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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.22 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2018

 

ARTIGOS

 

Estilos parentais e suicídio na adolescência: uma reflexão acerca dos fatores de proteção

 

Parenting styles and suicide in adolescence: a reflection on the factors of protection

 

 

Rafaela Mazoroski Magnani1 ; Ana Cristina Pontello Staudt2, I, II, III

I Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI)
II Centro Universitário - FADERGS
III Faculdades Integradas São Judas Tadeu

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Organização Mundial da Saúde alerta para o crescente número de jovens que se suicidam – segunda causa de óbitos em indivíduos entre 15 e 29 anos em 2012. Considerando o período da adolescência e as transformações da fase torna-se imprescindível pensar em estratégias de enfrentamento ao suicídio. Diante disso, buscou-se compreender os estilos parentais e de que modo as relações entre pais e filhos são estabelecidas, afim de prevenir este fenômeno. Foi realizada revisão narrativa, com material coletado em banco de dados eletrônicos. Como resultado se observou respostas positivas no desenvolvimento dos filhos cujos pais possuíam estilos parentais com níveis de exigência e responsividade, ao passo que pais com estilos parentais negligentes favorecem, nos filhos, comportamentos dependentes e baixa autoestima, facilitando o surgimento de sintomas e comportamento suicida. Sugere-se realizar maiores pesquisas com esse tema com enfoque no desenvolvimento de competências parentais para propiciar níveis de saúde nos adolescentes.

Palavras-chave: Estilos parentais, Suicídio, Adolescência, Fatores de proteção.


ABSTRACT

The World Health Organization warns of the growing number of young people who commit suicide - second cause of deaths in individuals between 15 and 29 in 2012. Considering the period of adolescence and the phase transformations it is essential to think of strategies coping suicide. Faced with this, it’s sought to understand the parental styles and how the relationships between parents and children are established in order to prevent this phenomenon. It was held narrative review with material collected in electronic database. As a result, it was observed positive responses in the development of children whose parents had parental styles with levels of demand and responsiveness, while parents neglectful parenting styles favor, the children, dependents and low self-esteem behaviors, facilitating the emergence of symptoms and suicidal behavior. It is suggested to carry out further research on this topic focused on the development of parenting skills to promote health levels in adolescents.

Keywords: Parenting styles, Suicide, Adolescence, Protective factors.


 

 

Introdução

Atualmente, o suicídio se caracteriza como problemática de saúde pública em todo o mundo. A Organização Mundial da Saúde – OMS (World Health Organization – WHO, 2013), estima que por ano cerca de um milhão de pessoas percam a vida em decorrência do suicídio, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos. Em 2012, esta foi a segunda maior causa da morte em jovens entre 15 e 29 anos em todo o mundo. No entanto, estes dados podem ser ainda maiores, considerando que pode haver casos onde o motivo da morte seja velado, por inúmeras razões tais como questões culturais, religiosas ou mesmo pelo tema ainda ser encarado como tabu na sociedade. Silva, Alvim, Costa, Ramos e Costa (2015), advertem que por questões socioculturais, a família e o indivíduo que tentou suicídio podem não assumir o ato, o que implica no levantamento destes dados.

 O ano de 2012 revelou que no Brasil há um índice de seis suicídios por 100 mil habitantes, enquanto que esta média no continente americano é de 8,9. No país as taxas de mortalidade por suicídio ainda são consideradas baixas em comparação a outros países (OMS, 2013). Entretanto, ao observar a crescente mundial nos índices de suicídio, o Brasil obteve uma elevação de cerca de 21% no aumento dos casos de suicídio nos últimos vinte anos (Ferreira, Pessoa, Barros, Figueiredo & Minayo, 2013), o que reitera a necessidade de se pensar em estratégias de enfrentamento frente a essas situações.

Existe uma estimativa de que para cada suicídio consumado existam de 10 a 20 tentativas anteriores de acabar com a própria vida (OMS, 2013), o que exige atenção das equipes de saúde e das famílias, considerando que o suicídio não se trata de uma decisão repentina, onde o sujeito manifesta sinais sobre este pensamento (Braga & Dell’Aglio, 2013).

