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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.3 São Paulo dez. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A violação dos direitos da criança e do adolescente na perspectiva de professores

 

Violation of children`s and adolescents` rights on the perspective of teachers

 

La violación de los derechos de los niños y de los adolescentes desde la perspectiva de los prefesores

 

 

Aline Cardoso SiqueiraI; Cássia Ferrazza AlvesII; Flavia Elso LeãoIII

I Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul – RS – Brasil
II Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS – Brasil
III Centro Universitário Franciscano, Santa Maria – RS – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou compreender a visão dos professores quanto à violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como base teórico-epistemológica a relação entre a garantia dos direitos humanos e a bioética. Participaram vinte educadores da rede pública de Santa Maria (RS). Utilizaram-se uma entrevista e um questionário biossociodemográfico e laboral. Entre os resultados, destaca-se que grande parte dos educadores já deparou com a violação dos direitos de crianças e adolescentes. A violência física foi a mais identificada, e as formas de enfrentamento mencionadas foram acionar o Conselho Tutelar e chamar os responsáveis pelo aluno. Constatou-se um impasse ante a notificação, configurando um dilema bioético. A maioria dos professores apresentou-se engajada no problema, contudo sentiu-se despreparada e insegura para agir em situações de violação vivenciadas na escola. Programas de capacitação sobre violação dos direitos da criança e do adolescente são discutidos.

Palavras-chave: professores; direitos humanos; bioética; violência doméstica; violação dos direitos humanos.


ABSTRACT

This study aimed to understand the perspective of teachers concerning the violation of children's and adolescents' rights, based on theoretical-epistemological relation between the guarantee of human rights and bioethics. Twenty teachers from public schools in Santa Maria (RS) were part of the study. An interview and a demographic and labor questionnaire were used. Among the results, it is highlighted that most of the teachers have already faced children's and adolescents' rights violation. Physical violence was identified the most and the ways of coping with it were to access Children Services and to inquire the people responsible for the children. An impasse was established regarding the accusation, presenting a bioethical dilemma. Most of the teachers was engaged in the problem. However, they felt unprepared and insecure to act considering violation situations lived on school. Therefore, capacitation programmes on violation of the rights of children and adolescents are discussed.

Keywords: teachers; human rights; bioethics; domestic violence; human rights abuses.


RESUMEN

Este estudio tuvo por objetivo comprender la visión de los profesores referente a La violación de los derechos de los niños y adolescentes, sobre la base teórico- -epistemológica da relación entre la garantía de los derechos humanos y la bioética. Participaron veinte profesores de escuelas públicas de Santa Maria (RS). Fueron utilizados una entrevista y cuestionario biosociodemográfico y laboral. Entre los resultados, se subraya que la mayoría de los profesores ya enfrento a la violencia de los derechos de los niños y adolescentes. La violencia física fue La más identificada y las maneras de enfrentamiento mencionadas fueron accionar al Consejo Tutelar y llamar a los responsables por el niño. Se constató un dilema frente a la denuncia se configurando un problema bioético. La mayoría de los profesores se mostró comprometida con el problema al mismo tiempo no se sentía preparada para actuar frente a las situaciones de violencia ocurridas en la escuela. Los programas de capacitación sobre la violación de los derechos de los niños y adolescentes se discuten.

Palabras clave: profesores; derechos humanos; bioética; violencia doméstica; violaciones de los derechos humanos.


 

 

Introdução

Apesar de as legislações vigentes de proteção à criança e ao adolescente considerarem- nos detentores de direitos e em situação de desenvolvimento peculiar (BRASIL, 1990; UNICEF, 1987), muitos jovens vivenciam a violação de seus direitos, como a violência intrafamiliar. A violência tem sido considerada um problema de saúde e fator de risco para o desenvolvimento, sobretudo em crianças e adolescentes (SÁ et al., 2009). A violência contra a criança e o adolescente não se constitui uma novidade da sociedade contemporânea, contudo é, na atualidade, que a concepção de que eles devem ser protegidos de todas as formas de violência foi estabelecida.

