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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.18 no.2 Porto Alegre dez. 2014

 

ARTIGOS

 

Interface entre saúde mental e relacionamento amoroso: um olhar a partir da psicologia positiva

 

Interface between mental health and romantic relationship: a look from the positive psychology

 

 

Adriano Schlösser1

Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina
Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo visa discutir a interface entre saúde mental e relacionamento amoroso, a partir da perspectiva da psicologia positiva, tendo em vista a importância que esta relação interpessoal possui no bem-estar e qualidade de vida do ser humano. A psicologia positiva, ao enfocar as emoções positivas e o bem-estar, traz um arcabouço de possibilidades que fortalece a busca pela saúde nas diferentes etapas do desenvolvimento humano e nas relações que se estabelecem entre as pessoas ao longo do ciclo vital, enfocando temas como felicidade, satisfação, estado de espírito, espiritualidade e afeto positivo. Os relacionamentos amorosos despontam como forma de interação que apresentam elementos positivos e negativos, capazes tanto de contribuir para a qualidade de vida quanto para o sofrimento. Conclui-se que os relacionamentos amorosos, quando considerados uma fonte de bem-estar, são um importante fator de proteção da saúde mental, favorecendo o crescimento individual e a satisfação conjugal.

Palavras-chave: Psicologia positiva, Saúde mental, Amor, Atração interpessoal.


ABSTRACT

This article discusses the interface between mental health and loving relationship, from the perspective of positive psychology, in view of the importance of this interpersonal relationship for the well-being and quality of life. Positive psychology, by focusing on positive emotions and well-being, brings a framework of possibilities that strengthens the quest for health in different stages of human development and relationships that are established between people across the life cycle, focusing on themes such as happiness, satisfaction, state of mind, spirituality and positive affect. Love relationships emerge as a form of interaction which can present many positive and negative elements both able to contribute to quality of life and to suffering. We conclude that loving relationships, when considered a source of well-being, are an important protective factor of mental health, favoring the individual growth and marital satisfaction.

Keywords: Positive psychology, Mental health, Love, Interpersonal attraction.


 

 

Introdução

"Quem não ama não é feliz". "Você precisa de um (a) companheiro (a), aí sim vai se sentir mais completo (a)". "Como está sua vida amorosa?". Essas e muitas outras frases fazem parte do cotidiano da população, que, em suas conversas do dia a dia, enfocam o amor como importante fonte de felicidade. Novelas, filmes, obras de arte, programas de TV e rádio, livros e músicas associam o amor a elementos como: felicidade, qualidade de vida, bem-estar, paixão, dentre outros que compõem o quadro de aspectos positivos da vida.

Como objeto de estudo científico, estudos sobre relacionamentos são compostos por diferentes áreas do conhecimento, como antropologia, etologia, sociologia e comunicação. Na ciência psicológica, tais fenômenos são investigados com maior veemência nos campos da psicologia social, psicologia do desenvolvimento, psicologia da personalidade e psicologia clínica (Duck & Perlman, 1985). De acordo com Matos, Féres-Carneiro e Jablonski (2005), as relações amorosas envolvem sentimentos considerados importantes em uma relação afetiva, tais como o amor, o companheirismo, a igualdade, o sexo e a procriação.

Um aspecto central a ser pontuado, ao eleger o fenômeno amoroso como principal objeto na presente investigação científica, é a sua intrínseca relação com o bem-estar subjetivo, uma vez que os relacionamentos interpessoais compõem o quadro das principais causas de felicidade, junto ao trabalho e ao lazer (Argyle, 2001). Sendo assim, sua relação com a saúde mental apresenta significativa relevância científica e social, uma vez que possibilita tanto novas contribuições aos estudos sobre o fenômeno amoroso, inovando ao relacioná-lo à saúde mental, como favorece a aproximação da população a uma temática que toca sua realidade de modo bastante singular.

Dentre as possibilidades de escopo teórico nas quais se poderia ancorar para realizar esta produção, escolheu-se a psicologia positiva (Seligman & Csikzentmihalyi, 2000). Segundo Passareli e Silva (2007), o recente foco em estudos sobre as forças e as potencialidades humanas apresenta uma mudança em interesses centrados unicamente em emoções negativas, trazendo assim uma relação direta com a temática da saúde mental. Tendo em vista a relação entre saúde mental e o fenômeno amoroso, a psicologia positiva vem a agregar forças nesta contribuição, considerando sua proposta científica de melhorar a qualidade de vida e prevenir patologias (Palulo & Koller, 2007).