As autoras reforçam a diferença que existe no comportamento suicida, que são compreendidos a partir de três classificações: ideação, tentativa e ato consumado. A ideação é o pensamento sobre acabar com a vida, variando entre ideia e planejamento. Ressalta-se que a ideação é o primeiro indicativo de suicídio e que este pode vir a tornar-se ato consumado. É possível, ao identificar a existência da ideação suicida, atuar de modo preventivo. A tentativa se caracteriza pelo comportamento autodestrutivo onde não se efetiva o dano letal. A OMS (2006) alerta para a importância do cuidado e atenção ao indivíduo após uma tentativa de suicídio, uma vez que este comportamento tende a se repetir, para isso deve-se acionar a rede de saúde e o núcleo familiar do sujeito em risco. O suicídio, por sua vez, é o comportamento autodestrutivo consumado.

Como fatores de proteção, a OMS atenta para condições satisfatórias de qualidade de vida, como acesso a serviços de saúde e saneamento, inserção social e relacionamento harmonioso com família e rede social significativa. Por outra via, os fatores que contribuem para a ideação suicida são diversos e podem considerar condições socioeconômicas, biológicas e emocionais, sendo mais comum ocorrer quando há algum tipo de transtorno mental, especialmente quando não existe acompanhamento profissional especializado. Carvalho et. al. (2011) salienta que crianças e adolescentes que sofrem de alguma doença mental estão mais expostas a riscos à saúde.

Neste sentido, a infância e a adolescência exigem maior atenção quanto aos aspectos de saúde e proteção. A adolescência é um período de mudanças significativas marcada por transformações físicas e psicológicas, configurando-se como um momento adverso ao jovem e a sua família. Esta fase do ciclo vital possui características peculiares que são compreendidas como típicas deste período, como frequência nas flutuações de humor e o comportamento impulsivo (Knobel, 2007). Estas características quando não monitoradas e devidamente acompanhadas podem fazer com que os jovens acabem por colocar-se em situações de risco.

Senna e Dessen (2012) referem que é na adolescência que o jovem busca apropriar-se de seu papel social, e é neste momento de construção de identidade, que o adolescente procura maior aceitação em grupos sociais, podendo adotar certas condutas para isso. Não é raro que nesta fase aconteça o início da experimentação do novo, tais como o uso de drogas e o início da vida sexual. Em decorrência desse processo, podem surgir dificuldades nessa fase, gerando angústias e sentimentos diversos. No entanto, a consolidação da identidade é alcançada quando o jovem recebe encorajamento e reforços apropriados para tal (Senna & Dessen, 2012), logo a família desempenha papel fundamental neste processo.

Frente a isso, pode-se supor que neste período do ciclo vital a relação com os pais e cuidadores é parte essencial do desenvolvimento saudável do adolescente. O desenvolvimento humano, de forma interdependente aos aspectos orgânicos e biológicos, é influenciado pelas relações iniciais estabelecidas e mantidas durante o período de crescimento. A qualidade destas relações favorece o desenvolvimento de capacidades e habilidades emocionais, sociais e adaptativas ao sujeito, além de favorecer fatores de proteção. Neste sentido, é importante atentar para as questões de relação parental na adolescência considerando este como um momento intenso, de descobertas e de consolidação da identidade.

Estilos parentais

Os estilos parentais, ou estilos educativos parentais, são construtos importantes para se pensar sobre as relações entre pais e filhos, de que modo elas se estabelecem e quais seriam as consequências destas interações nas crianças (Cassoni, 2013). Nesse sentido, Baumrind (1966) foi a pesquisadora precursora a conceituar os estilos parentais. A autora buscou compreender como acontece a interação entre pais e filhos, incluindo o clima emocional estabelecido na relação e de que modo acontece a comunicação de regras e limites, influenciando nas características comportamentais e de valores dos filhos. É através do estilo parental que os pais e cuidadores transmitem suas crenças, seus valores e sua cultura.

O modo como a parentalidade é entendida e vivenciada entre pais e filhos varia muito de acordo com o meio social e cultural em que a família está inserida (Darling & Steinberg, 1993), além de estar diretamente relacionado a personalidade dos pais e cuidadores e da referência parental que tiveram na sua infância. Além disso, Cassoni (2013) reforça que os cuidadores não interferem do mesmo modo sob o comportamento de seus filhos, uma vez que existe a singularidade de cada criança e adolescente, fazendo com que exista uma regulação emocional individual.

