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Revista Brasileira de Psicodrama
versión On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.19 no.2 São Paulo 2011
SEÇÃO LIVRE
Free Section
As emoções e os transtornos depressivos. O teatro do perdão como palco de resgates
Emotions and depressive disorders. The theatre of forgiveness as a stage for recovery
Instituto Jacob Levy Moreno de Buenos Aires
Conselho Científico da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata)
Resumo
O artigo propõe-se a esclarecer os diversos conceitos relacionados ao complexo mundo das emoções e destaca a sua manifestação nos transtornos depressivos. Ele apresenta algumas reflexões sobre o ser deprimido e considera o teatro do perdão um meio possível de resgate da saúde mental daqueles sujeitos em sofrimento.
Palavras-chave: Emoção, sentimento, humor, depressão, teatro do perdão.
Abstract
The article aims to clarify the various concepts related to the complex world of emotions and highlights its manifestation in depressive disorders. It offers some thoughts about being depressed and presents the theater of forgiveness as a possible means to rescue the mental health of those individuals in suffering.
Keywords: Emotion, feeling, mood, depression, theatre of forgiveness.
"Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos enlevo de estar vivos".
Joseph Campbell, O poder do mito.
INTRODUÇÃO
Imagine as duas cenas que se seguem, com dois atos cada uma.
PRIMEIRA CENA - ATO I - A NATUREZA
Você está em uma praia. A areia é branca, a água verde-clara, límpida e a temperatura, cálida. O céu está azul celeste, sem nuvens. O sol é brando, aquece seu rosto e todo o seu corpo. Há uma brisa discreta que esvoaça levemente seus cabelos. De repente, o dia escurece e raios rompem o céu. A água do mar, até então tranquila, começa a se agitar, assim como o vento que sopra e canta assustadoramente. Pingos grossos de chuva caem e a tempestade mostra sua força. O que houve com a natureza? Como pode o dia mudar assim, de maneira tão imprevista?
PRIMEIRA CENA - ATO II - O HUMOR
Imagine você naquela praia maravilhosa, com um tempo extremamente favorável, podendo desfrutar amplamente do mar, do sol e das companhias. Você está de bem consigo mesmo; sente-se feliz, com uma sensação de paz, e a vida parece não apresentar problemas. Subitamente, sem nenhuma razão objetiva, você começa a se sentir angustiado. Fica triste, sente certo desconforto inexplicável, irrita-se e briga, sem justificativa, com quem está ao seu lado. Sua expressão facial se transforma: olhar distante, semblante carrancudo. Apresenta cansaço, uma grande fadiga e muito sono. Perde a vontade de fazer coisas, sente-se lentificado nos gestos, no pensamento e no andar. Fica completamente apático e não consegue se concentrar em nada. Perde o apetite alimentar e nem pensa no sexual. A paisagem não tem mais graça, desinteressa-se pelo passeio e quer entender este terrível mal-estar. Sente vontade de chorar e desaba em lágrimas. "Meu Deus, o que é isso? Estou de férias, ao lado de pessoas que amo, nesta paisagem fantástica; por que me sinto assim? Como um grande prazer pode se transformar, bruscamente, em sentimento de desprazer? Como uma alegria pode, repentinamente, se converter em profunda tristeza?"
SEGUNDA CENA - ATO I - A NATUREZA
Imagine novamente a praia. Começa uma lenta e gradativa variação temporal, uma chuva leve, um vento pouco mais forte, um céu acinzentado. Esta mudança vem devagar e você se abriga sob o guarda-sol. Gosta da aragem que toca seu rosto e não se importa de não ver o sol. Não se incomoda com esta pequena inquietação climática que pode continuar assim, por um determinado tempo, ou depois melhorar e o sol sair. Mas também há a possibilidade de a condição meteorológica piorar, e uma tempestade surgir.
SEGUNDA CENA - ATO II - O HUMOR
A imagem é a mesma: a praia. O tempo está muito bom, e todos ao seu redor desfrutam do dia ensolarado. Brincam, riem, conversam sério, jogam conversa fora, entram no mar. Você está calado e vê tudo aquilo com certa nostalgia. Não sabe exatamente o que lhe ocorre, mas nada parece ter muita graça. Não dormiu bem à noite, uma pontinha de angústia apareceu de manhã e você não queria se levantar da cama. Chorou um pouco no travesseiro, sem que ninguém visse, e só foi à praia devido à insistência dos amigos, pois vontade não tinha. Fica inseguro, tem medo de que esta sensação piore, porém ainda guarda esperança de que ela desapareça. "O que aconteceu comigo? Há alguns dias eu estava bem, sorrindo e brincando como eles. O que houve com o meu humor?"