 

Psicologia positiva

A psicologia positiva pode ser definida como um novo ramo da psicologia que enfoca o estudo científico de emoções positivas, forças e virtudes humanas (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000; Sheldon & King, 2001). Martin E. P. Seligman, psicólogo norte-americano e professor da Universidade da Pensilvânia, é o fundador desse movimento. Enquanto professor da disciplina de psicopatologia, observou que a ciência psicológica vinha negligenciando os aspectos positivos da natureza humana focando apenas as patologias e aspectos disfuncionais do ser humano, em detrimento de suas potencialidades e aspectos positivos (Scorsolini-Comin, 2012).

Oficializada em 1997/1998, quando Seligman ocupa a presidência da American Psychological Association (APA), o movimento da psicologia positiva deu início a pesquisas quantitativas visando à promoção de uma mudança no foco da psicologia, visando alterar o paradigma de enfoque dos aspectos negativos da vida para aspectos positivos (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). No ano 2000, Seligman e Csikszentmihalyi publicam uma edição especial na American Psychologist, enfatizando que a psicologia não vem produzindo conhecimento suficiente sobre os aspectos positivos e virtuosos da condição humana, destacando a necessidade de mais pesquisas acerca de aspectos como: felicidade, esperança, criatividade, coragem, espiritualidade, sabedoria, etc.

Sua obra de maior repercussão mundial foi com a publicação do livro Felicidade Autêntica, traduzido para o português em 2004, cujo enfoque foi apresentar seus principais pressupostos voltados à busca da felicidade. Sendo a felicidade um construto altamente complexo, com o tempo essa perspectiva muda para o bem-estar, com maior aceitação do meio acadêmico. Essa mudança de compreensão é apresentada em 2011 na obra Florescer: Uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem-estar (Seligman, 2011), que passa a definir a psicologia positiva como a ciência que estuda o bem-estar. Em 2006, a psicologia positiva publicou seu primeiro periódico oficial, intitulado Journal of Positive Psychology.

Operacionalmente, a psicologia positiva investiga o entendimento dos processos e fatores que proporcionam e favorecem o desenvolvimento psicológico saudável. Também se interessa pelos elementos que propiciam a construção e fortalecimento de competências nos indivíduos, grupos e instituições (Poletto, 2006). Vale ressaltar que a psicologia positiva vem complementar as teorias psicológicas já existentes, integrando suas visões dos fenômenos psicológicos. O novo enfoque traz uma mudança de paradigma, que passa de um modelo voltado a doenças e aspectos considerados anormais, para um modelo cujo interesse centra-se em emoções positivas. Segundo Myers (2000a,b) e Seligman (2004), pesquisas sobre pessoas infelizes são abundantes na literatura, deixando à mercê estudos com enfoque no potencial humano.

Ao associar quase que exclusivamente a psicologia à psicopatologia, a construção do conhecimento psicológico priorizou teoricamente os aspectos patogênicos, por vezes, esquecendo as características positivas do ser humano (Poseck, 2006; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). Contudo, são estes mesmos aspectos postos em segundo plano que atuam como promotores de saúde mental, sendo que a psicologia positiva objetiva prevenir o surgimento de transtornos mentais e melhorar a qualidade de vida.

Entre os conceitos empregados por esta abordagem, apresenta-se o de bem-estar subjetivo (BES), sendo este o estudo científico da felicidade. Tal construto objetiva compreender a avaliação que indivíduos fazem de suas vidas, podendo ser compreendido por outras denominações, como: felicidade, satisfação, estado de espírito e afeto positivo (Scorsolini-Comin & Santos, 2012). Possui três dimensões: afetos positivos, afetos negativos e satisfação com a vida (Scorsolini-Comin, 2009; Scorsolini-Comin & Santos, 2011, 2012).

Segundo Seligman (2004), as pessoas felizes possuem mais amigos, permanecem casadas por um maior período e participam de mais atividades de grupo, o que indica maior facilidade de contato social. Ademais, apresentam melhores relações sociais que indivíduos que não se consideram felizes. Nessa perspectiva, a psicologia positiva vem a contribuir com seu arcabouço teórico na questão da saúde mental, ampliando o campo de conhecimento sobre as contribuições de aspectos positivos no cotidiano das pessoas.

