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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.17 no.2 Porto Alegre Dec. 2013

 

ARTIGOS

 

Percepções e sentimentos maternos frente à triagem auditiva neonatal do filho

 

Maternal perceptions and seelings related to universal newborn hearing screening of their child

 

 

Sabrina Daiana Cúnico1, I, II ; Clarissa Tochetto de Oliveira2, I, II ; Cristina Saling Kruel3, I, III; Tania Maria Tochetto4

I Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
II Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
III Centro Universitário Franciscano

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A surdez interfere diretamente no desenvolvimento social, educacional e emocional do indivíduo surdo. Desta forma, o diagnóstico precoce, realizado através da Triagem Auditiva Neonatal (TAN), se torna imprescindível para a garantia de uma melhor qualidade de vida para quem tem perda de audição. Este estudo teve caráter qualitativo e teve por objetivo investigar percepções e sentimentos maternos frente à TAN. Os resultados alcançados, após a análise de conteúdo, apontam para a importância dos profissionais de saúde informar de forma clara e detalhada sobre os exames que os bebês serão submetidos, pois a desinformação pode gerar ansiedade. Por fim, entende-se que mais estudos devam ser realizados a fim de promover um melhor entendimento da problemática.

Palavras-chave: Mães, Percepção, Emoções, Triagem neonatal.


ABSTRACT

Deafness interferes in people social, educational and emotional development. Thus, early diagnosis, made after Universal Newborn Hearing Screening (UNHS), become important to guarantee a better quality of life for those with hearing loss. This was a qualitative research, which objective was to investigate maternal perceptions and feelings faced to UNHS. The results, after content analysis, indicate the importance of health professionals to inform clearly and detailed about the exams that the babies will take, because lack of information may cause anxiety. Finally, it is understood that more studies are necessary in order to give a better understanding of this issue.

Keywords: Mothers, Perceptions, Emotions, Neonatal screening.


 

 

A deficiência auditiva é a alteração mais frequente no período neonatal (três a cada 1000 crianças apresentam o diagnóstico) quando comparada a outras patologias de triagem universal, como anemia falciforme (presente em 0,20 a cada 1000 crianças), hipotireoidismo congênito (presente em 0,17 a cada 1000 crianças) e fenilcetonúria (presente em 0,07 a cada 1000 crianças), pesquisadas pelo Teste do Pezinho (Comitê Brasileiro Sobre Perdas Auditivas na Infância - CBPAI, 1999). A surdez não está associada à dor e/ou ao desconforto, fatores que comumente aceleram a busca pelos serviços de saúde (Fernandes & Nozawa, 2010) e, portanto, o diagnóstico pode ser tardio. Sabe-se que a surdez é um dos problemas de saúde mais ignorados do mundo, já que, por ser invisível, é pouco compreendida pelos ouvintes, mas tem uma interferência acentuada no desenvolvimento social, educacional e emocional do individuo surdo (Negrelli & Marcon, 2006).

A identificação precoce de surdez é feita por meio da Triagem Auditiva Neonatal (TAN), popularmente conhecida como Teste da Orelhinha. Este teste de audição, que deve ser feito em todos os recém-nascidos durante o primeiro mês de vida, é rápido, indolor e não tem contra-indicação. O Comitê Multidisciplinar em Saúde Auditiva (COMUSA, 2010) determinou protocolo para TAN em neonatos sem (Emissões Otoacústicas) e com indicadores de risco para a deficiência auditiva (Emissões Otoacústicas e Potenciais Evocados de Tronco Encefálico).

Se o bebê não apresentar as respostas esperadas na TAN, ele deverá ser retestado dentro de 15 dias. Se no reteste as respostas continuarem ausentes, outros exames devem ser realizados e concluídos até os três meses de idade, sendo esta considerada a etapa do diagnóstico. Uma vez confirmada a existência de surdez a intervenção fonoaudiológica deve iniciar-se imediatamente, até no máximo seis meses de idade. Sabe-se que a intervenção tardia, isto é, após os seis meses de idade, acarreta prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento da criança e a sua relação com a família.

A TAN é a única estratégia capaz de detectar alterações auditivas precocemente. É possível antecipar a intervenção em cerca de 18 meses ao se aplicar a TAN. A idade média do diagnóstico da surdez em bebês não testados foi aproximadamente aos dois anos de idade e em bebês examinados aproximadamente seis meses (Canale et al., 2006). Outro estudo refere que sem a realização da TAN pelo menos 44% das crianças surdas receberiam diagnóstico e intervenção tardia (Olusanya, Luxomb & Wirzc, 2006).

