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Reverso

versión impresa ISSN 0102-7395

Reverso vol.37 no.69 Belo Horizonte jun. 2015

 

EDITORIAL

 

Escutar vidas é o nosso ofício de psicanalistas. Escutar vidas enredadas na trama confusa da pós-modernidade torna-se um desafio cada vez maior, que exige de nós estar sintonizados com os diversos sinais que o mundo globalizado apresenta. Circundados por uma teia mediática, martelados por notícias devastadoras exibidas em tempo real na nossa própria casa e repetidas à exaustão, somos cotidianamente mergulhados num caldo virtual de pulsão de morte, no gozo infindável da exibição da violência em estado puro. Crianças são sequestradas para ser usadas como bombas humanas, cooptadas em suas casas, retiradas de suas famílias no mundo inteiro para ser treinadas a executar reféns de uma guerra supostamente religiosa que não entendem ou para serem escravas sexuais. A perversão atinge níveis assustadores nas mais diferentes faces do abuso do homem sobre o homem. Descobrimos que há muitas formas de se cometer genocídio. Entre elas, a mais banal de todas, a corrupção desenfreada em todas as vertentes da sociedade. Aprendemos com Hannah Arendt, desde o nazismo, que o mal é banal.

Vivemos tempos de turbulência que apontam para a fragilização do tecido social, para o crescimento alarmante de uma fratura na constituição da alteridade na qual o outro só serve para uso e posterior descarte, e para o esboroamento dos pilares sobre os quais se sustenta a civilização ocidental.

Esse panorama se apresenta na nossa clínica, na escuta de vidas profundamente angustiadas e também nos angustia. Muito se fala da clínica do real, do silêncio, da presença maior do corpo-sintoma, das dificuldades de simbolização, do gozo induzido pela prevalência do Discurso do Capitalista.

No corpo da Reverso 69, psicanalistas nos trazem sua escrita para dizer algo disso que é tanto indecifrável quanto inassimilável e que não cessa de não se escrever. Não se pode considerar coincidência que Monique David-Ménard e Cristina Lindenmeyer nos tenham enviado da França estudos ricos e minuciosos tendo como tema em comum a pulsão de morte.

Entre os autores membros da sociedade Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, Eliana Rodrigues Pereira Mendes pesquisa na história as raízes da identidade brasileira, trazendo interrogações sobre a importância do trauma da ausência de um mito fundador na sua constituição. Elga Rosalva Silva, Guiomar Antonieta Lage, Maria Auxiliadora Toledo Garcia Freire, do CPMG, e Jane Maria da Silva Cravo, candidata em formação, trazem a riqueza da experiência clínica ancorada em bases conceituais que abordam a teoria do trauma. Paulo Roberto Ceccarelli, também do CPMG, faz parceria autoral com Ocilene Fernandes Barreto, da UFPA/CPPA para contribuir com um artigo profundo sobre as transexualidades.

Entre os candidatos em formação no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, Ana Paula Paes de Paula trabalha numa vertente tanto sociológica quanto psicanalítica acerca da posição subjetiva e do estabelecimento do laço social nos dias atuais. Anna Barbara de Freitas Carneiro discorre sobre Arthur Bispo do Rosário e sua tentativa de descrever o mundo para Deus e por esse meio circunscrever sua dor. Bernardo Costa Couto Maranhão nos traz a leveza do humor como saída possível – e desejável –, aos olhos de Freud e Lacan. Carlos de Brito e Mello traz uma reflexão sobre a dimensão da palavra na clínica psicanalítica, e Edson Santos Oliveira retoma a noção de trauma em Freud, a partir da obra Tutameia, de Guimarães Rosa.

A psicanalista Lea Meilman, professora da Newton Paiva, apresenta artigo em uma abordagem clínica bem interessante, com o olhar sobre o corpo como página que recebe uma nova forma de escrita na contemporaneidade.

Integram esta edição da Reverso o discurso de despedida de Eliana Rodrigues Pereira Mendes da gestão da presidência do CPMG e o de posse de Juliana Marques Caldeira Borges no mesmo cargo. Agradecemos a ambas pela dedicação à causa psicanalítica e pelo excelente trabalho realizado nas diversas funções que exercem em nossa Sociedade.

O advento da globalização desconcertou o mundo, trazendo uma cacofonia que caberá a cada um tentar concertar para seguir em frente ao som da sua melodia particular. Não temos mais utopias. Não podemos deixar de considerar que o homem é altamente afetado pela tecnologia, que gerou um novo jeito de nascer, de viver e até mesmo de morrer. Para além de procurar sentidos, a clínica contemporânea exige lidar com as consequências desse assustador mundo novo sobre o sujeito e o seu ato no mundo.

É mais do nunca atual o que Freud ([1930] 1996, p. 91) escreveu em O mal-estar na cultura: “Não existe regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem que descobrir por si mesmo de que modo específico pode ser salvo”.

A psicanálise persiste na aposta de que é possível transformar medo em desejo e este em motor de mudanças. Assim, prosseguimos no trabalho incessante de desconstrução e construção de novas possibilidades para o humano por meio da clínica, da formação permanente, da escrita e da transmissão desse jeito bonito de escutar vidas, que constitui a nossa práxis.

Agradeço aos autores que nos escolheram para encaminhar seus trabalhos e a todos que, de diversas maneiras, contribuíram para a realização desta edição.

Em especial agradeço à artista plástica Leonora Weissmann por ceder sua belíssima tela, talvez não por coincidência denominada por ela O avesso do espelho, para figurar na capa da Reverso 69.

Por fim, desejo a todos uma leitura proveitosa dos trabalhos aqui contidos e que estes lhes despertem o desejo de novas produções, tendo como ponto de visada o enigma incessante da vida.


Olímpia Helena Costa Couto
Editora

 

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