Outros construtos trabalhados pela psicologia positiva são: resiliência, sendo compreendida como a capacidade do indivíduo de restaurar-se psicologicamente diante das adversidades, possuindo como características a flexibilidade e a versatilidade. Ela é proveniente dos sentidos que a pessoa atribui aos eventos da vida, bem como de sua capacidade afetiva e da presença de projeto de vida (Yunes, 2003); afetos positivos, conceituado como uma percepção de estado emocional voltado a um contentamento hedônico puro, experimentado em um determinado momento como um estado de alerta, de entusiasmo e de atividade (Scorsolini-Comin & Santos, 2012), e afetos negativos, enquanto estados de engajamento não prazeroso, motivado por emoções desagradáveis como ansiedade, depressão, aborrecimento, pessimismo, angústia, dentre outros (Diener, 1995). O construto satisfação com a vida também merece destaque, compreendido como um processo de juízo e avaliação geral da própria vida (Emmons, 1986), remetendo-se também a uma comparação com o seu meio social, cultural e histórico (Scorsolini-Comin & Santos, 2012). Os fatores de risco e proteção também são conceitos importantes. Enquanto fator de risco é avaliado como sendo uma condição ou variável que tende a facilitar a ocorrência de resultados negativos ou indesejáveis, podendo comprometer a saúde, o bem-estar ou o desempenho social do indivíduo (Reppold, Pacheco, Bardagi, & Hutz, 2002), o fator de proteção seria uma condição que melhora ou altera a resposta dos indivíduos a ambientes ou situações hostis (Hutz, Koller, & Bandeira, 1996).

Ressalta-se aqui, conforme pontua Poseck (2006), que o movimento da psicologia positiva não é meramente filosófico, espiritual, ou que busca promover o crescimento espiritual mediante métodos duvidosos. Tampouco se configura como prática de autoajuda, que trate de autoengano ou busque utopias. A psicologia positiva ancora-se no método da psicologia científica que busca compreender, mediante a investigação científica, os processos subjacentes às emoções e qualidades positivas do ser humano. Visa tanto a ajudar a resolver os problemas de saúde mental quanto a alcançar melhor qualidade de vida e bem-estar, sem afastar-se do rigor científico.

 

Amor e relacionamentos amorosos

O fenômeno do amor e dos relacionamentos amorosos apresenta-se no cotidiano das relações sociais, desde conversas informais do cotidiano até livros, filmes, novelas e músicas, afetando diversas áreas da vida humana. Enquanto uma das modalidades de relacionamento interpessoal, algumas teorias têm sido propostas objetivando explicar e conceituar as variáveis que a ela integram (Alferes, 2004).

Teoricamente, o amor tende a se manifestar mediante o desenvolvimento de um sentimento amoroso (amor) por determinado indivíduo, sendo tal sentimento uma das mais intensas emoções humanas (Sterberg & Grajek, 1984) e um tipo específico de atração interpessoal (Alferes, 2004), também considerado fundamental para uma relação amorosa de sucesso (Cassepp-Borges & Teodoro, 2007). O amor é atualmente visto como fundamental para um relacionamento satisfatório, sendo considerado condição primordial para a ocorrência do matrimônio.

Dentro do rol da ciência psicológica, o amor possui diversas interpretações. Para a psicologia clínica, o amor pode estar associado a noções de sexualidade sublimada (Freud, 1910/1973), cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento (Fromm, 1956), ou gratificação de necessidades (Maslow, 1974). O behaviorismo compreende o amor como um reforçamento mútuo de comportamentos (Skinner, 1991), enquanto a psicologia evolucionista o compreende como uma consequência de necessidades instintivas sexuais, receber e oferecer proteção e instrumento cognitivo de reprodução (Buss, 2006). Já a psicometria enfoca o caráter estrutural do amor, analisando-o enquanto um conjunto de cognições, afetos, e motivações que necessitam de mensuração, objetivando esse complexo fenômeno (Sternberg & Grajek 1984; De Andrade & Garcia, 2012).

Diversos conteúdos envolvidos nas relações amorosas têm sido estudados, visando esclarecer tanto a estrutura, quanto as causas e efeitos destes processos nos relacionamentos amorosos, tais como o amor (Sterberg & Grajek, 1984; Silva, Mayor, Almeida, Rodrigues, Oliveira, & Martinez, 2005) e a sexualidade (Wilson, 1978), por exemplo. De acordo com Ângelo (1995), a escolha de parceiros apresenta-se como uma estratégia sutil e sofisticada, em que a atenção é culturalmente induzida para se observar elementos específicos de interesse no aspecto ou comportamento de determinada pessoa. Na contemporaneidade, o "ficar" tornou-se uma das principais estratégias de relação amorosa. Podendo configurar-se como uma etapa que antecede a um namoro (Oliveira, Gomes, Marques, & Thiengo, 2007), o "ficar" se manifesta pela falta de compromisso entre os pares, cujo intuito da ação é a busca de prazer, mediante a sedução, sendo realizado desde a troca de beijos ao ato sexual (Matos, Féres-Carneiro, & Jablonski, 2005).