A crescente divulgação de informações a respeito das consequências irreversíveis da perda auditiva sobre o desenvolvimento social, emocional, cognitivo e linguístico da criança, fez com que governos de diversos países investissem na implantação de programas de TAN. A relevância destes programas é comprovada pelo aumento significativo do diagnóstico precoce da deficiência auditiva infantil (Aurélio & Tochetto, 2010).

Há programas de TAN eficientes e de sucesso em, aproximadamente, 55 países, com predominantemente Emissões Otoacústicas Evocadas (EOAE) (Aurélio & Tochetto, 2010). No Brasil os primeiros programas de TAN surgiram em 1987 no Hospital São Paulo (SP) e no Hospital Universitário de Santa Maria (RS) (Tochetto & Vieira, 2006). Desde 2004, existe o Programa de Atenção à Saúde Auditiva na Média Complexidade, que inclui triagem e monitoramento da audição de neonatos (Brasil, 2004). Em 2010, a Lei Federal 12.303/10 tornou obrigatória a realização gratuita do Teste da Orelhinha em hospitais e maternidades brasileiras.

Monteiro, Caldas, Leão e Soares (2009) alertam para a importância de os profissionais da saúde orientarem os pais e mães a respeito do desenvolvimento auditivo do bebê, para que os mesmos fiquem atentos à saúde auditiva da criança e se abra a possibilidade de o diagnóstico de uma eventual surdez acontecer o mais breve possível.

Sabe-se que exames em geral, que investigam a possibilidade de alguma malformação fetal, podem desencadear sentimentos de ansiedade nas mães (Gomes & Piccinini, 2007), visto que a capacidade dos pais de gerar um bebê saudável e perfeito também está sendo investigada no momento da realização do exame (Quayle, Isfer & Zugaib, 1991). Neste sentido, Costa, Valle e Yamada (2000) destacam a importância de um trabalho interdisciplinar principalmente para os casos em que há suspeita ou confirmação de deficiência auditiva da criança, já que as mães se encontram fragilizadas no momento do diagnóstico. O discurso do profissional da saúde que informará o diagnóstico aos genitores é de suma importância, visto que é o momento em que os pais passam a lidar com o "filho real" e não mais aquele que foi idealizado durante a gravidez (Hoher & Wagner, 2006).

Ainda neste contexto, Pacheco, Tochetto, Checalin e Carvalho, (2009) guiaram um estudo onde concluíram que o desconhecimento da TAN foi total entre as gestantes usuárias do sistema público de saúde e de clínica privada, participantes da pesquisa. Menos de 10% das usuárias conhecia a TAN, sendo que somente 09% obtiveram informações sobre o teste por profissionais da saúde e 38% não realizaram o teste porque o pediatra não requisitou (Pacheco et al., 2009).

Salienta-se que a desinformação a respeito dos exames exacerba a ansiedade materna (Vohr, Letourneau & Mcdermott, 2001). Portanto, faz-se necessário informar as mães a respeito do teste e das etapas subsequentes, como forma de evitar ansiedade intensa (Tochetto, Petry, Gonçalves, Silva & Pedroso, 2008).

As orientações dadas a pais e mães sobre os indicadores de risco para a surdez e sobre saúde auditiva ficam aquém do ideal (Muniz et al., 2010), o que dificulta a difusão da importância da audição para o desenvolvimento global da criança. Optou-se por estudar as mães em virtude de que estas são as principais acompanhantes dos bebês nas ocasiões de exame. Pretende-se, com este estudo, criar estratégias de intervenção interdisciplinares, envolvendo a fonoaudiologia, enfermagem, psicologia, entre outras áreas da saúde, a fim de atender estas mães quanto as suas demandas por escuta, esclarecimentos e orientações. Considerando tais aspectos, o presente artigo tem como objetivo investigar percepções e sentimentos maternos frente à TAN de seus filhos.

 

Método

A pesquisa foi desenvolvida no Ambulatório de Fonoaudiologia de um Hospital Universitário, que atende usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). O presente estudo é de natureza qualitativa, sendo que o delineamento utilizado foi de caráter exploratório.

