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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.12 no.2 Belém maio/ago. 2020

https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02artigo63 

Artigo

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol12.nº02artigo63

 

A percepção da pessoa internada sobre sua vivência no hospital

 

The perception of the hospitalized person about their experience in the hospital

 

La percepción de la persona hospitalizada sobre su esperiencia em el hospital

 

 

Gisele Batista Silva SantosI; Benezuete Brito dos SantosII; Jefferson dos Santos Melo III

I Clínica Espaço Psicoterapêutico Ressignificar

II Centro de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação CAAH/S – AP

III Faculdade Macapaense (FAMA) e do Instituto Macapaense de Ensino Superior (IMMES),

 

 


RESUMO

A pesquisa teve como objetivo compreender a percepção que a pessoa internada tem de sua vivência durante a hospitalização e identificando os fatores mais recorrentes nos relatos por meio de um olhar fenomenológico. Elegeu-se a pesquisa qualitativa, de campo e com abordagem fenomenológica para a realização do estudo e como ferramenta para a coleta de dados a Versão de Sentido, a análise foi produzida com base na Redução Fenomenológica. Participaram da pesquisa dez pessoas internadas em enfermaria do Hospital de Emergência Oswaldo Cruz na cidade de Macapá-AP. O resultado teve seus desdobramentos em quatro categorias: Família, Deus, Morte e Rotina Hospitalar.

Palavras-chave: Fenomenologia; Paciente; Psicologia Hospitalar.


ABSTRACT

The research aimed to understand the perception that the hospitalized person has of their experience during hospitalization and identifying the most recurrent factors in the reports through a phenomenological look. Qualitative research, field and phenomenological approach was chosen for the study and as a tool for data collection the Sense Version (VS), the analysis was produced based on the Phenomenological Reduction. Ten people admitted to the ward of the Oswaldo Cruz Emergency Hospital in Macapá-AP participated in the research. The result was divided into four categories: Family, God, Death and Hospital Routine.

Keywords: Phenomenology; Patient; Hospital Psychology.


RESUMEN

La investigación tuvo como objetivo comprender la percepción que la persona hospitalizada tiene de su experiencia durante la hospitalización e identificar los factores más recurrentes en los informes a través de una mirada fenomenológica. La investigación cualitativa, el campo y el enfoque fenomenológico se eligieron para el estudio y, como herramienta para la recopilación de datos de la Versión de Sentido (VS), el análisis se produjo en base a la Reducción Fenomenológica. Diez personas ingresadas en la sala del Hospital de Emergencia Oswaldo Cruz en Macapá-AP participaron en la investigación. El resultado se dividió en cuatro categorías: Familia, Dios, Muerte y Rutina hospitalaria.

Palabras-clave: Fenomenología; Paciente; Psicología Hospitalaria.


 

 

INTRODUÇÃO

A hospitalização é um acontecimento que marca profundamente a pessoa e produz percepções únicas e carregadas de sentido. Nesse momento a atenção da família, amigos e profissionais da saúde tornam-se ainda mais relevantes através de um olhar diferenciado e humanizado, promovendo o resgate da subjetividade, sem preconceito ou generalizações, e deve entender que apesar da hospitalização a pessoa deve ser pensada em sua totalidade.

Tomando como base a importância de se conhecer a pessoa hospitalizada e sua afetação, o estudo propôs como problemática questionar a percepção da pessoa internada sobre sua vivência no hospital. Assim, definiu-se como objetivo geral compreender a percepção que a pessoa internada tem de sua vivência no hospital, identificando os fatores mais recorrentes nas percepções tendo como base o olhar fenomenológico. Para um melhor entendimento serão abordados os seguintes assuntos: metodologia utilizada, o processo de hospitalização e a atuação do psicólogo hospitalar, a fenomenologia e a compreensão das vivências, o método fenomenológico e a pesquisa em psicologia, resultado e discussão estes dispostos em quatro categorias: Família, Deus, Morte e Rotina hospitalar.

 

ASPECTOS MÉTODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento dos objetivos adotou-se o uso da pesquisa qualitativa, conforme Gil (2008) pois é a que promove maior aproximação com o problema pesquisado deixando-o mais evidente. Empregamos o uso da pesquisa de campo e fenomenológica, comum quando se pretende aos trabalhos desta natureza, em que se apropria dos fatos e experiências para se fundamentar, dado o surgimento da fenomenologia como um método capaz de abstrair a origem de uma ideia, almejando a essência daquilo que se quer conhecer (Forghieri, 2011).

Como ferramenta para a coleta dos dados utilizamos a Versão de Sentido. Amatuzzi (2008) propõe que a VS como método pretende puramente em discorrer e falar sobre o sentido de algo, a fim de se obter uma característica dele satisfatória para o que se espera, alcançando as interpretações e o sentimento experenciado no momento do relato. Conforme ressaltam Vieira, Bezerra, Pinheiro e Branco (2018) as VS permitem ao psicoterapeuta um treino que confronta suas limitações iniciais, um instrumento valioso a psicoterapeutas iniciantes e a seus supervisores. Para Moreira (2001 citado por Boris 2008) resultam em vivências compartilhadas entre psicoterapeuta e cliente, ricas em significado, impressões e sentimentos de ambos, pois sua natureza não tem como foco a descrição cognitiva e minuciosa dos fatos.

A análise do resultado deu-se por meio da Redução Fenomenológica, onde o pesquisador após ouvir o relato do participante realizava sua versão de Sentido, aproximandose da vivência de maneira tal que o possibilitasse um envolvimento existencial, e afastandose dele para refletir o sentido da experiência para o participante. Forghieri (2011) ressalta que a Redução Fenomenológica é fundamental para esse tipo de pesquisa por evidenciar uma circunstância experimentada pelo outro, destacando as sensações e emoções que emergem da experiência. Para cada relato uma Versão de Sentido era escrita, tão logo ocorrida a entrevista, totalizando dez versões. A construção da análise considerou as versões de sentido e as transcrições literais de fragmentos das falas, expostas no decorrer do resultado para uma melhor compreensão do leitor descritas após os nomes fictícios de cada participante.

Participaram da pesquisa 10 (dez) pessoas internadas em enfermarias (adulto) do Hospital de Emergência Oswaldo Cruz na cidade de Macapá, sendo 7 (sete) homens e 3 (três) mulheres, com idades entre 18 e 70 anos, com diferentes diagnósticos, em tratamento medicamentoso e alguns aguardando procedimento cirúrgico. Como critérios de exclusão não participaram da pesquisa crianças ou menores de 18 anos, pessoas sem acompanhante, com alterações psiquiátricas ou neurológicas e pessoas com período de internação inferior a três dias.

Está pesquisa teve autorização do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Saúde - NPS da Escola de Saúde Pública- ESP/SESA, avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do estado do Amapá - IEPA, sendo aprovada e autorizada com o parecer de nº: 3.047.625.

Foram realizadas 8 visitas ao hospital no período de 05/12/2018 a 27/12/2018 para a realização da coleta dos dados. Aos participantes era apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, ao concordar em participar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) era assinado pelo paciente como ato voluntário da participação, de forma individual e no próprio leito, naquele mesmo encontro realizávamos a pergunta disparadora: - Como você percebe suas vivências no hospital? Ou como está sendo para você aqui no hospital? O participante relatava livremente o significado para ele, com intervenções dos pesquisadores que facilitassem o aprofundamento do discurso somente quando necessárias.

 

O PROCESSO DE HOSPITALIZAÇÃO E A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO

Com a hospitalização a pessoa começa um processo de mudança, por vezes deixa de ser chamado pelo nome e sua identidade se resume a um número de leito, como mencionam Angerami-Camon, Trucharte, Knijnik e Sebastiani (2009), que entendem a despersonalização do paciente como resultado da fragmentação de análises cada vez mais específicas que não abordam o ser humano em sua amplitude existencial enfatizando com que um determinado sintoma permaneça naquela vida, além da própria patologia, a pessoa precisará tomar cuidados complementares para afastar-se de estigmas e símbolos.

A hospitalização provoca renúncias e mudanças de hábitos para que se tenha um tratamento eficaz; o paciente precisa adaptar-se e regular seus limites, pois muitos acreditam ser invioláveis, entrando em estado de choque quando seu corpo e mente perdem gradualmente sua capacidade (Balint, 2005).

Espinha e Amatuzzi (2008) ressaltam que a hospitalização deve ser entendida como um processo que produz significados diferentes e estarão sendo modificados pela pessoa a cada dia, no início pode ser que a doença tome uma grande parcela de sua atenção acarretando em intenso sofrimento, porém com o decorrer dos dias essa percepção vai tomando novas formas e adquirindo novos sentidos.

a diversidade de fatores implicados nesse processo tais como, a relação familiar, a vida social e com os profissionais da saúde, Proença e Agnolo (2011) afirmam que a equipe multidisciplinar do hospital é especialmente relevante quanto à amenização das aflições em decorrência do adoecimento, advindos da nova relação que se estabelece consigo e com os outros e o receio do desconhecido.

Balint (2005) destaca que o homem e sua doença estão ligados psicologicamente, onde a principal fonte psicológica é a crença e a esperança, levando este a pensar que todo e qualquer mal vêm de fora, e o tratamento é o que irá expulsá-lo, assim o tratamento envolve todos os profissionais necessários, e nesse contexto o psicólogo hospitalar tem contato direto com as crenças, propósitos e percepções da pessoa durante o processo do adoecer.

Para Angerami-Camon et al. (2009) a atuação do psicólogo também será de promover a humanização da equipe hospitalar, amenizando as possibilidades de comprometimento da grandeza existencial da pessoa hospitalizada, contribuindo para um pensamento que abranja os profissionais de saúde, cuidando para que a instituição trabalhe não somente com a reabilitação orgânica, mas também, com o restabelecimento da dignidade humana.

Paciente é na maioria das vezes encaminhado para o atendimento psicológico pelo médico, conforme evidenciam Catani, Juhas, Santos, Moretto e Lucia (2012), sendo esta uma atividade que compete a toda a equipe multiprofissional. Para Ribeiro e Dacal (2012) na ausência de reconhecimento da funcionalidade do psicólogo hospitalar pela equipe de saúde, este deve posicionar-se diante de tal prática esclarecendo e reafirmando o que lhe compete como campo de atuação, que por vezes é negligenciado pelos demais. Dessa forma, no hospital, a capacidade de antecipação do psicólogo ao paciente cogita a coerência dessa prática, inclusa de uma lógica regularizada pela prevenção do sofrimento, quanto mais precoce a interferência, menores as probabilidades de agravamento e maiores as perspectivas de recuperação dos pacientes.