Uma das formas de relacionamento geralmente motivadas pelo sentimento amoroso é o relacionamento conjugal, considerado fundamental para o bem-estar social e psicológico das pessoas (Costa, 2005), sendo o casamento uma dessas possibilidades. Costuma apresentar as seguintes características: entrega apaixonada dos parceiros(as), intimidade, amizade seletiva e desejo sexual (Furtado, 2008; Machado, 2007). Conforme pontuam alguns autores (Machado, 2007; Dessen & Braz, 2005), o casamento – ou relacionamento marital - é considerado a forma de relacionamento que melhor satisfaz as necessidades emocionais básicas do ser humano, contribuindo na felicidade, saúde, qualidade de vida e bem-estar, além de ser um fator preponderante para a qualidade de vida familiar. Nessa direção, Féres-Carneiro (2003) afirma que o casamento na contemporaneidade envolve intenso grau de intimidade e investimento afetivo, o que a leva ser compreendido enquanto uma relação altamente significativa na vida das pessoas.

Com efeito, a ciência psicológica apresentou ao longo do século XX alguns modelos teóricos, visando compreender o complexo construto chamado amor. Dentre essas teorias, destacam-se as seguintes: a teoria triangular do amor, proposta por Sternberg (1986;1989; 2000), teoria tipológica do Amor, de Alan John Lee (1977), teoria do apego e comportamento romântico (Hazan & Shaver, 1987), teoria dualista do amor (Berscheid & Hatfield, 1969; Berscheid, 2006), e a mais contemporânea intitulada teoria tetrangular do amor, proposta por Yela (1996).

A teoria triangular do amor foi proposta por Sternberg (1986; 1989) e é considerada, até o presente momento, como uma das mais bem sucedidas teorias para se estudar o amor, devido à sua generalidade ao ser empregada em diferentes culturas (Gouveia, Carvalho, Santos, & Almeida, 2013). Conforme afirmam Sternberg e Grajek (1984), o amor é uma das mais intensas e desejáveis emoções humanas, e implica numa combinação de três componentes interdependentes: intimidade, paixão e compromisso (Sternberg, 1986; Hernandez & Oliveira, 2003; Cassep-Borges & Teodoro, 2007), sendo que podem alterar, de acordo com o momento histórico, espaço geográfico e espaço cultural (Cooper & Pinto, 2008).

A teoria tipológica do amor, também conhecida por "As Cores do Amor", foi desenvolvida por John Alan Lee (1973; 1977) e volta-se às crenças e atitudes sobre o amor, propondo uma taxonomia para o amor romântico (De Andrade & Garcia, 2009). Segundo De Andrade, Sáchez-Áragon e Wachelke (2007, p. 91) os estilos de amor são compreendidos fundamentalmente como ". . . o componente cognitivo individual do fenômeno amoroso". Em sua tipologia, Lee (1973, 1977) define seis estilos de amor nos quais as pessoas possuem um estilo predominante em suas relações, divididos em dois grupos (primários e secundários).

O grupo primário é composto por três estilos: (a) Eros: tipo de amor erótico, voltado aos aspectos de ordem física e sexual na relação amorosa; (b) Ludus: estilo de amor descomprometido e pouco comprometedor, no qual o amor é visto como um jogo em busca de satisfação; e (c) Storge: estilo de relacionamento mais companheiro e amigável, sendo a amizade uma característica fundamental atribuída pelos parceiros. O grupo secundário, formado pela combinação de dois estilos primários, originam os seguintes estilos de amor: (a) Pragma: tipo de amor mais lógico e racional, menos emotivo; (b) Mania: estilo obsessivo e pouco saudável, com característica de relacionamento amoroso possessivo e intenso; (c) Ágape: amor altruísta, de alta doação e relação fraternal (Gouveia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz, & Dória, 2009; Gouveia et al., 2013)

A teoria dualista do amor (Berscheid & Walster, 1969) propõe dois tipos de amor: o amor companheiro e o amor paixão. Enquanto o amor companheiro está relacionado a sentimentos de cuidado e afeto, sendo uma forma de relacionamento amoroso mais maduro, consistente e comprometido, o amor paixão volta-se aos aspectos físicos e sexuais, sendo mais voltado às emoções adjacentes à sensualidade e sexualidade (Sánchez-Aragón, 2005).