Foram entrevistadas oito mães de crianças que compareceram à Triagem Auditiva Neonatal no primeiro semestre do ano de 2008. A escolha por estas mães se deu de forma aleatória, sendo que nenhuma foi previamente informada que responderia a entrevista. Todas as mães participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os critérios de inclusão foram: ter um bebê sem diagnóstico de anormalidades fetais, nascido a termo e estar sendo submetido à Triagem Auditiva Neonatal. Ao longo do estudo, as mães serão identificadas através de números, a saber, M1, M2, M3, M4, M5, M6, M7 e M8, de forma a garantir sua privacidade.

Os dados foram coletados por meio de uma entrevista semiestruturada, a qual foi realizada individualmente com a mãe da criança. O instrumento tinha por objetivo investigar as percepções, os sentimentos e as expectativas frente à Triagem Auditiva Neonatal. Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo (Bardin, 1977).

As participantes deste estudo foram informadas, desde o primeiro contato, sobre os objetivos do mesmo, a forma de coleta e análise dos dados e puderam decidir livremente sobre a disponibilidade de participarem do estudo. A autonomia das mulheres foi assegurada, através da possibilidade de desistência de sua participação em qualquer etapa do mesmo. Em nenhum momento do estudo as participantes foram identificadas sendo, desta forma, garantida a privacidade das mesmas e a confidencialidade dos dados coletados. O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética de uma Universidade Federal de Santa Maria, sendo aprovado pelo Protocolo n.23081.016862/2006-09.

 

Resultados e Discussão

O presente artigo tem como objetivo investigar percepções e sentimentos maternos frente à TAN de seus filhos. Para tanto, as respostas das mães às entrevistas foram agrupadas a partir das semelhanças e particularidades encontradas e submetidas à Análise de Conteúdo Qualitativa (Bardin, 1977).

Pode-se inferir que, quanto mais informações são recebidas acerca de exames e tratamentos de saúde, maior é o engajamento dos indivíduos na realização dos mesmos. Portanto, é papel dos profissionais de saúde informar os pacientes de forma clara e objetiva sobre todos os procedimentos aos quais estes serão submetidos. No presente estudo, evidenciou-se que as mães entrevistadas tinham certo conhecimento sobre o exame, relacionando-o a audição, ainda que não soubessem nomeá-lo quando questionadas:

"Do ouvido né. É... teste auditivo acho que é, né? Não lembro como é que é." (M1).

"Do exame? Ai, eu não sei. Só sei que é pra... do ouvido." (M2).

"Odontolo...ai, não consigo dizer [risos] odonto...logi...é né?" (M5).

A partir de tais falas, percebeu-se uma dificuldade das mães em se apropriar da nomenclatura do teste. Destaca-se o fato de que a Triagem Auditiva Neonatal possui um nome popular, o Teste da Orelhinha, que também não apareceu nas falas destas mães. De acordo com tais constatações, pode-se pensar que, apesar de o programa de TAN existir no Hospital Universitário de Santa Maria desde 1987 (Tochetto & Vieira, 2006), seu nome popular ainda não tenha sido suficientemente difundido, já que o teste tornou-se obrigatório por lei somente em 2010. De fato, estudos indicam que a população de gestantes/mães parece não ter informações suficientes a respeito da TAN (Pacheco et al., 2009). O presente estudo confirma essa constatação, pois além de as mães entrevistadas não saberem o nome do exame, elas também desconheciam os procedimentos.

"... sobre a audição, pra ver se tá tudo correto né, se ela né, se tá tudo normal né, se vai ouvir tudo direitinho, acho que por ai..." (M6).

"Sei, que é pra ver se ele não tem problema nenhum, se ele ta escutando bem e tudo assim sabe." (M4).

"É um teste de audição pra ver se ela está correspondendo bem a barulhos, ruídos, isso?" (M3).

"É pra ver se ele não tem algum problema de surdez, essas coisas... se ele ouve bem" (M5).

Um ponto importante a ser destacado é que as mães, mesmo não sabendo exatamente qual era o objetivo do exame, associavam a ele a garantia de que, caso seu filho fosse diagnosticado com algum problema, este seria facilmente resolvido por ele ser ainda uma criança. As frases abaixo ilustram esta questão:

"Detectar algum problema auditivo... cedo né, que possa ser tratado" (M8).

