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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.11 no.2 Florianópolis dez. 2011

 

ARTIGO - RELATO DE PESQUISA EMPÍRICA

 

O exercício profissional do psicólogo do trabalho e das organizações: uma revisão da produção científica

 

The professional practice of the psychologist in the organization and work context: a review of scientific production

 

 

Fellipe Coelho-Lima; Ana Ludmila Freire Costa; Oswaldo Hajime Yamamoto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Campus Universitário, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 614, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. Telefone: 84 3215.3590, Ramal 212

 

 


RESUMO

O objetivo da pesquisa foi analisar características da profissão de psicólogo da área da Psicologia Organizacional e do Trabalho a partir da produção científica sobre o tema. Foram identificados 22 artigos a partir de bases de dados eletrônicas, selecionados por meio de juízes. Por meio de uma leitura minuciosa dos textos, agrupou-se o conteúdo dos materiais em três eixos. No Eixo 1, foram identificadas três posições a respeito do papel do psicólogo neste contexto; no segundo, evidenciou-se as principais críticas a essa subárea; e o último eixo apresenta as prescrições apontadas pelos autores para a psicologia do trabalho. Desse quadro geral, conclui-se que há dois movimentos centrais na área: um de permanência de certas problemáticas do campo ao longo dos anos, e outro da coexistência de duas perspectivas ideopolíticas. Os resultados indicam a necessidade de que o campo, mais do que se polarizar, deve buscar o diálogo entre as duas posições a fim de avançar em questões nodais.

Palavras-chave: atuação do psicólogo; psicólogo no contexto do trabalho; produção científica; método comparativo constante.


ABSTRACT

This paper analyzes features of the profession of psychologist in the area of Organizational and Work Psychology present in the scientific literature. Through a detailed reading, the content of texts were grouped in three axes. The results were arranged in three axes. The first one presents the role of the psychologist in the work context, the second axis brings out the major criticisms of the field, and the last assembles the requirements for improving development of the field. This scenario reveals two central movements in the area: one, the maintenance of certain issues over the years, and the other, the co-existence of two opposite ideopolitical perspectives, towards the organizations or towards the workers. The main conclusion refers to the idea that, rather than polarizing, the field needs to seek dialogue between these two positions in order to move forward on central topics.

Keywords: psychologist's professional practice; psychologist in the context of work; scientific production; Constant Comparative Method.


 

 

A história da inserção do psicólogo no contexto do trabalho, que remonta ao desenvolvimento da própria Psicologia no Brasil, é permeada de polêmicas que abrangem desde a sua denominação, as atividades que seriam de sua competência, até o lugar que o profissional desse campo ocuparia na divisão capitalista do trabalho.

A literatura registra diversas tentativas de sistematização da evolução da área. Para Sampaio (1998) e Freitas (2002), a Psicologia do Trabalho e das Organizações se desenvolveu no Brasil em três fases. A primeira corresponderia à chamada Psicologia Industrial, inaugurada em meados da década de 1930, quando o profissional ainda era intitulado de psicotécnico. O trabalho do psicólogo resumia-se, primordialmente, à seleção e à colocação profissional no ambiente de indústrias, especialmente nas empresas ferroviárias. O segundo momento é identificado pelos autores como o da Psicologia Organizacional, representando uma ampliação do objeto-alvo sem, contudo, uma ruptura radical com a fase anterior, visto que os psicólogos permaneceriam voltados a assegurar a produtividade das empresas. Nessa fase, agregam-se às atividades provenientes da Psicologia Industrial, ações com os grupos que compõem a organização. A última fase corresponderia à Psicologia do Trabalho, considerada um campo cujo aspecto central seria "o estudo e a compreensão do trabalho humano em todos os seus significados e manifestações" (Lima, 1994, p. 53). Fortemente influenciada pelos pressupostos da Psicologia Social Crítica, a Psicologia do Trabalho considera o trabalho uma construção histórica e social, com influências significativas sobre a subjetividade e saúde do trabalhador (Tomanik, 2003; Veronese, 2003). Zanelli e Bastos (2004) indicam que, nos dias atuais, a atenção à saúde (mental) do trabalhador cresce como subcampo e faz com que o psicólogo ultrapasse os limites convencionais da área, lidando com categorias ocupacionais diversas, como aqueles que vivem em situação de desemprego/subemprego, de aposentadoria, invalidez, e também os que se inserem em novos arranjos produtivos, como as cooperativas e trabalho voluntário.