Baumrind (1966) propôs um modelo de estilos parentais que toma como base a compreensão dos níveis de exigência dos pais para com seus filhos. Seus estudos deram origem ao modelo envolvendo três estilos parentais: permissivo, autoritário e autoritativo – ou democrático, ou ainda autorizante, variando conforme a tradução.

Contudo, Maccoby e Martin (1983) expandiram estes três modelos a partir da compreensão dos níveis de exigência e de responsividade (conforme figura 1). Os níveis de exigência referem-se as condutas adotadas por parte dos pais para manter o controle sobre os filhos, a partir do estabelecimento de regras e limites. Por outro lado, a responsividade se trata da qualidade da comunicação estabelecida, pela via do afeto e do diálogo, onde busca-se o desenvolvimento da criança e do adolescente (Cassoni, 2013). O grande diferencial da proposta dos autores, em comparação ao modelo de Baumrind, foi a divisão do estilo permissivo – que foi subdividido em negligente e indulgente.

O estilo permissivo caracteriza o funcionamento parental tolerante e de aceitação frente aos comportamentos dos filhos, com baixos níveis de controle e autoridade por parte dos pais (Cardoso &Veríssimo, 2013). Baumrind (1966) refere que cuidadores que mantêm este comportamento, exigem pouco das crianças e adolescentes sem atuar ativamente como modelo, permitindo que seus filhos controlem e monitorem sozinhos suas ações.

Como proposto por Maccoby e Martin (1983), a parentalidade permissiva pode ser compreendida de duas formas: no estilo indulgente, os cuidadores mantêm uma conduta responsiva, porém pouco exigente, ou seja, há níveis de afeto e comunicação com baixas demandas de responsabilidade aos filhos; já no estilo negligente, os pais não possuem níveis adequados de responsividade nem de exigência, não havendo troca emocional ou solicitação de demandas, assim, somente as necessidades básicas dos filhos são supridas (Cassoni, 2013).

Por outro lado, os pais com o estilo autoritário mantêm comportamento exigente e de controle para com as crianças e adolescentes, valorizando a obediência e possuindo baixa responsividade. Comumente, são rígidos e utilizam-se de punições para manter o controle (Cassoni, 2013). Valorizam a ordem, e buscam moldar e avaliar a conduta dos filhos. Não estimulam autonomia nem o diálogo, utilizando da autoridade para manter um padrão de comportamento e possuem comunicação pobre de afeto (Baumrind, 1966).

Já no estilo autoritativo, existem níveis satisfatórios de exigência e responsividade. Segundo Baumrind (1966), este trata-se do estilo parental mais adequado, uma vez que estes cuidadores mantêm condutas que encorajam a independência e o diálogo, além de criar um ambiente caloroso e que exige responsabilidades. Estes cuidadores possuem níveis elevados de exigência e de afeto, favorecendo a comunicação dentro da relação, reconhecendo direitos e deveres dos filhos, proporcionando desenvolvimento de maturidade e tomada de decisão (Maccoby & Martin, 1983; Cardoso & Veríssimo, 2013).

 

 

Darling e Steinberg (1993) refletem acerca das diferenças entre práticas e estilos parentais. Os autores descrevem as práticas parentais como comportamentos com metas e objetivos definidos, atravessada pelos valores familiares, desempenhando influência direta em características e condutas específicas dos filhos. É uma das formas de se expressar os estilos parentais e se refere a estratégias que os pais utilizam para ajudar a criança ou o adolescente a alcançar determinados objetivos de socialização. Como por exemplo, na busca de um desempenho favorável acadêmico dos filhos, os pais podem participar de eventos escolares, auxiliar na lição de casa e dialogar sobre a rotina escolar.

Neste sentido, busca-se compreender como os estilos parentais podem intervir de modo preventivo nos índices de suicídio em adolescentes, pelas dificuldades enfrentadas nesta fase do ciclo vital e a crescente taxa de suicídio. Ferreira et. al. (2013), ainda atentam para o alto custo à saúde e a proteção social a cada tentativa e suicídio consumado, além da carga emocional despertada na família.