Fim das cenas.
Infelizmente, tal qual a natureza, com suas alterações atmosféricas bruscas, violentas ou mansas, o ser humano pode ser acometido, igualmente, de mudanças repentinas ou lentas, no seu estado de humor. Suas emoções, até então estabilizadas no sentido de bem-estar, podem se transfigurar e causar dano psicológico e físico ao sujeito, levando-o a apresentar sintomas depressivos.
Partindo deste cenário, crio um itinerário para este texto, com o objetivo de percorrer alguns caminhos que possam iluminar os significados das variações atmosféricas humanas e as articulo, no final, com o teatro do perdão.
EMOÇÃ O, SENTIMENTO, AFETO E HUMOR
O mundo das emoções congrega uma ampla terminologia conceitual, muitas vezes confusa e difícil de ser diferenciada, representado por inúmeras expressões emocionais, das quais dedico atenção particular às emoções, aos sentimentos, afetos e humor.
As emoções humanas sempre foram cantadas, versejadas, escritas e estudadas pelos compositores, poetas, filósofos, romancistas e cientistas de outrora e dos tempos atuais.
A vida é plena de emoções e elas são responsáveis por colorir ou anuviar a existência de cada ser humano. Os atos, pensamentos, ideias, falas e criações são permeados pela luz das emoções e todos vivenciam, vez ou outra, alegria, tristeza, angústia, mágoa, raiva, ódio, medo, decepção, vergonha e vários outros sentimentos. A exposição dessas emoções depende muito do modo de ser na vida, do seu temperamento, de sua personalidade. Alguns indivíduos são mais discretos a essa manifestação, outros mais exagerados; alguns são defensivamente frios, outros efusivamente impetuosos. É impossível passar pela vida e não se emocionar1, embora algumas pessoas façam o possível para esconder suas emoções, utilizando-se de subterfúgios e máscaras.
A palavra emoção deriva do francês émotion, que significa perturbação moral, e do latim motio ou emovere, que quer dizer movimento, perturbação, agitação.
Para Rojas "toda emoção é uma agitação interior que se produz como consequência de sensopercepções, recordações, pensamentos, juízos e que produzem uma vivência, manifestações fisiológicas, um tipo de conduta e experiências cognitivas". (1999: 21)
Segundo Sadock e Sadock, a emoção é um "estado complexo de sentimentos, com componentes psíquicos, somáticos e comportamentais, relacionado ao afeto e ao humor". (2007: 311). Para eles, as emoções são derivadas dos instintos básicos (prazer, dor, medo, agressão, alimentação, sexo e reprodução), cuja base neuroanatômica está localizada no sistema límbico. As emoções mais perceptíveis nos humanos, como a afeição, o orgulho, o ressentimento, a inveja, a culpa e a compaixão têm maior probabilidade de ser representadas no córtex.
Sims (2001) define sentimento como uma reação positiva ou negativa ante uma experiência transitória, embora marcante.
O neurologista Damásio descreve:
"Os sentimentos não são uma mera decoração das emoções, qualquer coisa que possamos guardar ou jogar fora. Os sentimentos podem ser e, geralmente são, revelações do estado da vida dentro do organismo. (...) Considerando a vida como uma acrobacia na corda bamba, a maior parte dos sentimentos são expressões de uma luta contínua para atingir o equilíbrio. (...) Na existência do dia-a-dia os sentimentos revelam, simultaneamente, a nossa grandeza e a nossa pequenez". (2004: 15).
