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Revista Brasileira de Psicodrama

versión On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.18 no.2 São Paulo  2010

 

SEÇÃO TEMÁTICA: Adolescência, juventude: conserva e criação

Thematic Session: Adolescence, Youth: Conserve and Creation

 

Dicas a um jovem terapeuta psicodramatista de adolescentes

 

Tips for novice psychodrama therapists working with adolescents

 

 

Irany B. Ferreira1

NASOPSP- Núcleo de Adolescentes da Sociedade de Psicodrama de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo é dirigido a profissionais que estão começando a trabalhar com psicoterapia de adolescentes, como também a profissionais que trabalharam por longo tempo com os mesmos. No início, um profissional experiente é apontado como uma referência. Na segunda parte do artigo, elementos teóricos sobre adolescência e psicodrama são abordados em situações clínicas. Finalmente, dois casos clínicos são comentados e, no final, conclui-se que existe um corpo teórico prático para o atendimento de adolescentes.

Palavras chave: Adolescentes, psicodrama, psicoterapia, prática clínica.


ABSTRACT

This article is aimed at professionals who are starting psychotherapy work with adolescents, as well as professionals who have been working with adolescents for a longer time. First, I will look at experienced professionals as a reference point. In the second part of this paper I explore the theoretical aspects of adolescence and psychodrama in the clinical setting. Finally, two clinical examples are discussed, with the conclusion that there is a theoretical-practical frame of reference for therapeutic work with adolescents.

Keywords: Adolescents, psychodrama, psychotherapy, clinical practice.


 

 

Uso o adolescente, aqui, no sentido genérico, pois incluo masculino e feminino.

Este artigo é direcionado especialmente aos psicoterapeutas que estão se iniciando no atendimento de adolescentes. Mas também poderá ser lido por aqueles que já têm um percurso na estrada de atendimento a adolescentes, mas se sentem desmotivados/ desinteressados/frustrados em continuarem a atender estes jovens.

Trabalhar psicoterapicamente com adolescentes é maravilhoso e muito recompensador, mas oferece dificuldades típicas por sua psicodinâmica. Tão jovens e tão cheios de energia, com suas belezas típicas, usam roupas características, penteados próprios, gírias próprias que mudam todo ano, que criatividade! Querem revolucionar o mundo, precisam destruir as imagens que têm dos pais, santa crítica!!! Santo reclamar, santa agressividade e destrutividade, que desprezo exteriorizam. Outras vezes são silenciosos, indiferentes, especialistas em falar "não sei".

E são estes momentos que também surgem para o terapeuta, no seu cotidiano de atendimento. Este trabalho diário é alimentado com muita energia que vem do processo terapêutico, pois uma vez que o vínculo do trabalho terapêutico se instala, o jovem vai se abrindo, aprofunda, compartilha, abre seus segredos, seus medos, suas falhas, suas tristezas e, também, abre suas paixões, fala da sua sexualidade, e, desta forma, por este caminho, se instala o processo psicoterápico, no qual as defesas se apresentam primeiro para depois abrir o que é muito dolorido e temido. É um relacionamento muito rico, muito cheio de energia.

Chamo a atenção para dois aspectos que são muito delicados para o trabalho do psicoterapeuta de adolescentes e que acontecem com relativa frequência. O primeiro é o súbito abandono do processo psicoterápico, que ora pode vir direto do próprio adolescente, depois de uma sessão que o terapeuta sai satisfeito com o trabalho, imaginando que o mesmo tenha se sucedido com o jovem, quando este informa que, se hoje "é junho", "veja que julho será meu último mês, e vamos aproveitar mais o tempo fazendo duas sessões por semana e finalizamos na última", e tchau. E o encerramento também poderá vir dos pais, que acham que o trabalho já foi suficiente, e de uma maneira súbita isto é estabelecido, e ponto. Este tipo de despedida acontece no trabalho psicoterápico com o adolescente, e é importante que o terapeuta se prepare emocionalmente para tal. Pois se dói no terapeuta é porque estava doendo no jovem e nos seus pais, e se dói, param. Já vivi estes términos abruptos, e tempos depois retornam para mais um tempo de terapia. Há também limites para o viver e suportar a dor do trabalho psicoterápico, dependendo da fase e do momento que o jovem está.

E o segundo aspecto é a funcionalidade típica do processo de terapia de adolescente, que não se inicia, na sua maioria, em janeiro de um determinado ano; só aparecem mesmo no consultório após o carnaval, mais para março, e param em julho, que é período de férias, voltam em agosto e param novamente em novembro. Esta é uma característica muito diferente do atendimento de adultos. Este fator interfere diretamente no funcionamento administrativo do consultório, necessitando uma atenção e um cuidado muito rigoroso por parte do terapeuta, para que se possa organizar em termos de agendamento e organização de horários, como também com o programa financeiro, do consultório e da sua vida pessoal. Não é fácil.

Existir a possibilidade de o diretor de psicodrama ter "holding" e "grounding" e "sharing" são fundamentais para um atendimento continuado de adolescentes; traduzindo, o terapeuta precisa de continente, de afirmação e de compartilhar seu trabalho. Este processo acontece na supervisão, mas, havendo uma rede, mesmo que pequena, com trocas entre terapeutas de adolescentes, determinará uma qualidade de vida profissional melhor. Não se está sozinho: é fundamental se lembrar disto.

