SELETA DE COMUNICAÇÕES

 

 

Psicopatia, violência e crueldade: agressores sexuais sádicos e sistemáticos

 

Psychopathy, violence and cruelty: sadistic and systematic sexual aggressors

 

 

Maria das Mercês Maia Muribeca

^I Centro Universitário de João Pessoa

Endereço para correspondência

 

 

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RESUMO

Entender o desejo expresso no comportamento dos agressores sexuais sádicos sistemáticos ou hiperviolentos não é tarefa fácil, especialmente quando adentramos na seara dos homicídios, em que a violência e a crueldade se fazem ver tão cruamente entrelaçadas em sua relação com a sexualidade e a morte. A experiência psicanalítica é convocada a se ocupar do que fundamenta ou origina o sofrimento e a dinâmica das ações humanas, a qual é sempre de cunho abstrato e subjetivo. Nessa vertente do pensamento e para além da ânsia de encontrar respostas aos interrogantes da vida, mergulhamos no mundo dos psicopatas criminosos sexuais com a intenção de compreender: por que não lograram êxito na missão de cumprir sua inserção no processo civilizatório? Por que existem falhas na montagem do supereu, na construção de sua personalidade, na composição de sua psicossexualidade? Por que se aprisionam num universo de violência e crueldade em relação a suas fantasias sexuais, em que a hostilidade e o sadismo fiam e tecem as linhas de um gozo mórbido? Psicopatas, homicidas sexuais: crime, violência e crueldade. Adentremos!

Palavras-chave: Psicopatia, Violência, Crueldade, Agressores sexuais.

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ABSTRACT

Understanding the desire expressed in the behavior of systematic or hyperviolent sadistic sexual aggressors is not an easy task, especially as we enter the area of homicides, where violence and cruelty become intertwined in their relationship to sexuality and death. The psychoanalytic experienceis called upon to deal with what underlies or gives rise to the suffering and the dynamics of human actions, which is always abstract and subjective. In this line of thought, and in addition to the eagerness to find answers to the questions of life, we immerse ourselves in the world of sex criminal psychopaths with the intention of understanding: why they did not succeed in their mission to fulfill their insertion in the civilizing process? Why are there failures in the assembly of the superego, in the construction of its personality, in the composition of its psychosexuality? Why are you imprisoned in a universe of violence and cruelty in relation to your sexual fantasies, where hostility and sadism spin and weave the lines of a morbid enjoyment? Psychopaths, sexual homicides: crime, violence and cruelty. Let’s look closer!

Keywords: Psychopathy, Violence, Cruelty, Sexual aggressors.

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Ser gentil é uma decisão,
uma estratégia de interação social;
não um traço de caráter.
GAVIN DE BECKER

 

Um convite a interdisciplinaridade

Há tempos a psicanálise vem escutando o ser humano, enquanto sujeito de desejo e, através dele, a cultura. Nesse sentido, cada vez mais, impõe-se a necessidade de criarmos espaços de intercessão e interlocução entre os diversos campos do saber. A psicanálise e a criminologia, por exemplo, entrelaçam um novo olhar no que concerne ao entendimento da conduta humana e, certamente, essa junção visa o alumbrar de um percurso bastante ousado em suas articulações teóricas, o que nos leva a explorar mundos completamente divergentes e convergentes, numa dialética instigante e intrigante à pesquisa e ao questionamento.

A psicanálise é convidada a se ocupar do processo de construção da subjetividade humana, a qual é não um construto natural nem biologicamente dado, mas submissa às intempéries de uma história singular, que não se deixa predizer de antemão. A experiência psicanalítica se dedica ao que origina o sofrimento e a dinâmica das ações humanas, considerando-os em sua natureza abstrata e subjetiva. Nesse sentido, seu olhar é direcionado para as transformações de um devir singular, que marca um tempo particular na vida de cada ser humano.

Portanto, não é tarefa fácil desentranhar as origens do desejo intrapsíquico, expresso no comportamento dos agressores sexuais sádicos e sistemáticos, cuja violência e crueldade se fazem ver tão cruamente entrelaçadas em sua relação com a sexualidade.

Por saber da ligação que a pulsão sexual mantém com a violência e o sadismo, buscamos subsídios para investigar as fantasias eróticas que induzem sujeitos homicidas sexuais a cometer seus crimes de cunho perverso. Somos cônscios de que a psicopatia não guarda uma relação tangencial com essa modalidade delitiva e que as motivações de um criminoso sexual em série são demasiado complexas para ser analisadas na particularidade de apenas um viés de entendimento.

Sem embargo, a escrita deste artigo irá debruçar seu olhar sobre os agressores sexuais na linhagem psicopática.

 

Agressividade, violência e crueldade: uma diferença necessária

Nossa civilização repousa, falando, de modo geral,
sobre a supressão das pulsões.
Cada indivíduo renuncia a uma parte dos seus atributos:
a uma parcela do seu sentimento de onipotência
ou ainda inclinações vingativas
ou agressivas de sua personalidade.
Dessas contribuições resulta o acervo cultural
comum de bens materiais e ideais.
SIGMUND FREUD, ([1930/1929] 1996)

As diversas cenas de agressividade, violência e crueldade, que são tecidas e assistidas na contemporaneidade, formam um mosaico de ações e reações em diversos níveis do saber, em múltiplas interpretações do privado ao social. Nessa tecelagem multifacetada das relações humanas, esconde-se e se evidencia o estranho-familiar, o Isso [Id] oculto e revelado em pensamentos e atos que, diuturnamente, envolvem corpo e alma de multidões de seres humanos que transitam incógnitos nas ruas da humanidade.

Portanto, desde tempos imemoriais, a categoria humana se debate com os conceitos teóricos de uma prática muitas vezes comprovada em sangue e lágrimas. E é nesse eterno debate, e na própria essência da dialética de um saber que não se sabe, que nos perguntamos: diferença faz diferença?

Acreditamos que, ao menos na intenção de varrer a teia de aranha incrustada no pensamento, é bom aclarar alguns conceitos. Calcados numa visão psicanalítica e cientes de que essa é uma questão controvertida, tentaremos distinguir os campos da agressividade e da violência.

Por conseguinte, entendemos que a agressividade se situa no campo da biologia e está relacionada com o instintivo, imbricada em cargas genéticas das quais as diferentes espécies animais (irracional e racional) estão dotadas por natureza. De sorte, a agressão é inerente ao humano, fruto de uma herança filogenética da espécie, recheada de reações neuroquímicas ligadas à ação; força que impulsiona o homem a lutar pela sua sobrevivência, pela procriação e pela perpetuação da espécie.

A violência é a agressividade utilizada para fins destrutivos; é a expressão patológica de um impulso agressivo desproporcionado. Configura-se, assim, como uma perversão da agressividade: uma violência autodestrutiva, voltada para o interior do psiquismo, e outra heterodestrutiva, voltada para o exterior do psiquismo. Desse modo, a agressividade transbordante e caótica se torna visível sob duas formas de violência: o masoquismo e o sadismo. Existe ainda uma forma perversa da violência: a crueldade. Em suma, a violência se situa no campo do pulsional, permeada por desejos inconscientes que movem o ser humano a uma reação frente ao enigmático.

Nesse aspecto, o regurgitar da hostilidade nas relações humanas se torna ainda mais evidente por estarmos inseridos numa cultura da violência que, de quebra, tem como correlato no sujeito a cultura do narcisismo, promovendo a construção de sólidas barreiras entre nós e os outros.

Portanto, narcisismo, egocentrismo e alienação são traços significativos de nossa cultura, em que o mal se torna banal. Deixar-se morrer ou deixar morrer são expressões dessa indiferença. Em pleno século XXI, imergimos numa sociedade de funcionamento psicopático, em que os fenômenos da banalidade do mal, da vulgaridade da morte, da anestesia moral, da trivialidade da violência e do torpor do capitalismo se fazem eminentemente presentes nessa bem nutrida cultura do individualismo. Daí que a patologização da agressão logo se faz presente no ataque de índole: físico, psíquico ou sexual, pois a violência é sempre instigada pela interlocução entre humanos, tão caracterizada pela confusão de idiomas emocionais.

A questão do narcisismo é levada em consideração na hora de diferenciar a agressividade da violência porque, para a agressividade, o outro ocupa um lugar que é o da autoridade, ao passo que a violência desqualifica e anula o outro. Logo, quando ocorre um aumento do narcisismo, na perspectiva da relação entre o outro e o sujeito, a violência é acentuada. Portanto, o culto aos ideais narcísicos acirra ainda mais a cultura do individualismo, do egocentrismo e do hedonismo (VILHENA; MAIA, 2002).

Freud, em seu artigo O mal-estar na civilização ([1930] 1996), menciona que a violência humana é equivalente ao devir pulsional ou psicossexual, caracterizados pelo autoerotismo, pelo narcisismo e pela eleição de objeto.

Nesse sentido, afiança que a história da civilização humana nos ensina que a crueldade e a pulsão sexual estão intimamente ligadas; que a sexualidade da maior parte das pessoas exibe uma mescla de agressão e de tendência à dominação; que o sadismo corresponde a um componente hostil da pulsão e compreende desde uma posição ativa e dominadora do objeto sexual até a satisfação por meio da humilhação e da violação do mesmo.

Quando falta no indivíduo a capacidade de sentir compaixão pela dor do outro, então há o perigo de que a ligação infantil da sexualidade com as pulsões cruéis se mantenha para sempre erotizando, assim, a crueldade.

A satisfação pulsional, que opera no exercício da violência, é uma satisfação por excelência de tipo autoerótico, que corresponde ao modo de funcionamento de uma sexualidade anárquica, não integrada ou não ligada e sem nenhuma consideração pelo objeto. A junção da violência com a crueldade é, por excelência, uma autodestruição, na medida em que é, antes de tudo, uma aniquilação da própria atividade psíquica ou da própria capacidade de pensamento e, portanto, da possibilidade da construção de um espaço intrapsíquico próprio, não submetido por inteiro (ou em grande parte) à estrangereidade do inconsciente. A violência e a crueldade são um exercício pulsional direto, sem contenção (GUTIÉRREZ, 2002).

Nesse sentido, a crueldade praticada pelo perverso abole qualquer sensibilidade ética em relação ao corpo do outro. Portanto, a violência coisifica o outro, transformando-o em instrumento de satisfação, devido à impossibilidade de reconhecê-lo como sujeito de desejo, possuidor de sua própria alteridade.

As cenas de agressão sexual sádica envolvem o domínio do corpo do outro. O autor do crime perverso não rouba a vida do objeto de seu gozo, mas sim a alteridade do outro. Sua agressividade é voltada para o exterior, numa tendência a se tornar senhor do outro para chegar a seu fim: para reviver na atualidade ativa de seu ato a passividade sofrida outrora.

Freud ([1930] 1996) destaca que o homem pode extrair prazer do abuso, do excesso da violência exercida sobre o outro, transformando a agressividade e a crueldade de praticar a violência numa zona permanente de prazer, na obtenção do gozo. A violência remete ao conceito de poder, em que o mais forte abusa do mais débil. Sua intenção é paralisar, humilhar, dominar e submeter o outro ao seu poder.

A mais nítida e cruel expressão dessa violência é a invasão e a destruição da liberdade, da dignidade, da vontade, da alteridade da vítima, transformando-a em puro objeto do seu gozo perverso. Tornando-a produção de seus efeitos de fantasia e malignidade.

Em resumo, se a questão da agressividade remete à ordem da autoconservação, então a violência (enquanto objeto de estudo da psicanálise) tem uma estreita vinculação com a psicossexualidade e está no plano do pulsional. Nesse contexto, a crueldade também tem um vínculo interno com a sexualidade.

A violência dá conta da impossibilidade de transformar o pulsional erótico em pulsional terno ou amoroso, o que a conduz a se apropriar do objeto ou do outro sem ter em conta nem sua existência, nem seus interesses e desejos próprios. Não devemos confundir o que é especificamente humano com o que pertence ao mundo animal, ou seja, não se deve reduzir o psicossexual ao instintivo e ao genitalizado.

Seguindo essa linha de pensamento, podemos dizer que não há seres humanos constitucionalmente violentos, posto que a violência se estabelece no devir do intrapsíquico, devir que não se constrói a partir de ou tomando como impulso o natural.

Para a psicanálise, não há uma continuidade entre a natureza e o humano, mas uma clara ruptura, até o ponto em que a vida intrapsíquica se funda sobre um transtorno da ordem natural e de que essa descontinuidade ou ruptura, necessariamente traumática, é o verdadeiro motor da vida humana, aquilo que põe em movimento a constituição de um aparato intrapsíquico (GUTIÉRREZ, 2002).

O ser humano deve ser pensado como um ser cuja existência é social. Ao nascer, já perde boa parte de seu ser de natureza por adentrar num universo cultural já preexistente ao seu surgimento, sendo compelido a passar pelo processo de inserção na cultura e no mundo da linguagem, condição necessária para se tornar um ser humanizável.

Nesse sentido, os seres humanos são agressivos por natureza e pacíficos por cultura, como fruto da domesticação de suas pulsões mais desregradas. Sem embargo, nem sempre esse processo de inserção na cultura é bem-sucedido, pois deixa evidentes resíduos comportamentais dessa falha. Alguns seres humanos viverão dentro de uma experiência humana, mas não possuirão o efeito humanizador do processo (FARIAS, 2010).

Em síntese, a hostilidade é um sentimento tributário das pulsões tanáticas, que se irrompem no contato entre humanos, ou seja, é através das relações humanas que ela pode eclodir em afetos violentos, sádicos e cruéis, sobretudo em sujeitos cujo processo de humanização não vingou.

E nesse universo muito particular dos psicopatas assassinos sexuais em série, é visível que não lograram êxito na missão de cumprir sua inserção no processo civilizatório. É ainda crucial lembrar que, nesses casos, existe uma falha na construção da psicossexualidade, gerando transtornos parafílicos no fluir do desejo sexual.

 

A transgressão e a lei do desejo sexual na violência e na crueldade

Você é um demônio?
Sou um homem.
Portanto, tenho dentro de mim
todos os demônios.
GILBERT KEITH CHESTERTON

A sociedade contemporânea se vê confrontada a cada instante com relatos de crimes horrendos, praticados com uma gosma tal de crueldade que dificilmente se concebe argumentos cabíveis de explicação plausível para justificar tamanha perversidade. Nesse sentido, o ato perverso é rapidamente associado ao mal absoluto, mas por um efeito irônico tão inexplicável quanto a sua prática é o efeito banal que a maldade toma lugar nessa mesma história.

O ato transgressor surge quando o sujeito não consegue, de forma alguma, dar conta desses impulsos destrutivos, estabelecendo uma representação muito peculiar com a realidade. O termo “transgressão” vem do latim transgredere, que significa: ir ou passar além de; infringir; quebrantar; violar. É utilizado no sentido de ir além do que é permitido, de deixar de cumprir a ordem e a lei.

Nesse contexto, transgredir é desviar em direção àquilo que a cultura não aceita como norma, àquilo que os homens proíbem justamente por sabê-lo demasiadamente humano. Existe transgressão quando o sujeito se desloca para territórios inesperados, que tangenciam o proibido, desenvolvendo, assim, uma ordem de valores e significados, na qual a transgressão adquire um determinado sentido e se torna, em dado momento da sua história, uma modalidade de vida.

A criminalidade, portanto se situa no campo do desejo, pois tem um significado para quem a pratica. É a expressão da pulsão de destruição, que marca e assina o destino da angústia transbordante no seio do psiquismo de quem ultrapassa as fronteiras da transgressão. O ato criminoso é, portanto, a tentativa de inscrever algo que se encontra solto na história mítica do sujeito (FARIAS, 2010).

Entrelaçado numa eterna ambivalência entre ‘sujeito de desejo’ e ‘ser de cultura’, o homem desenha a sua história. Saindo do silêncio de suas fantasias para a passagem ruidosa de seus atos perversos no real histórico de outras vidas, invoca o mal. O ato de torturar, estuprar e matar marca um tempo, um antes e um depois.

Na visão psicanalítica, devemos investigar, cada caso individualmente e averiguar sua implicação subjetiva em relação ao crime, posto que é preciso dar ênfase à história singular de cada transgressor (SUSINI, 2006).

 

Psicopatas: agressores sexuais sistemáticos e hiperviolentos

A vítima está sempre alheia ao mal.
FRIEDRICH NIETZSCHE

Como vimos antes, a violência é um dos destinos da pulsão de morte. Ela aparece como a manifestação da pulsão de domínio – pulsão de destruição ou vontade de poder e está associada à crueldade, ao sadismo e ao ódio. Os crimes sexuais ocorrem e continuarão a ocorrer independentemente da cultura e da época ou de qualquer movimento que se crie, porque o mal e o bem existem desde o momento príncipe da existência do humano.

Essas mesclas psíquicas da maldade e da bondade, do ódio e do amor, quando são alimentadas em conjunto transformam-se em forças em equilíbrio, mas quando alimentadas em separado, vivem com ardor aquela força cujo autor do desejo nutra com mais frequência. O homem é um predador, isso é um fato; alguns, porém, irão fantasiar e sublimar enquanto outros irão fantasiar e praticar. Um desejo predatório não respeita fronteiras.

O psicopata, segundo Robert Hare (2013), é alguém que sabe o que faz, mas não sente nenhum tipo de remorso ou arrependimento. Entende as normas da sociedade, mas não sente empatia por ninguém. É mentiroso e manipulador de uma maneira natural e consegue, com isso, enganar a todos que o rodeiam. O psicopata é como um ator que interpreta o papel que lhe convém para alcançar seus objetivos. E por ter muita necessidade de autogratificação, é capaz de infringir sofrimentos incalculáveis às suas vítimas.

O psicopata agressor sexual pensa e se excita antes de agir, pois o abuso sexual é um ato compulsivo e cíclico, portanto sua repetição tem um efeito aditivo e se transforma num sistema de crenças estáveis e resistentes à mudança. A cada nova agressão sexual, incrementa a violência contra as vítimas. A vulnerabilidade da vítima faz com que ele se sinta invencível. Sua submissão faz com que se sinta dominante. Vê-la morrer faz com que se sinta vivo.

Quando um agressor desse porte estabelece uma pauta de execução, é improvável que a altere. Ele adere, com muita celeridade, ao esquema traçado em sua mente, aferra-se a sua própria maneira de atuar. Sente-se frustrado e irritado, quase desnorteado, quando se desvia de suas próprias normas. Age sempre guiado pelas mesmas moções pulsionais. Precisa de tempo no planejamento de sua ação (modus operandi), que às vezes pode alterar ligeiramente visando seu aperfeiçoamento. Seu ritual pode ser incrementado segundo as exigências de suas fantasias, mas o resultado final, sua assinatura, é sempre imutável. Outro detalhe importante a destacar é a necessidade imanente de guardar objetos de suas vítimas para a posteriori poder reviver na masturbação seus momentos de poder e controle (RESSLER; SHACHTMAN, 2005).

Aprendemos com o passar do tempo que a certeza é algo que poucas pessoas têm no mundo. Portanto, calcados na premissa de que a série de assassinatos sexuais sádicos e sistemáticos nos quais os psicopatas embarcam é uma espécie de reconstrução de sua própria história de vida, podemos entender que o assassinato em si mesmo não tem nenhuma explicação racional.

O criminoso sexual está reproduzindo uma experiência pessoal, e suas vítimas são apenas personagens de suas fantasias e não existem para ele em sua alteridade.

Nesse sentido, o desejo erótico propulsor de suas fantasias sexuais está ancorado na trajetória da construção de sua subjetividade e na interlocução entre seu mundo interno e a realidade externa.

Sentindo-se incapaz de resistir a suas fantasias, o psicopata vai fazer a passagem ao ato, experimentando na realidade aquilo que imaginou em sua mente uma e outra vez, como uma forma de compensar as agressões sofridas na infância ou na adolescência, repetindo-as em suas fantasias, não mais como vítimas, mas como agressor.

É importante destacar que o componente sexual destes assassinatos não está relacionado com uma sexualidade normal, senão que engloba um amplo espectro de satisfação perversa de caráter sexual. A vingança, a expressão de poder e a dominação são elementos que estão presentes, entre outros similares, no ato de matar, assim como a necessidade de humilhar sexualmente a vítima e inclusive de degradá-la a uma categoria inferior a de objeto. Quando os assassinos agridem ou mutilam um corpo, estão expressando seu desejo de despojá-lo de todo vestígio de humanidade (RESSLER; SHACHTMAN, 2005, p. 80).

Em epítome, seus motivos são obscuros para o espectador de seus crimes, pois é a mente do criminoso que cria um argumento único que se desenha e se entrelaça em suas próprias entranhas. A razão pela qual ele pratica seus crimes não se explica pelas emoções habituais, com as quais a maioria dos operadores de segurança pública estão acostumados a classificar os crimes diuturnos por eles atendidos e que costumam ser motivos evidentes de homicídio.

 

Agressores sexuais sistemáticos no cárcere e possibilidades de tratamento

O gozo com a morte, o sofrimento e a degradação
de si ou do outro é uma das características
da espécie a que pertencemos.
JURANDIR COSTA

Segundo Williams Marshall (2001), para alguém se converter num delinquente sexual faz-se mister haver sofrido negligência na infância por parte dos cuidadores; haver passado por experiências de abuso; ter sentimento de inferioridade; falta de competência social; recorrer ao sexo como estratégia de enfrentamento, convertendo-o no modo privilegiado de reação frente à angústia; condicionar o sexo a atos de violência e dominação.

Segundo Salter (2009), uma vez no cárcere, não é possível encarcerar fantasias. Para os agressores sexuais sistemáticos, a fantasia é compulsiva e complexa. Seu desejo sexual se transforma no centro de seu comportamento. Porém, encarcerados, têm uma conduta estável e, em liberdade, provavelmente irão reincidir em seus delitos. Eles podem fantasiar sobre tudo que quiserem fazer e, quando saírem, irão realizar suas fantasias, porque conforme eles pensam, eles farão.

É possível pensar na realização de uma castração cirúrgica através da extirpação dos testículos ou enveredar por uma castração química de natureza temporária, com a utilização de medicamentos hormonais, tais como o depo-provera. Utilizar-se do recurso de psicoterapias para recuperar a autoestima, promover habilidades interpessoais e possibilitar métodos aceitáveis de gratificação sexual. Ainda pode-se fazer uso do reflexo automático induzido por estímulo que consiste em associar uma imagem com a sensação de desprazer. Enfim, existem programas de intervenção com agressores sexuais de mulheres e de crianças, que consistem numa avaliação detalhada de cada indivíduo e uma intervenção psicossocial através do grupo terapêutico.

Durante o período de intervenção, há várias áreas prioritárias de ação: aumentar a consciência acerca das causas que o levaram a cometer delitos sexuais; aumentar a empatia com a vítima, tornando-o consciente do dano causado; assumir a responsabilidade criminal, eliminando todos os tipos de justificativas; aprender padrões de comportamento adequados e aumentar o autocontrole; modificar estilos de vida desorganizados e pouco saudáveis; e, por último, detectar o início precoce de possíveis fatores de risco para a reincidência (GARRIDO; MORALES, 2003).

 

Costurando o pensamento

A linha que separa o bem do mal,
cruza o coração de cada ser humano.
E quem pode destruir um pedaço de seu coração?
ALEXANDER SOLZHENITSYN

Por fim, tecendo os últimos fios do pensamento, com vistas a encerrar esses prolegômenos acerca do homem em relação ao seu desejo e aos interditos culturais, que terminam por desaguar em sua inserção no mundo do crime, escolhemos Zigmunt Bauman (2004), quando nos lembra que a falta de compromisso ético e moral e a distorção de conceitos e valores que antes serviam de parâmetros universais da conduta, incentivam cada dia mais o ser humano a agir de acordo com os impulsos de satisfação pessoal.

 

Referências

BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.         [ Links ]

FARIAS, F. R. Por que, afinal, matamos? Rio de Janeiro: 7Letras, 2010.         [ Links ]

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SUSINI, M.-L. O autor do crime perverso. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2006.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
E-mail: m.muribeca@gmail.com

Recebido em: 11/12/2017
Aprovado em: 17/12/2017

 

 

SOBRE A AUTORA

Maria das Mercês Maia Muribeca
Psicanalista.
Psicóloga clínica.
Doutora em Fundamentos y Desarrollos Psicoanalíticos pela Universidad Autónoma de Madrid/España, título reconhecido pela UFRJ.
Professora titular do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê).
Supervisora do Estágio Clínico em Psicanálise da Unipê.
Coordenadora dos cursos de especialização em Criminologia e Psicologia Investigativa Criminal e em Psicanálise, do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê).