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Reverso
versión impresa ISSN 0102-7395
Reverso vol.43 no.81 Belo Horizonte ene./jun. 2021
EDITORIAL
Editorial
Carlos Antônio Andrade Mello
Escrever
Não posso
Ninguém pode
É preciso dizer, não se pode
E no entanto, se escreve.
Assim escreveu Marguerite Duras e escreve o psicanalista, porque escrever é preciso, na imprecisão da escrita psicanalítica, pautada na sua escuta da clínica e no texto de sua própria análise. Eis aqui, em mais uma edição, a revista Reverso, mensageira do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais e de inúmeros colaboradores, trazendo a escrita com a precisão da necessidade e a imprecisão de sua tessitura, oriunda do saber não-todo do inconsciente.
A esse propósito, afirmou certa vez o saudoso colega José Domingues de Oliveira: "Quantas vezes me pego às voltas com o texto de Freud, com a avidez e o sobressalto de um neófito!" O texto freudiano, texto princeps da psicanálise, assim como todos os que se seguiram em sua corrente, prima pela surpresa do novo a cada leitura, como se fosse a primeira vez.
Este número da Reverso 81 vem à luz no ano em que o Círculo Psicanalítico de Minas Gerais completa 58 anos! Instituição pioneira em nossas terras, sempre empenhada na sustentação da causa analítica e sua transmissão durante quase seis décadas, o que reconhecemos com orgulho e alegria.
À Diretoria que agora encerra sua gestão, composta pela colega Guiomar Antonieta Lage e seu excelente grupo de colaboradores, nosso reconhecimento pela dedicação, contribuição e primazia no exercício de sua função. E a Presidente eleita Maria Auxiliadora Toledo Garcia Freire e todos os colegas integrantes de sua equipe recebam com alegria nossos votos de sucesso!
Ainda nestes tempos sombrios, experiência inusitada para todos nós, não nos detivemos pelas dificuldades inerentes. Ao contrário, procuramos explorar o que a psicanálise tem a ver com isso, o real da pandemia que nos assola. Assim, tiveram continuidade os seminários de transmissão e os encontros virtuais periódicos de todo o grupo, com ricas apresentações de colegas sobre os mais variados temas. E nossa revista não poderia ficar atrás, mantendo suas edições on-line e impressa, além de muito bem indexada na Pepsic.
Eis as propostas de leitura e reflexão que este número 81 nos oferece.
Anna Maria Loiacono, psicanalista italiana radicada em Florença, onde atua na clínica e na direção do Instituto H. S. Sullivan, é nossa convidada e nos brinda com um artigo intitulado Integrando o dissociado: da dominância do medo ao poder da angústia - a angústia como uma "presença do sentimento". Em seu texto, que chegou a nós pela iniciativa da colega Eliana Rodrigues Pereira Mendes, a autora faz uma profunda digressão entre os conceitos e os termos "angústia", "ansiedade" e "medo", chegando até a maneira como são tomadas essas denominações conforme o idioma. E enriquece a abordagem ao trazer a implicação clínica através de fragmentos de três casos.
A interface da psicanálise e a cultura contém dois textos valiosos, o primeiro deles da psicanalista e historiadora da psicanálise, Élizabeth Roudinesco, obtido pelo colega Paulo Roberto Ceccarelli. Trata-se de reflexões colhidas por uma jornalista francesa e publicada em edição recente do jornal L'Express: Sim ao universalismo, não à uniformidade. Salienta o risco que traz a uniformização de todo mundo, o igualitarismo, ao colocar em segundo plano as diferenças, marca inegável dos humanos, aumentando, assim, o crescimento dos preconceitos e das segregações das mais variadas naturezas.
Já Gilda Vaz Rodrigues, em O inconsciente - do discurso do Outro à política, aborda de maneira instigante o lugar da política na psicanálise, a partir do desejo do psicanalista como operador do ato analítico, concluindo que um verdadeiro ato é sempre um ato político. E que esse ato é promotor de uma mudança para que cada um ascenda à posição de sujeito, de cidadão, e não de massa, concluindo que essa é a subversão do sujeito da psicanálise.
Mais uma vez, a psicanálise e a literatura se tocam como Erika Vidal de Faria demonstra no seu texto Escrever o que não se escreve: Clarice, a letra e o feminino. Entre tantos vieses, cita na escrita de Clarice a existência de um gozo Outro, daí sua relação com o feminino, um gozo fora do simbólico, mas que emerge na escrita. É onde se confirma a proposta inicial da autora de que a arte e a literatura nos ensinam a dimensão da invenção frente ao real, enquanto impossível que não cessa de não se escrever.