A teoria do estilo de apego e comportamento romântico foi proposta por Hazan e Shaver (1987), baseada na Teoria do Apego, de Bowlby (2009). Segundo tais autores, o amor romântico é um processo de apego, sendo tal comportamento dirigido a um parceiro(a) na fase adulta, tendo como uma das metas o contato sexual. Também conceituam o amor em três sistemas comportamentais: apoio emocional, cuidado e sexo (Hazan & Shaver, 1987; Shiramizu, Natividade, & Lopes, 2013).

Por fim, a teoria tetrangular do amor foi desenvolvida por Yela (1996), sendo baseada no modelo triangular do amor de Sternberg, sendo postulado que a paixão poderia ser dividida em dois fatores: paixão romântica e paixão erótica. Enquanto a paixão erótica volta-se aos aspectos fisiológicos da natureza sexual humana, ou seja, a atração física e desejo sexual, a paixão romântica enfoca a dimensão psicológica do amor, como o desejo de amar e a idealização do parceiro (a) (Yela 2006; Gouveia et al., 2013).

 

Interface entre saúde mental e relacionamentos amorosos

Mediante a compreensão das interações que tragam satisfação e bem-estar para as pessoas, a lógica da qualidade de vida em relacionamentos amorosos amplia seus horizontes, uma vez que também pode ser compreendida como um possível fator de proteção ou de risco, diretamente envolvido no processo saúde-doença. Enquanto os fatores de proteção vinculam-se aos sentimentos e comportamentos nas relações amorosas que contribuem para a qualidade de vida individual e conjugal, os fatores de risco relacionam-se aos eventos negativos que aumentam a probabilidade do sujeito de desenvolver problemas individuais e conjugais (Scorsolini-Comin & Santos, 2010a).

Acerca do amor, Seligman (2004) aponta que é a resposta da seleção natural para escolher estar com alguém mesmo em momentos de dificuldade, sendo "a emoção que torna alguém insubstituível" (p. 277). Apenas o amor permite estar com alguém em todos os momentos da vida, sejam alegres ou tristes (Seligman, 2004). Diener e Seligman (2003), ao estudarem sobre pessoas extremamente felizes, perceberam em seus dados que todas as pessoas (exceto uma) que se enquadravam no percentual de 10% das pessoas extremamente felizes estavam vivenciando uma relação amorosa. No estudo de Scorsolini-Comin e Santos (2012) sobre bem-estar subjetivo em pessoas casadas, os autores foram de encontro com a literatura internacional (Seligman, 2004) acerca de pessoas casadas serem mais felizes que pessoas não casadas, problematizando a relação entre vivência conjugal e satisfação. Contudo, um estudo nacional conduzido por Almeida-Filho e colaboradores (2004) constatou que não estar casado (solteiro, divorciado ou viúvo) está associado à menor prevalência de depressão, tanto para homens quanto para mulheres. Este dado é explicado pelos autores através do contexto, em que o casamento tende a ter um papel protetor para o sexo masculino, mas em muitos casos é prejudicial para o sexo feminino – embora neste estudo ambos os sexos tenham apresentado correlação com prevalência de depressão. Almeida-Filho et al. (2004) fazem uso do estudo de Vázquez-Barquero et al. (1987), indicando que o efeito protetor do casamento para os homens tende a ser mais pronunciado nas sociedades pós-industriais da Europa do Norte do que em culturas neolatinas, como Espanha ou no Brasil. Contudo, os autores apontam a necessidade de um estudo mais aprofundado.

Segundo Myers (2000a), o casamento é um fator de felicidade mais poderoso que o trabalho ou dinheiro. Do ponto de vista da saúde mental, casados apresentam menor índice de depressão, enquanto a principal fonte de angústia centra-se no término de uma relação íntima (Reis & Gable, 2001). Além disso, Argyle (2001) aponta que os relacionamentos interpessoais compõem o quadro das principais causas de felicidade, junto ao trabalho e ao lazer.

