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Avaliação Psicológica
Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.13 no.1 Itatiba Apr. 2014
Metodologias de estimação da Inteligência Pré-Mórbida na identificação do declínio cognitivo1
Premorbid intelligence measures in identifying cognitive decline
Metodologías de estimación de inteligencia premórbida en la identificación de deterioro cognitivo
Lara Alves2; Mário R. Simões; Cristina Martins
Universidade de Coimbra
RESUMO
A avaliação do declínio cognitivo implica a mensuração de uma discrepância entre o nível de funcionamento anterior a uma lesão ou situação de declínio (pré-mórbido) e o estado atual do indivíduo. No entanto, dados relativos ao funcionamento pré-mórbido (ou Inteligência Pré-Mórbida: IPM) raramente se encontram disponíveis, sendo necessário recorrer a métodos indiretos de estimação. O presente estudo apresenta uma abordagem histórica do desenvolvimento das várias metodologias de estimação da IPM, sistematizando e analisando a validade desses métodos, desde as primeiras abordagens qualitativas, às recentes estratégias mais quantitativas. Concluise que a metodologia mais válida, fiável e promissora para a estimação da IPM combina, em fórmulas de regressão, a informação relativa à capacidade atual do sujeito e dados referentes a variáveis demográficas. O constante desenvolvimento de metodologias de estimação da IPM progressivamente mais fiáveis evidencia a importância desta variável na avaliação e investigação psicológica.
Palavras-chave: inteligência pré-mórbida; declínio cognitivo; avaliação neuropsicológica.
ABSTRACT
Cognitive decline assessment implies measuring discrepancies between the subject's previous (premorbid) and the current levels of functioning. However, this information is rarely available and clinicians have to infer it by using indirect methods. This article provides an historical overview of the different methods that have been developed for premorbid intelligence estimation, from the first qualitative methods to the most recent quantitative approaches. The discussion sustains that the most valid methods for premorbid intelligence estimation are those that combine current level of the subject's performance and demographic variables in regression formulas. The constant development of premorbid estimation methods with increasing validity is suggestive of the importance that this measure has for psychological assessment.
Keywords: premorbid intelligence; cognitive decline; neuropsychological assessment.
RESUMEN
La evaluación del deterioro cognitivo supone la medición y definición de la presencia de una discrepancia entre el nivel del funcionamiento anterior a una lesión o situación de deterioro (premórbido) y el estado actual del indivíduo. Sin embargo, los datos referidos relativos al funcionamiento premórbido (o inteligencia premórbida: IPM) raramente se encuentran disponibles, siendo necesario recurrir a métodos indirectos de estimación. El presente estudio presenta un método de acercamiento histórico del desarrollo de diferentes metodologías de estimación de la IPM, sistematizando y analizando brevemente la validez de estos métodos desde los primeros acercamientos cualitativos a recientes estrategias más cuantitativas. Se concluye sobre la metodología más válida, fiable y prometedora para la estimación del IPM que combina, en fórmulas de regresión, la información relativa a la capacidad actual del sujeto y datos referentes a las variables demográficas. El constante desarrollo de metodologías de estimación de la IPM, cada vez más fiables, demuestra la importancia que esta variable ocupa en la evaluación e investigación científica.
Palabras-clave: inteligencia premórbida; deterioro cognitivo; evaluación neuropsicológica.