 

Introdução: uma referência de modelo profissional

Aceitei com alegria o convite para escrever um artigo para a Revista Brasileira de Psicodrama sobre adolescentes. Fazendo o "brain storm", fui pensando em várias possibilidades. Escolhi este caminho sobre "dicas a um jovem terapeuta", pois, coincidentemente, neste ano de 2010, completarei 30 anos de formado como médico, que foi minha primeira formação universitária, realizada na Fac. Ciências Médicas da Santa Casa de SP, em 1980. Dei-me conta de que já percorri um caminho profissional com uma significativa jornada de vivências, e que tenho experiências importantes a compartilhar, especialmente com quem está começando, como faz um pai para um filho.

Após diplomar-me como médico, entrei na residência de Psiquiatria Infantil e de Adolescentes, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, que concluí em 1983. E já a partir de 1981 iniciei o desenvolvimento de papel de terapeuta, inicialmente com adultos, e de 1982 em diante inclui definitivamente os adolescentes na minha vida profissional, até hoje.

Hoje em dia atuo principalmente como terapeuta em clínica privada, onde trabalho principalmente com psicoterapia individual, vincular e de grupo, com uma população de adolescentes e adultos jovens que representam 70% do total de clientes; e os outros 30% são de adultos. Também trabalho na Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde atendo dois grupos de adolescentes, um de 11 a 14 anos, e o outro de 15 a 17, e atendo estes dois grupos com co-terapeutas jovens em processo de construção do papel de terapeuta de adolescente, e também supervisiono os atendimentos individuais que são realizados.

Há um estudo neste momento para a viabilização de um grupo de estudos e de atendimento para uma população de adolescentes com tentativas de suicídio, no mesmo ambulatório de Psiquiatria das Clínicas.

Já tive oportunidade de trabalhar em parceria com escolas particulares em São Paulo, prestando serviços de discussão e supervisão, usando principalmente sociodramas, e com temas como "a angústia do vestibular no aluno do 3º ano do ensino médio", com um foco para os alunos e outro para professores; "prevenção do uso de drogas na adolescência", com alunos de 13 a 17 anos; e "capacitação de pedagogos e professores para o atendimento e orientação de alunos com dificuldades de rendimento escolar".

Gosto de contar a história que vivi como residente de psiquiatria infantil e de adolescente, que confirmou o meu direcionamento para desenvolver o papel de psicoterapeuta. No atendimento que prestava aos jovens como psiquiatra, tinha como norma dar como primeira medicação Fórmula HC, e tínhamos Fórmulas HC número 1, 2 e 3, que eram três tipos de comprimidos, um branco, outro vermelho e outro azul, que lembravam medicamentos que eram encontrados em farmácias normais, mas que tinham um composto em comum, farinha. Isso mesmo, eram placebos. E o que mais me surpreendia era que cerca de 50% dos pacientes deste ambulatório melhoravam com estas medicações. E os jovens que atendia apresentavam queixas como agressividade intensa, enurese, encoprese, terror noturno e sonambulismo, déficit de atenção, dificuldade de concentração e até agressão à mãe com faca. Portanto, os aspectos emocionais eram muito fortes e importantes como componentes dos quadros clínicos.

Confirmando minha observação, dados estatísticos mostram que fatores psicoterápicos e ambientais desempenham papel decisivo no tratamento global dos pacientes, particularmente nos adolescentes. Estudos descobriram que pacientes adolescentes deprimidos reagem positivamente a um placebo com quase tanta frequência quanto o fazem a medicamentos ativos (Green: 1991). Estes são fatos relevantes que mostram o quão importante é o aspecto emocional na construção de quadros clínicos que formam as patologias psiquiátricas, especialmente na adolescência, e na sua resolução também.

Quero deixar claro que medicações são importantes para o tratamento, mas igualmente importante é a psicoterapia. Penso que por mais que o campo orgânico/biológico se desenvolva para a compreensão e tratamento de patologias psiquiátricas, a psicoterapia sempre terá seu espaço.

Para definir psicoterapia, vou apresentar alguns conceitos, de tal forma que, alinhados, compõem o sentido de psicoterapia que pratico. Para começar, trago o conceito de Ramadam (1987), que postula que "psicoterapia é um relacionamento sistematizado entre duas pessoas utilizando especialmente a comunicação entre elas". E relembra, na p. 5 do seu texto, citando Henry Ey, que "A Psiquiatria encontrou seu verdadeiro semblante no dia em que o essencial da terapêutica psiquiátrica se impôs sob a forma de técnicas psicoterápicas, e isso é e será verdadeiro quaisquer que sejam a importância e o interesse dos métodos biológicos". A palavra psicoterapia pode ser dividida em duas partes: psico, de psiche, que quer dizer alma, e terapia, que significa tratamento, portanto, tratamento da alma, buscando alívio da dor interna e de sintomas. Bustos (2005) afirma que

"nosso objetivo na terapia é conseguir que uma pessoa que, por sua enfermidade, tem uma atitude passiva diante do seu meio converta-se em agente ativo de mudança. Uma pessoa que é atacada por fantasmas internos tem de colocar toda sua energia a serviço dessa luta estéril consigo mesma. Por meio do processo psicoterapêutico a pessoa consegue liberar a energia e pô-la a serviço da busca de mudança de um meio social em que já não se sinta alheia. A missão do psicoterapeuta é ajudar seu paciente a descobrir a própria ideologia; o contrário seria doutrinar dogmaticamente, pretendendo, como terapeuta, ser o dono da verdade ideológica".

E um último conceito, "Estranho (e maravilhoso, pois tem a capacidade de reconstruir este lugar, o do psicoterapeuta, particularmente adequado aqueles que buscam juntar os cacos daqueles que a destruição fragmentou, e se dedicam a escavar e a concretizar novas fundações" (Py: 1987). Tenho no psicodrama meu principal referencial teórico, e minha formação foi realizada na Sociedade de Psicodrama de São Paulo. Todos os trabalhos que apresentei para os títulos de psicodramatista didata supervisor foram sobre a atuação com adolescentes.