O autor ainda menciona que a emoção apresenta uma tendência a envolver e preceder o sentimento. Ele separa este processo em duas partes: a pública, representada pela emoção, e a parte privada, pelo sentimento, pois as emoções, segundo ele, aparecem nas ações e movimentos, nas expressões faciais, no comportamento, na voz. Os sentimentos, por sua vez, são invisíveis ao público, embora não os sejam para o próprio indivíduo. Além disso, ele apresenta um extenso estudo sobre este complexo processo enfatizando que "as emoções ocorrem no teatro do corpo e os sentimentos no teatro da mente". (2004: 35)
Afeto é a "manifestação subjetiva do tônus emocional que acompanha uma ideia ou representação mental". (Sene-Costa, 2006:41) Ele pode ser caracterizado como afeto adequado: o tom emocional se encontra em harmonia com as ideias, pensamentos e discursos; inadequado: há desarmonia nesses aspectos; embotado: acontece uma grave redução na intensidade do tom emocional; instável: ocorrem mudanças rápidas e abruptas no tom emocional, sem relação com estímulos externos. (Sadock e Sadock, 2007).
O humor é um estado emocional global e prolongado, que é experimentado e relatado pelo indivíduo, de forma subjetiva, e observado pelas pessoas ao redor. Ele pode ser representado por um humor eutímico (estado normal do humor); disfórico (humor desagradável, inquieto); expansivo (expressão exagerada do humor, sem limitações, superestimado); depressivo (sentimento psicopatológico de tristeza); irritável (sentimento de incômodo, de hostilidade, raiva) e vários outros. (Sadock e Sadock, 2007)
Damásio (2004) salienta que o sentir é atualmente bem menos misterioso do que antigamente, pois a neurobiologia das emoções e dos sentimentos está progredindo cada vez mais e ela, com certeza, irá contribuir no auxílio ao sofrimento humano, como, por exemplo, no caso da depressão.
Hoje existem vários estudos robustos em relação às mudanças emocionais que ocorrem nos indivíduos com transtornos de humor. Na etiologia desses transtornos são valorizados os fatores genéticos, psicossociais e biológicos, representados pelos neurotransmissores, fatores neuroendócrinos, neuroquímicos, neuroanatômicos, anormalidades do sono, alterações imunológicas etc. Não cabe aqui a explicação minuciosa dessas inúmeras alterações, mas é pertinente salientar algumas delas, como exemplo (Sadock e Sadock, 2007):
O hemisfério esquerdo está relacionado mais à inteligência, à mente analítica, à objetividade, à autoconfiança, e o conteúdo emocional é mais limitado. Lesões neste hemisfério podem causar transtorno intelectual, perda do aspecto narrativo dos sonhos e, se a lesão tiver causado uma afasia2 profunda, pode haver o desencadeamento de uma grave depressão.
O hemisfério direito é dominante para os afetos, a motivação, a socialização e a imagem corporal, e lesões deste lado podem gerar transtornos afetivos, perda da visualização dos sonhos e ausência de resposta ao humor, a metáforas e conceituações.
Ainda sobre os hemisférios cerebrais, convém destacar que os lobos frontal e temporal têm uma atribuição importante nas emoções. Os pacientes que apresentam epilepsia do lobo temporal, por exemplo, tendem a manifestar comportamento bizarro, hipossexualidade, intensidade emocional e viscosidade (característica pessoal perseverante e aderente que molesta a interação).
Em relação aos córtices pré-frontais que influenciam o humor, os estudos demonstram que a ativação do lado esquerdo parece contribuir para uma elevação do humor, ainda que, quando lesionado, o sujeito possa apresentar sintomas contrários à ativação, ou seja, depressão e choro incontrolável. A ativação do lado direito leva à depressão, porém, quando há uma lesão, o indivíduo pode, diversamente, produzir riso, euforia e uma tendência a criar piadas e trocadilhos.
DEPRESSÃO, TRISTEZA E ALEGRIA
Os transtornos do humor abrangem uma série de quadros sindrômicos que estão expostos no quadro a seguir, de maneira simplificada. Neste momento a proposta é apenas descrever, de forma sintética, os transtornos depressivos. Os transtornos bipolares ficarão para outra oportunidade, porque fogem ao propósito deste trabalho.
O termo depressão pode ser utilizado de forma popular ou médica. Popularmente é comum se dizer que a pessoa está deprimida "porque brigou com o namorado", ou "porque foi dispensada do trabalho", ou ainda "porque faleceu um familiar". Esta maneira de se expressar revela um estado afetivo ou sentimento normal denominado tristeza, a que todos nós estamos sujeitos perante situações desagradáveis e inesperadas que podem ocorrer no nosso cotidiano.