 

FENOMENOLOGIA E A COMPREENSÃO DAS VIVÊNCIAS

A Fenomenologia surgiu dos estudos do filósofo Edmund Husserl (1859-1938) através da filosofia moderna. Ela é a base do ensino do conhecimento das essências, "a fenomenologia é a doutrina universal das essências, em que se integra a ciência das essências do conhecimento" (HUSSERL, 1989, p. 22), vai além do caráter descritivo de uma vivência. De acordo com Lima (2014) o marco da fenomenologia é sua característica de envolver ciência e espiritualidade, de onde partem diversas linhas de estudos contemporâneos. Etimologicamente seu significado é estudo dos fenômenos, daquilo que se apresenta à consciência, do que é notório.

A ciência das essências do conhecimento de Husserl pauta-se na Fenomenologia Transcendental, que questiona, que vai além, cujo objeto do conhecimento não está inerente a pessoa, não se esgota na experiência vivida e no seu pensamento, na consciência em si, não é imanente (que tem em si o próprio princípio e fim); a Transcendência é o que clarifica, que aproxima do sentido, que permite examinar o que se apresenta (Husserl, 1989). Como descrito por Husserl (2008) acerca da Fenomenologia Transcendental:

A elaboração de um método efetivo para captar a essência fundamental do espírito nas suas intencionalidades (...), nesta atitude, é possível edificar uma ciência do espírito absolutamente suficiente, sob a forma de uma consequente autocompreensão e de uma compreensão do mundo enquanto realização

espiritual (p. 49). Por meio do caráter de transcendência a fenomenologia se apresenta então, como um método de investigação.

De acordo com Feijoo e Mattar (2014) a filosofia almejava encontrar seu elemento universal, capaz de revelar a verdadeira essência das coisas, e para isso preservava o sujeito como aquele que poderia trazer o conhecimento, bem como resguardava o objeto determinado como coisa, realizando a interação entre o sujeito capaz de investigar sobre a coisa que se pretendia conhecer; Husserl então, apresentou uma forma de pensar o que está na mente (os objetos) através da 'reflexão crítica', alicerçando as bases da fenomenologia enquanto método na busca profunda da essência das coisas e sobre sua percepção.

Husserl (1989) propôs a análise compreensiva da consciência, manifestando a noção de intencionalidade, em que a própria consciência é intencional de ser consciência de alguma coisa, não é aleatória e sem sentido. Coelho-Júnior (2002) compreende que para Husserl a intencionalidade se faz por meio da aquisição do conhecimento, tendo como ponto de partida a referência a algum objeto já conhecido, portanto não acontece de maneira ocasional, possui uma conexão anterior com o que se quer conhecer.

Tais concepções da fenomenologia Husserliana influenciaram os estudos de Merleau-Ponty, como destacam Feijoo e Mattar (2014) principalmente no que se refere à noção de consciência intencional e à própria intersubjetividade, produzindo novos conhecimentos que se voltaram para a percepção como ponto fundamental de tomada de consciência, de maneira mais ampla, em que todos os componentes do mundo externo implicam na forma de ver o mundo. "No que diz respeito à consciência, precisamos concebêla não mais como uma consciência constituinte e como um puro ser-para-si, mas como uma consciência perceptiva, como o sujeito de um comportamento, como ser no mundo ou existência" (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 470).

Esse conceito é reafirmado por Chauí (2003) que considera toda figura para nós perceptível como uma estrutura carregada de significados, e que nos fazem muito sentido. Por meio delas agimos no mundo, construímos nossa forma de se relacionar com todo ser vivo e empregamos características próprias de nossa personalidade a cada uma delas.

Para Nobrega (2008), a consideração da teoria de Merleau-Ponty dá conotação à percepção como um lugar de singularidade que considera as vivências próprias de cada indivíduo, a vasta pluralidade cultural, a interação com os outros em sociedade, os conflitos, as incongruências, o que torna mais evidente a necessidade da percepção e das vivências quando se quer chegar ao sentido de algo.

 

O MÉTODO FENOMENOLÓGICO E A PESQUISA EM PSICOLOGIA

A psicologia fazendo uso de uma técnica própria da ciência filosófica, aproxima os dois saberes na busca pela compreensão da essência. De acordo com Feijoo e Goto (2016) a ciência empírica não nos permite ter o conhecimento partindo de outras formas de entender a consciência para além dos fatos e do que pode ser observado, bem como o que pode ser experimentado, acentuando a necessidade da compreensão e inclusão da subjetividade inerente a todos.

Em consonância com essa proposta Husserl desenvolveu a fenomenologia, e para, além disso, também a psicologia fenomenológica, como um campo de estudo que busca clarificar a essência do psiquismo, para isso propõe a Redução Fenomenológica que só pode ser considerada como um método na psicologia se seguidas as etapas, conforme propõe Giorgi (2006), antes de tudo o pesquisador deve se comprometer com uma postura condizente com a atitude fenomenológica, que preconiza a suspensão (epoché) de conhecimentos prévios, em decorrência do assunto pesquisado, para em seguida situar o ponto principal que se quer conhecer, e somente assim fazer uso da variação livre da imaginação, orientando o fenômeno ao lugar em que se movimenta como fenômeno, encontrando seu significado, sua essência.

Esse processo deve ser seguido pelo pesquisador, segundo Feijoo e Goto (2016) para validar o conteúdo extraído da pesquisa, qualquer maneira que se diferencie da proposta por Husserl não pode ser considerada como fenomenológica.

Na psicologia a Redução Fenomenológica divide-se em dois tempos, o primeiro deles é o Envolvimento Existencial, onde o pesquisador pode se aprofundar em sua própria experiência relacionada ao que se pretende investigar, sem fazer uso de conceitos intelectualizados, permitindo emergir a subjetividade dessa interação, através da "intuição, percepção, sentimentos e sensações que brotam numa totalidade, proporcionando-lhe uma compreensão global, intuitiva, pré-reflexiva dessa vivência" (FORGHIERI, 2011, p. 60).

O segundo momento refere-se ao Distanciamento Reflexivo. Para Forghieri (2011) o pesquisador parte desse Envolvimento Existencial para um afastamento que o possibilite compreender, de modo que possa descrever o sentido e o significado da vivência em si, e apesar da divisão didática, ambos os momentos estão em interação contínua podendo ocorrer apenas uma variação de intensidade entre um e outro em determinado tempo.

Como limitação do método entende-se que o conteúdo da pesquisa se restringe aos participantes por ser de cunho fenomenológico, conforme afirma Coelho-Junior (2002) a vivência não pode ser transferida ao outro, pois é fruto da intencionalidade presente no consciente de quem a viveu, mesmo que englobe outros objetos. Este fato não minimiza a relevância da pesquisa em fenomenologia, pois essa aproximação com a subjetividade favorece o conhecimento mais aprofundado de sentimentos e ideias que constituem o ser e sua existência.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As narrativas foram analisadas com base na Redução fenomenológica proposta por Forghieri (2011) o Envolvimento Existencial e o Distanciamento Reflexivo, registrados nas versões de sentido, possibilitando compreender a percepção da pessoa internada e identificar os assuntos mais recorrentes. Os resultados apontaram temáticas comuns aos participantes dispostas através de 04 categorias: Família, Deus, Morte e Rotina Hospitalar.

Categoria 1 – Família

O termo família foi citado por 90% dos participantes. A pessoa internada em hospital necessita de acompanhante, quase sempre um familiar é quem desempenha esse papel. A sensação de ter o tempo de vida abreviado pela doença ou a consciência da gravidade de um acidente faz surgir na pessoa internada a necessidade de verbalizar e viver com maior intensidade os sentimentos, sejam em relação ao filho, cônjuge, pai, mãe, irmãos e outros na busca de solucionar conflitos pendentes, ou simplesmente dizer o que nunca antes foi dito.

Ao surgir a veracidade da doença pode haver aproximação entre os familiares, e para a pessoa doente pode vir a ser seu principal motivo de existência como apresenta Ricardo "O que me deu força foi pensar na minha mãe, no meu pai e na minha filha", ao falar sobre a família como sua fonte de esperança quanto a recuperação, e recordando seus primeiros dias no hospital, em que a dor o consumia fazendo-o desejar a morte, demonstrando um sentimento de profunda ligação com os familiares, agente motivador para lutar e resistir a toda a dor e vivenciar com eles momentos de felicidade futuros.

Socialmente a família é compreendida como referencial de apoio emocional nos momentos de conflito, sejam eles internos ou externos ao grupo, Vizzoto, Bonfin e Heleno (2006) entendem esse processo como uma situação capaz de gerar maior intimidade, promotora do crescimento e fortalecimento dos vínculos, resultando em uma família mais saudável psicologicamente, a forma de funcionamento aprendida pelas famílias como a afetividade, criatividade, identidade, a saúde mental e mesmo os cuidados básicos irão influenciar o resultado do uso do conflito para negativo ou positivo, como no caso do participante Fernando que relatou "considero muito o que o meu pai diz, e não estava muito bem com ele, tudo o que aconteceu nos aproximou". E como apresenta o participante Marcos quando fala sobre sua mãe "ela é quem fica comigo, eu agradeço muito a minha mãe, já falei isso para ela".

Em momentos como esse a presença da família representa o apoio emocional necessários no processo de enfrentamento da doença; Joelson diz: "Estou na companhia da minha filha, me sinto amado por minha família, sinto tristeza por ver algumas pessoas na mesma enfermaria sem ter um familiar para acompanhar", apontando para o paciente a sua frente que estava sozinho. Percebe-se no caso de Joelson que o conflito externo (a doença) produziu unidade, a presença dos familiares o faz sentir-se amparado, seguro, compreendido, um motivo de alegria para ele, pois o contrário seria a tristeza e solidão, como sentiu ao ver outro paciente sem acompanhante.

Para a pessoa internada a presença dos familiares representa sua história lida pelos demais, simboliza o amor, o cuidado, alguém importante carregado de significado, proporcionando a ele a oportunidade de resgatar memórias e compartilhá-las, fator importante para a sua saúde mental do paciente. A saudade da família, é uma das percepções citadas e se destaca pela intensidade das emoções que provoca no paciente, resultam em insônia, insegurança, amparo material aos familiares, medo e choro, bem evidentes no relato de Lívia e Lúcio. Lívia diz "o que me faz chorar é a distância do meu esposo, dos amigos, da minha família e do meu gatinho". Amorim (2012) diz que a emoção está implicada ao social, a cultura e ao contexto a que a pessoa pertence, exprime a afetividade em seu sistema relacional, o afeto da pessoa para com a família, trabalho, escola e outros, funcionando como constituintes do ser humano.