A perspectiva que o psicodrama oferece de trabalhar no momento, no aqui e agora, incluindo e/ou desbloqueando a espontaneidade e a criatividade, é fundamental para o trabalho psicoterápico com adolescentes. Poder humanizar o paciente, recuperando sua condição de ser humano, deixando de lado o aspecto passivo do papel de doente; horizontalizar as relações, para que a dimensão do poder existencial e terapêutico das duas partes envolvidas se manifeste, somos dois "Deuses" na relação, e fazer a inclusão são conceitos vindos de Jacob L.Moreno, e que são próprios para um processo psicoterápico.

 

Dicas de conceitos fundamentais sobre adolescência

A adolescência é uma etapa evolutiva do ser humano. A palavra "adolescer" vem do latim adolescere e significa crescer, desenvolver-se, engrossar, tornar-se maior, atingir a maioridade. Culminam para a formação do adolescente aspectos filogenéticos e ontogenéticos, sendo absolutamente impossível separar aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais na abordagem da adolescência (Tiba: 1985).

Em passado não muito longínquo, a adolescência era considerada simplesmente uma etapa de transição entre a infância e a idade adulta. A psiquiatria da adolescência é um dos mais novos campos dentro da especialidade e, semelhante ao que ocorreu com a psiquiatria infantil, a atitude tradicional assumida pelos pesquisadores, que tomavam como ponto de referencia – para não dizer de normalidade – o que acontece com os adultos, significou um grande obstáculo limitador da investigação.

Nas últimas décadas, isso se transformou: o adolescente passou a ser enfocado a partir de suas situações vitais e não em comparação ao mundo dos adultos; passou a ter um mundo próprio, com suas características, definições e possibilidades de compreensão.

Citações sobre a adolescência vêm de longa data. Platão comenta em "República, Livro III", Granville S. Hall apresentou, em 1904, os primeiros estudos psicológicos sobre a adolescência (Adolescência- sua psicologia e sua relação coma fisiologia, antropologia, sociologia, sexo, crime, religião e educação). Em 1905, Freud, nos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", escreveu o capítulo "Transformações na puberdade"; escreveu "Sobre a masturbação", em 1912, e, em 1914, "Algumas reflexões sobre a psicologia das escolas". Mas, somente após a Segunda Guerra Mundial, e basicamente nos EUA, começou a haver uma preocupação maior com a adolescência. O estopim dessa arrancada foi a mobilização de grandes contingentes de homens para as frentes de combate. As mulheres foram deslocadas para a indústria e as crianças, virtualmente abandonadas. Essa "orfandade", associada ao alto nível de tensão que um conflito bélico daqueles produzia no seio das famílias, gerou problemas que se refletiram na década de 50. Ao atingirem a adolescência, as crianças de guerra alertaram profissionais da saúde, como Erik Erickson e Peter Blos, quanto ao seu verdadeiro estado psicológico: foi a época das famosas gangues de delinquentes, como Hell'Angels e Black Knives, grupos de atuação psicopática, em que a violência e o perigo eram altamente valorizados.

Adolescentes: logo associamos cenas de turmas, gangues, bandos nas saídas das escolas, nos "shopping-centers", reunidos em blocos ou grupos, utilizando o mesmo estilo de roupa, uniformizados em seus jeans. Usam uma linguagem comum, com gíria e modismos próprios, um código quase exclusivo. São revolucionários, participam de grandes movimentos políticos, com extraordinária energia para mobilizar e contagiar a sociedade. Possuem uma força vital extremamente intensa que os impulsiona a viver, a se encontrar, iniciar jogos e vida sexual, namorar, "ficar", a ter "rolos", "pagar micos" e assim por diante.

Geralmente, aproximam-se do mundo das delinquências e das drogas, usando maconha, cocaína, crack, LSD, cogumelos, ou, na sua gíria: fumar um beck ou dar um role, ou fumar um digestivo (maconha), usar "farinha" (cocaína), "pipar" (crack), ou tomar um "doce" (LSD). Engravidam e suicidam-se.

Como nos assinala Graña (1995): "a indumentária psíquica camaleônica com que o adolescente se veste e reveste surpreende-nos a cada dia, tanto pelo inesperado das cores, tonalidades, matizes com que se tinge, que o coloca perante aos nossos atentos olhos e perplexos ouvidos como o inconceituável". Este autor ainda nos lembra do Styx, o rio dos infernos na mitologia grega, onde o adolescente jaz na travessia, debatendo-se em meio às vagas das tempestades íntimas num mar revolto que reluta em aplanar-se. E as intempéries que afetam a nau do adolescente o impulsionam de proa a popa, da angústia ao êxtase, em breves lapsos de tempo e através de intensos, súbitos e inapreensíveis movimentos que o situam em diferentes lugares, os quais, ao longo desta trajetória, vão pontilhando os contornos de uma identidade nascente.

Sempre é bom lembrar que a adolescência é uma fase da vida que se situa entre a infância e a idade adulta. Há uma frase atribuída a "Che Guevara" que definia o anarquismo, e que, nas devidas proporções, pode ser aplicada à adolescência: "Se hay gobierno, jo soy contra". Adolescência é uma fase de rebeldia, são muitos momentos de rebeldia. Os pais precisam sobreviver, serão "mortos" todos os dias, mas necessitam sobreviver, para que o processo de adolescência se instale e se desenvolva.

Pra que tanta rebeldia? Para definir sua identidade, precisa se separar dos pais, que estavam muito próximos na infância, quase grudados. E o primeiro movimento que fazem é se colocar em campos opostos e atacar os pais para desmitificá-los, desidealizá-los, para definir sua própria identidade. De tal forma que, depois de terminar o processo de adolescência, poderá vir a ter uma relação mais de igual para igual, não somente com os pais, mas também com o mundo dos adultos.

Quando termina a adolescência? No nosso meio, aos 18 anos. Por quê? Um elemento determinante é a questão da responsabilidade pelos seus atos perante a Lei. É da noite para o dia que a adolescência termina? Não, porque como todos os adolescentes sabem deste fato, vão se preparando pouco a pouco para este momento. A escolarização progressiva, com a chegada do ensino médio ou o antigo colegial, e a passagem do primeiro para o segundo e deste para o terceiro são fatores que potencializam o final da adolescência. A escolha profissional, com o consequente prestar vestibular, é outro fator. O tirar a carteira de motorista também se soma, e como!

E terminando a adolescência, portanto, tornando-se um adulto, um adulto jovem, espera-se que a independência econômica vá se impondo, e a estrutura de personalidade esteja definida, haja uma relação de reciprocidade com a geração precedente, e aconteça a estabilidade de uma identidade sexual e a possibilidade de estabelecer relações afetivas estáveis.

 

Dicas sobre o processo psicoterápico psicodramático de adolescentes

Síntese de conceitos fundamentais do psicodrama

Psicodrama é um método psicoterápico cujas origens se encontram no teatro, na psicologia e na sociologia. "Drama" vem do grego e significa ação. Psicodrama pode ser definido como o método de ação profunda, em que o protagonista busca sua verdade acompanhado pelo psicoterapeuta.

A teoria moreniana é basicamente dialógica. Nunca o Eu poderá encontrar- se através de si mesmo, só poderá encontrar-se através de um outro, do Tu (Fonseca: 2008). A relação vincular estabelecida entre o Eu e o Tu é o ponto de partida de Moreno. Ambos emitem e recebem estímulos, produzindo-se neles mudanças, ao estabelecer-se o Encontro.

O núcleo dinâmico da teoria de Moreno é o conceito de espontaneidade- criatividade. Devemos conceber o Homem moreniano como um ser espontâneo, criador e transformador. Espontaneidade e criatividade são fenômenos primários e positivos, e não derivados da libido ou de qualquer outro impulso animal (Gonçalves: 1988).

Ao lado do movimento espontâneo existe um outro, o seu oposto, que seria somente de valores e condutas estereotipados - Moreno o chamou de conserva cultural.

Moreno apresenta o fator tele como algo inerente ao ser humano e o caracteriza como "percepção interna mútua entre dois indivíduos", uma energia potencial disponível, amorfa e inestruturada que busca contato. Certa vez, escreveu que o "fenômeno Tele é a empatia ocorrendo em duas direções" (Moreno: 1978), o substrato das relações interpessoais. O fator tele pode conter duas variáveis: uma fisiológica, normal ou desejável, que assegura a correta percepção em ambas as direções. O outro aspecto é o responsável pelas distorções de uma ou ambas as partes, e a isso chama transferência. Se pensarmos no conceito de complementar interno patológico, veremos que é este o responsável pelas relações transferenciais, nas quais o outro é uma figura de seu mundo interno (Bustos: 2005).

Moreno criou também a Teoria do Momento, a qual é definida como uma categoria vivencial, caracterizada por aspectos de mudança. O momento moreniano é uma espécie de curto-circuito. É o instante transformador das pessoas envolvidas. Para ele, o processo de transformação do ser biológico para ser social – formação da identidade- ocorre através dos papéis. Definiu papel como a menor unidade observável de conduta. Ele afirma que os pontos de cristalização concreta do que chamamos ego são os papéis nos quais se manifesta. São esses pontos de cristalização (papéis) que estruturam o ego em suas trocas com o meio ambiente. Cada papel se relaciona com outros papéis complementares de outras pessoas por intermédio de vínculos (Bustos: 2005).

Moreno não estruturou uma teoria ou sistemática específica para a compreensão e o atendimento psicoterápico dos adolescentes, mas seus conceitos e técnicas da teoria do psicodrama servem para tal fim.

Há um protocolo de atendimento de um adolescente por Moreno, o caso William, de 14 anos, no qual ressalto a sua direção, e com importante participação dos egos auxiliares (Moreno: 1974).

A primeira sessão de atendimento

Para uma primeira sessão de atendimento psicoterápico, solicito a presença do adolescente acompanhado pelos pais, ou, pelo menos, uma figura parental, mãe ou pai.

Entra sozinho o adolescente e, depois de trinta minutos, entram o/os pai/pais para completar a primeira entrevista. Esta é uma proposta geral, que é feita para os pais e seus filhos, mas que não é rígida, podendo ser mudada, ou para uma entrada conjunta de filho com pais, ou somente os pais comparecem para a primeira entrevista, e depois na segunda é que virá o adolescente. Este movimento dependerá de acordo prévio com os pais, ou no dia, na sala de espera.

O fundamental é que o adolescente perceba claramente que está sobre ele o foco principal do atendimento: ele precisa se sentir valorizado, individualizado, olhado e incluído. Os pais precisam se sentir ouvidos, amparados, humanizados e afirmados.

A partir do momento que houver empatia mútua entre adolescente e terapeuta, o trabalho psicoterápico se iniciará. E, se para chegar a este momento, forem necessárias mais sessões de entrevista/atendimento, sem problema, assim será feito. Cada adolescente responde de um jeito, pois cada um tem sua identidade, e cada pessoa é única.