 

Método

Foi realizada pesquisa exploratória utilizando-se método de revisão narrativa. A pesquisa exploratória objetiva desenvolver hipóteses sobre determinado fenômeno, sendo um importante disparador de novas problemáticas a serem pesquisadas (Gil, 2002). Nesta linha, a revisão narrativa exige um rigor metodológico mais flexível e aberto em relação a temática (Cordeiro, Oliveira, Renteria & Guimarães, 2007; Rother, 2007). Elias et. al. (2012) compreende a revisão narrativa como um método que possibilita uma interpretação e análise crítica ampla do material coletado, permitindo que o pesquisador identifique temáticas comuns nos achados, possibilitando a reflexão de novas perspectivas.

O material foi coletado em periódicos e banco de dados online que abordassem a temática do suicídio na adolescência relacionando-o com a dinâmica familiar e/ou estilos parentais. A pesquisa foi elaborada através do banco de dados BVSalud, Scielo e Google Acadêmico e utilizou-se dos seguintes descritores: adolescência, estilos parentais e suicídio. Como resultados foram encontrados um total de 638 artigos publicados nos últimos cinco anos.

Como critérios de inclusão ao trabalho consideraram-se textos completos em português, inglês e espanhol, pesquisas do continente americano – na tentativa de minimizar as diferenças socioculturais, e que estivessem dentro do tema proposto, para isso realizou-se a leitura dos títulos e posteriormente dos resumos. Foram excluídos artigos que estudassem casos específicos relacionados a algum tipo de transtorno mental ou a dados sociodemográficos, como sexo e escolaridade, uma vez que o objetivo do artigo busca associar os índices de suicídio em adolescentes com a relação parental e não com dados epidemiológicos. Restaram então, 18 artigos e uma dissertação de mestrado para análise.

Após a leitura dos artigos, os dados encontrados foram definidos em duas categorias para discussão: “Suicídio na adolescência” e “Relação como fator de proteção”.

 

Resultados e discussão

Suicídio na adolescência

O suicídio ainda se trata de assunto tabu, especialmente quando se refere à adolescência. No entanto, devido às transformações e mudanças desta fase do ciclo vital, o adolescente passa por um período de maior vulnerabilidade (Silva & Madeira, 2014; Silva et. al., 2015) o qual exige atenção da família, escola e comunidade. O jovem, comumente, utiliza-se da ação como forma de expressar suas emoções, muitas vezes de modo impulsivo (Silva et. al., 2015), podendo encontrar dificuldade em lidar com fatores estressores (Hooven, 2013). Em alguns casos, pode valer-se de condutas parassuicidas, nas quais acaba por colocar-se em risco mesmo sem possuir o desejo de morte (Kuczynski, 2014).

Na adolescência, pensar sobre suicídio eventualmente não se configura como algo anormal uma vez que faz parte do desenvolvimento (Moreira & Bastos, 2015), porém é importante observara frequência destes pensamentos. O adolescente ao apresentar ideação suicida, deve despertar atenção e alerta entre família e equipe de saúde.

Segundo dados do Ministério da Saúde (MS) do Brasil, em 2014 as taxas de suicídio entre crianças e jovens, de 10 a 19 anos chegaram a 814 notificações durante o ano. Destes, 142 casos tinham entre 10 e 14 anos e 672 entre 15 e 19 anos. O suicídio apresenta a terceira causa de morte no país, perdendo apenas para óbitos por acidentes de trânsito e homicídios (MS, 2014). Já as tentativas de suicídio apresentam-se como a principal causa de internações psiquiátricas entre os jovens (Kuczynski, 2014).

Braga e Dell’Aglio (2013) lembram que o suicídio possui causa multifatorial e complexa, exigindo atenção e cuidado integral à pessoa em risco. A OMS (2006) observou fatores que podem predizer se o indivíduo possui maior vulnerabilidade a cometer o suicídio, tais como acesso aos serviços de saúde, participação na comunidade e apoio familiar e de pares. Fatores socioeconômicos e demográficos, e possuir transtorno mental também funcionam como fatores de risco. Na adolescência estes fatores podem ser ainda mais potencializados devido as transformações do ciclo vital, porém isto não significa que todo o jovem que vivenciar estas mudanças e situações irão pensar ou tentar cometer suicídio.