Baseado nos trabalhos de Murray (1999) sobre relacionamentos amorosos, Seligman (2004) aponta que uma das questões que contribuem no sucesso das relações amorosas é centralizar-se nas forças e virtudes dos parceiros. Segundo Murray (1999), casais mais satisfeitos e felizes observam mais as características que tragam bem-estar e satisfação da relação, perdoam-se com mais facilidade e minimizam as falhas, além de perceber mais as forças e virtudes do parceiro(a), enquanto casais insatisfeitos veem mais os elementos que trazem insatisfação, crendo que os eventos negativos que acontecem com outras pessoas podem acontecer com eles. Ou seja, nos casais satisfeitos, é feito uso de explicações otimistas e pensamentos positivos frente às intempéries do cotidiano. Para Seligman (2004), o otimismo auxilia nos relacionamentos amorosos, havendo muitos caminhos para se levar ao amor, como: "bondade, gratidão, perdão, inteligência social, perspectiva, integridade, humor, animação, justiça, autocontrole, prudência e humildade" (p. 306).

Por sua vez, dentre as variáveis positivas, a psicologia positiva tem trazido os fenômenos do otimismo, espiritualidade, criatividade e imagem corporal, associadas ao bem-estar e à qualidade de vida (Calvetti, Muller, & Nunes, 2007). Tais elementos também podem ser considerados importantes na vivência de relacionamentos amorosos e conjugais satisfatórios, haja vista que possuir um posicionamento otimista perante a vida, bem como vivenciar e recriar a relação ao longo do tempo, cuidando tanto de si quanto do(a) parceiro(a) são estratégias essenciais da qualidade da vivência amorosa. Com relação à espiritualidade, esta é vista por Seligman e Peterson (2003) como transcendência, ou seja, superar os limites normais e ir além. Num relacionamento amoroso, essa capacidade é associada ao amor, enquanto um sentimento capaz de ir além das dificuldades e intempéries do cotidiano.

A resiliência, fenômeno presente nos estudos da psicologia positiva enquanto processo de proteção à saúde (Rutter, 1990; Yunes, 2003), também se apresenta como construto importante na qualidade de relacionamentos amorosos e para a manutenção da saúde mental. No campo da relação familiar, Walsh (1998) pontua que a resiliência envolve três processos-chave: sistema de crenças (olhar positivo e transcendência frente às adversidades), padrões de organização (coesão, recursos sociais e econômicos e flexibilidade) e comunicação (expressões emocionais abertas e colaboração da solução de problemas). Além disso, a empatia também se configura como um aspecto preditivo de ajustamento conjugal que afeta a satisfação na relação amorosa (Falcone, 1999). Desse modo, casais que apresentam comportamento empático tendem a tornar sua relação mais prazerosa e feliz, reduzindo os conflitos e a possibilidade de separação.

Pertinentes a relacionamentos amorosos, a separação é conceituada como a ruptura de vínculos afetivos, sexuais, emocionais e materiais (Marcondes, Trierweiter, & Cruz, 2006). O fim desse tipo de relação pode desencadear uma série de sentimentos que atravessam o estado afetivo da pessoa que vivencia esta experiência, tais como: culpa, luto, solidão, inveja, ciúmes, raiva, insegurança, carência, saudade, dor, desejo de vingança, dentre outros (Bronini, Esiquiel, Lazarini, Parada, & Almeida 2010). Mesmo antes do fim de um relacionamento, as dificuldades e adversidades que perpassam o cotidiano da vida conjugal, quando não elaboradas e trabalhadas de forma positiva e que permita o crescimento, podem gerar intensa fonte de sofrimento e mal estar.

Diversos são os problemas provenientes de relacionamentos amorosos. O estresse causado por problemas neste âmbito podem contribuir na gênese de diversos transtornos emocionais, sendo os mais comuns os quadros depressivos e de ansiedade (Beck, 1995, Epstein, 1985, Epstein & Schlesinger, 1995). Estudo realizado por Adeodato e colaboradores (2005) com 100 mulheres vítimas de agressão por seus parceiros, chegou à conclusão que 72% delas apresentam quadro de possível depressão; 78% tinham sintomas de ansiedade e insônia; 39% já pensaram em suicídio e 24% passaram a fazer uso de ansiolíticos após o início das agressões.

Outra possível manifestação de sofrimento psíquico proveniente de relacionamentos amorosos é o ciúme patológico ou ciúme romântico. Mesmo que para muitas pessoas possa ser uma forma de demonstrar o amor, também pode ser um sentimento capaz de causar intenso sofrimento e angústia, atingindo formas doentias e abalando a saúde física e mental dos envolvidos (Almeida, Rodrigues, & Silva, 2008). De acordo com Centeville e Almeida (2007), o ciúme romântico se configura como um conjunto de emoções desencadeadas por sentimentos que tendem a ameaçar a estabilidade de um relacionamento importante, ambivalente entre o amor e a desconfiança dos parceiros afetivo-sexuais.

