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Reverso
versión impresa ISSN 0102-7395
Reverso vol.39 no.73 Belo Horizonte jun. 2017
EDITORIAL
Para o lançamento do número anterior da Reverso encontrei este pequeno dito sobre o valor da escrita num texto intitulado Escrita - O caminho da verdade - Um dicionário sobre a natureza humana. Diz ele:
Escrever é pensar devagar...
É poder ver o que se pensa.
É poder pensar no que se pensa.
É poder corrigir o que se pensa mal...
É registrar a imaginação.
É criar a partir do nada.1
Assim, desde tempos imemoriais, muito anteriores à era cristã, o homem já sentia a necessidade de registrar suas ideias, suas experiências, suas descobertas, seus hábitos e costumes. Com o homem nasceram os símbolos, grafados em qualquer superfície, para a tradução e a interpretação pelo outro.
A escrita, originária da linguagem, é uma criação do homem para o homem, registrando aquilo que não se pode perder e ao mesmo tempo comunicar, suplantando o tempo e com ele a memória. Com a escrita, o passado se presentifica, e dele o futuro pode se apropriar!
Disso se vale a pesquisa científica quando exige que seus achados de pesquisa, suas conclusões e seus prognósticos sejam compartilhados e difundidos através da escrita.
Porém, os símbolos nada significam por si sós. Seu valor se revela no momento em que o autor escreve e no momento em que o leitor o lê, desde que comunguem a mesma língua! Se não houver tradução, não haverá compreensão! Disso já sabia o fundador da psicanálise quando nos apresentou um compêndio sobre a função da linguagem e sua representação no inconsciente, em seu livro sobre os Chistes e sua relação com o inconsciente, 1905!
O trabalho da psicanálise se assenta sobre a palavra. Em avant-première, cito uma passagem do artigo de Marco Antonio Coutinho Jorge:
Para a psicanálise, com efeito, todos os atos, gestos, mímicas e afetos mantêm alguma relação com o simbólico e nela trata-se precisamente de dar a palavra àquilo que até então só encontrava expressão através do sintoma. Antes de serem não verbais, estes são na verdade hiperverbais, mas, no entanto, apenas trazendo-os ao regime da palavra pode o sujeito realizar-se plenamente (JORGE, Reverso 73).
Ainda em 1926, em A questão da análise leiga, Freud nos alertou para o poder das palavras, que podemos estender também à palavra escrita. Mesmo sem uma nomeação exata, tentamos recobrir com palavras todas as nossas experiências, pela fala ou pela escrita. Se faladas podem ser escutadas, se escritas, podem ser lidas, e seus efeitos podem ir do mais elevado benefício ao mais aterrador tormento! E, para desespero dos humanos, não temos controle do caminho nem da penetração das palavras no campo do outro!
A exemplo do pai da psicanálise, o psicanalista também registra sua experiência entre a clínica e a teoria impulsionado pelo desejo, revelando na sua escrita os vestígios da pulsão!
Abrindo o número 73 da revista Reverso, temos o texto Freud com Lacan: a psicanálise hoje, de Marco Antonio Coutinho Jorge, nosso querido convidado! Seu artigo nos leva a um mergulho na história conceitual da psicanálise desde sua fundação até os dias atuais. Com a habilidade que lhe é própria, trabalha nesse percurso os momentos cruciais de mudança que a psicanálise imprimiu no pensamento científico sobre o homem e como “[...] hoje se apresenta como tributária da radical renovação produzida pela leitura da obra de S. Freud empreendida por J. Lacan” (JORGE, Reverso 73).
Na seção TEORIA E CLÍNICA PSICANALÍTICAS temos o texto Do amor imaginário ao amor simbólico – um percurso da transferência, onde as autoras Ana Beatriz Novelli, Eliana Lazzarini, Daniela Chatelard e Márcia Maesso trabalham o amor transferencial desde a conceituação em Freud até os estudos de Lacan, que o enodou nos registros RSI, trazendo o “dom” como alternativa ao amor imaginário.