Na primeira sessão será observado que papel o adolescente oferece para este primeiro contato, que contrapapel o terapeuta então complementa, que vínculo é este que se forma, e que psicodinâmica traz consigo. A partir dos papéis desempenhados pelo adolescente e pelo terapeuta, teremos um construir de um diagnóstico da estrutura de personalidade do jovem. Também se inicia, desde a primeira sessão, o trabalho psicoterápico, pois faz parte do jogo relacional a ação terapêutica, que é jogada/ desempenhada desde o início.

Outro ponto abordado desde a primeira sessão é: o que dói? A dor psíquica ou emocional vem sempre acompanhando quem procura uma psicoterapia. Precisa ser aliviada, pois há um peso que atrapalha, quer o adolescente, quer seus pais. Não é à toa que caixa de lenço de papel faz parte do equipamento de trabalho dos terapeutas. Como é o consultório de um terapeuta de adolescentes? Além de ter a cara do próprio terapeuta, recomendo que seja o mais confortável possível, de forma que o jovem possa se sentar em poltronas, ou sofá, ou em almofadas ou no chão; com cores alegres, almofadas coloridas; que tenha um tocador de CDs; eventualmente, um instrumento musical, um violão eu tenho; e objetos intermediários, como bola, peças de lego, jogos de tabuleiro, papel e lápis, pretos e coloridos.

Quando houver uma satisfação das três partes envolvidas, adolescente, pais e terapeuta, será fechado o contrato de trabalho, com a definição de número de sessões por semana; horários; a questão da frequência e como se lida com faltas, pois sou a favor de cobrar, com a possibilidade de reposição no mesmo mês; quanto a periodicidade do processo psicoterápico, normalmente proponho até o final do semestre, e então se reavalia se continua ou não; trabalhar a questão do sigilo ou confidencialidade, que é um ponto fundamental; e se acertarem os honorários.

Um sentimento que os adolescentes trazem é o fato de estarem vindo para uma terapia. Embora colegas possam fazer terapia, há um desconforto, que é localizado na fala "estou louco", ou "qual é meu problema?", ou "qual é minha doença?". Eu, que sou psiquiatra, recebo com mais força o peso do mito da doença mental, "vou ter depressão?", ou "maconha leva mesmo à esquizofrenia?" ou "vou precisar de uma internação?".

Importante é aliviar a culpa dos pais, pois, além de pesar muito, bloqueia o raciocínio deles, trava-os, ou os deixa agressivos consigo mesmos ou agressivos projetivamente com os filhos. "Aonde foi que errei", é uma pergunta frequente no consultório. E os pais também trazem com eles o sentimento de impotência, "não sei mais o que fazer com meu filho", ou "fiz o máximo que pude e não consegui". É fundamental que possam recuperar uma capacidade de se movimentarem novamente, voltar a ter flexibilidade, acreditando outra vez em si mesmos, abrindo novas perspectivas relacionais.

A psicoterapia com adolescentes é individual ou bipessoal, ou de grupo. Todos os adolescentes que atendo começam pela individual, não só para nos conhecermos e podermos desenvolver uma parceria de trabalho, mas porque penso ser o caminho para aprofundarmos as dinâmicas que vêm a partir das queixas.

Os pais também participam da terapia dos filhos, através das sessões vinculares, com a presença do filho nas sessões junto com eles, não só porque sejam os responsáveis legais e queiram e precisem saber o que está sendo trabalhado, mas porque, certamente, têm a ver com uma parte das questões do filho, pois são corresponsáveis pela psicodinâmica vincular com ele, o que interfere diretamente com seu mundo interno e vice- versa.

Sempre invisto na comunicação com o adolescente. Mas se na primeira sessão ou nas primeiras, quando o diálogo não se impõe, passo a usar mais diretividade. Proponho, primeiro, desenhar o átomo sociofamiliar, e, se percebo a possibilidade, peço a dramatização do mesmo. Na outra sessão trabalho o desiderativo, que é composto de duas colunas: a primeira, se eu fosse um carro, eu seria qual? E por quê? Depois de carro, vem animal, instrumento musical, pizza, ave, e o último, que objeto seria. Na segunda coluna vem o que eu nunca seria, do carro ao objeto, com os porquês. Com estas informações, terei pistas da psicodinâmica que vive o jovem.

Na sessão seguinte executo o Valter Trinca, que é um conjunto de 5 desenhos e 5 histórias, feitos com papel e lápis preto ou colorido, depende do adolescente. Faz um desenho livre, conta uma história e eu anoto. Depois das cinco histórias e desenhos, interpreto o que me chama inicialmente a atenção, a partir dos desenhos, e depois busco confirmação e ampliação nas histórias. Obtendo mais informações com estes testes, com os outros trabalhos realizados, certamente terei uma ideia mais clara de quem seja o adolescente que irei atender.

Se perceber que os caminhos para o trabalho terapêutico estão muito bloqueados, encaminho o jovem para fazer outros testes psicológicos, como HTP e de estrutura de personalidade, como o Roschach. Quem são os adolescentes que me procuraram nos últimos 24 meses Vieram jovens com queixas de dificuldades no rendimento escolar, incluindo déficits de atenção, hiperatividade. Também recebi adolescentes com queixa de serem alunos medianos, aqueles que ficam na média escolar, para angústia dos pais, pois percebem o potencial, mas não desenvolvem, não dão segurança.

Vieram outros com queixa de tristeza importante e choro fácil, deprimidos.

E vieram aqueles que faziam uso de maconha de uma maneira intensa, quase que diária, e os pais sabiam deste abuso de maconha, mas desconheciam que vinha acompanhado de LSD.

Também recebi jovens com fobia escolar, que não conseguiam ir para a escola, e também com quadro de TOC, com rituais de limpeza, banhos demorados, fantasia de que se tocasse onde estava sujo, morreria.

E jovem que os pais trouxeram, pois estava vivendo um momento de agressividade muito grande com eles, pois já namorava sério, com 17 67 anos, pensando em se casar, e exigia que os pais não se metessem nas brigas com a namorada, mesmo que houvesse uma super desqualificação mútua, com repentes de violência entre o casal, com cenas vividas em frente aos pais, na casa deles.

O diagnóstico médico psiquiátrico é muito importante. Mas, para o psicoterapeuta, ele fica em um plano paralelo, pois o que importa é a pessoa, o ser humano que está a sua frente, e como este adolescente lida com as questões que são apresentadas e vividas por ele.

Vejo o conceito de doença como um caminhar, pois um dia todos os jovens foram normais. Normal é um critério estatístico, prevalece a maioria. Imaginem um grande círculo de jovens normais: um dia, por fatores biológicos, psicológicos pessoais e de sua família e do ambiente onde está inserido, um deles começa a caminhar para a direita, em direção a um círculo menor, o de patologias da adolescência. Na maioria das vezes é um longo caminhar, raramente é da noite para o dia. Antes de chegar no campo das patologias, passa por um momento de intersecção dos dois círculos, que chamo de região "border line". Pode chegar no campo das patologias da adolescência, que são três: as grandes delinquências, a dependência de drogas e as psicoses.

Em consultório, atendi, na maioria das vezes, jovens que estavam no campo da normalidade ou, no máximo, no campo "border line" ou transicional. E, insisto mais uma vez, o que importa principalmente, no papel de psicoterapeuta, é o ser humano adolescente com quem estou trabalhando, que psicodinâmica estabelece comigo e como, individualmente, responde a suas dores e sofrimentos.

Recebi muito mais meninos que meninas, em uma frequência de 4 ou 5 meninos para 1 menina. Há uma identificação maciça do gênero do adolescente com o gênero do terapeuta, portanto, minha clínica sempre foi um grande clube do bolinha. As luluzinhas ficam mais com as terapeutas mulheres.

Casos clínicos

Farei o relato de dois casos para exemplificar meu trabalho. Quero apresentar um adolescente que acompanhei em psicoterapia, inicialmente na modalidade bipessoal, em sessões duas vezes por semana, depois, em um segundo momento, uma sessão bipessoal e uma sessão grupal por semana e, em último e terceiro momento, uma vez por semana, bipessoal. Total do tempo de atendimento: aproximadamente, um ano e meio.

A., no início do atendimento, estava com 13 anos completos, quase 14, mostrava-se um perfeito adolescente, com rosto cheio de espinhas, usava agasalhos que mal definiam sua forma física, e era sempre lembrado e reconhecido por todos os professores da escola onde estudava, não somente por aqueles que lhe davam aulas, mas por todos os demais, tamanha era a repercussão de seus comportamentos e de sua fama e notoriedade como garoto- problema, confundido, erroneamente, como um dos "loucos" da escola.

Quem era ele? Segundo o relato da coordenadora de classe, era um garoto extremamente problemático, não tinha lugar fixo na classe, cada dia se sentava em um lugar, não fazia vínculos de amizade, ninguém queria ser seu amigo e eram raros os seus momentos de tranquilidade na classe, mais raros os momentos em que prestava atenção em alguma aula, só queria chamar a atenção dos colegas e dos professores, ou contando piadas ou fazendo gracinhas, subindo em cadeiras, arrastando-se pelo chão, emitindo sons, fazendo gestos, construindo aviõezinhos, jogando bolas de papel nos colegas. Em termos de rendimento escolar, não havia repetido nenhum ano, mas só conseguira passar fazendo exames e recuperações, com a presença constante de psicopedagogos. No ano em que comecei a atendê-lo, havia uma chance muito grande de repetir, porque seus pais haviam decidido suspender os reforços pedagógicos e estava com notas muito ruins na escola.

Na primeira sessão, em que estavam ele e os pais, mostrou-se muito inibido e travado, praticamente não falando nada, porém se apresentava triste, cabisbaixo e se limitava a ouvir. Quanto aos pais, vale a pena comentar que eram complementares na sua relação, mas um complementar patológico, havendo situações sofridas e difíceis para os dois. O pai se deitava cedo e a mãe deitava-se de madrugada, quase ao raiar do dia; sempre se fechavam em casa nos finais de semana, quase nunca saíam, embora tivessem recursos financeiros para tal; tinham poucos amigos, o pai se mostrava rígido, formal, autoritário e pouco afetivo na sua expressão, e a mãe se apresentava como alguém infeliz no casamento, enciumada, sentindo-se posta de lado pelo marido, e frustrada profissionalmente, pois não exercia a profissão em que se formara, embora admitisse ter um grande talento para tal; gritava o tempo todo com os filhos- esse era seu normal, um normal agressivo e com uma afetividade bastante prejudicada. Cheguei a indicar um atendimento, para os pais, de orientação do papel de pais, mas eles suspenderam o atendimento assim que surgiu a possibilidade de se separarem.

As sessões de psicoterapia não apresentavam todos os tempos de uma sessão de psicoterapia psicodramática clássica, pois após o cumprimento, na recepção, ao chegar a sala, A. já designava papéis para desempenharmos: eram sessões em que nunca ficávamos sentados conversando, pelo contrário, estávamos sempre em ação, pois ele já chegava superaquecido para as sessões.

Nos primeiros 6 meses A. procurou sua identidade, redefinindo seu "Eu" neste processo da adolescência. Foi fundamental o trabalho realizado quando fazia sessões individuais e de grupo, nas quais foi percebendo a sua sexualidade, a sua heterossexualidade, pois o grupo era misto. Vinha para as sessões usando jeans, com camiseta, com outra apresentação diferente da que usava ainda na individual, a do desleixado e pouco definido.

Neste momento passou a trabalhar, nas sessões individuais, uma história em que havia dois personagens rigidamente definidos, sem a possibilidade de inversão de papéis. Um era ele, o de homem, forte, viril e muito masculino, e para o terapeuta, o de "gay", de homossexual, e os dois personagens interatuavam o tempo todo. E esta história tinha capítulos em todas as sessões. Houve uma sessão em que os dois, o homem e o "gay", moravam juntos na mesma casa, dormiam juntos a noite sem se relacionarem sexualmente, lembrando dois amigos ou dois irmãos, e de dia saíam para trabalhar. O consultório, com suas cadeiras, poltronas, mesa e almofadas, era usado para montar os diferentes cenários que A. ia criando e delimitando; para ele, o papel de homem, cujo trabalho era manter relações sexuais com mulheres que lhe pagavam, para o terapeuta, o papel de "gay", que tinha relações sexuais com outros homens e sempre no papel passivo, recebendo dinheiro por isto. E à noite se encontravam na casa dos dois, verificavam os ganhos "financeiros" do dia e lá dormiam.

No final, o personagem "gay" desapareceu, foi "morto" e "enterrado" psicodramaticamente. Na escola foi havendo uma modificação muito grande, tornou-se pedagogicamente um aluno de regular para bom, desenvolveu amizades, chegou a ter uma turma, tornou-se músico e formou um conjunto musical.

Objetivamente nunca houve qualquer menção ou sugestão por parte dos pais de A. ou da escola, que este tivesse relacionamentos homossexuais, mas, subjetivamente, no nível de mundo interno, precisou redefinir sua identidade sexual, pois, como propõe Tiba (1985), é na adolescência que se redefine sua identidade sexual, realiza-se um re-reconhecimento do Eu, que estava bloqueado; com as bagunças na escola, com suas brincadeiras infantis, não podia crescer, pois estava confuso em lidar com estas questões. E através dos papéis psicodramáticos desempenhados, pode colocar no terapeuta o papel que a si era tão ameaçador e desorganizado, o de homossexual, a sua fantasia de vir a ser homossexual, fantasia do seu mundo interno.

O segundo caso é o de B., um jovem de 16 anos, que veio trazido pelos pais, com uma história basicamente de dificuldades de aprendizagem, já havia repetido uma vez a oitava série, mostrava-se agressivo com professores, desrespeitador com os mesmos e com os pais, e fazia uso de maconha, uso este descoberto pelos pais, que o toleravam, mas solicitavam que o fizesse nos finais de semana. Na verdade, gostariam que parasse, mas os pais eram ambivalentes nesta questão, pois os mesmos ainda faziam uso de maconha de uma maneira recreativa.

O pai trabalhava, é um executivo, e a mãe, advogada, trabalhava meio período. Tem uma irmã menor. B. aceitou fazer psicoterapia, uma vez por semana, e também aceitou que os pais participassem de sessões vinculares com ele, alternando com as individuais; portanto, em uma sessão vinha ele, noutra, ele e o pai, noutra, ele sozinho, noutra, ele e a mãe.

Logo na segunda sessão estávamos falando se havia consumido maconha no final de semana; diz-me que sim, e baixa os olhos; que foi? pergunto, responde que, além da maconha, que fuma mais frequentemente, também já usou LSD, sempre toma um quarto, e só uma vez tomou metade.

Quando percebo que há uma angústia grande nos pais, e uma tensão importante na relação com o filho, neste caso, e havendo um risco, por exemplo, de envolvimento ou com polícia ou com tráfico de drogas, proponho este esquema de trabalho, visando intensificar o que é trabalhado nas sessões, que temas surgem nas vinculares, que podem ser usados nas individuais, e alertar, quer o adolescente quer os pais, para os riscos que correm, não que não saibam, mas não tem consciência do que pode acontecer, pois negam a realidade.

A sociedade hoje é mais tolerante com o usuário de drogas, e ainda mais se este for menor de idade, mas muitas vezes, quando o jovem vai buscar a droga nas bocadas das favelas, e se a polícia estiver vigiando o local, a situação pode sair do controle, e a violência pode surgir, na contramão do que se espera.

As sessões já estavam se sucedendo por 6 meses, havia um diminuição da tensão nas relações com os pais, e estava mais adaptado na escola em termos de conduta, embora precisasse de um monitoramento por parte da mãe para fazer lição de casa, trabalhos, frequentar aulas de inglês; no futebol não precisava de cuidado, pois chegava sempre nos horários combinados com os amigos, precisava era de telefonemas para voltar para casa nestes dias.

Neste momento os pais não participavam mais das sessões, só vinham se chamados, quando B. começou a atrasar nas sessões. Sempre tinha uma desculpa, ora era o trânsito, ora era porque o consultório era longe da sua casa, ou o ônibus atrasava, mas a responsabilidade não era dele, mas dos outros, de tal forma que acabou faltando a uma sessão, não avisou, telefonei para ele e propus uma reposição, que aceitou, e à qual faltou.

Senti-me desprezado nesta situação, e percebi que esta emoção estava presente no meu vínculo com B. Aproveitei a oportunidade na sessão seguinte, a que veio, e neste dia chegou com a guarda mais baixa, com as suas estruturas de defesas menos prontas e alertas, pois vinha com culpa de ter faltado à sessão e à reposição, e de ter me deixado esperando nas duas vezes; assim que tive oportunidade, comentei que ele, B., estava me desprezando na nossa relação.

Percebi, através de um brilho diferente nos seus olhos, que algo havia mudado. Repeti a palavra-guia, assim me refiro a alguns elementos que penso serem portas de entrada para lugares internos antes fechados, repeti desprezo, e seus olhos se encheram de lágrimas. Era a primeira vez que o via chorar. Ofereci lenço de papel e perguntei o que significava aquele choro, ao me respondeu que não sabia de onde vinha esta emoção, que não estava entendendo o que estava acontecendo. Pedi para construir uma imagem de como enxergava nossa relação neste momento, pois se não se abria para outra cena, puxei a cena da nossa relação. Entrei como ego auxiliar, e fui pedindo solilóquios quer no seu papel, quer no complementar, e então comecei a fazer duplos, ficava ao seu lado e passei a falar várias vezes desprezo, eu desprezo você, tenho raiva de você, tenho medo que me abandone. Saí da cena, observei como reagia, como entrava essa emoção, e pedi, mais uma vez, para dizer onde esta emoção que estava vivendo o levava, para que outro momento da sua vida.

Respondeu-me que se lembrava de que quando tinha 13 anos, após uma briga e discussão feia com seu melhor amigo, quando romperam a relação, chegou muito triste em casa, foi falar com sua mãe, que não lhe deu atenção, começou a colocar a culpa do que havia acontecido nele, pois tinha pouca paciência mesmo e que isto iria lhe servir de lição, e foi ficando mais triste; telefonou para seu pai, que lhe disse não poder atendê-lo naquele momento, pois tinha uma reunião e se falariam no final do dia; sentiu-se desamparado e com a certeza de que seu pai iria chegar muito tarde, já estaria dormindo, e esta situação iria ficar desse jeito.

Pergunto se quer mudar algo nesta cena. Responde-me que sim, chorando, que queria que seu pai viesse para casa naquele momento e o abraçasse e o amparasse e lhe desse muito apoio, pois estava com medo e não sabia como iria ficar sem seu melhor amigo. Inicialmente faço o papel do pai, falamos, depois peço a inversão, e assim que se acalma faz uma proposta ao pai, que não iriam mais ficar tão distantes um do outro e que iriam participar mais ativamente um da vida do outro. E assim nos despedimos daquele dia. Sua terapia durou mais um tempo, diminuiu muito seu consumo de maconha para uso esporádico, não usou mais LSD.

Penso que como estratégia de manejo desta sessão, o caminho da palavra-guia levou a construir a imagem, que, associada ao duplo, levou a um aprofundamento para buscar cenas de dor/conflito para poder acontecer uma reparação/transformação.

 

Comentários finais

Este artigo tem por finalidade chamar a atenção do profissional que trabalha com adolescentes. A mensagem principal que quero passar é compartilhar o conhecimento para diminuir a solidão do terapeuta, que vem do exercício diário do atender, pois os clientes vêm para as sessões e se vão, deixando o terapeuta sozinho: o trabalho psicoterápico caracteriza- se por ser individualista, quase que não se compartilha, não se troca, somente nas supervisões. E se somam solidões distintas, pois este que escreve também a sente, por já estar lá na frente na linha da vida, sem muitos parceiros, com a mesma solidão no começo.

Há uma desistência grande por parte dos profissionais que trabalham com adolescentes. Somos poucos, quer os psiquiatras de adolescentes, quer os psicoterapeutas de adolescentes.

Os centros de formação de psiquiatras da infância e da adolescência são poucos no Brasil, existe um em São Paulo, outro em Belo Horizonte e outro em Porto Alegre. Formam-se poucos profissionais por ano. E psicoterapeutas de adolescentes são muito poucos no nosso meio.

Mostro que existe um corpo teórico-prático, para o atendimento de adolescentes, que dá sustentação para o trabalho. Os jovens que me procuraram nestes anos melhoraram. Há abandonos, mas é minoria. É possível, super possível o trabalho.

Pretendo trabalhar até o dia em que certamente ouvirei que tenho idade para ser o avô desses adolescentes, que durante anos trocaram muita energia e conhecimento, pois penso que lhes ensinei algo, mas com certeza aprendi muito com eles.

Aproveito a oportunidade deste artigo para agradecer a todos os meus mestres que me ensinaram, apoiaram e estimularam nestes 30 anos de trabalho. Quero mencionar Luiz Cuschnir, Içami Tiba, Carlos Calvente, José de S. Fonseca e Dalmiro Bustos.

 

Referencias

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OBRAS CONSULTADAS

Ferreira, I. B. Psicodinâmica do adolescente. In: Perspectivas psicodinâmicas em psiquiatria, organizado por Bettarello , S. V. São Paulo: Lemos, 1998.

Ferreira, I. B. e Flores , H. G. Clínica psicoterápica na adolescência. In: O psicodrama, organizado por Bustos, D. São Paulo: Ágora, 2005.

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Endereço para correspondência
Av. Aratás, 200
CEP 04081-000, São Paulo - SP
e-mail: iranybf@uol.com.br

 

 

1 Médico psiquiatra da infância e da adolescência, psicodramatista didata supervisor, diretor (pelo Instituto J. L. Moreno de São Paulo), coordenador do NASOPSPNúcleo de Adolescentes da Sociedade de Psicodrama de São Paulo, psiquiatra voluntário do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da FMUSP