No contexto da saúde mental, a identificação das situações de estresse e modos de enfrentamento de adversidades em relações amorosas merece enfoque, visando ampliar os elementos positivos e contribuindo na resolução de problemas. Isso pode ser compreendido como uma forma de adaptação psicossocial do indivíduo em meio às dificuldades geradas por meio de exigências do cotidiano, limitações e potencialidades pessoais para lidar com a situação.

Nessa perspectiva, a questão volta-se para a satisfação nos relacionamentos amorosos e a qualidade dos vínculos conjugais. A satisfação nos relacionamentos amorosos é conceituada como a uma avaliação cognitiva positiva de um determinado objeto, proveniente após a comparação com objetos semelhantes que possuam características consideradas boas ou aceitáveis (Wachelke, Andrade, Cruz, Faggiani, & Natividade, 2004). Já a qualidade dos vínculos dos conjugais é analisada como uma avaliação global subjetiva de um indivíduo sobre seu relacionamento romântico (De Andrade & Garcia, 2012; Fincham & Bradbury, 1987), sendo composto por inúmeros construtos que representam para o indivíduo esta qualidade, como intimidade, amor, comunicação, comprometimento e sexo (Cassepp-Borges & Teodoro, 2007; De Andrade & Garcia, 2012).

Segundo Arriaga (2001), um indivíduo é considerado satisfeito com seu relacionamento quando os componentes de sua relação superam o que se espera da mesma, além de que a satisfação aumenta quando há maior envolvimento emocional dos cônjuges, além de maior confiança, fidelidade, integridade, carinho, paixão, interdependência e abertura para comunicação (Féres-Carneiro, 1997; Sanderson & Cantor, 1997; Rubin, Hill, Peplau, & Dunkel-Schetter, 1980). Logo, a satisfação em relacionamentos amorosos, proveniente de avaliações positivas do envolvimento amoroso, tende a contribuir para a qualidade de vida, e consequentemente, para a saúde mental.

Ressalta-se o que pontua Sternberg (1989): a felicidade do indivíduo em relacionamentos amorosos é consequência da comparação entre seus relacionamentos passados com o atual, bem como das expectativas que o indivíduo constrói para seu parceiro(a) e as características do(a) companheiro(a) real (Silva & Pereira, 2005). A satisfação com o relacionamento é um preditor fundamental na avaliação do bem-estar psicológico do indivíduo, considerando que indivíduos satisfeitos em seus relacionamentos amorosos tendem a vivenciar de maneira positiva os demais contextos da vida (Wachelke et al., 2004). Ademais, Garcia e Maciel (2008) afirmam que elementos do envolvimento romântico (como sexo, intimidade e compromisso, por exemplo) também podem sofrer influência de aspectos de natureza religiosa, que também podem contribuir de forma positiva ou negativa para a satisfação conjugal (Andrade, Garcia, & Cano, 2009).

Trazendo à luz a satisfação conjugal vinculada a aspectos positivos, estudos mostram que a qualidade de relacionamentos conjugais se relaciona tanto com a saúde física e mental do casal, com o bem-estar do casal e seus filhos, bem como com respostas fisiológicas dos parceiros. (Mosmann, Wagner, & Féres-Carneiro, 2006; Scorsolini-Comin & Santos, 2009). De acordo com o estudo de Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt e Scharlin (2004), o relacionamento conjugal associa-se à saúde e qualidade de vida, principalmente numa fase mais madura e na velhice. Mediante comparação de cônjuges satisfeitos e insatisfeitos, verificou-se que a satisfação aumenta quando se apresentam determinados elementos, como proximidade, coesão, estratégias adequadas de resolução de problemas, habilidade de comunicação, bem como se os parceiros estiverem satisfeitos com sua situação financeira e pratiquem sua crença religiosa.