Lúcio fala sobre sua família "Tenho sentido muita saudade deles, eu sei que eles estão com minha mãe, mas não é a mesma coisa, todos esses dias sem 'ver eles', não tenho dormido, e preciso trabalhar tenho uma família", citando a filha de 4 anos e o filho de 1 ano, que não os vê a oitenta dias, mostrando preocupação com a segurança da família e com o filho que vai nascer, a vontade de abraçar e sentir a presença física dos filhos, além de expressar sua preocupação com a manutenção financeira, percepção vinculada ao contexto cultural a que pertence, em que o homem, provedor (material) da família é quem deve estar próximo dos filhos, e não outros familiares. O sentimento de estar impedido de sustentar a família gera sofrimento pela cobrança que ele faz de si pela ausência e principalmente ao relatar sua preocupação com o trabalho, Lúcio diz " preciso de um trabalho, pois não vou voltar mais para onde eu estava, é muito distante, não tem como ela (esposa) ter nosso filho lá".

Conforme destaca Lustosa (2007) muitas vezes a pessoa internada é quem desempenha o papel de mantenedor financeiro e principal fonte de apoio emocional da família, o desequilíbrio provocado é evidente, tornando intensa a necessidade de que alguém da família assuma esse papel aceitando ter a responsabilidade sobre as decisões antes realizadas pelo familiar adoentado.

A crise causada pelo adoecimento e internação pode gerar também uma percepção distorcida do conflito, e ocasionar a ausência da família no período de hospitalização, como uma punição ao familiar internado, Elizeu diz "No período em que fiquei internado (outro período), minha mãe permaneceu comigo, sei que meus irmãos não deixam ela vir (emocionado chorou), sinto falta dela, agora não recebo visitas de meus familiares, nem mãe, nem irmãos, somente uma sobrinha e minha filha estão alternando como acompanhantes", percepção também do participante José "o que me faz chorar é a ausência da família, tenho que depender de outras pessoas aqui e isso é muito ruim", inconformado com sua situação. Ambos acreditam que a ausência dos familiares se deve ao motivo do acidente, provocado por eles, com o objetivo de punir e fazê-los refletir sobre suas ações.

Categoria 2 – Deus

Deus é mencionado pelos participantes com distintos significados. Para uns, como autoridade que determina os acontecimentos, para outros como o pai amado, misericordioso, protetor e como o único que pode realizar milagres. A pessoa refere-se a Deus com base no conhecimento e entendimento que tem sobre quem ele é.

No hospital, a pessoa internada por vezes em sua reflexão acerca de si e dos acontecimentos caminha em busca das essências e verdades sobre a vida, admitindo não compreender tudo o que se passa, considerando a dependência de Deus quanto a Fé para o milagre, como relatado pelo participante Ricardo "Ás vezes eu fico pensando, porque aconteceu isso comigo?", pensa que o acidente poderia ter sido evitado por outras pessoas, mas prefere não falar sobre isso e sim pensar em sua recuperação, continua dizendo "Eu só penso que Deus vai me tirar disso tudo", trazendo em sua fala a percepção de que todas as coisas estão no controle de Deus mesmo que não as compreenda no momento.

Rocha (2014) esclarece que na tese cartesiana da livre criação das verdades, Deus é o criador de todas as essências e verdades, criadas na mente finita do homem e que por esse motivo o parecem contraditórias, e que somente através das experiências humanas, algumas dessas essências e verdades poderão ser acessadas. Nesse sentido, pode-se dizer que a ocorrência de doenças e acidentes são eventos incompreensíveis à mente finita humana, ao entendimento limitado, porém, é através da vontade infinita e ativa que o homem se torna capaz de produzir sua ação para a fé no seu Deus, e que apesar da limitação humana sobre a compreensão de todas as coisas e eventos adversos, e sobre a compreensão da natureza perfeita de Deus, o homem não está impedido de conhecer a natureza de Deus, seu saber absoluto, seu poder, retidão e perfeição.

O participante Fernando expõe: "Deus não me fez assim com um ferro na perna, então eu tenho fé que ele pode me curar", inquieto para ir embora deseja não realizar a cirurgia, acredita que sua perna está sarando, e como não nasceu com um ferro no corpo não quer aceitar a ideia de ter que conviver com isso, relatando os sonhos que teve em relação ao pretendido milagre.

Nesses casos a adesão que o paciente terá ao tratamento em função de sua fé no milagre poderá segundo Espíndula, Valle e Bello (2010) ser reforçada pela fala de líderes religiosos, diminuindo o valor e importância do tratamento, prejudicando a formação de vínculos entre o paciente e os profissionais de saúde, implicando no tratamento e possível abandono deste. Os profissionais de saúde expressam seu desapontamento quanto à ineficiência do tratamento nesses casos. Chauí (2003) enfatiza que algumas pessoas podem acreditar que o Criador manifesta fatos sem fazê-los afastar-se de seu mundo, o principal é escutar o que Deus lhes diz, já que dele procede o sentido primeiro e último de todos os fatos e do destino humano.

Nos relatos dos participantes que acreditam ser a vontade soberana divina que estejam internados, após a pergunta disparadora: - como você percebe sua vivência no hospital? José responde "acredito que tudo o que está acontecendo é obra de Deus, porque nada acontece por acaso na nossa vida, Deus sabe de todas as coisas, então não adianta a gente questionar Deus", ou como disse Lívia "Tudo o que está acontecendo é obra de Deus, nada acontece por acaso na nossa vida, e Deus sabe de todas as coisas, sinto-me grata a Deus pela oportunidade de ter tido mais uma chance de viver".

Ambas as falas são muito semelhantes e possuem em comum o entendimento da pessoa quanto ao Fatalismo divino sobre sua vida, como corroboram Strapasson e Dittrich (2011) é a ideia de que todos os eventos são impostos ao homem e este não pode agir para mudar o seu rumo; o inverso do conceito do Determinismo que é a correlação que os eventos no mundo têm entre si para acontecer, sejam naturais, funcionais, determinações divinas, e entre outros e apesar da mútua influência entre as ações e os eventos no mundo, inerentes ao determinismo, este não exclui a possibilidade de conceder ao homem sua parcela de responsabilidade por seus atos, sendo que no Fatalismo divino o participante percebe como uma afronta pensar na probabilidade de que Deus nada tenha haver com a causa de sua internação, rejeitando-se a assumir a responsabilidade pela consequência de suas escolhas.

Outra percepção acerca de Deus diz respeito aos hábitos, crenças e rituais que a pessoa internada busca realizar para manter a proteção, como a oração, congregar e a leitura bíblica, ações carregadas de sentido, capazes de amenizar seu sofrimento, Marcos relata "Tudo o que aconteceu me fez refletir que me afastei da igreja, eu fazia parte do grupo de jovens, e quando quebrei o fêmur, também estava afastado, então eu vejo como uma oportunidade, Deus quer o melhor para mim". O participante parece sentir-se mais protegido dos perigos no mundo por estar congregando. As atividades como ir à igreja também surgem nesse contexto como fatores que aproximam a pessoa de Deus, um chamado, despertamento ou aviso acerca dos acontecimentos desagradáveis, como corrobora Chauí (2003) "a vontade divina pode torna-se parcialmente conhecida dos humanos na forma de leis, isto é, decretos, mandamentos, ordenamentos, comandos emanados da divindade" (p. 256).

Para outro participante representa a proteção e a oportunidade de reencontro consigo e reconciliação com Deus. José disse: "Deus me mostrou que ainda tem planos para mim, não terminei minha obra aqui na terra, tem pessoas que estão com doenças graves e não tem cura, sou muito grato a Deus de ter me dado outra chance na vida". Para Oliveira e Junges (2012) a forma com que a pessoa interpreta suas experiências e o sentido que dá a elas, a afetividade ou intelectualização do ocorrido poderão determinar o benefício da espiritualidade ou religiosidade em sua recuperação. O participante José demonstra otimismo e confiança em Deus, almejando sua recuperação e o cumprimento dos projetos de Deus para sua vida, na expectativa de algo novo, encontrando um novo sentido para sua existência.

Não foram citados líderes religiosos, santos ou denominações como provedores do milagre, da fé ou espiritualidade. A palavra religião foi mencionada por um participante somente para esclarecer que ele não possui religião e que acredita em Deus, o participante Marcos citou a palavra igreja (local de congregação) como referência a sua aproximação de Deus. Todos os participantes que mencionaram Deus eram unânimes em falar do relacionamento com ele, sem interlocutores para isso.

Categoria 3 – Morte

Os participantes citaram a palavra morte como medo diante da doença, outros como a possibilidade de finitude precoce, na proximidade do encontro com o desconhecido e como a continuidade do ser.

O ser humano tende a não pensar sobre sua finitude, de seus familiares e amigos. Percebe-se que as pessoas não estão preparadas ao enfrentamento dessa ocorrência, que surpreende com sua chegada repentina.

Vemos essa afirmação no que a paciente Rebeca diz sobre a morte, "Sempre ouço gritos, pedidos de ajuda ou vejo óbitos", descrevendo sua rotina no hospital, expressando em poucas palavras o medo que a internação provoca, os comentários de outros pacientes sobre a morte de alguém a deixam inquieta, continua dizendo "fico trêmula, peço que não me falem se alguém morreu", e comentou sobre o centro cirúrgico, "as pessoas entram andando e saem mortas de lá".

O relato mencionado sinaliza a consciência de que a morte foge ao controle humano e que pode acontecer de forma repentina, onde não se tem tempo de organizar as coisas, ou a quem delegar a reponsabilidade e o cuidado pelas pessoas amadas, como os filhos, trazendo à tona o sentimento de impotência. Rebeca sente medo de ser surpreendida, mesmo relatando que sua situação não possui uma gravidade maior do que de outros pacientes, e sabe que está estável.

De acordo com Costa (1999, citado por Hohendorff & Melo, 2009) o homem é incapaz de imaginar a sua própria morte, mesmo sendo um evento presente em todo o curso da existência humana, não podendo ser evitada, como disse Marcos "senti medo da morte, fiquei desesperado, as pessoas tentavam me acalmar, e eu não aceitava ficar sozinho". O desespero de pensar que poderiam ser seus últimos momentos de vida foi sufocante, e por ser a morte para ele como uma passagem, uma continuidade do ser em outro lugar no céu ou inferno, para Marcos não lhe restava alternativa senão o inferno, dizendo ele "eu estava afastado de Deus", pois durante a internação se reconciliou com o seu Deus.

A Morte é para Marcos representada como destino, estágio último da experiência na terra. Farias, Santos e Patiño (2017) elucidam que as narrativas acerca da vida eterna estão relacionadas a um constructo coletivo vinculado as instituições. Podemos considerar como instituições as diversas denominações religiosas, a tradição cultural, e outras ideologias presentes na sociedade, no que se refere a Marcos vincula-se a instituição que ele chama de "igreja", referindo-se a uma denominação cristã. A ameaça ao corpo, a sensação do perigo, a possibilidade da não recuperação e a morte despertam a necessidade de cuidar da dimensão espiritual, o anseio de que algo possa ser salvo, dando espaço ao sentimento de estabelecer a comunhão com um ser que pode sarar o corpo e a alma. A doença desperta a crença em Deus de assegurar a vida eterna no céu, superando a tão temida Morte.

O participante Ricardo recorda "quando eu vi meu corpo hoje, e lembrei como estava, principalmente nos primeiros dias na hora do curativo, eu pensei, por que estou aqui? Preferia ter morrido na hora", nesse momento o paciente emocionado chora, percebendo a morte como finitude precoce. É notório o desejo da morte quando Ricardo percebe que seu estado de saúde é grave, quando a dor o fazia pensar por vezes que preferia ter morrido, mesmo sendo ainda jovem, e na medida em que a intensidade da dor física diminuía seu sofrimento psíquico também ao perceber o quanto sua saúde melhorava, ele pensa e diz "hoje eu não quero mais morrer como pensei nos primeiros dias que cheguei aqui".

No princípio da fase adulta as pessoas traçam seus projetos de vida seguindo com firmeza seus caminhos e construindo suas próprias famílias, ficam apreensivos para viverem tudo aquilo que projetaram, e para o que vinham se organizando. Nesses casos Papalia e Olds (2000 citado por Hohendorff & Melo, 2009) consideram que a morte pode ser enfrentada como causa de frustação, pois é difícil de compreender a existência de um evento contrário ao que se acredita ser o curso da vida, isso porque a morte faz com que o adulto se encontre com sua finitude em um tempo no qual as pessoas lidam com questões do começo da idade adulta.

Conforme Angerami-Camon et al. (2000), a pessoa que pensa a respeito de sua história, sobre suas perspectivas existenciais, se depara com fatos reais em que a angústia é inevitável, mas que passa a ser benéfico, na medida em que como ser humano passa a ter consciência de que a vida é carregada de circunstâncias, como a morte, o isolamento, o tédio, sendo diversos e diferentes os eventos que nos induzem a condições de dor muito intensa.

Categoria 4 – Rotina Hospitalar

Os relatos dos participantes evidenciaram as percepções sobre a infraestrutura do hospital, o atendimento da equipe médica e as relações com os outros pacientes.

Após a pergunta disparadora, a participante Rosiane diz "Não está nada bom né, este desconforto todo que tem aqui, nem banheiro tem na enfermaria, a gente tem que ir tomar banho em outra enfermaria e fica muito ruim", mostrando sua surpresa com as condições de algumas enfermarias, como se ainda não pudesse acreditar que estava vivendo a situação, "só depois de quatro dias no corredor que eu vim para uma enfermaria", precisando conter sua indignação para permanecer no hospital.

A participante Rosiane percebe todas as dificuldades da infraestrutura do hospital com muita aversão, tendo que se conformar com a realidade para permanecer internada e receber seu atendimento cirúrgico, pois apresentava constantemente em sua fala o quanto gostaria de ir embora, "eu poderia ter ido em casa agora no Natal, só que quando eu voltasse já teria outra pessoa no meu lugar, aí eu ia ficar no corredor de novo", preferindo se conter e suportar.

Ao responder à pergunta disparadora o paciente Elizeu diz "está sendo ruim, porque estou com a coluna fraturada, não posso me locomover, e não tem cadeira para o acompanhante, sem banheiro em algumas enfermarias, muita gente em uma enfermaria só".

Lívia fala "em relação ao hospital estou sendo bem tratada durante esse período de 22 dias internada". O paciente Ricardo também afirma em seu relato que o atendimento hospitalar e a equipe de enfermagem atendem os pacientes com cuidado, e descreve "as enfermeiras fazem de tudo para cuidar bem de mim e eu não tenho o que reclamar desde que cheguei aqui no H.E".

A percepção dos participantes demonstra a inquietação com a infraestrutura do hospital, sendo que o atendimento da equipe médica tem atendido suas expectativas. Muitas situações acontecem ao mesmo tempo, e fazem com que o profissional nem sempre esteja tão atencioso e bem para atender, "é o estresse da correria" como disse Rosiane, e "não é falta de boa vontade". Para Ferreira, Souza, Assis e Ribeiro (2014) há na relação do profissional com o paciente uma troca de sentimentos, que ajuda na promoção da saúde do doente, o atendimento com uma equipe multidisciplinar e o trabalho interdisciplinar possibilitam ações mais eficazes, respeitando as necessidades, opiniões, percepção, cultura e valores deste indivíduo quanto ao adoecimento.

A velocidade dos acontecimentos no Hospital de emergência movimenta todos os setores. Esse atendimento define o local de tratamento da pessoa podendo ela permanecer na unidade até receber alta médica. Frente à demanda, é quase impossível que o paciente seja atendido em todas as suas necessidades. Para Giglio-Jacquemot (2005) profissionais e usuários possuem perspectivas diferentes sobre urgência e emergência, e por vezes o paciente necessita de determinado atendimento que a seu ver é uma urgência, a equipe do hospital compreende como algo que pode esperar, gerando um conflito entre usuários e servidores, que precisa ir aos poucos sendo solucionado.

A demanda de emergência cria situações como relatado por Rebeca "já vieram me buscar duas vezes para fazer a cirurgia e quando já estou preparada e na fila de espera do centro cirúrgico chega outra pessoa mais grave, aí eu não faço a cirurgia e retorno para a enfermaria", situação que prolonga o período de internação, causa ansiedade e angústia pela espera sem prazo e implica no replanejamento da pessoa para sua vida.