Freud sempre destacou que o artista precedia o psicanalista e o diálogo entre a psicanálise e a arte transparece aqui através da literatura e do cinema. Em Estranhos estrangeiros, é levantada por Anchyses Jobim Lopes a aproximação entre Freud e aquele que o autor considera seu duplo, Franz Kafka. A estranheza, a estrangeiridade é explorada na obra desses contemporâneos, sendo em Freud, a partir de seu icônico texto O estranho e, em Kafka, ao abordar diversas obras literárias e em referências a filmes feitos a partir delas.
Ainda navegando nas ondas da arte, o cinema se desenrola no texto Do impossível da relação ao possível da composição: a função da fantasia em "Nasce uma estrela". Este último é o título do filme que os autores Mardem Leandro Silva, Helena A. C. Caversan, Elizabeth Fátima Teodoro e Daniela Paula do Couto tomam para elaborar reflexões sobre a inexistência da relação sexual, pautada por Lacan, o surgimento consequente do amor e, daí, a tentativa da fantasia a buscar transpor a distância entre o sujeito e outro.
A feminilidade, já ressaltada na literatura, retorna na escrita de João Eduardo Torrecillas Sartori e Paulo Roberto Ceccarelli, sob o título A feminilidade (1933): uma "virada subversiva" na teorização freudiana e a elaboração psicanalítica do gênero. Toma-se como ponto de partida o texto freudiano de 1933, A feminilidade e a acepção ocidental de masculinidade e feminilidade, a partir de onde outros autores avançam na concepção da inexistência de uma relação causal entre sexo e identidade de gênero. Isso ganha cada vez mais valor na vasta abordagem do texto sobre o conceito de gênero nos dias atuais, na cultura e na psicanálise.
Também Luiz Fellipe de Almeida Santos e Ivan Ramos Estêvão se interessam pela temática do gênero, ao reportarem fatos relacionados em nosso país, amplamente divulgados, envolvendo declarações polêmicas de autoridades justamente posicionadas diante da questão do gênero, levando à criação da tão falada expressão "ideologia de gênero". É o que nos traz seu texto "Ideologia de gênero"? Como situar a psicanálise nessa querela?
E para concluir nossa gama numerosa de artigos sobre a sexualidade, Santificado seja o vosso nome também traz à tona acontecimentos da atualidade, envolvendo a figura de líderes religiosos em abusos sexuais. Samir Caetano Amim Jorge identifica, tomando inúmeros critérios, as semelhanças na trajetória de vida desses personagens reais, no que diz respeito às suas origens e ascensão à liderança. São fartamente explorados o estudo freudiano sobre a psicologia de grupo e o conceito de narcisismo, no que tange ao desempenho da liderança e à prática dos abusos sexuais.
Dois artigos preenchem o campo da Teoria e da Clínica psicanalíticas neste número. A superdotação como suplência, de autoria de Cássio Eduardo Soares Miranda considera o recurso da autonomeação, no caso, a superdotação, na função de suplência ao significante do Nome-do-Pai frente a um quadro de psicose que é trabalhado na clínica.
Logo após, André Fernando Gil Alcon Cabral nos traz um estudo intitulado A lei do desejo ao gozo: a tirania do pai em Freud e Lacan, assinalando de maneira curiosa como tanto Freud quanto Lacan marcaram dois tempos distintos em seu percurso teórico até considerar o pai despótico em Totem e tabu na leitura freudiana e o pai do gozo, na concepção lacaniana.
Diante dessa oferta de leituras tão valiosas nos cabe, em nome da Comissão Editorial da Reverso, liderada pela coordenação primorosa de Maria Mazzarello Cotta Ribeiro e composta por Ana Boczar, Carlos Antônio Andrade Mello, Eliana Rodrigues Pereira Mendes, Marília Brandão Lemos de Morais Kallas e Paulo Roberto Ceccarelli agradecer aos demais participantes indispensáveis de nossa revista.
Reconhecemos que cada edição da Reverso se faz, em especial, graças à participação de nossa revisora Dila Bragança de Mendonça, de Adriana Dias Bastos, secretária do CPMG, de Marta Aparecida Almeida e Almeida, nossa bibliotecária, e de Valdinei do Carmo, responsável pelo projeto gráfico e formatação.
Finalmente, muito obrigado aos autores e leitores.