A relevância da avaliação do declínio cognitivo decorre não só do vasto espectro de lesões que podem atingir o Sistema Nervoso Central, como também do impacto que, no indivíduo afetado, terão condicionantes intrínsecas, ambientais, ocupacionais, educacionais e sociais. Essas variáveis, intimamente ligadas, criam uma combinação de possíveis sequelas que tornam a tarefa de avaliação do declínio cognitivo em contexto clínico (ou de investigação) particularmente difícil (Lezak, Howieson, Bigler, & Tranel, 2012; Schoenberg, Lange, Marsh, & Saklofske, 2011). Considerando que o próprio conceito de défice cognitivo pressupõe o conhecimento de algum nível de funcionamento anterior (ou pré-mórbido), relativamente ao qual os resultados atuais do paciente possam ser comparados e medidos (American Psychological Association, 1998; Lezak et al., 2012; Mackinnon, Ritchie, & Mulligan, 1999), emerge um claro hiato na metodologia da avaliação do declínio cognitivo, já que os dados relativos ao funcionamento cognitivo pré-mórbido raramente se encontram disponíveis (Matsuoka, Masatake, Kasal, Koyama, & Kim, 2006). A ausência de dados relativos ao nível intelectual pré-mórbido (ou Inteligência Pré-Mórbida - IPM) da pessoa avaliada ou de instrumentos que, em alternativa, os estimem de um modo fiável potencia o risco de diagnósticos erróneos e de planos de intervenção (psicoterapia, aconselhamento, reabilitação) desajustados (Budson & Soloman, 2012; Starr & Lonie, 2007).
Se os níveis de desempenho cognitivo pré-mórbido forem estabelecidos com uma segurança razoável, conclusões sustentadas poderão resultar da sua comparação com os dados relativos ao funcionamento atual, permitindo o estabelecimento de objetivos realistas e a possibilidade de mensuração e de monitorização da recuperação cognitiva (Powell, Brossart, & Reynolds, 2003; Schoenberg et al., 2011). Ao nível da reabilitação cognitiva, ter conhecimento do ritmo a que as funções cognitivas recuperam pode não só ajudar na definição do prognóstico e na predição da capacidade de evolução de uma pessoa com lesão ou declínio, como contribuir para a medida da eficácia da reabilitação, para a definição do plano de intervenção e de estratégias compensatórias passíveis de utilização (Bilbao-Bilbao & Seisdedos, 2004; Powell et al., 2003; Schoenberg et al., 2011).
O presente estudo pretende realizar uma revisão histórica e sistematizada do desenvolvimento das várias metodologias de estimação da IPM, analisando a validade que esses métodos apresentaram ao longo do tempo. Pretende igualmente concluir sobre a metodologia mais fiável para estimar a IPM.
Métodos de Estimação da Inteligência Pré-Mórbida
O conhecimento da IPM é um desafio que tem vindo a interessar os investigadores no campo da cognição, tanto na infância como na idade adulta (Baade, Heinrichs, Coady, & Stropes, 2011; NCS Pearson Corporation, 2011; Williams, 1997). Aplicáveis a sujeitos a partir dos 16 anos, são várias as metodologias usadas na avaliação do funcionamento pré-mórbido (Figura 1), repartindo-se, estas, por dois grandes tipos: a comparação normativa e a comparação individual.
Elementos de Natureza Normativa
Na abordagem normativa, os resultados obtidos pelo indivíduo examinado são comparados com os desempenhos no mesmo teste alcançados por uma amostra representativa de pessoas pertencentes à mesma população, considerando variáveis relevantes como a idade, o género ou o nível de escolaridade. Apesar de válida para a maioria dos indivíduos cujos níveis de inteligência estão próximos da média normativa, essa metodologia poderá enviesar resultados relativos a indivíduos com níveis elevados ou baixos de capacidade (Kareken, 1997). O recurso a normas representativas deve ser complementado com uma avaliação individual, com vista a assegurar a fiabilidade da efetiva presença de declínio cognitivo (Lezak et al., 2012).
Dados de Natureza Individual
Na comparação individual, a determinação do défice assenta na relação entre o que se presume ser a capacidade pré-mórbida do indivíduo e os seus resultados cognitivos atuais (Lanham & Misukanis, 1999). Essa abordagem pode concretizar-se quer por meio da avaliação direta do défice, quer por via da sua avaliação indireta (Schoenberg et al., 2011).
Avaliação direta.
A eventualidade de declínio cognitivo de um sujeito pode ser avaliada diretamente quando existem dados relativos ao funcionamento cognitivo anterior desse mesmo sujeito, assim viabilizando a comparação entre o estado de funcionamento atual e o estado de funcionamento pré-mórbido (p. ex., resultados numa escala de inteligência de Wechsler, administrada numa fase em que se considera que o sujeito se apresentava cognitivamente saudável) (Lezak et al., 2012; Schoenberg et al., 2011). Limitada a um número reduzido de casos, devido à rara disponibilidade de resultados anteriores obtidos em testes, essa metodologia não deixa, no entanto, de ser considerada a ideal para estimar a Inteligência Pré-Mórbida – IPM (Schoenberg et al., 2011). Contudo, na ausência de dados objetivos prévios (a situação mais recorrente), torna-se necessário o recurso complementar a métodos indiretos que afiram a IPM (Matsuoka et al., 2006).
Avaliação indireta.
Nos métodos indiretos de avaliação da IPM, a comparação realizada é entre o desempenho atual do sujeito e uma estimativa da sua capacidade cognitiva original inferida por meio de vários métodos alternativos (Lezak et al., 2012) qualitativos e quantitativos (Figura 1).
Métodos qualitativos: dados históricos e observacionais.
Dados históricos e observacionais obtidos por meio da entrevista clínica são uma fonte de informação pela qual se poderá avaliar a Inteligência Pré-Mórbida – IPM (Kareken & Williams, 1994). Essa abordagem qualitativa recobre áreas como o nível educacional, registos profissionais, funcionamento familiar e social, história médica e psicológica (Smith-Seemiller, Franzen, Burgess, & Prieto, 1997) e possibilita a recolha de informação sobre as modificações ocorridas na vida do sujeito desde a lesão e decorrentes dela, com base no testemunho da pessoa examinada e no de pessoas significativas (Lanham & Misukanis, 1999). A fiabilidade dessa abordagem fica, pois, dependente da quantidade e da qualidade dos dados conhecidos acerca do sujeito a avaliar (Crawford & Allan, 1997).
Dados referentes à performance acadêmica, às avaliações e à progressão na carreira profissional parecem ter alguma utilidade, já que estas variáveis se correlacionam com a inteligência num grau médio a elevado (Alves, Simões, & Martins, 2012; Baade & Schoenberg, 2004). Ainda assim, esses dados devem ser interpretados com precaução, uma vez que são várias as condicionantes que podem levar a uma performance inferior à que seria expectável em função da capacidade intelectual do indivíduo (Lanham & Misukanis, 1999). Em resposta à necessidade de uma metodologia válida para estimar a IPM, foram desenvolvidos métodos indiretos com uma vertente mais quantitativa (Smith-Seemiller et al., 1997).
Métodos quantitativos baseados nas capacidades atuais do indivíduo.
A primeira tentativa de desenvolver uma metodologia quantitativa para estimar a Inteligência Pré-Mórbida – IPM derivou da observação clínica de que muitos pacientes com comprovado declínio cognitivo mantinham certas capacidades cognitivas relativamente intactas após funções como a memória, o raciocínio ou a capacidade numérica se encontrarem visivelmente afetadas (Schoenberg et al., 2011).
Método de identificação dos testes de capacidades cujos resultados se mantêm/não deterioram com a idade ("hold/don`t hold method").
Yates (1954) sugeriu que os resultados obtidos na prova de vocabulário das escalas de inteligência Wechsler seriam mais resistentes ao declínio cognitivo do que os conseguidos noutras provas, uma vez que é o subteste que melhor se correlaciona, nestas escalas, com o Quociente de Inteligência Escala Completa (QIEC) e com o nível de escolaridade, sendo este último considerado um bom indicador qualitativo da IPM (Johnstone et al., 1997; Nelson & Mckenna, 1975). Vários estudos propuseram outros subtestes dessas escalas como bons indicadores da IPM, como o Completamento de Gravuras (Krull, Scott, & Sherer, 1995; McFie, 1975) ou a Informação (Vanderploeg & Schinka, 1995), mas a prova de vocabulário é a que tem sido mais consistentemente selecionada para estimar a IPM (Lezak et al., 2012).