Segundo diversos estudos (Scorsolini-Comin & Santos, 2011, 2012; Scorsolini-Comin, 2009; Seligman, 2004; Galinha, 2008), a correlação entre satisfação conjugal e felicidade é mensurada a partir dos afetos positivos, sendo que, quanto maior a frequência ou nível de afetos positivos de um indivíduo (prazer, bem-estar, otimismo, resiliência, esperança, etc.), maior a possibilidade de perceber seu relacionamento conjugal como feliz, mediante a expressão de comportamentos afetivos e avaliação positiva de características do parceiro (Hong & Duff, 1997). Outros achados científicos foram: correlação positiva entre casamento e bem-estar subjetivo (Galinha, 2008); e maiores níveis de felicidade em pessoas casadas do que aquelas que nunca se casaram, viúvas ou separadas (Díaz Llanes, 2001; Diener & Lucas, 2000; Lee, Seccombe, & Schehan, 1991), indicando assim, segundo Scorsolini-Comin e Santos (2012) que uma relação conjugal, quando satisfatória, possibilita ao casal relações sociais mais significativas, com níveis apropriados de apoio emocional, material, econômico, instrumental e de informação, mediando positivamente sua relação com o meio.

 

Considerações finais

Enquanto uma das emoções mais complexas do ser humano, o amor vem sendo estudado pelos domínios da ciência e, há mais de três décadas, vem se convertendo em uma área de intensa produção acadêmica (Alferes, 2004; Sánchez-Aragón, 2008). Conforme pontua Bystronski (1995), é no âmbito das relações interpessoais que o ser humano vive suas emoções mais fortes, dentre elas o prazer decorrente do amor. Não obstante, mesmo sendo um tipo de relacionamento naturalmente considerado positivo e idealizado, também possui seus conflitos e dificuldades, podendo gerar tanto sofrimento quanto qualquer outra fonte de problemas (Scribel, Sana, & Benedetto, 2007). Tendo em vista as expectativas de satisfação das necessidades afetivas, uma relação amorosa, quando não trabalhada e compreendida de forma madura e sadia, através de uma boa comunicação entre o casal, suporte afetivo, expressão de sentimentos de vínculo e proximidade, percepção de reciprocidade afetiva, intimidade, envolvimento sexual, dentre outros (De Andrade & Garcia, 2012; Scorsolini-Comin & Santos, 2010b), tende a tornar-se tão complexa a ponto de causar intenso sofrimento psíquico, decorrendo das dificuldades presentes, tais como: atribuir ao parceiro(a) a responsabilidade de resolver as demandas internas próprias, ciúme patológico, processos de idealização, exigências e expectativas exageradas, delírios amorosos, etc.

Nesse prisma, os problemas de relacionamentos conjugais, por exemplo, podem ser erroneamente analisados exclusivamente por seus componentes negativos, esquecendo-se que nele existe a ausência de aspectos positivos. Esta mudança de perspectiva altera o modo de lidar com este fenômeno. Os processos psicoterapêuticos, por exemplo, podem desenvolver estratégias que não se centrem exclusivamente nas emoções e aspectos relacionais e afetivos negativos, mas estimular os aspectos positivos da relação. Tendo em vista que o amor sempre esteve associado à felicidade ou à sua busca (Seligman, 2004), a redescoberta de elementos positivos entre os parceiros tende a fazer com que possam "religar-se" afetivamente, através da manutenção do vínculo amoroso, mediante estratégias como: maior comunicação afetiva do casal, expressando seus sentimentos e controle em eventos conflituosos; comprometimento, manifestado mediante ações de manutenção do vínculo entre os parceiros; expressão da intimidade, através de maior suporte afetivo e proximidade do casal; reciprocidade afetiva e também maior envolvimento sexual, dentre outros aspectos (Cassepp-Borges & Teodoro, 2007; Sternberg, 1989, 2000; De Andrade & Garcia, 2007).

Por sua vez, pesquisas empíricas que tratem dos fenômenos aqui enfocados possibilitariam uma maior solidez de resultados, trazendo importantes contribuições aos fenômenos discutidos. A relevância é indiscutível: credita-se tamanha importância aos relacionamentos amorosos e sabe-se que, quando percebidos como relacionamentos de qualidade, gerando satisfação aos indivíduos envolvidos, contribui de forma substancial para o crescimento pessoal, saúde mental e autonomia. Contudo, quando mal vivenciado e visto sob uma óptica negativa, tende a contribuir para o surgimento de transtornos, influenciando negativamente na vida pessoal e, consequentemente, em sua felicidade e qualidade de vida.

 

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Endereço para correspondência
Adriano Schlösser
E-mail: adriano.psicologia@yahoo.com.br

Enviado em: 15/07/2014
1ª revisão em: 08/10/2014
Aceito em: 13/10/2014

 

 

1 Psicólogo. Doutorando do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição.