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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
Print version ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.5 no.2 São Paulo Dec. 2003
ARTIGOS
O episódio verbal e a análise de comportamentos verbais privados
The verbal episode and the analysis of private verbal behavior
Lorismário Ernesto SimonassiI1,2; Carlos Eduardo CameschiII3
IUniversidade Católica de Goiás
IIUniversidade de Brasília
RESUMO
No presente trabalho, analisamos o episódio verbal buscando identificar as variáveis controladoras da relação falante/ouvinte e expandimos a análise para incluir a possibilidade desse processo comportamental ocorrer envolvendo uma única pessoa. Os conceitos de comportamento precorrente e encadeamento são utilizados para mostrar o estabelecimento do controle de estímulos, onde certa classe de ação produz estímulos que alteram a probabilidade de ações subseqüentes. Assim, mostramos a possibilidade da análise operante do processo de resolução de problemas, onde uma ou mais pessoas desempenham funções de falante e de ouvinte de maneira alternada. Finalmente, argumentamos que, com base em eventos públicos, podemos inferir ocorrências de comportamentos verbais privados que possibilitem investigações empíricas confirmadoras.
Palavras-chave: Episódio verbal, Comportamento verbal privado, Precorrentes, Encadeamento.
ABSTRACT
In this article, we aim at analyzing the total verbal episode and at describing the controlling variables of the speaker and listener relationship. Besides, we try to include the possibility of this behavioral process occur in a single person. The concepts of precurrent behavior and chaining are used to show the stimulus control, which is involved, where some class of action produces stimuli that change the probability of subsequent behavior. So that, we show the possibility that the operant analysis account the solving problem process, where only one or more person act as a speaker and listener, alternatively. Finally, we make the assumption that we can ask about instances of private verbal behavior which would be based on public events that are going on, and then additional confirming empirical research would be possible.
Keywords: Verbal episode, Private verbal behavior, Precurrents, Chaining.
Skinner (1957/1978, p.16) define comportamento verbal como comportamento reforçado pela mediação de outras pessoas e acrescenta que há necessidade de maiores esclarecimentos sobre essa definição. Entre os vários esclarecimentos que aponta, está a noção de que o comportamento do falante e do ouvinte, juntos, compõem aquilo que podemos chamar de episódio verbal total (Skinner, 1957/1978, p.17).
Com efeito, Skinner (1989/1990) comenta que a maior parte de seu livro Comportamento Verbal (1957) é sobre o falante, contendo diagramas mostrando interações entre falantes e ouvintes, mas pouca discussão direta sobre o ouvir. Como justificativa afirma que, exceto quando o ouvinte de alguma forma é também o falante, o ouvir não é verbal no sentido de que é efetivo por meio da mediação de outras pessoas, mas conclui afirmando: Porém, se os ouvintes são responsáveis pelo comportamento dos falantes, precisamos atentar mais de perto para o que eles fazem (Skinner, 1989/1990, p. 54). Seguindo sua análise, ele argumenta que os ouvintes reforçam o comportamento do falante ao ser informado, ensinado, aconselhado, orientado por regras expressas em mandos ou tactos e ilustra que o comportamento dos ouvintes é governado por leis, não sem antes esclarecer dizendo: Assim, simplificando, o falante diz ao ouvinte o que fazer ou o que aconteceu, porque os ouvintes reforçaram um comportamento similar em situações similares, e os ouvintes o fazem porque, em situações parecidas, certas conseqüências reforçadoras se seguiram aos seus comportamentos" (Skinner, 1989/1990, p. 58). As implicações desses processos comportamentais e suas interações permitem uma abordagem comportamental dos eventos privados sem necessidade de apelar às estruturas e estados ou disposições mentais das versões do mentalismo nas psicologias cognitivas e psicodinâmicas. Conforme Skinner afirma com eloqüência:
Tudo isso assume a maior significância quando falante e ouvinte são a mesma pessoa. O ouvinte sabe tanto quanto o narrador, no sentido de que compartilham da mesma história; o ouvinte sabe tanto quanto o professor e assim por diante. Muitas pessoas ou leis residem dentro da nossa pele e quando dizemos que estamos falando para nós mesmos, queremos dizer que um eu fala com outro. Diferentes repertórios são modelados e mantidos por diferentes ambientes verbais (Skinner, 1989/1990, pp. 67-68).
Portanto, na análise de Skinner há explicitamente a necessidade de que, conceitualmente, o episódio verbal seja abordado como uma unidade para se avançar na compreensão do comportamento verbal de forma geral e também dos comportamentos verbais privados em específico. Por isso, vale a pena ressaltar como Skinner (l974/1982) conceitua o termo pessoa, uma vez que faz parte da definição de comportamento verbal, embora no plural. Observemos o que ele diz:
Numa análise comportamental, uma pessoa é um organismo, um membro da espécie humana que adquiriu um repertório de comportamento. Ela continua sendo um organismo para o anatomista e para o fisiologista, mas é uma pessoa para aqueles que lhe dão importância ao comportamento. Contingências complexas de reforço criam repertórios complexos e, como vimos, diferentes contingências criam diferentes pessoas dentro da mesma pele, das quais as chamadas personalidades múltiplas são apenas uma manifestação extrema. O importante é aquilo que ocorre quando se adquire um repertório (Skinner, 1974/1982, p.145).
Neste caso, a distinção é importante porque sugere como abordar os respectivos objetos de estudo pertinentes ao organismo e a pessoa. Em outra distinção relacionada, Skinner ilustra a evolução de sua análise conceitual ao comentar que em seu capítulo sobre autocontrole (Skinner, 1953/1967) usou a palavra eu tanto quanto hoje usaria pessoa. E esclarece que reviu as técnicas por meio das quais as pessoas manipulam variáveis ambientais das quais seu comportamento é função e distinguiu o eu controlador do eu controlado, definindo-os como repertório de comportamento. Mas hoje, como a teoria comportamental avançou, podemos distinguir entre pessoa e eu de modo mais claro: a pessoa, na qualidade de repertório de comportamento, pode ser observada pelos outros; o eu, como uma predisposição que acompanha estados internos, é observado somente através dos sentimentos ou da introspecção, embora ambos os processos resumidos nesses conceitos sejam produtos culturais, isto é, produtos das contingências mantidas por ambientes verbais (Skinner, 1989/1990).
1. O Episódio Verbal
O conceito de comportamento verbal elaborado por Skinner (1957/1978), sem dúvida trouxe alguns problemas para os behavioristas radicais que o sucederam, alguns dos quais tentaram e ainda tentam responder a certas críticas com experimentação. Por exemplo, uma dessas críticas é a de que ao se analisar a relação falante-ouvinte proposta por Skinner, que inclui supor que uma pessoa possa agir como falante e ouvinte de si mesma, inevitavelmente tal suposição conduz a análise em direção a uma relação do tipo Resposta-Resposta (R-R), portanto, tipicamente cognitivista. Ao analisar a relação falante-ouvinte envolvendo a mesma pessoa, Baum (1994/1999) a descreve como episódios de falar consigo próprio e reconhece que entre os próprios analistas do comportamento há discordâncias sobre esse ponto. De acordo ainda com Baum, a aceitação de que episódios como esses possam ocorrer depende dos analistas do comportamento concordarem ou não com a idéia que, no episódio verbal, falante e ouvinte possam ser a mesma pessoa. Mas, o problema não parece surgir do modo como o termo pessoa é utilizado na definição original feita por Skinner, implicando que os efeitos reforçadores deveriam provir sempre do comportamento de outra pessoa, mas sim da má interpretação que se faz a respeito das funções do falante e do ouvinte no episódio verbal.
Tentar abordar a aquisição do repertório do falante-ouvinte ou do ouvinte-falante como dependente de estruturas é uma alternativa teórica que Skinner (1957/1978) sistematicamente questionou e, ao definir o comportamento verbal como indicado acima, buscou eliminar qualquer resquício do mentalismo. Se assim não fosse necessário, continuaríamos a usar o termo comunicação ou transmissão de idéias, mensagens ou significados da mente do falante para a do ouvinte, mediada por obscuros processos de codificação e decodificação, como Baum (1994/1999) tão bem apontou. Ao se estudar o comportamento verbal como comportamento, cuja principal função é a de modificar o comportamento de outra pessoa, eliminam-se conceitos tais como produção de mensagens, transmissão de informações, que não ajudam na compreensão do comportamento verbal e apenas aumentam as variáveis a serem consideradas. Além disso, uma análise mais cuidadosa revela que nada é transmitido de uma pessoa para outra durante os episódios de interações verbais, pois se elas não compartilham repertórios comuns será menos provável que a interação seja longa (Skinner, 1969/1980). E quando as interações se estendem, tendo em vista as distinções nas funções como falante e ouvinte, o que podemos observar são as pessoas agindo de modos diferentes em função dos estímulos produzidos pelo comportamento verbal ou não-verbal das pessoas com quem interagem, mesmo se os comportamentos verbais do ouvinte forem privados. Portanto, uma explicação completa deveria identificar tanto os antecedentes das respostas privadas e, idealmente, como as contingências conseqüentes estabeleceram a influência das respostas privadas sobre o comportamento público (Hayes e Brownstein, 1986).
Entretanto, é preciso que fique claro que a análise skinneriana do comportamento verbal é funcional e nunca estrutural. Analisar o falante e o ouvinte como estando na mesma pessoa parece preocupar-se com a estrutura daquilo que está contido nas pessoas, como se esta fosse algo mental ou cognitivo mediando os processos comportamentais. Entretanto, nas interações sociais, as pessoas se comportam ora como falantes ora como ouvintes, e o que importa, portanto, são suas funções como falante e/ou ouvinte (Skinner, 1957/1978). A relação é dinâmica, onde o reforço em um episódio verbal é sempre produzido pelo ouvinte, e neste caso o ouvinte, ao emitir uma resposta, pode passar a ser falante. Há, no entanto, casos em que a resposta do ouvinte pode não ser nem mesmo verbal, e dessa forma o ouvinte continua como ouvinte. Se a resposta for verbal, a relação funcional se inverte, onde quem era ouvinte passa a ser falante e vice-versa. Portanto, a questão não é sobre quantas pessoas precisam existir para haver um episódio verbal, mas sim sobre quais funções estão envolvidas.
Quando uma ação verbal com função de falante está sendo emitida, independentemente se há uma, duas, três ou mais pessoas no episódio verbal, o repertório do emissor é de falante, isto é, as variáveis controladoras das respostas do falante não são necessariamente as mesmas variáveis controladoras do comportamento do ouvinte. Se diferentes variáveis estão afetando o comportamento do falante e ouvinte, então as ações de cada um expressam funções diferentes que dependem de condições presentes e passadas diferentes, em vez de dependerem de estarem localizadas estruturalmente na mesma pessoa. Por exemplo, ao ensinar leitura a uma criança não se espera que ela também aprenda a escrever, pois são duas classes de operantes com variáveis controladoras diferentes. Assim também ocorre quando são desempenhadas as funções de falante e de ouvinte, mesmo que ocorram na mesma pessoa. É claro que os repertórios de falante e ouvinte podem se tornar duas classes de operantes com instâncias cada vez mais comuns às duas funções. Mas isso pode ocorrer tanto na mesma pessoa como em pessoas diferentes. Tudo depende do treino a que falante e ouvinte possam ter sido submetidos. Já foi demonstrado empiricamente que se os repertórios do falante e do ouvinte se tornam comuns às duas funções, isto é, de falante e de ouvinte, o episódio verbal ocorre entrecortado, ou seja, os repertórios do falante não contêm todas as categorias verbais que seriam necessárias entre falantes e ouvintes com repertórios discretos (cf. Spradlin, 1985). Nestes estudos, demonstrou-se que quando os repertórios do falante e ouvinte eram mais semelhantes, tanto em suas respostas verbais como nas não-verbais, uma maior quantidade de respostas do falante eram seguidas de reforçadores produzidos pelo ouvinte. Podemos recorrer a uma ilustração para mostrar como tal fato ocorria. Em um episódio verbal, no qual o assunto em questão fosse comum ao falante a ao ouvinte, o repertório verbal do falante era seguido por reforçadores, mesmo que o comportamento verbal vocal fosse composto de unidades verbais ponto a ponto com o comportamento do ouvinte, como quando falamos para uma audiência com n pessoas em que o assunto sobre o qual falamos é conhecido apenas por uma parte da audiência. Essa parte da audiência provê reforço para o falante com mais freqüência do que a outra parte da audiência que não partilha do assunto em questão. Se tornarmos a segunda parte da audiência conhecedora do assunto, podemos falar para todos os ouvintes, com episódios verbais contínuos. Daí em diante pode haver supressão de algumas partes do episódio verbal uma vez que todos partilham de repertórios contínuos, isto é, falante e audiência. Em resumo, falantes e ouvintes podem ter repertórios altamente semelhantes ou diferentes e esse fato independe do número de pessoas, mas sim muito mais do treino que o falante e ouvinte receberam.
Se quisermos ir adiante para a verificação de mudanças nas ações verbais públicas e privadas, precisamos desenvolver novas metodologias de análise de dados, como proposto por Drash e Tudor (1991) para estudos de respostas verbais vocais, sem esquecer que talvez novos conceitos ou refinamentos de conceitos antigos devam ser feitos. A proposta destes autores indica uma forma de análise de dados que permite ao leitor observar o efeito das contingências de reforço sobre operantes verbais vocais em cada uma das categorias estudadas com as respectivas mudanças nas unidades das respostas avaliadas. Tal observação pode ser visualizada graças ao desenvolvimento de uma equação simples para respostas vocais que permite calcular a probabilidade das respostas corretas, levando-se em consideração todas as outras classes de operantes registráveis na situação. No entanto, é bom salientar que a proposta serve apenas para operantes verbais vocais, isto é, respostas públicas. Outros esforços conceituais e empíricos têm sido feitos, como na análise do comportamento precorrente, conforme será sumariado abaixo.
2. Comportamentos Precorrentes
Comportamentos precorrentes são ações operantes que geram estímulos discriminativos que afetam a probabilidade de ocorrência de respostas subseqüentes (Skinner, 1969/1980; Baum, 1994/1999). As categorias de ação precorrentes ocorrem tipicamente em situações de resolução de problemas, onde uma resposta subseqüente pode ser ou não a resposta-solução. A ação precorrente pode ser apenas um ou vários elos de uma cadeia comportamental composta de várias respostas. Segundo ainda esses autores, os comportamentos precorrentes permitem que a resposta-solução varie de forma sistemática e não ao acaso. Novamente é preciso salientar que quando um comportamento emitido altera o ambiente, pode gerar novos estímulos discriminativos para novas respostas. Por exemplo, se duas pessoas estão jogando xadrez e se a pessoa A move uma peça, esta resposta produz uma situação diferente da anterior para a próxima resposta da pessoa B. Podemos fazer essa mesma análise, caso haja apenas uma pessoa movendo as peças. Não há nenhum inconveniente em analisar as interações de uma única pessoa e os resultados que esta interação produzem sobre ela mesma, isto é, sobre a nova função que ela terá que desempenhar com os novos estímulos discriminativos presentes. Os problemas, para alguns estudiosos do comportamento começam a surgir, principalmente se substituirmos os comportamentos de jogar xadrez por comportamentos verbais vocais. Parece que a estrutura do comportamento verbal continua prevalecendo sobre a função, a despeito de toda ênfase behaviorista radical na função.
Anderson, Hawkins e Scotti (1997) ressaltam que quando um estímulo antecedente esteja no ambiente externo ou resultante de uma resposta privada adquire controle sobre o comportamento por sua associação com conseqüências diferenciais para a resposta, deveria ficar claro que este estímulo nunca pode ficar separado do resto da contingência de três termos. Conforme Skinner (1966), uma explicação completa do comportamento deve incluir o reforço que modela a topografia da resposta e a coloca sob controle de estímulos. Para Anderson e cols. (1997) isto é especialmente relevante na consideração dos eventos privados, e oferecem dois exemplos: 1) Lizette viu a luz acesa na sala do professor (S), daí pensa: De fato, preciso falar com o Prof. Smith (r/s) e, então, bate na porta (R). Se comportamentos semelhantes em situações relacionadas nunca foram reforçados no passado, esta seqüência seria pouco provável de ocorrer; 2) Dirigindo em estrada congestionada (R), uma mulher se sente tonta (r/s), percebe isto e pensa: Posso desmaiar e destruir o carro (r/s) e, como resultado, estaciona e pede ao carona para dirigir (R), o que será reforçado tanto pela aquiescência do carona como pela remoção das demandas do trânsito e, talvez, da sensação de tonteira. Os autores apontam que os exemplos envolvem respostas privadas e suas propriedades de estímulo (r/s) que adquiriram controle sobre o comportamento público subseqüente, que não ocorreriam se, no passado, seqüências similares não tivessem produzido conseqüências reforçadoras (Anderson & cols., 1997).
Os comportamentos precorrentes não são necessariamente verbais, embora em muitos casos possam ser, além de algumas instâncias ocorrerem de forma privada. Baum (1994/1999) resume que, nas situações de resolução de problemas o comportamento precorrente envolvido é freqüentemente chamado de raciocínio, dedução, imaginação, formulação de hipóteses, e assim por diante, mas o que todos esses comportamentos têm em comum é a propriedade de gerar estímulos discriminativos que alteram a probabilidade de ações subseqüentes (p. 171). Uma pessoa, ao ser exposta a uma situação, por exemplo, quando está em um prédio onde ocorre um incêndio, entre outros comportamentos que pode emitir é o de pedir socorro aos gritos, mesmo se não houver outras pessoas à vista. Suponha que esta pessoa seja forçada pelo fogo a subir até o terraço do edifício. Neste caso, correr e pedir socorro aos gritos são comportamentos sob controle de toda a situação aversiva (fogo, fumaça, calor, etc.): uma condição que produz várias classes de comportamentos, entre as quais uma delas é verbal vocal. Neste caso, esse comportamento verbal vocal é muito semelhante aos precorrentes, pelo menos pela definição de precorrentes, ou seja, que geram estímulos discriminativos para novas respostas. Novamente coloca-se aqui a questão se a alteração do ambiente tem que afetar outra ou a mesma pessoa ou se o que importa é a nova função ou parte da função controladora, independentemente para quem quer que seja. Como foi apontado anteriormente, na análise do episódio verbal, o que importa são as funções de falante e de ouvinte. Não importam as estruturas, isto é, uma, duas, três ou mais pessoas. Se analisarmos dessa forma os comportamentos precorrentes, então eles podem produzir condições discriminativas em um episódio verbal, isto é, na dinâmica relação falante-ouvinte. Tais condições discriminativas independem dos precorrentes serem verbais ou não e existe também a possibilidade de ocorrência genérica de precorrentes privados, onde alguns elos do encadeamento são comportamentos perceptivos. Com efeito, com base em Skinner (1953/1967; 1957/1978), Lopes e Abib (2002) descrevem, embora sem demonstrações empíricas, como um comportamento perceptivo regride ao nível encoberto e interage com outros eventos para funcionar, posteriormente, como estímulos discriminativos durante processos de resolução de problemas, na seqüência de elos de comportamentos encadeados.
3. Comportamentos Verbais Privados
Entre outras questões relevantes que podem ser feitas sobre comportamentos verbais privados, duas poderiam ser as seguintes: (1) Será que existem realmente o que chamamos de comportamentos verbais privados? (2) Será que os comportamentos verbais privados entram em relação funcional com outros comportamentos, ou melhor, são comportamentos da pessoa enquanto falante que geram algum tipo de condição para ela agir enquanto ouvinte e, deste modo, estabelecer uma relação funcional com outros comportamentos?
A análise de uma situação hipotética poderá ajudar na compreensão das questões acima. Suponha que você esteja digitando um texto e digitou uma palavra errada que deseja corrigir. Para isso você precisa utilizar o recurso de apagar a palavra que foi erroneamente digitada. Suponha agora que o teclado que esteja utilizando foi substituído e agora é a primeira vez que está manipulando o novo teclado com a nova configuração, um pouco diferente da que você estava acostumado a usar. Anteriormente para você corrigir era preciso colocar o dedo em determinada tecla em uma posição específica e a correção no teclado antigo ocorria. Agora, na presença da palavra errada, você repete os mesmos comportamentos e como resultado, aparece na tela do computador outros sinais que não são a correção, seguida de um sinal sonoro que, historicamente, indica algum tipo de erro cometido pelo usuário. Imediatamente você olha para a tela do computador, verifica o erro, olha para o teclado em busca da tecla de correção e olha no local onde antes você era reforçado. Não encontrando a tecla, então você começa a inspecionar todo o teclado para localizá-la. É possível então que você emita alguns operantes verbais vocais do tipo Cadê a tecla de correção?, Onde está essa tecla?, Será que não existe tecla de correção?, ou algum outro tipo de resposta verbal. Sua inspeção visual continua até que você encontra a tecla de correção em um local não usual e, imediatamente providencia a correção. Posteriormente, o fenômeno dos erros de digitação continua a ocorrer e todo o processo pode se repetir. Com a repetição dos acontecimentos, gradualmente as respostas verbais vocais deixam de ocorrer, bem como as respostas de inspeção visual e, se o usuário tem habilidade em digitação, até a resposta de olhar para o local onde se encontra a tecla desaparece, pois digitará sem olhar o teclado. Algumas observações podem ser feitas sobre esse conjunto de respostas. Se as respostas verbais ocorrem, elas ocorrem privadamente já que, você estando a sós, a ocorrência pública não tem função, embora em algumas circunstâncias possam ocorrer de modo vocal e, portanto, publicamente. As outras respostas, tais como inspeção visual do teclado, digitar e olhar o local da tecla de correção, tornam-se menos prováveis à medida que esses comportamentos precorrentes perdem a função de produzir estímulos. Os experimentos feitos por Oliveira-Castro (1993) demonstram a perda de função dos precorrentes não-verbais de tocar uma tecla do computador que possibilitava o acesso visual a uma tela de consulta, onde pares de sílabas sem sentido podiam se tornar acessíveis para emissão da resposta-solução do comportamento de lembrar-se do par de sílabas que deveria ser associado. Com a continuação do experimento, a resposta de consulta (um comportamento precorrente) deixava de ocorrer, sem prejuízo das respostas de lembrar o par associado. Será que não ocorreria o mesmo com os precorrentes verbais vocais?
Existe um conjunto de questões sobre comportamentos precorrentes privados ou não, verbais ou não, entre outros tipos de comportamentos precorrentes que podem ser tratados empiricamente. Suponha hipoteticamente o seguinte experimento: Uma pessoa é colocada sentada em frente a um monitor de um computador com uma tela sensível ao toque. Estímulos verbais vocais são então apresentados ao participante por um sistema de som do conjunto do equipamento. Por exemplo, os estímulos poderiam ser os seguintes: sombra, verde, caule, folha, flor e fruto. Em seguida apareceria escrito na tela do computador a seguinte instrução: Toque um dos quadrados da tela. A tela poderia, por exemplo, conter quatro quadrados com os seguintes estímulos dentro deles: 1) o desenho de uma bola, 2) a palavra escrita árvore, 3) o desenho de uma árvore, 4) a palavra escrita bola. Essa pode ser uma situação típica de escolha. A resposta de tocar um dos quadrados poderia produzir uma de duas possibilidades: em primeiro lugar, caso a resposta fosse de tocar o desenho da árvore, a conseqüência seria a produção de uma nova tela (configuração) com novos estímulos sonoros, tais como penas, bico, ovo, cacarejar, asa e pés. Em seguida apareceria a mesma instrução anterior e os quadrados com os seguintes estímulos: 1) o desenho de um lápis, 2) a palavra escrita galinha, 3) o desenho de uma galinha, 4) a palavra escrita lápis. Em segundo lugar, se a resposta for a um dos outros três estímulos e não no objeto árvore, seguir-se-ia um time out de X segundos (a tela ficaria escura por X segundos, por exemplo), e então seria apresentada a segunda tela, de modo que várias telas (configurações) com vários estímulos sonoros e os quadrados comporiam a sessão. Este tipo de procedimento ilustra o controle exercido pelos estímulos sonoros sobre a probabilidade de escolha de duas das alternativas. Pode-se comparar este com os procedimentos de pesquisa na área de equivalência de estímulos em que, inicialmente, diferentes estímulos podem controlar diferentes repertórios que mais além serão recombinados, na medida em que ficam sob o controle de uma mesma classe de estímulos equivalentes (De Souza, 1997; Hubner, 1997; Sidman, 1986). No experimento acima sugerido, algumas medidas poderiam ser tomadas, tais como: a) quais foram os estímulos escolhidos da tela; b) se há correlação entre os estímulos sonoros com as escolhas que os estímulos sonoros descrevem, c) várias outras medidas. De forma resumida, poderíamos falar do experimento hipotético acima da seguinte forma: o experimento inicia com a apresentação dos estímulos sonoros e termina com a resposta de escolha de um dos quatro quadrados, ou seja, um toque na tela sensível. Mais algumas perguntas, além das duas inicialmente formuladas, que necessitam de respostas, não de imediato, seriam: Quais seriam os estímulos e as respostas que participam do processo de encadeamento, desde a apresentação dos estímulos sonoros até a resposta de escolha? Quais estímulos e quais respostas são públicos? Quais são as funções dos estímulos públicos, isto é, como podemos manipulá-los, e se existirem estímulos e respostas ao nível privado, como lidar com eles? Em todo o processo de encadeamento, todos os eventos causados têm causa única? Todas as respostas que ocorrem entre os estímulos sonoros e a resposta de escolha são operantes? Não há casos de respostas reflexas, principalmente entre as possíveis respostas privadas?
Estas são apenas algumas perguntas, entre outras incontáveis perguntas relativas ao experimento a serem respondidas. Há ainda uma série de perguntas teóricas que poderiam ser feitas, algumas delas da seguinte forma: Qual critério se deve utilizar para aceitar a ocorrência ou não de um evento privado? Qual é o tipo de explicação científica aceitável para eventos privados? Devemos transformar os eventos privados sempre em eventos públicos, para podermos então usar critérios de verdade por concordância para aceitarmos sua existência? Existem possibilidades de manipulação de eventos públicos com conseqüente possibilidade de inferência de ocorrência dos eventos privados?
Sem dúvida, as listas de perguntas empíricas e teóricas são enormes e muito difíceis de serem respondidas. Não vamos eleger nenhuma das perguntas feitas acima para tentar possíveis respostas, embora ao longo deste texto, pelo menos parcialmente, algumas respostas que certamente devem ser refinadas foram sugeridas. O que não é possível aceitar são afirmativas a priori freqüentes, dos seguintes tipos: 1) Eventos privados não existem; 2) Se eventos privados existirem, eles são meros epifenômenos; e 3) O behaviorismo radical vive muito bem sem os eventos privados. De modo a superar suposições desse tipo, seria oportuno sugerir uma forma de a psicologia se espelhar em outras ciências mais avançadas e, com isso, lidar de modo mais eficiente com seu objeto de estudo.
O conhecimento de ciências mais avançadas como a física, a biologia e a química, pelo menos circunstancialmente, evoluíram com base em observações indiretas. Por exemplo, no livro O universo numa casca de noz, Hawking (2001/2002) especula sobre algumas relações no mundo da física e observa que algumas teorias descritas neste livro não tem mais provas experimentais do que a astrologia, mas acreditamos nelas por serem compatíveis com as teorias que sobreviveram ao teste (p. 103). Não é uma sugestão para o abandono do teste empírico, mas sim aceitar e compreender que muitas predições destas ciências tiveram que esperar por novas metodologias que permitissem medidas diretas. Não houve hesitação em utilizar medidas indiretas, como nos casos de discrepância na órbita de alguns planetas, e inferir sobre a existência de planetóides e luas. Inicialmente, as medidas foram indiretas, mas posteriormente foram observadas diretamente tais luas e planetóides. Assim sendo, o que se propõe aqui é a possibilidade de medir indiretamente certos fenômenos comportamentais e fazer inferências sobre outros. No entanto, não se devem confundir medidas indiretas com medidas diretas e sempre evitar o uso de escalas pouco confiáveis.
Retornando ao experimento hipotético, se as alternativas escolhidas forem os desenhos antes descritos verbalmente, poderia ser inferido que tais estímulos sonoros seriam parte do controle exercido sobre duas classes de respostas, a saber: 1) a resposta de ocorrência de ver a árvore na ausência da coisa vista (cf. Skinner, 1974/1982; Kritch e Bostow, 1993), que os teóricos cognitivistas chamam de pensamento com imagens (cf. Atkinson, Atkinson, Smith & Ben, 1994/1995, p.289-291); e 2) as respostas de escolha propriamente. As duas classes de respostas nos interessam para uma análise integrada do comportamento, porém, as respostas de ver na ausência da coisa vista nos interessam mais especialmente, uma vez que elas podem ser tratadas como respostas privadas (embora não-verbais) e como possíveis precorrentes privados para as respostas de escolha. Neste caso, os precorrentes geram estímulos com função discriminativa e/ou estímulos alteradores da função de estímulos subseqüentes. Podemos supor que, em um experimento como esse, poderia ocorrer o seguinte: (1) manipulam-se estímulos sonoros que, como operações estabelecedoras e estímulos discriminativos, respectivamente, evocam e ocasionam (2) respostas privadas de ver na ausência da coisa vista, por sua vez, (3) produzem estímulos discriminativos e/ou estímulos especificadores de contingências alteradoras de função e estabelecem a ocasião para (4) as respostas de escolha.
Os processos descritos ilustram elos do que é conhecido na literatura como encadeamento, e podemos delinear outros experimentos com maior número de elos, alguns dos quais poderiam conter respostas verbais públicas e/ou privadas que perderiam a função. Conforme acima descritos, interessantes experimentos que demonstram a perda de função de precorrentes públicos estão disponíveis na literatura (Oliveira-Castro, 1993; J. M. Oliveira-Castro, Coelho, & G. A. Oliveira-Castro, 1999).
Um problema que se poderia levantar a respeito do experimento sugerido é que o elo número 2 (ver na ausência da coisa vista) apesar de poder ser um precorrente, não é comportamento verbal privado, uma vez que nem todo comportamento do ouvinte é verbal. Esta questão pode ser resolvida, com o elo 2 sendo o resultado do arranjo de relações entre eventos públicos, com participantes adultos com repertório verbal contínuo, de forma tal que as respostas privadas sobre tais relações entre eventos, sejam verbais. Tais experimentos foram conduzidos por Simonassi, Tourinho e Vasconcelos Silva (2001) e Cardoso de Menezes (2001). Ainda sobre os processos descritos como pensamentos com imagens ou pensar imagens, ou como os behavioristas tratam do assunto, isto é, comportamentos perceptivos sob o controle de contingências que podem fortalecê-los (Skinner, 1974/1982), tais comportamentos não são verbais, mas podem entrar em um processo de encadeamento. Desta forma, a exposição a estímulos verbais sonoros produz os comportamentos perceptivos não-verbais de forma privada. Estariam esses comportamentos operantes sob forte controle de estímulos? Haveria aqui a possibilidade de controles operante-respondente integrados? Poderiam tais operantes perceptivos serem partes da cadeia comportamental, de tal forma que produzam estímulos discriminativos ou estímulos especificadores de contingências alteradoras de função? O caráter privado não pode eliminar as possíveis funções de tais respostas em uma situação de encadeamento. De acordo com a filosofia behaviorista radical, a construção de imagens internas é condição estimuladora ou são comportamentos (Skinner, 1957/1978; 1974/1982).
Uma segunda objeção ao experimento proposto é que para um evento ser considerado causa em uma relação funcional, tem que ser manipulado, ou seja, serem atribuídos valores a ele e isto não foi considerado. De fato, os eventos do elo número 2 não teriam sido manipulados diretamente, uma vez que os eventos verbais privados não têm como ser manipulados, e, portanto, não podem ser considerados como causa dos eventos subseqüentes a eles contingenciados. Mas, podemos argumentar que teriam sido manipulados indiretamente, como ocorre na astronomia, que não manipula suas variáveis e mesmo assim faz predições altamente confiáveis. Há possibilidades de manipular os estímulos sonoros ou mesmo os estímulos escritos de forma que garantam o controle sobre a ocorrência do evento privado de modo que, em função da história de controle por estímulos, tais eventos privados (verbais ou não-verbais) passam a ter algum controle sobre a resposta subseqüente. Um exercício simples pode ser feito com você como leitor para tentar ilustrar esse ponto. Vejamos: 1) noite, 2) céu escuro e límpido, 3) seus olhos no céu, 4) claridade com brilho, 5) redondo no horizonte, 6) cheio. Dada a oportunidade de você escolher com a ponta do dedo em uma tela sensível ao toque de um computador um dos quatro estímulos a seguir: 1) a palavra lua, 2) o desenho de uma lua cheia, 3) a palavra melancia, 4) o desenho de uma melancia; é mais provável que você responda aos estímulos 1 ou 2. Com certeza, se você pensou, ou seja, viu na ausência da coisa vista, você pensou na imagem (objeto) e não na palavra lua. Uma análise de tais relações entre palavras e objetos e vice-versa foi formulada por Moore (2000a).
No exemplo acima, supõe-se que a manipulação direta dos estímulos textuais impressos resulta em (causa) uma resposta privada. Essa resposta privada é presumida como um possível efeito predito, isto é, uma variável dependente que resulta da manipulação das variáveis independentes os estímulos textuais impressos. Mas as respostas de escolher 1 e 2 podem depender de: a) dos estímulos textuais impressos e b) dos comportamentos precorrentes, que se tornam ou produzem estímulos discriminativos para o ouvinte.
Certamente, as especulações acima envolvem questões que devem ser respondidas e demonstradas empiricamente, assim como o experimento hipotético discutido indica algumas possibilidades potenciais de responder, mesmo que parcialmente, às questões aqui formuladas. Em outras palavras, pode-se admitir que os comportamentos precorrentes (públicos ou privados) podem ser estudados em relação funcional com as respostas subseqüentes, como operantes encadeados que, sucessivamente, produzam estímulos discriminativos e/ou estímulos especificadores de contingências alteradoras de função, como sugerem Anderson, Hawkins, Freeman e Scotti (2000). Diferentemente de um controle discriminativo onde a mudança de um estímulo altera a ocorrência apenas da resposta emitida, os estímulos especificadores de contingências alteram as relações funcionais de parte ou de toda a contingência de três termos.
Cremos que, o que não pode acontecer é se atribuir status causal apenas a eventos públicos e status conseqüencial a eventos privados. O behaviorismo radical sustenta que a relação de causa e efeito foi substituída pela noção de relação funcional, em que a causa foi substituída pela variável independente e o efeito, pela variável dependente (Skinner, 1953/1967; Skinner, 1974/1982). Assim, pode-se determinar a relação identificando a causa como a variável independente que foi manipulada. Nos estudos de operantes de ordem superior, um determinado número de bicadas de pombos ao disco pode ser posto sob controle discriminativo de uma certa cor onde só, e somente só, se um número fixo de bicadas (descritas como variáveis dependentes) ocorrer, o reforçador então é liberado. Neste caso, o conjunto de X bicadas é o determinante da liberação do reforçador (cf. Gollub, 1977). Estes operantes de ordem superior guardam alguma semelhança com o experimento hipotético acima apresentado. A principal semelhança é que o número de bicadas não é diretamente manipulado, mas é condição necessária para outra resposta como, por exemplo, bicar um outro disco, ou em caso de ratos como sujeitos, puxar uma argola - e que termina com a obtenção do reforçador. Existem vários estudos sobre cadeias comportamentais em que cada nova resposta do próprio sujeito modifica a situação de tal forma que a resposta e a mudança produzida tornam-se estímulos discriminativos para uma nova resposta (Catania, 1998/1999). Sem a resposta, o ambiente não se modificaria, portanto a resposta é no mínimo condição necessária para a ocorrência do elo comportamental subseqüente.
Cabe aqui, para finalizar esta sessão, uma pergunta: Será que respostas verbais (públicas ou privadas) não têm a função de facilitar o contato das pessoas com as contingências subseqüentes, verbais ou não-verbais, como fazem as regras que apresentam alto grau de exatidão ao descreverem contingências de reforço? Se a resposta for sim, como nos casos de episódios verbais com falantes e ouvintes em pessoas distintas (Matos, 2001), por que a resposta também não pode ser sim se as funções de falante e ouvinte estiverem na mesma pessoa?
4. De volta ao episódio verbal
Skinner (1957/1978) enfatizou as funções do falante e do ouvinte, concentrando mais a sua atenção no comportamento do falante, pois este sempre é verbal, enquanto muitas vezes o comportamento do ouvinte não. Recentemente, as funções de ouvinte foram enfatizadas por Hayes e Hayes (1989) e também por Skinner (1989), porque no episódio verbal total, a relação funcional falante-ouvinte é dinâmica, isto é, a troca de funções ocorre com extrema rapidez. A rapidez com que tal troca funcional ocorre depende, no entanto, dos repertórios do falante e do ouvinte. O repertório do falante é sempre comportamento verbal, enquanto o do ouvinte pode ser ou não. Por exemplo, quando um falante emite o seguinte mando - Onde fica a avenida Getúlio Vargas? e o ouvinte diz - Ande duas ruas à frente que você a encontrará (na realidade, ao emitir este mando, a função já é de um novo falante) e o falante inicial depois de ouvir o novo mando ande duas ruas à frente que você a encontrará diz - Obrigado. Neste episódio há uma troca de funções falante-ouvinte que depende fortemente do repertório do primeiro ouvinte. Neste caso, a resposta verbal pode ter sido aprendida por exposição direta a contingências não-verbais ou por regras. Não importa a forma como foi aprendida a resposta - Ande duas ruas à frente que você a encontrará, a sua emissão é produto de uma história de exposição a contingências naturais ou a regras. Aprender um comportamento, principalmente a resolver um problema, não significa que a pessoa tenha aprendido a relatá-lo (Ivan-Oliveira, 1998), pois são duas classes de respostas que podem ser independentes. Muitos comportamentos não-verbais de resolução de problemas quando são aprendidos, não se transformam em relatos verbais sem treino específico e, em muitos casos, existem no repertório de uma pessoa como classes de operantes com variáveis controladoras distintas. Os estudos sobre a correspondência entre fazer e dizer demonstram tal independência das classes operantes (de Freitas Ribeiro,1989; Pereira da Silva, 1996).
Portanto, se quisermos garantir que uma pessoa obedeça a uma instrução ou promessa (tipos de mandos que, portanto implica em atendê-los), é preciso garantir que a resposta especificada pelo mando tenha sido aprendida (Paniagua e Baer, 1982). Por exemplo, um instrutor de auto-escola que, em um cruzamento, diz ao aprendiz: - Vire a direita, tem que ter garantia de que o ouvinte domine com elevado índice de discriminação o que é direita-esquerda. O repertório do ouvinte, verbal ou não-verbal, não ocorrerá apenas pela presença do mando. Por sua vez, para ter precisão um mando deve descrever não só o comportamento requerido, mas todos os termos da contingência aos quais esse comportamento pode estar funcionalmente relacionado. Em geral, uma contingência de três termos é suficiente, mas há casos em que relações condicionais e relações contextuais devem também ser descritas. Neste caso a descrição é de uma contingência ou metacontingência - de quatro termos ou até de cinco termos com a inclusão das relações condicionais, como nos estudos de equivalência. As relações de cinco termos incluem uma situação contextual, isto é, um estímulo contextual acrescido da relação condicional (cf. Sidman, 1986). Existem ainda casos de controle de resposta verbal pública com procedimentos tipicamente respondentes, portanto com o uso de procedimentos que especificam contingências do tipo S-S, isto é, de dois termos (Yoon e Bennett, 2000). Neste estudo, a freqüência das respostas de vocalizar das crianças só aumentou após os participantes terem sido expostos a um procedimento de emparelhamento de estímulos. No Experimento 1, o experimentador vocalizava o som objetivo e ao mesmo tempo produzia interações físicas (carícias) com a criança. Tal emparelhamento de estímulos (sons produzidos pelo experimentador com carícias) foi suficiente para aumentar a freqüência das vocalizações das crianças em sessões de pós-emparelhamento. No Experimento 2, o mesmo procedimento mostrou-se mais efetivo em produzir as vocalizações nas crianças do que um procedimento em que os experimentadores emitiam um som e se as crianças ecoassem corretamente, reforços (as interações físicas, isto é, carícias) eram liberados contingentemente ao ecoar das crianças. Nos dois experimentos os procedimentos respondentes, isto é, de emparelhamento de estímulos, foram mais efetivos em aumentar a freqüência de sonorizações das crianças (procedimentos respondentes eliciadores de respostas vocais), tendo em vista que durante a condição de fortalecimento operante a freqüência das vocalizações não aumentou.
Um outro exemplo ajudará na compreensão de quão importante é o comportamento do ouvinte, principalmente quando ele é uma entre outras variáveis onde a maioria delas é desconhecida. Suponha que, em uma situação de emergência, um falante diga para um ouvinte: - Deixe o barco. Pule na água. O ouvinte pode emitir os comportamentos de deixar e de pular. Ele provavelmente já aprendeu esses comportamentos. E se ele não tiver aprendido a nadar que será o próximo comportamento no encadeamento - não adianta ter deixado o barco e pulado na água. Não importa se esses comportamentos estão sob controle do perigo iminente de afundar o barco ou dos mandos. Importa aqui, para a compreensão do episódio verbal total, também conhecer o repertório do ouvinte, pois o não saber nadar pode implicar na ocorrência de operantes verbais públicos ou privados do tipo Não vou pular, Vou morrer de qualquer forma! Prefiro não pular. A emissão destes tipos de respostas verbais, ou de algo semelhante, não só pode ocorrer como pode ocorrer privadamente, pois neste caso, a emissão de operantes verbais vocais públicos depende de outras variáveis controladoras, presentes e passadas. Mas, seguramente, as contingências arranjadas estabelecem a ocasião para a emissão de respostas verbais públicas ou privadas.
Em geral, um dos fatores pelos quais os operantes verbais são emitidos de modo privado é porque eles evitam punição (Skinner, 1953/1967). Além de evitar punição, podem também funcionar como ocasião para novos comportamentos (Anderson & cols., 1997; Anderson & cols., 2000). Sem dúvida, o início de todo o episódio verbal foi o arranjo das contingências iniciais que podem ser manipuladas, mas será que sempre devemos procurar causas ad infinitum? Será que em algum ponto dos comportamentos encadeados não podemos produzir manipulações? Há ainda controvérsias a respeito do tipo de explicações científicas que podem ser utilizadas, conforme aponta Moore (2000b), mas este tipo de abordagem foge aos objetivos do presente artigo.
5. Conclusão
Chamamos a atenção do leitor, principalmente dos analistas do comportamento, sobre as variáveis relevantes do episódio verbal total, incluindo os comportamentos verbais públicos e, principalmente, os privados. Nossa ênfase foi que, em tais episódios, o que importa são as funções de falante e de ouvinte e não em quantas pessoas tais funções se localizam. Em conseqüência, uma análise completa exige uma perfeita compreensão das variáveis controladoras dos comportamentos do falante e do ouvinte. Sugerimos também que o comportamento do falante ao estabelecer ocasiões para o comportamento do ouvinte e tornam-se estímulos controladores importantes, a despeito do episódio verbal poder envolver somente uma ou mais pessoas.
Na análise do comportamento verbal uma atenção especial deve ser dada à probabilidade de comportamentos precorrentes funcionarem como estímulos especificadores de contingências alteradoras de função, que facilitem ao ouvinte, independentemente de serem ouvintes de si mesmo ou de outro, entrar em contato com as contingências descritas pelos operantes verbais.
Outras questões conceituais sobre respostas verbais, tanto privadas como públicas, também foram levantadas. Algumas tentativas de respostas já existem na literatura, propiciando que refinamentos conceituais criem novas possibilidades de investigação tanto empíricas quanto teóricas (Pereira da Silva, 2002; Tourinho, 1997).
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Recebido em: 28/03/2003
Primeira decisão editorial em: 25/08/2003
Versão final em: 02/10/2003
Aceito em: 17/11/2003
1 Trabalho realizado com apoio de bolsa do CNPq, processo no. 301881-88-0, concedida ao primeiro autor.
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