Lipschitz, Yen, Weinstock e Spirito (2012) em seu estudo com pais e adolescentes verificaram a diferença na percepção acerca dos estilos parentais de ambos os grupos, onde os jovens tenderam a perceber o funcionamento familiar de maneira mais negativa do que seus cuidadores. Porém, ainda que existisse a discrepância entre percepções isto não funcionou como preditivo de comportamento suicida nos adolescentes. Esta informação pode demonstrar que pelo período da adolescência ser vivenciado de maneira intensa por parte do adolescente, este pode não compreender algumas medidas e condutas adotadas por seus pais, o que pode ser minimizado com uma maior abertura ao diálogo.

Quanto aos jovens com diagnóstico de depressão e de transtornos de humor que tentam suicídio, as relações que se estabelecem podem servir como rede de apoio, favorecendo as condições de bem-estar ao adolescente. Lipschitz et. al. (2012) ao realizar estudo com adolescentes e cuidadores comentou sobre a importância de se pesquisar o meio intrafamiliar, uma vez que esta variável é passível de mudança através de tratamento. Os autores ainda sugeriram que o ambiente familiar pode desempenhar papel tanto de risco como protetivo aos adolescentes depressivos que mantêm comportamento suicida, uma vez que nem todos os jovens com este tipo de diagnóstico manterá este tipo de comportamento.

Sheftall, Mathias, Furr e Dougherty (2013) referem que a interrupção de vínculos e de relações são fatores de risco importante para pensamentos e comportamentos suicidas. Fox, Eisenberg, McMorris, Pettingell e Borowsky (2013) sugerem que muitos dos óbitos em função da depressão se relacionam ao déficit em se reconhecer fatores de risco precocemente, sendo que os transtornos de ansiedade e de humor apresentam maiores relações com o comportamento suicida (Lipschitz et. al. 2012). A OMS (2006) ressalta maior frequência em ideação e tentativas de suicídio em crianças e adolescentes que sofreram algum tipo de abuso por parte de adultos ou de colegas.

Diante disso, é de suma importância se pensar acerca dos estilos parentais como fonte protetora ao jovem, considerando que ao controlar o índice de mortes por esta causa, os impactos psicológicos aos familiares e amigos, e os gastos com recursos para estes fins seriam diminuídos (Silva & Madeira, 2014).

Relação como fator de proteção

Ferreira et. al. (2013) apontam a dificuldade de algumas famílias enfrentarem situações que possam vir a desestabilizar o funcionamento familiar. É comum que as famílias não percebam a necessidade de ajuda por parte do adolescente, o que pode gerar danos ao jovem que pode vir a atentar contra a vida.

Silva e Madeira (2014) realizaram um estudo com adolescentes que haviam tentado cometer suicídio e observaram que a recuperação é essencial para determinar futuras tentativas. As relações familiares e com pares foram fundamentais ao desempenhar papeis de cuidado, proteção e favorecendo a sensação de pertencimento aos jovens, que relatavam arrependimento diante do ocorrido e sentiam-se como vítimas de preconceito.

Em pesquisa realizada por Florenzano (2011) com jovens chilenos entre 13 e 20 anos, foi evidenciado que o sentimento de autoestima e aceitação dos pais, autonomia, qualidade na relação com pai e mãe, expressão de afeto físico, acompanhamento dos pais e envolvimento nas decisões familiares, funcionam como fatores de proteção. Foi percebido ainda, que a ideação suicida tem maior correlação com os estilos parentais do que com a idade ou fase da adolescência, ou seja, os adolescentes cujos pais exercem comportamentos com níveis equilibrados de responsividade e exigência possuem menor ideação suicida quando comparados com os adolescentes cujos pais não mantêm estes comportamentos.

Miller, Smythers, Weismoore e Renshaw (2013) ao realizarem uma revisão de estudos sobre o tema, perceberam clara evidência entre histórico de abuso sexual e de aumento da ideação suicida e/ou tentativas de suicídio em adolescentes. Os autores ainda verificaram a relação entre abuso físico sofrido na infância e tentativas de suicídio. A partir disso, é possível inferir que pais com estilo parental permissivo, ou negligente, podem facilitar condições de risco e exposição à violência aos filhos, considerando que os cuidadores que apresentam este estilo parental possuem baixos níveis de monitoramento quanto aos comportamentos da criança e do adolescente.

Ao realizar pesquisa acerca dos estilos parentais e suicídio, Silva e Villalobos (2011) concluíram que o estilo negligente apresenta as maiores correlações com a ideação suicida, bem como as variáveis familiares sobre satisfação da família e frequência de conflitos com a mãe. Os resultados apontaram para o papel materno como influente na ideação suicida dos filhos, além da influência que exerce sobre o comportamento das crianças e adolescentes, tal como a motivação escolar. Foi identificado ainda, que a baixa autoestima é um preditor de comportamento suicida tanto em homens quanto em mulheres.

Saffer, Glenn e Klonsky, (2015) em sua pesquisa com adolescentes, verificaram que os jovens com histórico de tentativas de suicídio relataram menores escores de cuidados parentais, em comparação ao grupo de adolescentes com ideação suicida sem tentativas. Os autores não encontraram diferenças significativas entre os grupos quanto ao nível de superproteção dos pais. O estudo ainda apontou relação entre dificuldades emocionais, sentimento de solidão e de não-pertencimento, além de baixo cuidado parental nos adolescentes com ideação suicida, característicos de um estilo parental negligente.

A partir do estudo transversal de Barbosa et. al. (2014) com 1.380 participantes, entre adolescentes e jovens adultos da cidade de Pelotas/RS, observou-se a prevalência de risco de suicídio, nessa amostra, de 11,5%. A pesquisa buscou relacionar o comportamento suicida com as variáveis negligência (física e emocional) e abuso (físico, emocional e sexual) na infância. Todas estas variáveis foram associadas ao risco de suicídio. O monitoramento, cuidado e atenção parental na infância podem evitar traumas precoces, o que pode reduzir significativamente o comportamento suicida nesta população.

Lipschitz et. al. (2012) encontrou em seu estudo associação entre níveis de suicídio e disfunção familiar, sendo que a percepção do adolescente sobre a relação parental apresenta-se como fator essencial para a tentativa suicida. Nesta linha, Sheftall et. al. (2013) também identificaram diferenças entre a percepção dos adolescentes e dos pais acerca da dinâmica familiar, sendo que o comportamento suicida está relacionado à percepção negativa da família pelos adolescentes. Os autores ainda ressaltam que o rompimento de vínculos e de relações sociais é considerado um dos principais fatores para o comportamento suicida.

Cardoso e Veríssimo (2013) ressaltam que as crianças e adolescentes que possuem pais com estilo permissivo tendem a ter dificuldades de aprendizagem, baixa autoestima e autocontrole, comportamento imaturo e dependência, e quando comparadas a jovens com criação no estilo autoritário ou autoritativo estes déficits podem ser ainda maiores.

No estudo de Silva et. al. (2012) foi possível observar a relação epidemiológica da tentativa de suicídio em adolescentes, com maior prevalência no sexo feminino, solteiras, com níveis de baixa escolaridade e baixa renda. Nesta pesquisa ainda se evidenciou que as adolescentes que tentam o suicídio possuem rede de apoio restrita e não participam de atividades religiosas, sociais e esportivas. Corroborando com este estudo, Moreira e Bastos (2015) encontraram em seu levantamento fatores relacionados à ideação e risco de suicídio em adolescentes. Os fatores variam, desde diagnóstico – como depressão e consumo de drogas, até problemas de relacionamento e sentimentos negativos. Quanto as variáveis relacionadas aos aspectos vinculares e emocionais, os fatores destacados pelos autores foram: escasso apoio social, baixo monitoramento parental e déficit na comunicação familiar, ter sofrido maus-tratos, baixa autoestima e sentimentos de desesperança e solidão.

Pfeffer (1994, In Kuczynski, 2014) ao estudar o suicídio em crianças e adolescentes, identificou a relação entre comportamento suicida e fatores de risco, tais como: presença de psicopatologias graves, sentimentos de desesperança e desamparo, falhas na comunicação, estresse elevado e suporte familiar insuficiente. Kuczynski (2014) atenta para o crescente número de jovens que vivenciam o bullying, fenômeno este que vem sendo correlacionado ao sofrimento psíquico e suicídio na adolescência.

A partir de um estudo com pais de crianças em idade escolar, Fox et. al. (2013) observaram que os cuidadores com maior grau de conhecimento acerca dos transtornos mentais e do comportamento suicida possuem maior facilidade em comunicar adequadamente e orientar os filhos sobre fatores de saúde e proteção, além de serem favoráveis a ações escolares que visem informar os filhos sobre estes assuntos. Neste sentido, os autores ainda descobriram que grande parte dos pais entrevistados apoiam ações e programas desta natureza, contrapondo com uma minoria de pais que tendem ser menos informados sobre depressão infantil e possuir crenças de senso-comum sobre estes temas.

De acordo com Hooven (2013) a falta de apoio dos pais e a presença de conflitos entre pais e adolescente tem se caracterizado como fator de risco ao jovem. A autora ao propor um programa virtual de prevenção ao suicídio de adolescentes, com a participação de jovens e cuidadores, comenta sobre a dificuldade em motivar e manter os pais ativos nos programas. Esta falta de motivação tem sido um tema constante nas pesquisas de prevenção, inclusive pela carga emocional que emerge na família ao tratar deste tema.

Diante dos estudos apresentados, fica evidente a influência parental no desenvolvimento dos filhos e a importância da qualidade da relação pais-adolescente, que quando impacta negativamente pode aumentar o risco de suicídio (Saffer, Glenn & Klonsky, 2015). O estilo parental permissivo para Baumrind (1966), e negligente para Maccoby e Martin (1983), foi o que apresentou maiores índices negativos quanto ao comportamento suicida e a internalização de sentimentos associados a baixa autoestima e dependência nos filhos.

 

Considerações finais

O artigo buscou relacionar de que modo os estilos parentais podem desempenhar papel protetivo quanto ao suicídio na adolescência. Foi possível observar que ao manter uma relação de pais para filhos com bons níveis de exigência e responsividade há maior prevenção ao suicídio. Além disso, evidenciou-se que estas relações agem positivamente no desenvolvimento de habilidades e de autonomia nos jovens, favorecendo níveis de autoestima e independência. Concluindo assim, que o estilo permissivo, negligente, é o que gera maiores prejuízos aos jovens.

A psicologia pode desempenhar papel fundamental ao atuar na prevenção de suicídio em adolescentes. Atuando no desenvolvimento de competências e habilidades parentais, oferecendo suporte emocional aos cuidadores e aos jovens, além de trabalhar a dinâmica das relações parentais e familiares. É necessário ainda sensibilizar os pais quanto aos fatores de risco, orientá-los sobre a influência parental e engajá-los nos cuidados e no tratamento, quando necessário, de seus filhos.

Tratando-se ainda de um tema tabu, faz-se necessário lançar mão da psicoeducação em casos onde a informação acerca dos riscos é escassa a fim de diminuir estigmas e crenças, facilitando uma comunicação mais fluida na família e na comunidade. O psicólogo pode vir a desempenhar um papel mediador considerando que o assunto é carregado de sentimentos e emoções, tanto para o adolescente quanto para os pais.

Foi observado escassez de estudos acerca dos estilos parentais e suicídio de adolescentes no Brasil. Nesse sentido, sugere-se realizar novas pesquisas que busquem trabalhar juntamente com a família, desenvolvendo a capacidade de aproximação na relação parental e a sensibilização quanto às questões dos cuidados em saúde na adolescência. Como limitação, o estudo possui o viés estabelecido por outros países, além de haverem poucas pesquisas que relacionem estilos parentais à prevenção do suicídio em adolescentes.

Por fim, é notória a influência parental sobre o desenvolvimento dos filhos. As relações que se estabelecem e de que modo os fatores estressores são administrados pela família são aspectos importantes ao crescimento saudável e pleno da criança e do adolescente. Embora já se conheçam alguns fatores protetivos quanto ao suicídio, é importante relembrar sobre sua causa complexa e multivariada, o que reflete a singularidade de quem pensa em cometer o suicídio e a importância de se manter um acompanhamento adequado profissional e familiar.

 

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Endereço para correspondência
Rafaela Mazoroski Magnani
E-mail: rafaela_magnani@hotmail.com

Enviado em: 12/12/2016
1ª revisão em: 26 /06/2017
2ª revisão em: 17/10/2017
Aceito em: 20/12/2017

 

 

1 Psicóloga graduada pelo Centro Universitário FADERGS.
2 Mestre em Psicologia Social e da Personalidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Terapeuta Individual Sistêmica pelo Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI) e Professora do Centro Universitário -FADERGS e das Faculdades Integradas São Judas Tadeu.

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