Não obstante, as provas de vocabulário requerem definições orais e o consequente acesso ao significado lexical dos itens, sendo, por isto, consideradas vulneráveis ao dano cerebral (Del Ser, González-Montalvo, Martinez- Espinosa, Delgado-Villapalos, & Bermejo, 1997; Fuld, 1983), quando comparadas com outros tipos de instrumentos verbais que visam respostas breves ou requerem apenas o reconhecimento de palavras (Lezak et al., 2012). A evidência de que o Vocabulário apresenta, com frequência, declínio após lesão cerebral (Griffin, Mindt, Rankin, Ritchie, & Scott, 2002) e a falta de consistência na investigação científica que apoie que esta capacidade cognitiva não é afetada pela lesão cerebral (Reynolds, 1997) levou a que esta metodologia inicial tenha sido praticamente abandonada (Schoenberg et al., 2011).
Método do melhor desempenho ("Best performance method").
Com a proposta do "método do melhor desempenho", Lezak (1995) defende que a pontuação mais elevada obtida na avaliação atual realizada ao sujeito (quer se trate dos resultados de uma bateria formal de avaliação ou de dados qualitativos que comprovem o funcionamento anterior do sujeito) é a que corresponde à melhor estimativa da Inteligência Pré-Mórbida – IPM (Lezak et al., 2012). No entanto, nessa metodologia, a variabilidade cognitiva intra-individual não é tida em consideração. Será pouco defensável assumir que qualquer prova das escalas de inteligência de Wechsler que se encontre tão fortemente correlacionada com o QIEC possa ser tomada como representativa da IPM (Gladsjo, Heaton, Palmer, Taylor, & Jeste, 1999). O "melhor desempenho" enferma, ainda, de outra importante limitação metodológica, já que, utilizando como medida de referência um dos resultados nos subtestes da bateria com que justamente se pretende estimar a IPM, põe em causa a independência das variáveis dependente e independente. Desse modo, cria-se o risco de inflação das correlações e de sugestão de uma precisão superior à real (NCS Pearson Corporation, 2011), sobrestimando o QI pré-mórbido (Mortensen, Glade, & Reinish, 1991).
Testes de leitura de palavras irregulares.
Na tentativa de melhorar os métodos de estimação baseados no Vocabulário, Nelson (1982) propôs o uso de testes de leitura de palavras irregulares para estimar a Inteligência Pré-Mórbida – IPM por meio do desenvolvimento do National Adult Reading Test [NART] (Crawford, Deary, Starr, & Whalley, 2001; Crawford, Parker, & Benson, 1988; Crawford, Parker, Stwart, Benson, & Delacey, 1989; Nelson, 1982; Nelson & Wilson, 1991). Essa metodologia correlaciona inteligência geral e aptidão de leitura (Nelson & Willison, 1991) e apoia-se no pressuposto de que, em casos de declínio cognitivo, a componente fonológica da linguagem envolvida na leitura em voz alta de palavras irregulares (p. ex., palavras contendo casos em que a relação entre grafema e fonema não é unívoca) se encontra mais bem preservada do que a componente léxico-semântica, uma vez que a primeira parece ser menos dependente da integridade das funções cognitivas superiores do que a segunda (Bayles & Boone, 1982). O NART (Nelson, 1982) é o primeiro instrumento de leitura especificamente desenvolvido para estimar a IPM e a sua aferição foi realizada simultaneamente com a da WAIS.
A tarefa nesses instrumentos passa pela leitura, em voz alta, de cerca de 50 palavras irregulares apresentadas por grau de dificuldade. Uma vez que a leitura correta das palavras não pode ser determinada pelas regras de conversão grafema-fonema usuais, Nelson (1982) defende que o desempenho nesses instrumentos está mais dependente do conhecimento prévio dos itens do que da capacidade cognitiva atual do sujeito. No entanto, a seleção de itens de baixa frequência fornece um indicador do nível educacional anterior ou de níveis superiores de inteligência cristalizada (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006), já que a familiaridade com palavras pouco frequentes numa dada língua tende a aumentar com o nível educacional do falante. Vários estudos realizados com instrumentos congéneres ao NART comprovam a validade desta técnica como medida relativamente precisa e estável para estimar a Inteligência Pré-Mórbida – IPM em pessoas cognitivamente intactas (Johnstone, Hogg, Schoop, Kapila, & Edwards, 2002; Wiens, Bryan, & Crossen, 1993), possuindo correlações elevadas com o QIEC das escalas de inteligência de Wechsler e explicando uma quantidade significativa da sua variância (Crawford, Miller, & Milne, 2001; Morris, Wilson, Dunn, & Teasdale, 2005), como observado na Tabela 1. A predição da IPM baseada nas fórmulas de regressão do NART (e suas adaptações) tem-se ainda mostrado mais precisa do que a realizada por meio da utilização de variáveis demográficas (Bright, Jaldow, & Kopelman, 2002; Grober & Sliwinski, 1991).
Ainda que existam estudos que demonstrem que o desempenho em testes de leitura não é completamente insensível à lesão cerebral em estádios de demência ligeira (Stebbins, Gilley, Wilson, Bernard, & Fox, 1990; Storandt, Stone, & LaBarge, 1995) e demência moderada (Bright et al., 2002; Crawford et al., 2001; Johnstone, Callahan, Kapila, & Bouman, 1996; Patterson, Graham, & Hodges, 1994; Stebbins, Wilson, Gilley, Bernard, & Fox, 1988), este desempenho é tipicamente menos afetado do que aquele que se observa com as provas de QI noutras áreas da cognição (Maddrey, Cullum, Weiner, & Filley, 1996; Paolo, Troster, Ryan, & Koller, 1997) ou com outros métodos (Stebbins, Wilson, Gilley, Bernard, & Fox, 1990). O uso de testes de leitura de palavras irregulares tem vindo a ser censurado por sobre- ou subestimar a Inteligência Pré-Mórbida – IPM em indivíduos nos extremos das capacidades cognitivas pré-mórbidas (Ball, Hart, Stutts, Turf, & Barth, 2007; Crawford, 1992; Schoenberg et al., 2011) e por ser inaplicável em pacientes com problemas articulatórios, de acuidade visual significativos (Crawford, 1992) ou de aprendizagem (The Psychological Corporation, 2001). Além do NART, NART-2, NAART e AMNART, vários instrumentos foram desenvolvidos seguindo a metodologia originalmente proposta por Nelson (1982) como se pode verificar na Tabela 1.
Métodos quantitativos baseados na informação demográfica do indivíduo.
Na metodologia que utiliza informações sociodemográficas, variáveis como a escolaridade são inseridas em fórmulas de regressão de modo a calcular uma estimativa da Inteligência Pré-Mórbida – IPM (Wilson, Rosenbaum, & Brown, 1979). Essa abordagem estatística é objetiva e não é afetada por qualquer patologia cerebral adquirida, mas explica apenas parte da variância do QI pré-mórbido (Reynolds, 1997). As primeiras fórmulas de regressão com variáveis demográficas foram desenvolvidas por Wilson, Rosenbaum, Brown, Rouke e Whitman (1978) para a WAIS e depois reformuladas para a WAIS-R por Barona, Reynolds e Chastain (1984), transformando-se, esta versão, no índice mais conhecido desta metodologia (Índice de Barona: IB). Ainda que, devido às sucessivas revisões das escalas WAIS, esses algoritmos tenham ficado desatualizados, o uso de fórmulas de regressão com recurso apenas a variáveis demográficas continua a ser utilizado como método para estimar a IPM (Schoenberg et al., 2011), levando a que alguns instrumentos mais complexos e atuais mantivessem a possibilidade de estimar a IPM com recurso exclusivo a fórmulas de regressão com variáveis demográficas (Tabela 1). Várias críticas foram sendo apontadas a essa metodologia, limitando a sua aplicabilidade. O IB, por exemplo, classifica corretamente 38% do QIV, 24% do QIR e 36% do QIEC, levando a que alguns autores descartem por completo esta metodologia, argumentando que não aperfeiçoaria a estimação da IPM além do acaso (Sweet, Moberg, & Tovian, 1990). Para além disso, a objetividade na predição da IPM em indivíduos saudáveis com patologia neurológica ou psiquiátrica foi igualmente questionada (Basso, Bornstein, Roper, & McCoy, 2000; Silverstein, 1987; Veil & Koopman, 2001; Wrobel & Wrobel, 1996).
Métodos quantitativos baseados em metodologias combinadas.
Esforços adicionais para melhorar estimativas do funcionamento pré-mórbido originaram o desenvolvimento de metodologias combinadas que utilizam a capacidade atual do indivíduo com variáveis demográficas em fórmulas de regressão (Crawford, Parker et al., 1989; The Psychological Corporation, 2001; Vanderploeg & Schinka, 1995). Nesse sentido, alguns instrumentos combinam a capacidade de leitura de palavras irregulares e variáveis demográficas prevendo, assim, o QIEC, o QIV e o QIR das escalas Wechsler (p. ex., Teste de Leitura de Palavras Irregulares: TeLPI; Alves, Simões, & Martins, 2012), enquanto outros utilizam a performance atual em provas específicas da Wechsler com variáveis demográficas (Oklahoma Premorbid Intelligence Estimate-3: OPIE-3; Krull et al., 1995), havendo mesmo ainda um outro instrumento (HART: Hopkins Adult Reading Test) que combina os três métodos (Schretlen et al., 2009).
Combinar a performance atual e variáveis demográficas parece aumentar o poder de predição da Inteligência Pré-Mórbida – IPM (Bilbao-Bilbao & Seisdedos, 2004), originando uma maior amplitude das estimações e uma menor sobre – ou subestimação (The Psychological Corporation, 2001; Strauss et al., 2006). Se, por um lado, a inclusão de variáveis demográficas limita possíveis efeitos de declínio cognitivo (The Psychological Corporation, 2001), por outro, a inclusão de provas que avaliam a capacidade atual do sujeito aumenta o rigor das predições da IPM (principalmente para os indivíduos com capacidades de leitura mais baixas do que o expectável, considerando o seu nível educacional) (Gladsjo et al., 1999). No caso específico do NART, estudos subsequentes ao original (Nelson, 1982), que incluem a utilização de variáveis demográficas, demonstraram um incremento de 66 para 73% da variância explicada entre o teste de leitura e variáveis demográficas no caso de sujeitos cognitivamente saudáveis (p. ex., Crawford, Stewart, Parker, Benson, & Cochrane, 1989), existindo, contudo, dados contraditórios quando se analisam os resultados em amostras clínicas (Blair & Spreen, 1989; Bright et al., 2002).
O HART (Schretlen et al., 2009) é um instrumento de leitura de palavras irregulares, de 35 itens, adaptado a partir do NAART (Blair & Spreen, 1989), que combina a capacidade de leitura de palavras irregulares com as variáveis demográficas idade, género, etnia, escolaridade e o desempenho na WAIS de modo a prever o QIEC, o QIV e o QIR. Ainda que as suas qualidades psicométricas (Tabela 1) e o uso de dados longitudinais forneçam o suporte clínico desse instrumento para prever a IPM, o HART não está co-normalizado com nenhuma das escalas de inteligência de Wechsler e não existem estudos que confirmem a estabilidade das suas pontuações em indivíduos com declínio cognitivo.
O WTAR (The Psychological Corporation, 2001) oferece a possibilidade de inferir a IPM por meio do recurso a 3 metodologias utilizando: (i) apenas um teste de leitura de palavras irregulares; (ii) apenas dados demográficos; (iii) a combinação da capacidade de leitura e dados demográficos. Modificando com a escala de QI considerada, a adição de variáveis demográficas à prova de leitura do WTAR resultou no acréscimo da variância explicada do QI pré-mórbido de 4 a 7%. Vários estudos concluem que esse instrumento subestima o funcionamento intelectual na população geral (Mathias, Bowden, & Barret-Woodbridge, 2007), mais especificamente em indivíduos com elevados níveis de escolaridade (Ball et al., 2007) e em indivíduos com demência e TCE (The Psychological Corporation, 2001).
Com a publicação da WAIS-IV na Inglaterra e nos Estados Unidos, o WTAR foi atualizado tendo dado origem ao TOPF (NCS Pearson Corporation, 2009; NCS Pearson Corporation, 2011). Partindo dos mesmos princípios do WTAR, o TOPF permite a estimação do QIEC, do QIV e do QIR da WAIS-IV por meio dos mesmos 3 métodos. Estudos presentes no respetivo manual sugerem que as estimativas da IPM baseadas na metodologia combinada são mais rigorosas do que qualquer outra das possibilidades, sendo válida para identificar declínio cognitivo em doenças neurológicas progressivas ou TCE, mas não em perturbações do desenvolvimento.
O OPIE-3 (Schoenberg, Duff, Scott, & Adams, 2003; Schoenberg, Scott, Duff, & Adams, 2002) é outro instrumento para estimar a Inteligência Pré-Mórbida – IPM que, contudo, utiliza a combinação das pontuações brutas de subtestes da WAIS-III (Vocabulário, Informação, Matrizes, Completação de Gravuras) com diversas variáveis demográficas (idade, educação, etnia, área de residência e género). Essas variáveis e os vários subtestes das WAIS-III são apresentados em algoritmos com diferentes combinações, permitindo ao avaliador utilizar a fórmula correspondente aos dados que possui na totalidade (Schoenberg et al., 2002). Ainda que os algoritmos do OPIE-3 apresentem estimativas do QIEC que se assemelham à média da população normal (Schoenberg et al., 2002), as correlações entre o OPIE-3 e a WAIS-III encontram-se provavelmente inflacionadas devido à falta de independência das variáveis utilizadas (os subtestes da WAIS-III são utilizados na computação dos algoritmos), originando limitações semelhantes às encontradas no método do "melhor desempenho" discutidas anteriormente. O OPIE-3 foi validado para TCE (Schoenberg et al., 2003), havendo uma tendência para a sobrestimação do QIEC e indícios de que este método é sensível ao declínio cognitivo, principalmente quando são utilizados subtestes não verbais da WAIS-III (Langeluddecke & Lucas, 2004). Não é evidente a diferença de utilidade clínica entre o OPIE-3 e outros métodos, como o WTAR, que utilizam a leitura de palavras irregulares e variáveis demográficas (Schoenberg et al., 2011).
A necessidade de uma medida de estimação da IPM para a população portuguesa levou ao desenvolvimento do Teste de Leitura de Palavras Irregulares [TeLPI] (Alves, Simões, Martins, & Freitas, no prelo), o primeiro instrumento de estimação da IPM para a esta população. O TeLPI é um instrumento constituído por 46 palavras irregulares da língua portuguesa, possui boas qualidades psicométricas (Tabela 1) e propõe fórmulas de regressão que estimam o QIEC, o QIV e o QIR da WAIS-III, considerando a variável demográfica escolaridade. O TeLPI está normalizado para a população portuguesa de acordo com a variável escolaridade (Alves et al., 2012) e a validade clínica das suas pontuações foi evidenciada para indivíduos com diagnóstico de declínio cognitivo leve e doença de Alzheimer, tendo sido comprovada a ausência de diferenças significativas na pontuação do QI estimado entre amostras clínicas e saudáveis (Alves, Simões, Martins, Freitas, & Santana, no prelo a; Alves, Simões, Martins, Freitas, & Santana, no prelo b).