"Eu acho que se tem algum problema, eu acho que eles encaminham né, quando existe alguma coisa com a criança, ainda mais que ela é recém nascida, fica mais fácil deles detectar..." (M6).

"As enfermeiras lá do hospital quando ela nasceu já me orientaram, já me disseram bem que era um teste que era importante fazer, para qualquer problemas futuros." (M3).

"... é mais uma coisa que tu vai fazer pra prevenir uma coisa mais tarde, entendeu? Pra não ter o perigo de... de... de... apresentar um problema mais tarde, então antes tu ficar sabendo agora que dá tempo ..." (M7).

Considerando as falas acima, é possível notar que elas foram orientadas brevemente sobre os objetivos do exame, destacando-se a necessidade de fazê-lo. Em um estudo desenvolvido por Hilu e Zeigelboim (2007), foi observado que há contradição entre o que os profissionais de saúde dizem que informam as mães e o que as mães relatam ouvir dos profissionais. Enquanto estes relataram conhecer a detecção precoce da deficiência auditiva e orientar sobre a TAN, a maioria das mães disse não ter recebido nenhum tipo de informação sobre o desenvolvimento auditivo do bebê durante a gestação e em sua permanência na maternidade.

Pode-se inferir que, nesse período, além de as mães estarem bastante envolvidas com os cuidados do bebê, elas recebem muitas informações novas a respeito de exames a serem realizados. Como essas informações nem sempre são explicadas de forma simplificada, as mães apreendem somente aquilo que conseguem entender. Assim, sugere-se que os profissionais da saúde tornem sua fala mais compreensível a população. A exemplo disso, poderá ser mais fácil para as mães lembrarem para que serve o Teste da Orelhinha do que quais são os objetivos da TAN.

Ademais, parece haver falhas na comunicação entre os profissionais da saúde. A literatura indica que os pediatras não têm conhecimento suficiente sobre a TAN. Os pediatras e neonatologistas parecem desconhecer não só os métodos de avaliação auditiva para recém-nascidos, mas também os métodos de diagnóstico precoce e as possibilidades que esses proporcionam no desenvolvimento do deficiente auditivo (Weiss, 1999). No estudo de Hilu e Zeigelboim (2007), apesar de 63% dos médicos afirmarem conhecer a técnica mais fidedigna para avaliar a audição de bebês, os mesmos não souberam descrevê-la, provavelmente por falta de conhecimento dos exames. Em estudo semelhante, Zocoli et al. (2006) verificaram que 75% dos médicos afirmaram pesquisar a audição de seus pacientes nos primeiros seis meses de vida e mencionaram conhecer as técnicas utilizadas, porém os autores observaram a dificuldade dos mesmos em descrevê-las.

A partir disso, evidenciou-se que o conhecimento sobre a TAN parece estar restrita aos profissionais da fonoaudiologia. Entretanto a responsabilidade pela saúde auditiva é de todos os profissionais da saúde envolvidos no atendimento ao bebê e à gestante. Assim, ressalta-se a importância de que médicos obstetras sejam informados sobre o exame, conforme propõe Fernandes e Nozawa (2010), e que a abordagem acerca da importância da audição no desenvolvimento da criança e a possibilidade concreta de detecção precoce de perdas auditivas seja adotada, especialmente, nas consultas pré-natais, na tentativa de introduzir novos elementos para reflexão materna acerca da surdez infantil e seus prejuízos. Monteiro et al. (2009) também alertam para a necessidade de que os profissionais da saúde orientem os pais e mães a respeito do desenvolvimento auditivo da criança, antes mesmo que as mães saiam da maternidade para que elas fiquem atentas à audição da criança, e assim o diagnóstico ocorra em tempo mais precoce possível.

Ao serem questionadas sobre as orientações recebidas a respeito do exame, evidenciou-se, através das falas das mães, que estas receberam as informações a respeito da TAN em momentos diferentes.

"Foi na hora da internação né, na hora da alta, daí disseram que era pra marcar pra fazer o teste." (M1).

"Sim, lá no dia em que ela nasceu, eles pegam o bebê e fazem testezinhos lá. Aí depois os pediatras vieram falar comigo." (M2).

"Não, não. Eu mesma. E tudo que for exame, que for vacina, que tiver que fazer, eu disse melhor ele chorar agora que eu chorar depois." (M4).

"Pelas enfermeiras lá do hospital quando ela nasceu já me orientaram, já me disseram bem que era um teste que era importante fazer, para qualquer problemas futuros." (M3).

Diante do que foi exposto, fomenta-se a discussão a respeito do melhor momento para que as genitoras recebam as informações sobre os exames a serem realizados, visto que elas encontram-se fragilizadas no período pós-parto. Sugere-se que as orientações sejam dadas durante o acompanhamento pré-natal, pois assim as mães têm o tempo necessário para tirarem suas dúvidas. Para tanto, faz-se necessário uma maior divulgação e entendimento pelos profissionais da saúde a respeito da TAN e sua importância. Também, ressalta-se a importância de que estas mães estejam acompanhadas por familiares ou amigos enquanto recebem as informações e que estas sejam fornecidas em linguagem adequada a sua realidade. Mais do que uma lista com nomes de exames preventivos, as mães precisam sentir-se seguras e compreendidas neste momento que é tão delicado.

Arnold et al. (2006) em estudo semelhante afirmam que, segundo os pais, o melhor momento para informar sobre a TAN é durante o terceiro trimestre de gestação. As informações devem ser simples e diretas, oferecidas também em forma impressa. Nesta ocasião os pais querem saber apenas a importância do teste e que a audição da criança deverá ser testada. Eles não querem saber as causas e efeitos da perda auditiva, como funciona o equipamento e a anatomia da orelha.

Duas, das oito mães entrevistadas receberam informações acerca do exame por parentes ou amigos, o que fez com que tivessem maior clareza sobre os procedimentos adotados na Triagem Auditiva Neonatal:

"Eu sei porque eu vi a minha sobrinha fazer, eles botam... um aparelhinho no ouvido e depois bate... um sininho" (M5).

"... foi o meu pai que me contou quando ele fez... no nenê dele agora, meu irmão, diz que era... que bota um aparelhinho no ouvido... e que faz um baru... um ruído bem alto..." (M8).

A partir das falas acima, pode-se inferir que as mães que receberam orientações informais sobre a Triagem Auditiva Neonatal estavam mais familiarizadas a respeito dos procedimentos do exame do que aquelas que obtiveram informações com profissionais da saúde. Deve-se atentar, porém, para o fato de que as orientações transmitidas por leigos podem conter equívocos, o que pode prejudicar o entendimento das mães sobre o assunto.

Conforme visto no presente estudo, a maioria das mães não recebeu ou recebeu informações vagas sobre a Triagem Auditiva Neonatal, o que gerou sentimentos de incerteza e dúvidas frente ao exame. Sobre isso, Fernandes e Nozawa (2010) salientam que as orientações oferecidas pelos profissionais parecem não favorecer a compreensão das mães a respeito da TAN e, por consequência, faz com que estas não atribuam a devida importância ao exame.

"Dúvida eu teria porque eu nunca ouvi falar né, no que é que vão fazer, qual é que é o teste, as consequências né, digamos, eu não sei nada disso." (M1).

"Ai, pra ver se é alguma coisa que machuca, se eles colocam alguma coisa dentro do ouvidinho dela, assim... Porque eu não sei muito, eu não sei nada. Eu achava que era uma coisa, mas agora, pelo que eles me falaram ali fora, é outra coisa." (M2).

"Não sei se a gente pode ficar junto ou se só eles mesmo, só os doutor que fazem, ou se eu posso ta junto." (M4).

"Tem algum risco? Alguma coisa assim que possa dar?" (M8).

Exames em geral, indicados por suspeita ou investigação de diagnósticos de malformação fetal, podem desencadear sentimentos de ansiedade (Gomes & Piccinini, 2007). Vohr, Letourneau, & McDermott, (2001), atentam para o fato de que quanto maior a desinformação das mães a respeito do exame, maior é o grau de preocupação e ansiedade apresentado por elas.

No presente estudo, não foi avaliada a ansiedade das genitoras, porém, o conteúdo das respostas denota preocupação. Portanto, é válido informar as mães a respeito do teste e das etapas subsequentes, como forma de evitar ansiedade intensa (Tochetto et al., 2008). Além disso, ressalta-se mais uma vez a importância de que as genitoras tenham a chance de esclarecer suas dúvidas e inquietações antes da realização do exame a fim de que não transmitam sua insegurança para o bebê.

Outro fato observado nesta pesquisa, é que as mães pareciam não se sentir a vontade para sanar suas dúvidas com os profissionais da saúde. Fernandes e Nozawa (2010) afirmam que as mães acabam por atribuir aos médicos uma posição de saber quase "absoluto". Então, se o profissional afirmar que é importante realizar determinado exame, muitas mães o farão sem mesmo saber para o que serve nem qual é o procedimento, o que pode ser observado nas falas a seguir:

"Como eu já tinha ouvido falar que era importante, né, daí a gente marcou. Ela me disse e eu já vim aqui pra marcar né. Eu sei que é importante e o que é importante, a gente faz." (M1).

"... não perguntei também pro pediatra dela. Só ali agora que eu me assustei, que eu fiquei pensando, ai eu vou vir fazer o exame, mas eu não sei o que é né. Porque o teste do pezinho, ai eu chorei tanto pra ela fazer o teste do pezinho." (M2).

"... uma que se não tivesse importância eles não iam marcar pra gente pegar, retornar de novo, trazer de novo ... por isso que eu digo, não tem porque não fazer, se tá marcado, sabe?" (M7).

É papel dos profissionais da saúde ligados ao atendimento da gestante e do bebê, informar a família a respeito da TAN e seus objetivos. Solicitar a triagem auditiva para todos os neonatos é uma conduta responsável por parte do neonatologista ou pediatra (Pacheco et al., 2009). Além disso, é fundamental a divulgação e conscientização sobre a importância da Triagem Auditiva Neonatal e dos benefícios proporcionados por este programa (Aurélio & Tochetto, 2010), não somente entre os profissionais de saúde, mas também na comunidade conforme recomendações do Comitê Multidisciplinar em Saúde Auditiva (COMUSA, 2009).

As mães de bebês que realizam acompanhamento pré-natal são submetidas a uma série de exames que são importantes para a verificação da saúde física do feto. No período pré-natal, o feto torna-se foco da atenção e cuidados dos profissionais da saúde, sendo detalhadamente investigado e, em virtude disso, acaba por adquirir características próprias. O feto, que detém parte do eu projetado dos pais, torna-se objeto de pesquisa e, desta maneira, a capacidade dos pais de gerar um bebê saudável e perfeito também está sendo investigada. Ainda durante a gravidez, a vivência deste processo de investigação bem como a espera pelos resultados pode ser angustiante para os pais. Nos casos em que há um resultado favorável, é restaurada a ligação entre o pai/mãe e o bebê, o que favorece o desenvolvimento da identidade parental. Já nos casos em que algum problema é constatado, há a constituição de uma ferida narcísica, que desencadeia intensos mecanismos de defesa (Quayle et al., 1991).

Por inscrever-se em uma fase crítica da vida da mulher e do casal, o diagnóstico pré-natal pode desencadear reações emocionais e desequilíbrios psíquicos, acarretando a desorganização familiar (Quayle et al, 1991). Cabe ressaltar, no entanto, que, em todas as famílias as expectativas que os pais depositaram sobre a criança durante o período da gestação necessitarão ser reelaboradas, visto que certamente a criança frustrará, em algum aspecto, a idealização dos pais (Hoher & Wagner, 2006).

Tendo nascido o bebê, mesmo este estando em plena saúde, os exames de investigação devem prosseguir e as mães permanecem com a dúvida quanto a sua capacidade de gerar uma criança saudável. Conforme já mencionado, devido à surdez ser invisível e não apresentar dores e/ou desconfortos, fatores que aceleram a busca pelos serviços de saúde (Fernandes & Nozawa, 2010), seu diagnóstico pode ser tardio, quando a criança já está em idade escolar acarretando inúmeros prejuízos a ela.

A TAN desperta diferentes sentimentos nas mães, que podem ser positivos, mistos ou negativos (Tochetto et al., 2008). Esses sentimentos estão associados a diversos fatores, a saber, conhecimento sobre o teste (Hergils & Hergils, 2000; Zhao et al., 2003), aceitação do procedimento (Hergils & Hergils, 2000), relacionamento com os profissionais (Tattersall & Young, 2006) e resultado obtido neste exame (Zhao et al,. 2003). Além disso, parcela significativa das mães não considera que a surdez deva ser fonte de preocupação ou de investigação por profissionais especializados. Elas acreditam ser suficiente a sua capacidade, pelos meios empíricos de avaliação, de constatar se a criança ouve bem (Fernandes & Nozawa, 2010).

