaria situada no ano de 2500 em um mundo dominado por duas idéias: a tecnologia e a eficiência. O romance apareceu em 1932 e logo foi assimilado como uma profecia sinistra de um mundo que tenta se livrar de problemas como a super população e o super consumo. O autor realiza terríveis simplificações a respeito do ser humano sobre o lema da “Continuidade, Identidade e Estabilidade”. De qualquer modo trata-se de um futuro revelador da maneira com o progresso pode ser sufocante e despersonalizador desde que ajudado pela psicologia, a genética e o abuso das medicações.O belo e o gratuito são odiados, às cerimônias religiosas visam atender a uma necessidade humana primitiva de ritual e pompa. As dúvidas são resolvidas com auxílio do soma, um produto que remove todas as nuvens do espírito.
Com um milhão de exemplares vendidos a obra de Huxley é uma profecia do inevitável, um destino trágico cuja única saída poderia ser tentada pela conquista da liberdade e pela condenação da violência. Sobre este admirável mundo novo André Maurois diz: “Nada sobrevive ali, nem o amor, nem a família. Tudo é perfeito e odioso”.
Na antecipação que propusemos como título do Congresso, o utópico se transforma na realidade dos nossos dias. Parece que o jogo econômico capitalista utilizado-se de uma lógica obsessiva ganha da possibilidade integrante e crítica dos homens. 1932 – 2003 teria sido o caminho intelectual e filosófico que pela desmesura da modernidade isolou o pensamento da ação?
O Pós-moderno foi uma onda que passou nas Universidades Americanas, onde fez mais sucesso, mas há ainda muito com que especular a respeito. Podemos tomar a intrigante análise feita por Terry Eagleton em “Depois da Teoria” . Ele faz o elogio de Derrida, Lacan, Barthes, Foucault e outros como se pertencessem a uma idade de ouro que ocorreu no início dos anos 80.
De fato é um tempo de valorização extrema da teoria levada ás suas últimas conseqüências. O valor heurístico central do pós-modernismo é sua insistência na necessidade de pensar “sempre de outro modo”, como sugeriu Wittgenstein.
Em contrapartida surge a tendência de ignorar as evidências úteis, caso elas atrapalhem ou obscureçam algumas das oposições resmungantes em que a polemica cultural adora insistir, daí o verdadeiro fascínio dos pensadores pelo original e o bizarro, o difícil e o complexo são almejados como sentido. Surpresa, escândalo, incompreensão frente às idéias como se mergulhasse em um mundo surrealista Acho curioso a justaposição de certas idéias com o senso comum que outrora poderiam sugerir uma validade e que hoje esbarram num impossível. Para o teórico Pós-moderno o caminho seria a hostilização do vulgar para salvação do teórico. O homem abandona o que é simples e pensa que se torna grandioso, esquecendo-se de que o simples guarda na verdade o enigma do que permanece e é grande. Heidegger sugere que o perigo iminente é o homem atual ficar surdo à linguagem do caminho, cabendo-lhe nos ouvidos apenas o ruído das máquinas que lhe afiguram então como a voz de Deus. Assim, o homem se dissipa e erra seu caminho. Para este homem o simples parece uniforme e o uniforme causa monotonia e náusea. Assim a força silenciosa do simples desaparece. Podíamos nos perguntar se nosso almejar liberdade está mais próximo do ruído das máquinas ou do silêncio do caminho no campo. E, ainda, olhando do nosso ponto de vista pensar se a pretendida cura da neurose não aponta mais para a devolução ao nosso cliente do senso comum do que a sua inclusão nos complicados modelos psicanalíticos.
A psicanálise é especialmente sensível a estas questões metodológicas estabelecidas. A excessiva valorização de proposições teóricas e filosoficamente defensáveis desvinculam-na da técnica (exercício da clínica) e das evidências ou o senso comum em que os clientes estão mergulhados.
Com isso podemos voltar às necessidades de uma ordenação entre teoria e técnica. Para o Pós-moderno, a teoria antecede a técnica e é quem pode cria-la. Aqui há a valorização típica universitária que se preocupa e ordenar o saber, daí a noção ter a teoria como um saber sobre a práxis. Heidegger chama atenção que pode ser ao contrário, a teoria como secundária pois ela já desde sua origem contém a técnica.
Originariamente teoria e práxis em psicanálise andaram a pari-passo, a partir do método empírico utilizado por Freud. A cada nova concepção teórica descrita seguia-se uma verificação clínica. Esta vinculação tão estreita levou Caruso a dizer que a toda alteração conceitual da psicanálise correspondia a alguma modificação na técnica e que qualquer modificação de ordem técnica somente seria possível com a correspondente revisão teórica.
A partir da revisão realizada por Lacan, a teoria ganhou autonomia lógica. È claro que seguem também alterações na teoria da clínica capazes de manter o corpo do saber psicanalítico com integridade. As exigências da nova clínica começaram a produzir certa discrepância com as imposições da realidade na práxis. O mundo novo, as crises econômicas sucessivas, o rápido crescimento da oferta de profissionais, a desprivatização da clinica pela implantação dos planos de saúde, expansão do uso da medicação e tantos outros fatores, abriram um amplo espaço entre os caminhos da teoria psicanalítica e sua práxis. A teoria se eleva e a clínica baixa ao senso comum. Fica estabelecido um vácuo entre o discurso do analista e o sintoma ou sintomas do cliente.
Falando deste vácuo estamos pensando no mal estar na cultura, e conseqüentemente do sintoma que é a tentativa mais humana de posicionamento frente a este mal estar, ou seja, frente à impossibilidade. Freud (1930) deixou claro que o homem da cultura tende a viver em sociedade e que isso implica na renúncia pulsional. Fala de uma tendência paradoxal como causa, que nos remete à questão das identificações. O primeiro exemplo, estudado por Freud, é o da identificação a partir da idealização do líder (Psicologia das massas 1921). É daí que Lacan parte para elaborar o seu seminário sobre o discurso. (Lição de 20 de janeiro – 1970). Em Ou... pior, Lacan lembra de passagem ao falar do discurso que ao menos podemos dizer dele, é que seu sentido fica velado.
A importante teoria dos quatro discursos de Lacan, estabelecido no seminário 17. Trata-se de uma operação circulante de 4 termos S1 (o mestre) S2 (o saber), $ (o sujeito) e o a (objeto mais de gozar),que podem ocupar as posições de agente, do Outro, da Verdade ou da Produção.
Foi assim que Lacan estabeleceu os quatro discursos conhecidos como:
Discurso do mestre
Discurso do analista
Discurso da histérica
Discurso do universitário.
Entre os anos de 70 e 74, Lacan faz referência explícita a um novo discurso: o do capitalista, introduziu como tentativa de interpretar psicanaliticamente o movimento pós-moderno, em que o genérico ganha terreno sobre o afetivo e o cotidiano das pessoas molda uma sociedade em que os vínculos fundamentais são esvaziados com a perda de humanidade. Em Televisão nos diz “quanto mais somos santos mais rimos, é meu princípio, ou seja, é a saída do discurso capitalista, rebotalho que não faz caridade.
Lacan propõe o discurso do capitalista como única saída para a ausência de saída do discurso capitalista. Ele diz ainda que isso não traria nenhum progresso, caso fosse somente para alguns, caso a psicanálise não possa estar ao alcance de muitos.
Estamos entre o mal estar da cultura e o discurso do capitalista, mas não é só isso. Vale a pena levar em consideração uma perspectiva filosófica. Para tanto, tomemos as palavras de Heidegger de 1946 sobre a apatridade como destino do mundo. Esta apatridade se esconde atrás de um fenômeno denominado “A Civilização Planetária”. Na verdade se refere ao termos passado a viver sob o predomínio das ciências hipotético dedutivas que significa p predomínio e primado da economia, da política e da técnica. Tudo o mais já não é nem mesmo supra-estrutura. É apenas uma mera para-estrutura toda quebradiça.
Estamos na Civilização Planetária, para onde se dirigem as discussões do pensamento.Ela atingiu toda a terra, ou, dizendo-se de outro modo, a apatridade é um destino mundial na forma da civilização planetária. É como se a civilização planetária mesmo sem ter sido criada pelo homem se viu submetida a ela como destino.
A escolha de admirável mundo novo para título do nosso congresso é uma metáfora que antecipa a descrição de Huxley para 2003. Não nos colocamos espantados nem impotentes Tentaremos pela contribuição de todos entender como os três elos da corrente psicanalítica, o cliente e a instituição poderão pela liberdade e pela condenação de todo tipo de violência (imposição) sobreviver.
Agradecemos aos que tornaram o nosso congresso possível. A confiança em nós depositada a partir da Assembléia de delegados do Rio de Janeiro. À Maria Mazzarello pelo apoio e estímulo irradiado como presença do CBP. Aos companheiros de luta, mas especialmente a duas colegas pela amizade e dedicação extraordinária à nossa causa: Ana Rita Dórea e Cibele Barbieri, Ao Silvoney Salles, amigo do Círculo e que hoje será oficialmente um dos nossos. Aos nossos palestrantes convidados que tão prontamente acolheram nosso convite. Aos colegas que aqui estão. Ao apoio da Bahiatursa, Câmara Municipal de Salvador , Sebrae e Colégio Sartre.
Durante um ano e meio preparamos cuidadosamente este Congresso no qual esperamos ter momentos de convívio afetivo e ampla satisfação intelectual.