Outra abordagem sobre a constituição histórica da Psicologia Organizacional e do Trabalho, não restrita ao âmbito nacional, é encontrada em Martin-Baró (1989), Peiró (1996) e Borges, Oliveira e Morais (2005). Segundo esses estudiosos, o primeiro momento dessa Psicologia seria caracterizado por um enfoque individualista, ligado diretamente ao contexto do capitalismo mais tradicional, com a consolidação do setor industrial, produção em massa, extensão da jornada de trabalho, fragmentação e desqualificação do fazer laboral. Com as mudanças sociopoliticoeconômicas e o consequente fortalecimento dos movimentos sindicais e das lutas trabalhistas (Antunes, 1999), essa abordagem teria se mostrado limitada frente às demandas das organizações. Assim, a Psicologia nesse contexto teria adotado o enfoque sistêmico, caracterizado pela ampliação de seu objeto de análise do nível individual para o grupal e organizacional. O ambiente de trabalho passou a ser visto como um sistema com elementos inter-relacionados e dinâmicos e as atividades do psicólogo se voltaram para o ajuste da organização ao indivíduo e vice-versa. Mais uma vez, seguindo o movimento de reestruturação do capital em escala mundial e seus efeitos sobre as empresas, sociedade e a organização da classe trabalhadora (Antunes, 1999; Harvey, 2010), é construída uma nova abordagem para essa Psicologia. Neste contexto, Martin-Baró (1989) chama este terceiro ciclo de Enfoque Político, pois para a intervenção em Psicologia do Trabalho se faz necessária uma análise do comportamento que leve em conta mediações políticas e tratem, em um âmbito estratégico, as políticas organizacionais e as políticas públicas de trabalho e emprego.

Outra tentativa de periodização, também não referente ao quadro brasileiro, é oferecido por Shimmin e Strien (1998), que pensam o desenvolvimento da área em três etapas, cada uma delas marcada por respostas cada vez mais complexas a contextos sociais, econômicos, políticos e tecnológicos igualmente mais complexos. A primeira, a da Psicologia Industrial, corresponderia ao período de estabelecimento da profissão, que iria até 1945, é definida de maneira análoga às outras classificações já referidas. A Psicologia Organizacional, estruturando-se nos dois períodos subsequentes (expansão e consolidação pós-Segunda Guerra, até 1960; e reorientação, nos anos de 1960-70), transita das abordagens e métodos do período precedente a uma crítica a estes, buscando ultrapassar as abordagens no nível micro para intervenções mais globais. O período atual corresponderia ao terceiro período, o da Psicologia Organizacional e do Trabalho, marcada pela necessidade de responder às transformações no mundo do trabalho, a partir de uma perspectiva socioconstrutivista.

Como se pode verificar nos esforços empreendidos pelos autores referidos, as periodizações propostas têm por base diferentes compreensões do que seria o papel do psicólogo no campo do trabalho, refletindo leituras da realidade a partir de marcos sociopolíticos diversos. As classificações e cronologias têm, também, uma função didática, como advertem os próprios autores.

Nessa direção, a análise das atividades desenvolvidas pelos profissionais e da própria produção científica do campo, aponta que é impossível advogar-se por uma linearidade na história da Psicologia do Trabalho e das Organizações (Gondim, Bastos & Peixoto, 2010). Em outras palavras, fica claro que as fases apresentadas são construídas em determinados momentos históricos, mas a emergência de uma não implica a eliminação das demais: em cada contexto histórico e social estabelece-se uma dinâmica de interação entre as "fases", o que impele uma maior complexidade na compreensão dos determinantes do desenvolvimento desse campo.

Tal esforço em apresentar, em linhas gerais, a reconstrução histórica do campo justifica-se pela necessidade de se compreender os seus determinantes, levantando os elementos que conferiram o contorno atual para esse fenômeno. Sem tal compreensão histórica dos fenômenos torna-se inviável qualquer aproximação com a sua essência que é, necessariamente, expressa e construída social, espacial e temporalmente (Kosik, 1963/2002).

O presente estudo partiu dessa constatação e, na tentativa de contribuir para o debate sobre as características da área, focalizou a atenção para o pensamento expresso pelos pesquisadores do campo Psicologia Organizacional e do Trabalho na sua produção sobre a profissão.

Bastos (2003) afirma que a comunidade científica dessa área ainda era restrita e a sua produção científica vinculava-se estritamente às temáticas e tendências internacionais nos primeiros anos do século XXI, contudo o cenário atual não é mais o mesmo. Essas mudanças se traduzem na criação da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT), em 2001, do seu respectivo congresso bienal (CBPOT), com primeira edição em 2004 e da Revista de Psicologia Organizacional e do Trabalho (rPOT). No mesmo período despontaram outras duas revistas científicas na área: os Cadernos de Psicologia Social do Trabalho - coordenado pela USP - e a Revista Brasileira de Orientação Profissional - vinculado a Associação Brasileira de Orientação Profissional. Além disso, registram-se os esforços dos Grupos de Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia e das diversas linhas de pesquisa criadas nos programas de pós-graduação que vêm fomentando estudos no campo (Borges, 2010).

Contudo, como ressaltado por Botomé (1988), tão importante quanto conduzir pesquisas e construir conhecimento que subsidie a prática profissional, é promover sistematizações do conhecimento produzido até então, de forma a analisar os avanços alcançados e identificar os desafios postos à comunidade científica. A área da Psicologia tem se dedicado a avaliar a produção científica sobre a profissão no Brasil (p.ex., Coelho-Lima, Costa & Yamamoto, 2010; Souza Filho, Belo & Gouveia, 2006; Tonetto, Amazarray, Koller & Gomes, 2008; Yamamoto & Costa, 2010; Yamamoto, Souza & Yamamoto, 1999). Especificamente abordando a produção sobre a Psicologia do Trabalho e das Organizações, o material ainda é escasso (p.ex., Bastos, França, Pinho & Pereira, 1997; Borges-Andrade & cols.,1997; Borges-Andrade & Pagotto, 2010; Tonelli, Caldas, Lacombe & Tinoco, 2003; Tonetto, Amazarray, Koller & Gomes, 2008).

Incluindo-se no escopo desses trabalhos, a presente pesquisa pretendeu investigar o que tem sido publicado em periódicos da área da Psicologia no Brasil sobre a profissão de psicólogo no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Nessa direção, objetivou-se caracterizar tal produção quanto às discussões sobre o papel desse psicólogo, as críticas que são realizadas a essa profissão no contexto do trabalho, bem como as prescrições apontadas para o campo.

 

A PESQUISA

O presente estudo é um dos desdobramentos do projeto "Historiografia da produção sobre a profissão de psicólogo no Brasil", tendo como recorte os materiais em formato de artigo publicado em periódicos científicos brasileiros.

A coleta ocorreu entre o segundo semestre de 2008 e o ano de 2009, quando houve a busca de material nas principais bases de dados eletrônicas1. A leitura dos resumos dos trabalhos viabilizou a classificação dos documentos em Psicologia do Trabalho e das Organizações, referendada pelo recurso a juízes. O conjunto final analisado é composto por 22 artigos dos 323 identificados pelo projeto mais amplo. O Anexo traz um quadro identificando cada artigo por um código, que foi atribuído pela equipe da pesquisa e utilizado nos resultados; referência completa e breve descrição do conteúdo.

Uma caracterização geral desse material aponta que os 22 artigos foram publicados entre 1978 e 2008 em 11 revistas diferentes, que tinham a sua linha editorial dedicada ou à Psicologia, ou a alguma das subáreas (Organizacional e do Trabalho ou Social). Em sua maioria, foram produzidos individualmente (nove deles são produções coletivas), sendo os autores principalmente da região Sudeste (10) e Sul (11), havendo participação também de autores do Nordeste (2), Norte (1) e um de nível Nacional. Eles são resultados principalmente de ensaios teóricos (14), com relatos de pesquisa (6) e de experiência (2) com uma menor frequência.

A análise do conteúdo na íntegra dos artigos foi realizada por uma leitura minuciosa e constante do material textual, buscando partir de afirmações mais simples e imediatas a ideias mais abstratas e gerais, tendo como norte os materiais concretos. Com isso, de cada leitura foram abstraídas categorias que, em um primeiro momento, eram particulares de cada documento, procurando, em momentos posteriores, aproximar as categorias entre si, até a formulação daquelas que conseguiram estar presente no maior número possível de casos.

Auxiliando na compilação, organização e análise do material, foram utilizados os softwaresMicrosoft Office Excel 2007 (para as informações bibliométricas) e o QDA Miner 3.2 (para a análise do conteúdo).

A partir da leitura geral de todos os trabalhos, foi possível reunir os conteúdos em três eixos principais que, por sua vez, contém categorias mais específicas de análise, que são apresentadas na Tabela 1.

 

OS ARTIGOS

De maneira geral, percebe-se que os artigos tratam, em sua maioria, ou da descrição das atividades do psicólogo ou da análise do papel desse profissional, conforme Anexo. Mesmo considerando o pequeno volume de artigos em comparação a outras subáreas da Psicologia (Costa, Amorim & Costa, 2010), a análise demonstra que tanto profissionais como acadêmicos estão preocupados, ao longo dos anos, com o modo pelo qual a profissão de psicólogo no contexto do trabalho vem se desenvolvendo.

Eixo 1: O papel do psicólogo no contexto do trabalho

Esse eixo trata das posições que os autores defendem quanto ao lugar que o psicólogo deve ocupar no contexto do trabalho, isto é, qual o fundamento de sua ação, seus objetivos, metas e compromissos. Quase todos os artigos (19 de 22) apresentaram algum conteúdo dessa natureza.

Foi possível extrair o tipo de relação esperada entre o psicólogo com a empresa e com os trabalhadores, sendo possível arranjá-la em três gradações, conforme se referem a esse binômio.

Em A10, L136 e L380, percebe-se o compromisso do psicólogo primeiramente com as empresas e, posteriormente, com os trabalhadores. De maneira geral, para esses autores, é necessário que se atue junto aos sujeitos que compõem a organização a fim de se aperfeiçoar o desempenho da empresa. Estão inseridas as considerações de que o psicólogo deve atuar em setores de Recursos Humanos (A10, L380 e L474) e de maneira macro organizacional (D343, J365, L380, L474, L479 e M94).

Também foi possível identificar textos que colocam lado a lado o compromisso com a empresa e com os trabalhadores. Neste grupo, incluem-se os trabalhos J46, L222, L479 e M94, que expressam a impossibilidade de o psicólogo escapar do seu duplo compromisso dentro das organizações: por um lado, deve atuar a favor do desenvolvimento dos trabalhadores, realizando atividades voltadas para a promoção de Saúde Mental destes; por outro, ele deve atuar em prol dos resultados empresariais, principalmente quanto ao incremento da produtividade e competividade.

A última perspectiva, por seu turno, defende a tese de que o psicólogo deveria se comprometer, prioritariamente, com os trabalhadores, estando em segundo plano, o compromisso com a empresa. L223 e NV02 apresentam essa posição, na medida em que apontam o psicólogo como um profissional que deveria possuir no horizonte final de suas ações propostas de melhoria de vida e das condições de trabalho para o trabalhador. Outros autores radicalizam essa proposta e consideram que, em última instância, os psicólogos nos contextos do trabalho, deveriam promover o desenvolvimento e emancipação dos trabalhadores, atuando conforme as necessidades dos homens e mulheres e não do sistema (J146, F25, J367 e NV01).

Assim, o que se depreende a partir da análise desse eixo é a presença do binômio capital-trabalho como pano de fundo para se definir o lugar do psicólogo nas organizações e no trabalho. Ou seja, de maneira direta ou indireta, as categorias transitam de modos específicos entre os dois pólos, mas não os perdem de vista.

Deve-se ter em mente, para essa análise, que a definição do espaço ocupado por esses psicólogos - as organizações de trabalho, seja privada, pública, sem fins lucrativos, entre outras - já torna patente a necessidade de se refletir sobre essa relação, já que ela se expressa claramente no cotidiano desse profissional (Oddone & cols., 1981, citado por Sato, 2010).

Eixo 2: Críticas à profissão de psicólogo no contexto do trabalho

A apreciação dos artigos em questão proporcionou também a identificação de diversas críticas que os autores fazem à área. Esse conteúdo está organizado no Eixo 2, abrigando seis categorias distintas.

A primeira se refere à avaliação negativa que os próprios psicólogos fazem da sua atividade. F440 apontou que esses profissionais avaliavam negativamente, principalmente, a remuneração, a satisfação com o trabalho, as condições para atuação e interação com outros profissionais. Essas questões são atualizadas ao longo dos anos e adiciona-se, a esse quadro, o desconhecimento das lideranças organizacionais sobre o real papel do psicólogo nesse contexto (A10, J304), a carga excessiva de trabalho e a deterioração de outras esferas da vida do psicólogo em favor da sua atividade profissional (J304).

A regulação dos trabalhadores para a promoção da produtividade organizacional é outro foco de críticas presente principalmente em A07, D21, D343, J304, J367 e NV01. No final da década de 1980, em A07, afirma-se que a entrada do psicólogo nas empresas ocorreu ao passo em que a coerção física aos trabalhadores começou a ser limitada. Uma década depois, o texto NV01 reiterou que "as perspectivas para a psicologia na área organizacional são excelentes, (...) pois nunca se necessitou tanto de um aparato ideológico tão bem fundamentado" (p. 51), sendo o psicólogo responsável por garantir que os trabalhadores não necessitem de regulações externas, mas que sejam autorregulados (D343, J304, NV01).