Neste estudo, as mães relataram sentimento de tranquilidade frente ao exame. Porém, muitas delas expressaram certa preocupação em decorrência do seu desconhecimento sobre como o exame seria feito. O medo de que o exame traga algum tipo de risco para a criança foi o mais lembrado:

"Ah, agora estou tranquila mais né, porque a moça ali me disse que não machuca, que não colocam nada na orelha dela. Que é só com sininho... diz ela né, não sei." (M2).

"Não, bem tranquila assim sabe, porque eu sei que vai ser uma coisa boa, que vai ser um benefício pra ele, um bem pra ele, então sendo bem pra ele, é bem pra mim." (M4).

"Bom...assim, tranquila, assim....normal...não tem risco né? É só um exame..." (M5).

"... bem tranquila né?... mas, não sei se tem algum risco, alguma coisa" (M8).

Em estudo semelhante, Tochetto et al. (2008), concluíram que os sentimentos das mães frente à TAN são predominantemente positivos, prevalecendo os sentimentos de confiança, tranquilidade e cautela. Os mesmos resultados foram verificados na Suécia (Hergils & Hergils, 2000), na China (Zhao et al., 2003), nos Estados Unidos da America (Danhauer & Johnson, 2006) e na Nigéria (Olusanya et al., 2007). Nesta pesquisa, pode-se pensar que as mães estavam tranquilas frente ao exame em virtude de ser esta a primeira testagem da audição do bebê. A literatura indica que o nível de ansiedade das mães aumenta nos casos em que o seu filho falha na primeira triagem, tendo que repetir o exame (Hergils & Hergils, 2000).

Costa et al. (2000) destacam a importância de um trabalho interdisciplinar nos Centros de Triagem Auditiva Neonatal, com ênfase na psicologia, principalmente para os casos em que há suspeita ou confirmação de deficiência auditiva da criança. Nestes casos, a equipe de saúde tem o papel de transmitir segurança à mãe, a criança e a família como um todo, auxiliando na compreensão das informações, bem como na cooperação com as intervenções pertinentes ao desenvolvimento saudável da criança.

Neste contexto, Höher e Wagner (2006) reforçam a importância da clareza do discurso dos profissionais da saúde ao informar aos pais o diagnóstico de uma criança com necessidades especiais, já que se trata de um momento significativo para os pais olharem para o "filho real" e não o idealizado. Ainda segundo as autoras, é nesse momento que a família busca, através da fala do profissional, as explicações para a causa do problema e uma resposta positiva em relação ao desenvolvimento futuro do filho, que irá influenciar diretamente o processo de aceitação ou rejeição do filho real.

Porém, os profissionais da saúde devem dar suporte às famílias durante todo o processo de investigação da surdez, não restringindo o apoio somente nos casos em que a deficiência auditiva for confirmada. Neste sentido, Fernandes e Nozawa (2010) destacam a importância da participação familiar durante todo o processo de diagnóstico, já que a detecção precoce de perda auditiva é importante para a redução dos prejuízos causados por esta.

 

Conclusão

A surdez, ainda que seja um dos problemas de saúde mais ignorados do mundo, interfere diretamente no desenvolvimento do sujeito com perda de audição. Sendo assim, o diagnóstico precoce, realizado através da Triagem Auditiva Neonatal, se torna de suma importância para garantir a melhor qualidade de vida do indivíduo surdo.

Sugere-se que os programas de atendimento a gestante (pré-natal) incluam informações a respeito de todos os exames a que a mãe terá que submeter seu bebê após o nascimento, esclarecendo suas dúvidas em linguagem acessível. A desinformação faz com que as mães criem fantasias a respeito do exame, não dando a devida importância para este. Por fim, entende-se que mais estudos que abordem a questão dos sentimentos maternos frente a TAN devam ser realizados, a fim de fomentar a discussão acerca da temática.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Sabrina Daiana Cúnico
E-mail: sabrinacunico@yahoo.com.br

Recebido em: 18/03/2013
Revisado em: 01/08/2013
Aceito em: 10/09/2013

 

 

1 Psicóloga, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), bolsista CAPES.
2 Psicóloga, mestranda no PPGP da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), bolsista CAPES.
3 Psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da UFSM, professora no Centro Universitário Franciscano.
4 Fonoaudióloga, mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo.