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versión impresa ISSN 0102-7395

Reverso vol.34 no.63 Belo Horizonte jun. 2012

 

Laço de amor intoxicado: o casamento feliz do bebedor com o copo1

 

Addicted love’s bond: the drinker’s happy marriage with his glass

 

 

Maria Angélica Tomás Serretti

Universidad de Salamanca

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No presente trabalho partimos das contribuições de Freud, acerca do tema toxicomania, até as formulações lacanianas para analisarmos uma das funções que a droga tem para o sujeito que se intoxica: a busca de um gozo que prescinde do Outro, uma satisfação fora do gozo fálico. Assim ele busca um objeto que o satisfaça e que não entre em contradição com seu desejo. Este é o modelo de um casamento feliz em que a harmonia da relação está no fato de que a droga nunca dirá um não ou sim e está sempre ao alcance das mãos.

Palavras-chave: Toxicomania, Mal-estar, Gozo, Narcisismo, Outro.


Abstract

This paper is a study on the Freud’s and Lacan’s contributions on drug addiction, in which is analyzed one of the functions that the drug has for its user: the search for joy that dispenses the Other, a satisfaction outside the phallic enjoyment. He/she seeks an object that satisfies him/her and does not oppose to his/her desire. This is the model of a happy marriage in which the harmony of the relationship lies on the fact that the drug will never oppose his desire and will always be reachable.

Keywords: Drug addiction, Discontent, Joy, Narcissism, Other.


 

 

A toxicomania na atualidade

Nos últimos anos, tem crescido o interesse, tanto por parte da sociedade, como pelos pesquisadores da área da saúde mental, pelo estudo da toxicomania. O fenômeno da toxicomania sempre existiu, no entanto, tem se tornado cada vez mais evidente em nossa sociedade. A gravidade desse quadro e a frequência com que tem aparecido em nossos consultórios e serviços de saúde convocam todo profissional da área da saúde, incluindo-se aí o psicanalista.

Na história da humanidade o uso e abuso de drogas sempre esteve presente. Freud alude a isso em 1930, quando diz que “o serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduos quanto povos lhes concederam um lugar permanente na economia de sua libido” (FREUD, 1930, p.86). Então, o que será que há de inovador nessa prática que tem modificado nossa forma de olhar e compreender o fenômeno da toxicomania?

A toxicomania não é uma nova invenção, mas agora se apresenta como um sintoma social contemporâneo. Os tempos atuais têm revelado uma sociedade na qual a negatividade, a falta, a perda, o vazio são intoleráveis. A psicanálise tem se defrontado com novas formas de subjetivação, marcadas pela ausência das trocas pessoais – substituídas pelo individualismo, pela cultura do narcisismo e por uma busca de gozo sem limites. Birman (2005) nos diz que o toxicômano é a figura paradigmática de nossa época e é a esse diferencial que podemos atribuir o aumento da frequência do abuso de drogas. A toxicomania é um sintoma social, não por sua grande incidência estatística, nem pelos entraves causados ao funcionamento social ou seu caráter endêmico ou perturbador. Ela pode ser considerada sintoma social a partir do momento em que “é, de certo modo, inscrita, mesmo que seja nas entrelinhas, no discurso que é o discurso dominante de nossa sociedade contemporânea” (CALLIGARIS, apud MELMAN, 2000, p.9). Não podemos desconsiderar aqui esta reflexão acerca dos mal-estares na atualidade, pois “a produção do sintoma individual se alimenta do imaginário social, e é a partir dele que faz sua invenção” (VORCARO, 2004, p.2).

Se a droga acompanha a trajetória do ser humano, o fato é que de seu abuso decorrem consequências destrutivas cuja origem merece uma investigação, na medida em que algo ali parece apontar para razões que podem estar ligadas a fatores que vão além daqueles relacionados às funções socioculturais ou religiosas. Portanto, quando voltamos nosso olhar para a toxicomania, devemos considerar, além dos fatores biológicos, culturais e sociais, a história da ligação singular que um indivíduo estabelece com a droga. É nesse ponto que a psicanálise pode ser convocada, pois ela nos fornece instrumentos que nos habilitam a destacar a função da drogadicção na singularidade da história emocional de um indivíduo. Assim fazendo, a psicanálise pode nos ajudar a ver na toxicomania aspectos que passariam despercebidos da visão médica e da perspectiva sociocultural.

 

Ideal de independência: em busca do paraíso imaginário

Para nossa surpresa, contudo, se nos voltarmos para os volumes que compõem as Obras Completas de S. Freud, veremos que são raros os momentos em que o criador da psicanálise menciona a toxicomania. É verdade que, em seus estudos pré-psicanalíticos, Freud se dedicou com entusiasmo ao estudo da cocaína para, em seguida, declarar fracassada a sua experiência pessoal com a droga. Se seus comentários sobre o abuso de drogas são sempre feitos de passagem, sem que o tema tenha sido desenvolvido de modo sistemático em um único estudo, felizmente podemos constatar que a teoria freudiana nos fornece elementos para pensar na natureza, na função e no tratamento da toxicomania. Para mencionar uma das clássicas formulações freudianas sobre o assunto, lembramos que em 1930, no livro O Mal-Estar na Civilização, Freud inclui o uso de drogas como uma estratégia, segundo ele, “grosseira”, porém “a mais eficaz” dentre outras empregadas pelo homem quando confrontado com a impossibilidade de fazer durar a felicidade (FREUD, 1996, v.XXI, p.96).

No presente trabalho partimos das contribuições de Freud, acerca do tema toxicomania, até as formulações lacanianas para analisarmos uma das funções que a droga tem para o sujeito que se intoxica: a busca de um gozo que prescinde do Outro, uma satisfação fora do gozo fálico, que Freud localiza no puro autoerotismo. A relação de exclusividade do toxicômano com a droga é indissociável da sua tentativa de rechaçar, de excluir todo possível companheiro de prazer, aspirando assim a um ideal narcisista de autonomia no gozo. No caso do sujeito toxicômano, ele elegeu um objeto narcísico para funcionar autisticamente, autoeroticamente, transformando seu próprio corpo dopado na solução para seus conflitos psíquicos, e negar a existência do inconsciente.

Pelas contribuições de Freud, constatamos na sua obra o desenvolvimento de hipóteses que identificam a função das drogas. Por um lado, elas funcionam como substituição da satisfação sexual, enquanto atividade autoerótica, existindo aí uma ligação com a masturbação. Por outro lado, são uma forma de evitar o desprazer e buscar a felicidade. Segundo Naparstek (2008), Freud parece efetuar uma equação quase direta entre adicção e autoerotismo, localizando a adicção no lugar de substituição de um puro autoerotismo sem sentido algum, sem estar articulado com a fantasia ou a palavra. A toxicomania não se constitui, portanto, como um sintoma no sentido freudiano (sintoma que fala), pois o que o toxicômano busca é justamente não ter que fazer conciliações entre as instâncias, pois nega a existência de conflitos psíquicos. O que ele busca é um tratamento pelo corpo que não possui sentido em si mesmo, um prazer sem palavras, promovendo um afastamento do simbólico para se proteger contra a angústia e a depressão, recusando o retorno do recalcado.

E, de fato, a angústia e as formações sintomáticas desaparecem quando a montagem toxicomaníaca exerce suas funções. A droga possui uma função nos circuitos afetivos para aquele que se intoxica, e a psicanálise dá destaque a essa face, obscura, em um primeiro momento, dos usos de drogas. O narcisismo – especialmente o narcisismo primário – está desde o início articulado com os paradoxos do originário, ele é também, sem dúvida, um conceito-chave para compreender a toxicomania. O modo de funcionamento mental primário – ou segundo o princípio do prazer, opondo-se ao princípio de realidade – é, pois, uma noção de grande operacionalidade na clínica da toxicomania. As aquisições da introdução do princípio da realidade são justamente as funções psíquicas que são deficientes no toxicômano. É a incapacidade para a frustração que impede o desenvolvimento da função pensante (secundário). Supomos que existe uma organização narcisista que origina a toxicomania, um estado de indiferenciação primitiva. O barato da droga talvez expresse um esforço de economia psíquica na busca do caminho mais curto para o prazer, mas que acaba indo além do princípio de prazer. O efeito das drogas sobre o psiquismo, em geral, consiste em provocar uma regressão da libido para etapas anteriores do desenvolvimento (TOMÁS, 2008). Todos os fatores nocivos ao desenvolvimento sexual externam seu efeito promovendo uma regressão, que possibilita caminhos laterais de satisfação. Freud nos fala que “... os narcóticos visam a servir – direta ou indiretamente – de substitutos da falta de satisfação sexual” (FREUD, 1996, v. III, p.262). O efeito provocado pelos veículos intoxicantes consiste em fazer o sujeito regredir às fases anteriores de seu desenvolvimento. O sujeito passa a ser regido pelo princípio de prazer, em contraposição ao princípio de realidade. A busca pelo prazer primário é experienciado na utilização da droga. Nossa hipótese é de que o toxicômano retorna à posição que ocupava quando estava na fase do narcisismo primário. Sua posição era fusional com a mãe, quando ainda não havia delimitação de um Eu, o ego incluía tudo. Foi nesse período que o prazer foi encontrado pela primeira vez, e isso se manteve registrado no psiquismo do sujeito. Ora, não pode haver fixação mais atraente do que o período da primeira infância, a do prazer primário. “Há, porventura, algo mais natural do que persistirmos na busca da felicidade do modo como a encontramos pela primeira vez?” (FREUD, 1996, v.XXI, p.89). O estado primitivo seria caracterizado pela ausência de relações com o meio, por uma indiferenciação entre o ego e o id e entre o bebê e a mãe. Nas palavras de Freud:

Dizemos que um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais – ele próprio e a mulher que cuida dele – e ao fazê-lo estamos postulando a existência de um narcisismo primário em todos, o qual, em alguns casos, pode manifestar-se de forma dominante em sua escolha objetal” (FREUD, 1996, v. XIV, p.95).

O retorno a esse estado de coisas, vivenciado nos primeiros momentos de vida, é a meta daquele que busca dopar-se, na tentativa de reconquistar a onipotência narcísica – o paraíso imaginário –, não tendo assim que lidar com os limites e imposições com que se depara na realidade externa. Segundo Freud, “contra o temível mundo externo, só podemos defender-nos por algum tipo de afastamento dele, se pretendermos solucionar a tarefa por nós mesmos. (...)... os métodos mais interessantes de evitar sofrimento são os que procuram influenciar o nosso próprio organismo” (FREUD, 1996, v. XXI, p.85). E Freud continua: “O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação” (Idem, p.86). Freud nos diz ainda que:

Devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer, mas também um grau altamente desejado de independência do mundo externo, pois sabe-se que, com o auxílio desse ‘amortecedor de preocupações’, é possível, em qualquer ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio, com melhores condições de sensibilidade. Sabe-se igualmente que é exatamente essa propriedade dos intoxicantes que determina o seu perigo e a sua capacidade de causar danos” (FREUD, 1996, v. XXI, p.86).

A regressão ao narcisismo primário é a noção central que orienta todo nosso trabalho. Em uma carta a Fliess, de 22 de dezembro de 1897, Freud escreveu:

Tem me ocorrido que a masturbação é o primeiro e único dos grandes hábitos, a ‘protomania’, e que todas as demais adicções, como a do álcool, da morfina, do tabaco, etc., só aparecem na vida como substitutos e deslocamentos daquela. A importância que esta adicção tem na histeria é realmente prodigiosa, e talvez se origine aqui – em parte ou totalmente – o meu magno obstáculo, ainda desconhecido” (FREUD, 1887-1902, p.3594, apud GURFINKEL, 1996, p.148).

Neste raro momento em que Freud fala diretamente sobre adicções, ele relaciona este vício – assim como todas as outras adicções – com a masturbação, ou seja, com o autoerotismo, esse é o protótipo da toxicomania. Na tentativa de (re)conquistar a independência de qualquer oposição do mundo externo, o toxicômano busca realizar-se autoeroticamente. Tudo isso nos conduz à hipótese da toxicomania como atividade (sexual) autoerótica de uma posição narcisista da libido. Uma tentativa do sujeito de tornar-se independente do mundo externo, ou de constituir um objeto que não entre em contradição com seu próprio desejo, e que possa assim ser controlado onipotentemente. Gurfinkel (1996) diz que na experiência das adicções, o objeto-droga tem também a característica de estar sempre disponível, para ser utilizado sempre que desejado/necessitado. A droga tem de estar sempre à mão, como o polegar, ou outra parte do corpo. Esse é um prazer de ter o objeto, dominá-lo onipotentemente até ser quase uma parte de si mesmo. Ocampo (1988) destaca que:

Na dependência do toxicômano, o essencial não são as propriedades químicas do objeto nem o prazer suposto no seu consumo, mas sim o autoerotismo subjacente enquanto ideal narcisista de independência, e cuja função não é outra que a de repudiar a ausência estrutural de um objeto real e adequado ao desejo” (OCAMPO, 1988, p.99).

O que está em jogo não é apenas a experiência de prazer que a substância química provoca no organismo, mas uma experiência de prazer correlata à interferência provocada pela droga na posição do sujeito em relação ao objeto/realidade, um tipo de prazer que qualificamos narcisista. A droga é um objeto narcisista. Segundo Gurfinkel, “o objeto-droga é um falso objeto, um objeto que não tem a característica de independência e exterioridade em relação ao sujeito” (GURFINKEL, 1996, p.51). Ora está dentro, ora está fora e seu efeito de adormecimento da realidade é também um apagamento da diferença/separação/exterioridade entre eu e o outro. O autoerotismo é o principal referencial para compreendermos o drogar-se enquanto ato. O autoerotismo subjacente ao modo de funcionamento mental do toxicômano é configurado enquanto ideal narcisista de independência.

 

Laço de amor intoxicado

A base da formulação lacaniana é que a droga é aquilo que permite a ruptura do casamento com o faz-pipi. A teoria lacaniana da ruptura retoma a ideia freudiana da masturbação, como vício primário, e a especifica com o conceito de gozo. Precisamente com a asserção de Miller (1993) que define um gozo que prescinde do Outro e do fálico. Quando dizemos um rechaço ao Outro e ao fálico incluímos aí o inconsciente. A toxicomania propõe-se a um modo de existência que não coloca as ofertas da civilização em sua economia pulsional. É um curto-circuito pulsional no qual a droga é “o objeto exclusivo de um prazer necessário” (AULAGNIER, 1985, p.157). Dessa forma, o toxicômano busca um objeto que o satisfaça e que não entre em contradição com seu desejo. Este é o modelo de um casamento feliz em que a harmonia da relação está no fato de que a droga nunca dirá um não ou sim, nunca estará indisposta ou tenha exigências a fazer, está sempre ao alcance das mãos. O namoro com a droga é escolhido para que o sujeito não tenha que lidar com as diferenças sexuais, as vicissitudes do encontro com o sexo.

Em 1912 Freud escreve: Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor; este texto é o segundo de uma trilogia que se chama Contribuições à Psicologia do Amor. Nele encontramos a seguinte passagem:

Consideremos, por exemplo, a relação de um beberrão com o vinho. Não é verdade que o vinho sempre proporciona ao beberrão a mesma satisfação tóxica que, na poesia, tem sido tão frequentemente comparada à satisfação erótica – uma comparação que também é igualmente aceitável do ponto de vista científico? Alguém já ouviu falar de que o beberrão seja obrigado a trocar constantemente de bebida, porque logo se enjoa de beber a mesma coisa? Ao contrário, o hábito constantemente reforça o vínculo que prende o homem à espécie de vinho que ele bebe. Alguém já ouviu falar de um beberrão que precise ir a um país em que o vinho seja mais caro ou em que seja proibido beber, de modo que, erguendo obstáculos, ele possa aumentar a satisfação decrescente que obtém? De maneira nenhuma. Se atentarmos para o que dizem os grandes alcoólatras, como Böcklin, a respeito de sua relação com o vinho, ela aparece como a mais harmoniosa possível, um modelo de casamento feliz. Por que a relação do amante com seu objeto sexual será tão profundamente diferente?” (FREUD, 1996, v. XI, p.193-194).

Este trecho de Freud, pois, demonstra que o bebedor substituiu a mulher pelo vinho e que, no matrimônio, colocou o vinho no lugar onde se confrontava o abismo feminino – a disjunção já não se sustentaria como modo de abordar a mulher. O vinho não é uma mulher, mas são comparáveis:

Uma mulher é Outra, o vinho é Uno. Portanto, para o sujeito ela aparece como sendo do Outro. O vinho é do sujeito e se sustenta como gozo do um. A repetição da demanda – sempre a mesma – sustenta o desejo do bebedor (é o que Freud diz de forma jocosa: nunca se viu um bebedor mudar de bebida para sustentar seu desejo); o desejo de uma mulher é causado por uma alteridade. O vinho é garantia contra a castração ao apresentar-se como sendo ele mesmo, no discurso capitalista, estando sempre aí. Uma mulher presentifica a castração” (MUSACHI, 1997, p.27)2.

Mulher e vinho se impõem a um homem. Mas não é no mesmo sentido, já que a primeira foi considerada por Lacan seu sintoma; cabe perguntar se o vinho o é, no sentido analítico. Se a mulher é um sintoma, afirma Lacan, é porque o homem crê nela, crê que ela poderia dizer algo e somente teria que decifrar seus ditos tal qual um sintoma.

O vinho não parece situar-se na dimensão de objeto que tem uma mulher na fantasia, é dizer, ali onde “ela e ele” estão no mesmo ponto em relação à castração. Pelo que desenvolvemos até aqui, esta, que poderia ser considerada uma nova forma de sintoma, produto do discurso capitalista, confronta o sujeito com o desejo “não causado pelo objeto a” (MUSACHI, ibidem). Não há outro gozo como tal, conveniente a ele, o alcoólatra, mas há o vinho, que faz o sujeito ausentar-se de si.

Se o teorema da sexuação trata de resolver a questão da identificação sexuada em um sujeito que entrou no discurso (isso é, que não é psicótico), fica a desejar o destino dessa identificação no sujeito que é tomado nessas novas formas sintomáticas, as quais, como se disse, curto-circuitam sua relação ao gozo fálico e ao Outro gozo, que é ausência. A eleição da droga como parceiro privilegiado anula o que um outro sexo traz consigo, além das demandas e desejos, um outro modo de gozar, porque, de acordo com Laurent, “En el fondo eso que no soportamos en el otro, es un goce diferente del nuestro” (LAURENT, 1997, p.20). Ele acrescenta:

Me parece que se puede tratar la toxicomanía con el surgimiento en nuestro mundo, de un goce uno. En tanto no es sexual. El goce no es uno, está profundamente fracturado, no es aprehensible más que por la fragmentación del cuerpo” (LAURENT, ibidem).

 

A droga como resposta ao mal-estar

Esse tema toca num ponto sensível que se apresenta em nossa trama cultural, o inassimilável do universo simbólico e o intratável, que Freud designou como o mal-estar na cultura e que Lacan definiu como o gozo.

A felicidade não está incluída nas ofertas da civilização, o programa do princípio de prazer é irrealizável, mas podemos e devemos buscar a felicidade, e o caminho que muitos escolhem é pela via da evitação da dor. A relação com os outros está entre as três fontes de sofrimento apresentadas por Freud (1930), e a droga, como vimos, pode ser uma resposta a esse mal-estar.

A partir de Freud, o tóxico pode ser entendido como um parceiro solitário que acompanha um sujeito. Vivemos num mundo que estimula a toxicomania e todas as formas de gozo solitário que a ciência oferece na forma de objetos tecnológicos (gadgets). Mas, percebemos uma singularidade na parceria feita com a droga, que é o lugar que o objeto-droga ocupa na economia psíquica do sujeito que busca realizar o seu ideal de independência, pois os psicotrópicos possuem um efeito químico de fazer o sujeito ausentar-se do mundo e proteger-se contra o encontro com o Outro, a angústia e a depressão.

 

Bibliografia

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Endereço para correspondência:
Facultad de Psicología
Avda de la Merced 109-131.
37005 – Salamanca/España
Tel.: (34) 923 29 46 10
E-mail: married_angelt@yahoo.com.br

RECEBIDO EM: 01/02/2012
APROVADO EM: 30/04/2012

 

 

Sobre a Autora

Maria Angélica Tomás Serretti
Psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestranda no Máster en Psicoanálisis Clínico na Universidad de Salamanca – Espanha.

 

 

1 Este trabalho foi produzido a partir dos estudos realizados na pesquisa A Psicanálise da Toxicomania, desenvolvida no Laboratório de Psicanálise da UFMG, sob a supervisão da Profa. Dra. Ana Cecília Carvalho, financiada pelo CNPq e pela FAPEMIG. Esta é uma versão estendida do texto que foi apresentado na XXVIII Jornada do Fórum de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte, em 2010.
2 Tradução nossa.