Angerami-Camon et al. (2009) chamam a atenção para eventos como esse, pelo risco de serem vistos como naturais, deixando o paciente sem escolha e tendo que concordar. As percepções dos participantes foram evidenciadas estando mais relacionadas ao suporte estrutural que o hospital poderia oferecer que tornaria o atendimento melhor, e o paciente não permaneceria internado para além do tempo necessário.

O fato de ficar internado, e por vezes por um longo período, faz com que a pessoa crie vínculos interpessoais com os demais pacientes da enfermaria, Marcos relata "dentro do hospital a gente aprende a ser bom com as outras pessoas, se eu poder ajudar eu ajudo, a gente aprende a ser mais humano, acredito que todas as pessoas que estão aqui sempre ajudam umas às outras".

Marcos tem uma percepção de ser empático, como ele disse "eu já fiquei internado durante trinta dias aqui no HE quando eu quebrei o fêmur, e foi muito difícil ficar sem andar, eu dependia das outras pessoas, quando vejo assim o que eu poder fazer eu faço". A experiência anterior faz com que ele se sensibilize com as outras situações, vem à mente o quanto foi difícil para ele, e a diferença que faz a ajuda recebida.

O envolvimento relacional com o propósito de amenizar o sofrimento alheio é um fator de confronto e aceitação, pois na medida em que se ajuda o outro, a pessoa também entende que precisa ser ajudada, e se precisa é porque suas próprias forças ou conhecimento não podem fazer. Nesse momento, percebe o quanto é frágil e que é igual ao outro. É como se a doença, levando-o para fora de seu contexto habitual, e colocando-o em um lugar procurado somente em momentos difíceis, revelasse sua pequenez e sua transitoriedade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A necessidade de cada participante em expressar como estavam vivenciando o processo de hospitalização foi evidente em como se sentiam à vontade conosco e demonstravam que era uma atitude diferenciada chegarmos até eles para escutá-los e possibilitar a fala. Por esse motivo, a importância do espaço para que a pessoa internada expresse suas emoções é fundamental. Entendemos que esse acompanhamento nas enfermarias precisa ser realizado com maior frequência pelo profissional psicólogo, considerando que ao aproximar a pessoa da afetividade, quanto aos sistemas que compõe sua vida dada à internação que o afasta deles, permite que o paciente verbalize o que sente e tenha consciência das mudanças.

Compreendemos que os resultados da percepção sobre a família, apesar de seus desdobramentos transportou a essência do vínculo afetivo vital, do amor, e mesmo na ausência o sentido era o mesmo, a família entendida como apoiadora incondicional nos momentos mais difíceis.

Segundo Forghieri (2007), as situações mais agradáveis tornam a compreensão do significado mais rápida, por outro lado existe uma tendência a evitar o que provoca sensações de tormenta. Dentre as categorias Família, Deus, Morte e Rotina Hospitalar, a categoria Morte é a que se aplica como a mais desagradável, revelando as sensações provocadas pelo medo de pensar e receio em pronunciar a palavra morte, nesses momentos foi necessário que facilitássemos ao participante a compreensão do que ele estava a expressar atemorizado.

Na categoria Deus, a percepção de que todos os acontecimentos possuem um propósito divino apareceu na maioria dos relatos com um sentido Fatalista. A doença se apresentava como razão de algo maior no futuro, um propósito ainda não revelado e que não deve ser questionado. Alguns participantes tiveram esse mesmo entendimento, porém o que os diferenciava era ter a consciência do propósito como um chamado para atentar a vida espiritual e ao relacionamento com Deus.

Observamos que os profissionais do hospital com quem tivemos contato reconhecem a importância do atendimento psicológico aos pacientes. Todos nos deixaram a vontade, alguns médicos ao perceber que estávamos realizando a escuta se aproximavam com cautela como se não quisessem interromper o processo. Aos usuários do hospital, a atuação do setor de psicologia é bastante eficaz, na realização dos atendimentos individuais buscando acolher paciente e familiar.

A necessidade da assistência psicológica é fundamental à pessoa internada. Comprovamos essa afirmativa pela intensidade e número de vezes que fatores como relacionamento familiar, interpessoal, crenças, sensações e emoções se apresentaram comparados a fatores como infraestrutura do hospital, atendimento médico, serviços de limpeza, alimentação, acomodação e outros.

Contudo, entendemos que há um extenso campo a ser melhor analisado e pesquisado, o assunto é inesgotável, pois abarca a subjetividade humana, condição inerente ao fazer do profissional psicólogo, tanto nos atendimentos quanto na realização de produções científicas. Assim sendo, concluímos que não basta conhecer o caminho, é preciso compreender o caminho, ter um olhar mais atento à pessoa internada. Um olhar, sobretudo mais humano.

 

 

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Nota sobre os autores

Gisele Batista Silva Santos - Graduada em Psicologia pelo Instituto Macapaense de Ensino Superior (IMMES). Psicóloga na Clínica Espaço Psicoterapêutico Ressignificar. E-mail: giselebaptista01@hotmail.com

Benezuete Brito dos Santos – Psicóloga, Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (FATECH). Pós-graduada em Ciências da Educação (Faculdade Atual). Professora de Educação Especial no Centro de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação CAAH/S – AP. E-mail: benezuete@hotmail.com

Jefferson dos Santos Melo – Psicólogo, Especialista em Saúde Mental pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Docente da Faculdade Macapaense (FAMA) e do Instituto Macapaense de Ensino Superior (IMMES), funcionário público efetivo do estado do Amapá. Email: jefpsicologo@yahoo.com.br

 

 

Recebido em: 22/02/2019
Aprovado em: 20/02/2020

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