Através do contato do nosso colega Carlos Antônio Andrade Mello com o psicanalista francês Benoît Le Bouteiller, seguimos com o artigo Luto e melancolia – variações com o texto de Freud. O autor apresenta o giro operado por Lacan no conceito freudiano de melancolia, numa tentativa de especificar suas incidências na clínica diferencial e como uma possibilidade de apreensão do mal-estar na civilização.
Com Eliane Mussel da Silva temos o artigo Pontuações sobre a psicose atual, em que num estudo comparativo entre as psicoses extraordinárias e as psicoses atuais esclarece que nestas últimas o furo da significação fálica se mantém latente, permitindo de forma operativa a inserção do sujeito no Outro social.
No artigo Dos sonhos diurnos a uma concepção fundamental de fantasia, os autores Guilherme Henderson, Daniela Chatelard e Márcia Maesso trabalham a virada da noção de sonhos diurnos e os devaneios, para a elaboração do conceito de fantasia a partir da descoberta, por Freud, da questão das fantasias fundamentais.
Das impressões mnêmicas freudianas às letras de Lacan: Realisso é um texto em que o autor Thiago Silva Martins propõe um estudo minucioso sobre as impressões mnêmicas em Freud, em uma feliz comparação com as técnicas modernas de tatuagem elétrica. Avança até o conceito de letra em Lacan, dizendo que as “memórias” primitivas, pulsionais seriam responsáveis pela estruturação inicial do isso, criando neste artigo o neologismo “realisso”.
Em nossa última seção ARTE, CULTURA E PSICANÁLISE, temos Desejo circular – a significação do desejo e do sonho na constituição do sujeito, texto de Alvaro Oliveira, que baseado em um conto de J. L. Borges tenta uma articulação da constituição do sujeito a partir do desejo do Outro com os conceitos psicanalíticos de desejo e sonho.
Em seguida, o artigo de Consuele Cordeiro Antunes Sonhar significando, descobrir inventando propõe uma aproximação da produção artística, em suas várias apresentações, e as produções psíquicas como os sonhos, considerando que na construção de ambas encontramos os substratos pulsionais.
Juscelino Moreira de Assis, autor do texto O palhaço, a psicanálise e o sujeito na contemporaneidade, traz um tema interessante e raramente trabalhado, que seria a abordagem do sujeito contemporâneo pela via do riso, promovendo o laço social, beneficiando a recuperação de pacientes.
Encerrando este número temos o texto Nem o “Espírito Santo” se livra do caos, de Marcell Felipe A. Santos e Paulo Roberto Ceccarelli, que ao trabalhar o tema da violência em nossas cidades se depararam com os conceitos de desamparo, angústia e o livre acesso aos desejos mais primitivos. Isso os levou ao estudo do supereu, do gozo, da pulsão de morte e dos movimentos de massa.
Vale a pena conferir!
Agradecemos a todos os autores que abrilhantaram este número, assim como o suporte técnico e gráfico de Edna Malacco de Resende, nossa secretária; de Dila Bragança de Mendonça, nossa revisora; de Valdinei do Carmo, responsável pelo projeto gráfico e formatação; e da gráfica O Lutador. Agradecimento especial ao colega Paulo Roberto Ceccarelli pela revisão do inglês. Também agradecemos à gentileza de Wanda Avelino, psicanalista e artista plástica que nos presenteou com a aquarela que embeleza a capa deste exemplar.
Ocupando nesta diretoria o lugar de editora da Reverso quero ainda fazer um agradecimento muito especial aos que orquestraram, nos bastidores, toda esta obra. Refiro-me aos colegas da Comissão Editorial, pelas suas preciosas e cuidadosas leituras e avaliações dos textos, e que são também corresponsáveis pela classificação B2 no Capes/Anppep da Reverso. São eles, Ana Boczar, Carlos Antônio Andrade Mello, Eliana Rodrigues Pereira Mendes e Paulo Roberto Ceccarelli. A vocês o nosso muito obrigado!
Neste momento entregamos a vocês, com satisfação, o produto do pensar psicanalítico organizado neste número, a Reverso 73.
Muito obrigada!
Maria Mazzarello Cotta Ribeiro
Editora
1 Postado no site <viaverita.blogs.sapo.pt/9161.html>. Escrita - O caminho da verdade - Um dicionário sobre a natureza humana – 13 out. 2007.