Há também uma crítica mais geral sobre a defasagem teórica e prática desses profissionais, proposta em D21, F25, J46, J365, L222, L380, L382, L474, M94 e NV01. Na segunda metade de 1980, em L222, afirmava-se que o profissional da área se encontrava desamparado teórico-metodologicamente, tendo que importar os conhecimentos produzidos em outros países. Dez anos depois, o texto L382 resgatou o tema e avançou em tais críticas, ao definir que a principal falta de fundamentação é com relação ao mundo do trabalho, relações de trabalhos e processos grupais, além de o profissional possuir uma visão arcaica sob o fenômeno humano. Já sobre a defasagem da atuação, em L474 denunciava-se a carência de embasamento crítico e integrativo dos profissionais, atrelada a uma atuação superficial e em L380 criticava-se a permanência do psicólogo nos níveis técnicos de ação, tendo dificuldades de inserção nos níveis estratégicos da empresa. Sobre a entrada dos psicólogos em novos contextos de trabalhos, como nas cooperativas, o artigo F25 afirma que as bases teóricas e instrumentais baseadas nos locais tradicionais de atuação desse psicólogo - os setores de Recursos Humanos - não oferecem subsídios às atividades nos novos espaços.

Outra categoria se relaciona com esta última: o "clinicismo". Presente nas críticas de J367, L136, L222, L380 e L474, essa categoria se refere ao comportamento dos profissionais em priorizarem a clínica, em detrimento das demais áreas. Historicamente, quatro consequências são listadas para essa situação: (a) o profissional acaba extrapolando o embasamento clínico que possui para o ambiente organizacional (L474), (b) há a descaracterização da identidade profissional do psicólogo no contexto do trabalho (L222), (c) negligencia-se a compreensão do comportamento a partir do paradigma do trabalho, em favor da dicotomia saudável/não saudável, que se mostra contraproducente (J367) e (d) há desvalorização das atividades específicas do ambiente organizacional, quando comparado com a atuação nos consultórios particulares (L380).

A última categoria é a que reúne maior volume, tanto de comentários, como de artigos (D21, F440, J365, L136, L222, L223, L380, L382, L474 e M94): a deficiência na formação do psicólogo para atuar no contexto do trabalho. Essa crítica desponta na literatura desde final da década de 1970, com L136 que relaciona a má formação desse psicólogo à limitação da sua ação e à dificuldade de inserção plena dentro das indústrias. Essa posição é reafirmada, posteriormente, por J365, L380, L382 e L474. As problemáticas mais recorrentes relacionadas à formação desse psicólogo são: prioridade dos currículos para disciplinas e conteúdos eminentemente clínicos (J365, L382, L474 e M94); a formação de um profissional liberal, distante da realidade de atuação desse psicólogo (F440, J365 e L474); o anacronismo e disparidade entre o profissional formado e a realidade social brasileira (L222, L223 e L474); e o déficit no ensino de temas como processos organizacionais, realidade econômica e social e saúde mental do trabalhador (D21, L382 e L474).

Em resumo, é importante notar que os autores estabelecem uma relação entre a má qualidade da formação e a atuação, sendo nesta última categoria o ponto central e, direta ou indiretamente, explicativo para as demais críticas arroladas na literatura. Pesquisas mais restritas a essa temática (Botelho, 2003; Freitas, 2002; Guareschi & Freitas, 2004; Iema, 1999; Zanelli, 1994, 1995, 2002) corroboram tal análise e denunciam exatamente essa defasagem entre a formação e o preparo do psicólogo para atuar no contexto do trabalho.

Eixo 3: Prescrições para a profissão de psicólogo no contexto do trabalho

O último eixo engloba as possibilidades indicadas pelos autores para um desenvolvimento mais consistente da profissão. Tais apontamentos estão agrupados em quatro categorias distintas.

O primeiro conjunto, melhoria na formação, aparece em J365, L136, L382 e L474, cujas indicações se referem à atualização dos currículos dos cursos de Psicologia, nos quais deveria haver maior dedicação a disciplinas relacionadas à Psicologia Organizacional e do Trabalho, bem como interfaces com outros campos, como a Administração e a Economia. Esses autores concordam que é necessário que haja uma maior aproximação tanto entre a teoria e a prática, como entre a realidade social brasileira e os conteúdos tratados nas disciplinas. De maneira geral, essas indicações encontram forte respaldo nas críticas que esses próprios autores elaboraram, presentes no eixo de análise anterior.

Outro grupo de prescrições, presente em J146, J367, L380 e M94, aponta ser necessário para o psicólogo no contexto do trabalho se apropriar de sólidas bases teóricas e filosóficas. Identifica-se nessa literatura, diretamente, três correntes que são indicadas como possíveis fundamentos para a atuação desse psicólogo: o paradigma do trabalho de tradição marxista (J367), a psicanálise (J146) e o behaviorismo radical (M94). É curioso notar que são exatamente essas correntes teóricas as citadas como fundamentando a prática desses profissionais em estudos recentes sobre a profissão de psicólogo no Brasil (Gondim, Bastos & Peixoto, 2010). Ou seja, mesmo os profissionais assinalando que fazem uso dessas teorias, ainda parece ser preocupante o modo como se apropriam e aplicam os conceitos

A terceira categoria de prescrições é voltada à necessidade de inovação na atividade profissional do psicólogo no contexto do trabalho, sendo corroborada por análises de F25, J46, J146, J367, L223 e L479. Essas inovações girariam em torno de: (a) atuação proativa e preventiva em vez da tradicional postura reativa e remediativa (J46); (b) incentivo às reflexões dentro da própria organização, promovendo o seu autodesenvolvimento (L479); (c) inserção em variados contextos, como sindicatos, grupos de trabalhadores desempregados (L223) e cooperativas de trabalhadores (F25); e (d) ações que tomem como norte o benefício direto dos trabalhadores (J146 e J367). Assim, concorrem, dentro da mesma categoria, prescrições voltadas para inovações quanto a atividades desempenhadas no interior das empresas e em prol do seu desenvolvimento, e outras orientadas para o desenvolvimento da classe trabalhadora.

A última categoria faz remissão à reorientação da profissão, havendo considerações de J365, L222, L223, L380, L382, L474 e L479. Aqui, é marcante a indicação da necessidade de o profissional se integrar aos níveis estratégicos e decisórios da organização, sinalizada desde a década de 1980 (L222) e 1990 (L380) do século passado. L382 e L479 complementam essa reflexão, ao afirmarem que também é preciso que esses profissionais avaliem criticamente suas ações, tomando como norte os conflitos sociais. Segundo o texto J365, a reorientação da profissão passa, necessariamente, pela inserção efetiva dos psicólogos nas equipes multidisciplinares.

Como pontuado ao longo desta seção, muitas das prescrições apontadas pelos autores possuem forte relação com as críticas identificadas. Ademais, confirma-se, mais uma vez, a insatisfação e a urgência para que ocorram transformações no modo como este campo profissional vem se desenvolvendo.

Considerações sobre a produção a respeito do psicólogo no contexto do trabalho

A partir de uma reflexão sobre os artigos analisados, depreende-se dois movimentos centrais expressos nessa produção.

O primeiro deles se refere à existência de uma continuidade temporal das principais discussões apontadas sobre a profissão. Independente do eixo de que se trata, essa dinâmica é encontrada, refletindo a dificuldade do campo de enfrentar suas principais problemáticas. Elencam-se aqui dois determinantes centrais para esse quadro histórico.

Um deles, levantado pela própria literatura analisada, situa-se na inadequação da formação acadêmica. Havendo um ciclo vicioso no processo formativo (seja nos métodos, seja nos conteúdos abordados), os psicólogos que saem das instituições de ensino superior para ingressar no contexto de trabalho acabam por não inovar nem superar diversas posturas já largamente criticadas. Como já levantado por alguns outros autores (Botelho, 2003; Freitas, 2002; Guareschi & Freitas, 2004; Iema, 1999; Zanelli, 1994, 1995, 2002), a formação nesse campo é deficitária tanto em questões curriculares como de qualificação dos docentes.

Por outro lado, é preciso relativizar até onde essa formação pode ser julgada como principal viés do desenvolvimento profissional dessa área, uma vez que os psicólogos, ao longo de sua carreira, tendem a entrar em contato com outras experiências formativas que vão compondo a base para a sua atividade profissional (Yamamoto, Souza, Silva & Zanelli, 2010).

Desse modo, é importante integrar nessa análise, como segundo componente, a configuração das próprias relações trabalhistas estabelecidas pelo psicólogo. Percebe-se que os espaços ocupados por essa categoria profissional, em diversas situações, não viabilizam a concretização de ações que escapem as já consagradas. Para tanto, basta constatar que, dos artigos aqui analisados, aqueles que apresentam atuações voltadas a novos públicos e propõem atuações diferenciadas são gestadas dentro de experiências acadêmicas de extensões ou de reflexões teóricas. Com isso, as inovações nessa área restringem-se a um fazer prático e técnico, e não de pressupostos ético-políticos.

Resgatando as análises empreendidas por Iamamoto (1998, 2007), é possível ampliar esse debate, ao considerar que a atividade profissional exercida pelos psicólogos, nos diversos contextos do trabalho, é perpassada por relações internas de poder, determinada por seu contrato de trabalho. Com isso, as políticas institucionais não podem ser consideradas como meros objetos extrínsecos a sua ação, mas sim condicionantes das atividades que são desenvolvidas.Por outro lado, a constatação de tal limitação não precisa ser tomada como uma subordinação fatalista da profissão aos ditames do capital, uma vez em que, em alguma dimensão, ainda é viável a criatividade e independência na atuação desse profissional. Deste modo, essa análise evidencia os limites, mas não sepulta as possíveis inovações que o campo possa oferecer.

Quanto ao segundo movimento identificado, refere-se à coexistência de duas perspectivas ideopolíticas nos artigos analisados. Verifica-se que nos três eixos, de acordo com os pressupostos fundamentais adotados pelos autores, as conclusões oscilam, remetendo-se ora à defesa de uma atuação orientada para a manutenção e desenvolvimento do capital organizacional, ora a ações que tenham como meta final a promoção da emancipação dos trabalhadores - com diversas graduações entre esses dois extremos.

Tais perspectivas remontam à origem da atuação do psicólogo no contexto do trabalho, cuja inserção ocorreu de maneira específica na dinâmica entre o capital e o trabalho, uma vez que, tradicionalmente, é chamado para oferecer subsídios às gerências no processo de controle de pessoal. Ou, como assinalado por Figueiredo (1989), o psicólogo trabalha como um mantenedor do status quo, garantindo a pacificação e o direcionamento dos trabalhadores de acordo com as necessidades das empresas. É exatamente desse contexto histórico que emerge a perspectiva orientado para as empresas e para o desenvolvimento do capital.

Contudo, sabe-se que nas décadas de 1970 e 1980, principalmente nos países europeus e latino-americanos, construiu-se um movimento crítico dentro da Psicologia que propunha a reorientação de diversas atuações, decorrente, em grande parte, da dinâmica política da época (período posterior aos governos autocráticos burgueses), bem como da aproximação dos psicólogos com as demandas sociais (Bernardes, 2005). Nesse momento, passou-se a observar questionamentos dirigidos às teorias tradicionais individualistas que fundamentavam a Psicologia e aos posicionamentos que excluíam o contexto social da compreensão dos fenômenos psicológicos. Assim, os conhecimentos e práticas da Psicologia do Trabalho e das Organizações foram postos em questão, tendo em vista que não contabilizavam as demandas dos trabalhadores nos locais de trabalho. Em contrapartida, foram produzidos estudos e fomentadas ações que buscassem essa aproximação entre o psicólogo e os problemas enfrentados pelos trabalhadores, atuando diretamente em prol da sua autonomia. Por sua vez, a perspectiva gestada nesse período foi propalada ao longo dos anos e passou a conviver em paralelo (mas não de maneira pacífica) com a perspectiva anterior2.

A identificação dessa dualidade não é novidade no campo. Um exemplo direto é a discussão conduzida por Sato (2010), que afirma ser a relação entre a Psicologia e a temática do Trabalho mediada por duas abordagens. A primeira, vinculada historicamente com as necessidades dos engenheiros e gerentes em lidar com os trabalhadores dentro das indústrias, tornou-se, ao longo dos anos, a perspectiva hegemônica da área e se ligou, fundamentalmente, a uma abordagem profissionalizante. A segunda abordagem, já nos anos de 1950, no cenário mundial, deriva da Psicologia que tratava a questão do Trabalho para além das organizações. No curso histórico, essa última abordagem tem sido remetida à Psicologia Social (ou da Saúde), não sendo incorporada nas discussões do primeiro campo - que se consolidou como a Psicologia Organizacional e do Trabalho.

Esse debate possui implicações claras para o desenvolvimento tanto do conhecimento psicológico como para o seu campo profissional. A existência em paralelo de ambas as perspectivas, em muitos momentos, tem se mostrado contraproducente no avanço de questões nodais desse campo da Psicologia.

É fato que as duas concorrem para atender a demandas distintas: enquanto a perspectiva empresarial se alinha com a necessidade de inserção dos psicólogos dentro das organizações de trabalho, sendo eles próprios trabalhadores que se subjugam as agruras das condições mercadológicas; a perspectiva oposta agrega uma dimensão crítica a esses psicólogos que visam desenvolver um compromisso com a classe trabalhadora, o qual, por muito tempo, foi renegado.

Todavia, tal distinção não procura valorar, moralmente, uma perspectiva em detrimento da outra. Por outro lado, com o intuito de produzir respostas atualizadas aos problemas complexos que emergem do contexto histórico-social atual, percebe-se como mais relevante a promoção de maior interação entre as abordagens. As mudanças no mundo do trabalho e do capital, que vem sendo evidenciadas pela literatura (Antunes, 1999; Harvey, 2010), implicam a atualização dessa Psicologia que, se por um lado, não pode se abster de ocupar os espaços dentro das indústrias e empresas, também não é adequado se furtar das preocupações enfrentadas pela classe trabalhadora. A própria literatura analisada oferece exemplos de integração dessas perspectivas dentro das atividades nas empresas, como as atuações relacionadas à Saúde Mental dos Trabalhadores.

Outras saídas são os locais, exteriores às organizações tradicionais de trabalho, onde se demanda a atuação dos psicólogos, como os Centros de Referência a Saúde dos Trabalhadores e os sindicatos. É verdade que esses contextos representam uma pequena parcela do contingente de vagas disponibilizadas para esse profissional, mas podem ser o celeiro de potenciais avanços em pontos que, classicamente, esse campo da Psicologia vem sendo criticado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões empreendidas, baseadas na análise da produção científica sobre a profissão de psicólogo no contexto do trabalho e das organizações, buscaram colocar em foco as configurações desse campo, tanto no que diz respeito às suas limitações quanto às possibilidades de avanço.

É fato que as discussões aqui empreendidas, apesar de muitas vezes adentrar-se em apontamentos gerais para a profissão, encontra limitações, principalmente pelo tipo de material analisado. O que se abordou foram as perspectivas e indicações realizadas pela literatura em direção à profissão do psicólogo dentro dos contextos de trabalho. Assim, focalizou-se os debates realizados, eminentemente, pelo campo acadêmico sobre o campo profissional.

Esses debates, por sua vez, repercutem concretamente na prática dos profissionaisr, tanto por embasar a sua formação básica, graduada, como por subsidiar os estudos posteriores desse profissional. Contudo, não cabe no escopo das discussões da presente pesquisa apontamentos sobre as atividades concretamente desenvolvidas por esses psicólogos.

Nessa direção, sugere-se que estudos posteriores adensem os debates a respeito das tendências da profissão do psicólogo nos espaços laborais pela via da análise das atividades desenvolvidas pelos profissionais. Ademais, também permanece no horizonte a necessidade de discussões de cunho teórico e político que contemplem análises mais atuais sobre o atual lugar social que esses profissionais tem ocupado dentro da sociedade brasileira.

 

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Recebido em: 06.06.2011
Aprovado em: 21.11.2011
Publicado em: 30.12.2011

 

 

Sobre os Autores

Fellipe Coelho-Lima, Membro do Grupo de Pesquisas Marxismo e Educação. Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Campus Universitário Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 613, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. Telefone: 84 3215.3590, Ramal 211. E-mail: fellipecoelholima@gmail.com.
Ana Ludmila Freire Costa, Membro do Grupo de Pesquisas Marxismo e Educação. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Campus Universitário Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 613, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. Telefone: 84 3215.3590, Ramal 211. E-mail: analudmila@gmail.com.
Oswaldo Hajime Yamamoto, Coordenador do Grupo de Pesquisas Marxismo e Educação. Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Campus Universitário Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 614, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. Telefone: 84 3215.3590, Ramal 212. E-mail: oswaldo.yamamoto@gmail.com

 

 

1 As bases de dados utilizadas para a coleta foram: 1) a Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia (BVS-PSI), que por sua vez engloba a Scientific Eletronic Library Online (SciELO), a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), o Index Psi Periódicos Técnicos-Científicos, o Index Psi Periódicos de Divulgação Científica e o Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC); 2) o Catálogo Global On-line (DEDALUS) do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP (Sibi-USP) e 3) o sítio eletrônico Psicologia Online, do Conselho Federal de Psicologia. Dada a especificidade do tema em questão, realizou-se uma coleta complementar, no primeiro semestre de 2010, nos periódicos "Cadernos de Psicologia Social do Trabalho" e "Revista Psicologia: Organizações e Trabalho".
2 Respeitando o escopo dessa pesquisa, apenas é possível afirmar a existência de ambas as perspectivas no período que compreende a década de 1970 até 2010.

 

 


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