Muitos pesquisadores têm se debruçado sobre o estudo da violência, reconhecendo sua complexidade e polissemia. Para Minayo e Souza (1998), a violência consiste em ações humanas de indivíduos, grupos, classes e nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual. A violência é um fenômeno pluricausal, que tem como determinantes a pobreza, o desemprego, a criminalidade, doença mental, entre outros (COSTA; PENSO, 2005; MINAYO; SOUZA, 1998). Da mesma forma, a violência intrafamiliar contra a criança e o adolescente não tem uma causa única. Aspectos como características da criança, violência conjugal, ausência de rede de apoio da família, pobreza, desemprego, vivência de violência pelos pais na infância, aceitação do castigo corporal como forma de educação, entre outros têm sido encontrados nas famílias com violência intrafamiliar (COSTA et al., 2007; COSTA; PENSO, 2005; MINAYO; SOUZA, 1998). Por tratar-se de um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento que envolve questões legais e de proteção, a violência intrafamiliar exige o envolvimento de toda a sociedade. Contudo, ela tem sido pouco notificada por profissionais da educação (ELSEN et al., 2011; INOUE; RISTUM, 2008).

Elsen et al. (2011) entrevistaram educadores de escolas públicas sobre as percepções relacionadas à violência doméstica contra crianças e adolescentes. Entre os resultados, os pesquisadores encontraram que os docentes conheciam o fenômeno da violência e observavam os seus indicadores no cotidiano escolar. Todavia, esses profissionais manifestaram sentimentos ambíguos associados ao desejo de não se envolver. O estudo de Inoue e Ristum (2008) apresentou dados que confirmavam o pouco envolvimento de educadores na notificação dos casos de violência sexual, tendo em vista que de 2.522 ocorrências apenas 22 eram protocolos de situações notificadas por profissionais da educação. Por sua vez, Martins (2007) detectou evidências de que os docentes da rede pública de Vitória possuíam pouco conhecimento do Sistema de Garantia de Direitos, não atentavam para a importância do contexto escolar no enfrentamento das situações de violação dos direitos da criança e do adolescente, como também não desenvolviam ações de prevenção à violência. A subnotificação ocorre por falta de capacitação dos profissionais da saúde e educação para identificar essa situação ou ainda pelo fato de os profissionais desacreditarem no relato da vítima (GOMES et al., 1999; GOMES; CAETANO; JORGE, 2008; RAMOS; TEODORO, 2012). Assim, os profissionais da saúde e educação devem estar atentos aos indícios de violência e garantir os direitos dos jovens, tendo em vista que a violência vai de encontro aos direitos humanos fundamentais dos cidadãos e, assim, remete a uma reflexão bioética.

A vitimização e a prática de violência são problemas que claramente ferem os direitos humanos dos indivíduos em vários sentidos. O filósofo brasileiro Garrafa (2005, 2006) e o bioeticista e sanistarista italiano Berlinger (1991, 2004), entre outros, têm desenvolvido estudos cujo foco é a "bioética cotidiana". Nessa perspectiva, a bioética é entendida como a ética aplicada às questões cotidianas e sociais, e, assim, tem sido utilizada nas discussões sobre a garantia e a violação dos direitos humanos. Desde 1998, a epistemologia da bioética não está atrelada unicamente a caminhos que apontavam para temas e problemas/conflitos de nível individual, especialmente na área biomédica (GARRAFA, 2006). Pesquisadores têm desenvolvido estudos sobre questões sociais, sanitárias e ambientais de interesse para as nações em desenvolvimento. Segundo Garrafa, Costa e Oselka (2000), como a violência é um problema persistente de saúde pública, necessita de entendimento e intervenção.

A Declaração universal sobre bioética e direitos humanos da Unesco estabeleceu, em 2005, princípios que devem reger tanto as decisões dos Estados na formulação de sua legislação e suas políticas quanto as ações de indivíduos, grupos e comunidades. Associado a esse documento internacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990) preconiza prioridade absoluta à criança e ao adolescente com vistas à sua proteção integral. O artigo 245 do ECA dispõe sobre a obrigatoriedade da notificação por parte de profissionais da saúde e educação ante a suspeita da violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Além disso, o ECA atribui ao Conselho Tutelar o papel de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, sendo responsável pela aplicação de medidas previstas no artigo 129. Dessa forma, pode-se constatar que o Brasil possui uma legislação atenta à proteção de situações de violência vivenciadas por crianças e adolescentes, sendo necessário que os profis sionais da educação tenham conhecimento sobre essas disposições e que possuam capacitação para realizar o melhor encaminhamento. A identificação, o enfrentamento e o combate da violência contra crianças e adolescentes não apenas se constituem um compromisso bioético tanto para os profissionais da saúde, da educação e a sociedade, mas também representam uma tarefa legal, tendo em vista que a não notificação leva a penalizações previstas na lei. Assim, este estudo objetivou compreender a perspectiva dos professores quanto à presença de violação dos direitos da criança e do adolescente, à forma de enfrentamento e ao manejo dessas situações.

 

Método

Neste estudo transversal, com abordagem quanti-qualitativa, participaram vinte pro fessores de escolas públicas de Santa Maria (RS). Foram selecionadas quatro escolas de diferentes regiões da cidade, sendo a amostra composta por conveniência (NACHMIAS; NACHMIAS, 1992; ROBSON, 1993). O único critério de inclusão estabelecido foi o tempo de docência junto a crianças e adolescentes (mínimo cinco anos de experiência).

Utilizaram-se os seguintes instrumentos:

Questionário biossociodemográfico e laboral: composto por perguntas referentes a sexo, idade, tempo de docência, formação profissional e outros aspectos.

Roteiro de entrevista semiestruturada sobre violação dos direitos da criança e do adolescente: essa entrevista investigou o conhecimento que os educadores pos suíam sobre os direitos da criança e do adolescente, o Estatuto da Criança e do Ado lescente e a obrigatoriedade da notificação de situações de violência cujas vítimas são crianças e adolescentes.

Ainda foram incluídas perguntas sobre a vivência dos professores, se eles já haviam deparado com situação de violação dos direitos, tipo de encaminhamento realizado, entre outras perguntas.

Primeiramente, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Centro Universitário Franciscano (Protocolo nº 037.2010.3). Após a aprovação, quatro escolas foram convidadas a participar da pesquisa. As escolas indicaram os professores que atendiam ao critério de inclusão. A amostra foi composta pelos professores que aceitaram o convite dos pesquisadores (cinco professores por escola). Assim, obteve-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos participantes após os esclarecimentos sobre a pesquisa. As entrevistas foram realizadas nas dependências das escolas, com duração média de 40 minutos.

Os dados biossociodemográficos foram analisados de forma descritiva, por meio do levantamento da frequência e das porcentagens. Analisou-se qualitativamente a entrevista semiestruturada com base na proposta de análise de conteúdo de Bardin (1977). A classificação das violações dos direitos da criança e do adolescente foi baseada nas legislações de proteção à infância e adolescência, como o ECA (BRASIL, 1990) e a Constituição Federal (BRASIL, 1988).

 

Resultado e discussão

A amostra foi composta por 15 professores do sexo feminino e 5 do sexo masculino, com idades entre 32 e 65 anos. O tempo de docência dos participantes variou de 5 a 47 anos. Cerca de 10% dos participantes possuíam ensino médio completo (f = 2) e estavam cursando ensino superior (licenciatura em Filosofia e Pedagogia); 40% tinham ensino superior completo (f = 8); 40%, pós-graduação lato sensu (f = 8); e 10%, pós-graduação stricto sensu (mestrado) (f = 2). A carga horária variou de três horas a 60 horas semanais.

Quando perguntados sobre sua compreensão acerca da violação dos direitos da criança e do adolescente, os participantes apresentaram explicações convergentes com a legislação, como ausência de condições dignas de vida, violência física, psicológica e sexual, negligência, abandono, entre outras. A noção de violação dos direitos pode ser evidenciada na fala dos participantes 7 e 8, respectivamente:

[...] qualquer forma de intimidação, violência física, de ameaçar, de não deixar o outro se expressar.

É tudo isso que a gente acompanha ali, maltratado por pai/mãe, ou mesmo faltando alimentação da criança, a moradia, ou deixar na rua. Pra mim, tudo isso é violar o direito, a criança não pede para nascer. Ela nasceu, então tem que ter todas as condições, se tu fizer bater, espancar, deixar na rua, ou deixar no trabalho, na rua que às vezes fazem.

A maioria dos professores (n = 16) afirmou já ter deparado com a suspeita de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes em sua prática docente, ao passo que quatro afirmaram que não. A Tabela 1 apresenta as situações de violação vivenciadas pelos entrevistados.

 

 

A violência física foi considerada a situação de violação mais frequente no contexto escolar, corroborando os achados da literatura (GRANVILLE-GARCIA et al., 2009; VAGOSTELLO et al., 2003). Da mesma forma, Gomes e Fonseca (2005) apontaram que a violência física foi a forma mencionada em exemplos dados por cuidadoras de uma instituição infantil, as quais identificavam sinais de escoriações, hematomas e queimaduras. Já Elsen et al. (2011) encontraram tanto a violência física quanto a sexual como os tipos de violência mais presentes. Esses dados evidenciam a maior facilidade de os educadores perceberem a violência física, tendo em vista que se mostra, em muitos casos, de forma evidente.

A categoria "ausência de condições dignas de vida" foi criada com base em respostas relacionadas à falta de condições consideradas fundamentais para o desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes, como moradia, alimentação, saúde e acesso à escola. Trata-se de aspectos associados ao que a literatura tem nomeado como violência estrutural, definida por Sanchez e Minayo (2006) como a violência que incide sobre a condição de vida de crianças e adolescentes, tendo como base decisões histórico-econômicas e sociais. Esses aspectos comprometem o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

Com relação ao encaminhamento dado aos casos de violação enfrentados, acionar o Conselho Tutelar (f = 9) foi o mais mencionado, seguido de chamar os pais (f = 6) e falar com a coordenação da escola (f = 6). Em duas escolas, compartilhar com a coordenação a suspeita antes de acionar os órgãos responsáveis foi um procedimento combinado entre os profissionais. Tal atitude despessoaliza a notificação, visto que sempre será a direção da escola que irá tomar as providências. O dado de o Conselho Tutelar ser acionado com mais frequência do que chamar os pais divergiu dos resultados de Vagostello et al. (2003), que apontaram que, diante da suspeita de violência doméstica, a principal ação da escola consistiu em convocar os pais e orientá-los.

Apenas três professores afirmaram que a escola está preparada para lidar com as situações de violação dos direitos no seu cotidiano, tanto no que tange à identificação quanto ao enfrentamento. Um dos fatores que dificultam o enfrentamento, segundo os participantes, foi a falta de preparo dos profissionais para o entendimento dessas situações, como demonstram os participantes 1 e 2, respectivamente: "precisa de mais curso, ler mais" e "às vezes não sabemos se é direito, se tá errado. Tem dificuldade de identificar tais coisas". Da mesma forma, alguns participantes afirmaram que a escola está sobrecarregada, não tendo a obrigação de perceber situações de violação dos direitos dos seus alunos. Esses aspectos causam inquietação nesses participantes, pois, segundo eles, a função da escola como instituição educadora não está sendo efetivada, conforme demonstra o trecho a seguir:

Muita coisa é jogada na escola. Hoje em dia, todos os órgãos acham que a escola tem que resolver tudo. Mal dá conta de sua função, tudo é jogado na escola: tira-se o menino da rua de qualquer tipo e é colocado na escola. A escola não recebe o que é divulgado na mídia, falta recursos humanos, públicos, é notório. Os casos mais gritantes, a gente investiga. Mas quantos passam despercebidos? (participante 9).

Observa-se a ideia de que a escola, ao envolver-se nas situações de violação, deixa de lado sua função primordial de ensino-aprendizagem e acaba por não manejar tais situações de forma satisfatória e nem desenvolver sua função. Dezesseis participantes responderam que a notificação de casos de suspeita ou violação dos direitos da criança e do adolescente é obrigatória, enquanto três não definiram posição, e um professor afirmou que a notificação era facultativa. Quando questionados sobre o número de indicadores necessários para gerar suspeita de violação dos direitos, a maioria afirmou que basta apenas um (f = 15), enquanto três participantes apontaram a necessidade de vários indicadores.

Observou-se a existência de um dilema bioético na prática desses profissionais: ao identificarem violação dos direitos de algum aluno ou suspeitarem de um caso, temem que sua intervenção possa agravar a situação do aluno-vítima. Esse aspecto é visível nos seguintes depoimentos:

[...] se há denúncia, com quem a criança vai ficar? (participante 13).

[...] muitas vezes, eu tenho muito medo, não sei como eles vão reagir. Às vezes, não falo com os pais, tenho medo que bata na criança (participante 1).

[...] identificar, e o segundo passo é: que atitude tomar? [...] Prejudicar a criança ainda mais? Porque essa criança pode sofrer uma violência maior. É complicado isso, é bem difícil (participante 5).

Esse impasse dificulta e até mesmo impede o manejo do professor das situações de violação, visto que ele se preocupa com as possíveis consequências de uma notificação. Brino e Williams (2003) constataram, em seu estudo, que somente um pequeno número de profissionais da educação realizou notificação a órgãos competentes nos casos de suspeita de abuso sexual, e uma das justificativas apresentadas referia-se ao medo de que os alunos sofressem represálias por parte dos agressores.

Por fim, os participantes do estudo afirmaram a necessidade de cursos e apoio para lidar com as situações de violação dos direitos, apresentando, em sua maioria, engajamento no tema da violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Mencionaram reconhecer os indicadores de violação dos direitos, especialmente da violência intrafamiliar. Entretanto, os professores não mencionaram o papel da escola na perspectiva da prevenção da violação dos direitos da criança e do adolescente. A responsabilidade da escola no que tange à prevenção às situações de violação dos direitos da criança e do adolescente não tem sido debatida pelos profissionais da educação, como também não tem sido assumida pela escola (RAMOS; TEODORO, 2012; RISTUM, 2010). A ausência da perspectiva preventiva alimenta a concepção de que a função da escola é apenas identificar os casos de violência e acionar os órgãos sociais responsáveis. No entanto, cabe aos educadores tornar esse tema foco constante de discussão no contexto escolar.

 

Considerações finais

A violência é um fenômeno humano que impacta de forma significativa a sociedade, a qual, muitas vezes, se sente paralisada ante a necessidade de enfrentamento e proteção da vítima. Este estudo quanti-qualitativo demonstrou que, apesar de os professores apresentarem-se engajados no combate e no enfrentamento das violações dos direitos das crianças e dos adolescentes, eles ainda apresentam dúvidas e insegurança quanto à garantia dos direitos, às formas de enfrentamento e ao dever de proteção.

O fato de a violência física ter sido citada pelos participantes como a violação mais percebida demonstra que, talvez, eles não estejam visualizando as outras formas de vio lência, que são mais sutis, mas tão frequentes e devastadoras em termos de seus efeitos e consequências. Dessa forma, sugerem-se a inclusão desse tema na formação de ensino superior de professores, tal como apontam Ramos e Teodoro (2012), a criação de espaços de estudo e aprendizagem sobre os direitos da criança e do adolescente, e dinâmicas destinadas à identificação de casos de violência e aos procedimentos adequados para preveni-la. Essas ações poderiam ocorrer em parceria com os órgãos de proteção, como o Conselho Tutelar, com o objetivo de qualificar o trabalho dos professores.

O dilema bioético vivenciado por alguns professores ante uma situação de violação dos direitos reflete o pensamento crítico dos educadores nas situações e, ao mesmo tempo, seu despreparo e sua insegurança. A abordagem da bioética reitera a necessidade de assegurar os direitos humanos. Como as crianças e os adolescentes estão em situação peculiar de desenvolvimento, podem, nessa perspectiva, ser considerados seres vulneráveis. Assim, é dever da sociedade, segundo a Declaração universal sobre bioética e direitos humanos (UNESCO, 2005), garantir os direitos e a proteção aos vulneráveis. Em muitos casos, a escola é a única instituição que pode agir, em razão da disfuncionalidade da família e da escassez de uma rede de apoio efetiva. Por isso, é inadmissível que a escola e seus profissionais silenciem-se. Assim, sugere-se a construção de programas de capacitação continuada sobre direitos da criança e do adolescente, espaço no qual os professores possam discutir os casos de suspeita de violação dos direitos e compartilhar as dúvidas e os impasses que esse fenômeno gera.

Prevenir, identificar, enfrentar e acionar os órgãos sociais responsáveis pelo manejo legal dos casos de violação dos direitos da criança e do adolescente, embora sejam ações importantes que podem ser assumidas pelas escolas, não são suficientes para cessar as situações de violação dos direitos ou mesmo para evitar que a vítima continue sofrendo. É necessário que a sociedade esteja implicada no combate da violação dos direitos, que o sistema de garantia de direitos esteja preparado e capacitado também para um efetivo manejo das situações, tendo em vista que encaminhar para órgãos falhos levará à revitimização e agravará o sofrimento das vítimas. Apenas com o esforço de todos é que os direitos das crianças e dos adolescentes poderão ser garantidos e um desenvolvimento pleno e sem traumas poderá ser assegurado a eles, ajudando- os a constituir-se em verdadeiros cidadãos no futuro.

 

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Endereço para correspondência
Contato
Aline Cardoso Siqueira
e-mail: alinecsiq@gmail.com

Tramitação
Recebido em outubro de 2010
Aceito em julho de 2012