Em síntese, a informação relativa à Inteligência Pré-Mórbida – IPM é crucial na avaliação do declínio cognitivo, permitindo identificar discrepâncias entre níveis de funcionamento cognitivo atual e anterior. Os dados relativos ao funcionamento pré-mórbido raramente se encontram disponíveis, exigindo o recurso a metodologias de estimação desta variável. Ainda que nas últimas décadas se tenha assistido a uma grande evolução nas metodologias de previsão da IPM, nenhuma delas está isenta de limitações. As metodologias qualitativas foram claramente afastadas do uso clínico e de investigação pela sua falta de validade, potenciando o desenvolvimento das metodologias quantitativas.
Devido ao risco de enviesamento de resultados relativos a indivíduos com níveis elevados ou baixos de capacidade, a metodologia quantitativa, que recorre a dados normativos de IPM, deve ser utilizada com precaução pois só a comparação individual é considerada preferível para identificar com fiabilidade a presença de declínio cognitivo. A investigação atual parece demonstrar que os métodos que recorrem à informação sobre a aptidão atual do sujeito (seja a capacidade de leitura, seja o desempenho numa versão da WAIS) combinada com variáveis demográficas (nomeadamente a escolaridade) para prever os vários índices cognitivos parecem ser aqueles que fornecem uma estimativa mais válida da IPM (p. ex., WTAR, TOPF, OPIE-3, TeLPI).
Conceitualmente, o uso de metodologias mistas é aconselhável, pois estas permitem conciliar as vantagens dos métodos exclusivamente demográficos e as dos que utilizam unicamente uma das metodologias de estimação. No entanto, dessa associação também resulta o efeito cumulativo das desvantagens de cada metodologia. Se, por um lado, por exemplo, a combinação do desempenho na leitura de palavras irregulares e variáveis demográficas aumenta o poder de predição da IPM (originando uma maior amplitude das estimações e uma menor sobre- ou subestimação da IPM), por outro, o desempenho em instrumentos de leitura de palavras irregulares parece não ser completamente imune aos efeitos de uma lesão cerebral que afete algum dos sistemas neurocognitivos implicados no reconhecimento de letras, na leitura ou na articulação de palavras. É também conhecida a inaplicabilidade dessas metodologias em indivíduos afetados por perturbações da linguagem, dificuldades de aprendizagem ou analfabetos. Tais factos limitam, mas não invalidam a utilização dessas metodologias mistas que se têm demonstrado válidas para a estimação da IPM. Será ainda de notar que uma estimação, por definição, é uma aproximação à realidade e que, por esta razão, dificilmente será previsível o desenvolvimento de uma metodologia de avaliação da IPM isenta de limitações e absolutamente objetiva para todos os indivíduos de uma determinada população. Caberá, portanto, ao avaliador, escolher a metodologia disponível mais válida de acordo com as características do sujeito. A consideração integrada de dados individuais e normativos pode igualmente traduzir-se num aumento da validade das estimativas da IPM. O desenvolvimento das várias metodologias quantitativas das últimas décadas, na busca de uma metodologia o mais fiável possível, evidencia o claro interesse da comunidade científica na temática e a importância da estimação da IPM como parâmetro essencial na avaliação cognitiva.
Referências
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Recebido em outubro de 2012
Reformulado em abril de 2013
Aprovado em julho de 2013
Sobre os autores
Lara Alves: é Doutorada em Psicologia (especialidade de Neuropsicologia). Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Mário R. Simões: é Professor Catedrático. Laboratório de Avaliação Psicológica da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Portugal.
Cristina Martins: é Professora Auxiliar. Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Portugal.
1Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia Portuguesa através da bolsa de Doutoramento SFRH/BD/37748/2007.
2Endereço para correspondência: R. do Colégio Novo, Apartado 6153, 3001-802, Coimbra, Portugal. Tel.: +351 962 779172, Fax: 239 851465. E-mail: laralves79@gmail.com