O estado normal do humor é denominado de eutimia, e o comportamento é natural e comum, conforme os momentos de alegria e tristeza na vida da pessoa. "O que define se o humor está sadio é o quanto ele está adequado à situação real". (Lara, 2004: 21)
Do ponto de vista médico, há outras formas de designação do termo depressão.
Como sintoma, a depressão pode surgir em consequência de fatores estressantes, psicológicos, sociais e econômicos adversos e em muitos outros quadros clínicos, tais como: doenças infecciosas (toxoplasmose, Aids), doenças cardíacas e pulmonares (infarto do miocárdio, pneumonia), doenças endocrinológicas (hipotireoidismo, diabete melito), neoplasias (diversos tipos de tumores malignos), alcoolismo e demais drogadições, esquizofrenia, transtorno do estresse pós-traumático, processos demenciais etc.
Como síndrome, a depressão se manifesta por meio das alterações do humor (tristeza, apatia, irritabilidade etc.), da cognição (pessimismo, baixa autoestima, desesperança, ideias de morte etc.), da psicomotricidade (retardo psicomotor, falta de energia e da vontade, cansaço etc.) e dos sintomas vegetativos (diminuição ou aumento do apetite e do sono, diminuição da libido etc.).
E, por último, como doença, a depressão pode ser classificada de diversas formas: transtorno depressivo maior (TDM), distimia, depressão bipolar, depressão pós-parto, sazonal, melancólica, atípica, psicótica etc. Além disso, as depressões podem ter um início precoce, ou tardio, ser recorrente, vir acompanhada de comorbidades e outras características mais.
Os transtornos depressivos podem ser divididos, sinteticamente, em transtorno depressivo maior e transtorno distímico.
O Transtorno Depressivo Maior (TDM), também denominado Depressão Maior, caracteriza-se por um ou mais episódios depressivos e pode acontecer de forma leve, moderada ou grave. Aproximadamente 30% dos jovens que apresentam um quadro de depressão leve poderão vir a ter, dentro de aproximadamente 15 anos, uma depressão grave, e cerca de 50% daqueles que tiveram uma depressão grave, provavelmente continuarão com ela, numa forma mais leve, para o resto da vida. (Dubovsky e Dubovsky, 2004).
Na primeira e segunda cenas (atos II) foi dada uma amostra dos sintomas que as pessoas apresentam quando se sentem deprimidas. Poderia acrescentar ainda que o humor deprimido (uma profunda tristeza) ocorre na maior parte do dia e, em geral, em quase todos os dias da semana. A atenção e a concentração estão diminuídas, assim como sua autoestima e autoconfiança. A completa falta de energia dificulta ou mesmo impossibilita o andamento de atividades, sejam elas domésticas, laborativas ou sociais. As pessoas consideram-se inúteis e se culpam, diariamente, pela sua incapacidade. Sua visão de futuro é pessimista ou inexiste. Mostramse indecisas para qualquer resolução prática e, em razão de tal sintomatologia, apresentam, muitas vezes, pensamentos recorrentes de morte e ideação suicida.
Ainda que o TDM possa se constituir como um único episódio, é mais comum sua recorrência. O risco de a pessoa apresentar o segundo episódio é de 50%; após o terceiro, o risco de um quarto episódio é cerca de 90%. (Dubovsky e Dubovsky, 2004).
O Transtorno Distímico (TD), também designado como distimia, significa, em grego, mau-humor, e é uma forma crônica de depressão, menos grave, que ocorre na maior parte dos dias, todos os dias e por um período mínimo de dois anos. Os sintomas depressivos são mais leves e se iniciam insidiosamente. Às vezes o TD pode surgir como uma fase prodrômica do TDM.
O tratamento de escolha nos dois casos implica, principalmente, medicação antidepressiva e psicoterapia. Em certas ocasiões, o tratamento revela dificuldades, pois o paciente pode não aderir às propostas terapêuticas, piorando seu estado e dificultando a promoção da recuperação.
As ocorrências estressantes podem ser desencadeadoras do primeiro episódio depressivo, porém parece que elas continuam influenciando a manifestação da doença, como observam Joca e cols.:
"O estresse parece ser um dos principais fatores ambientais que predispõem um indivíduo à depressão. Em cerca de 60% dos casos, os episódios depressivos são precedidos pela ocorrência de fatores estressantes, principalmente de origem psicossocial. Além disso, a conhecida influência de fatores genéticos no desenvolvimento da depressão poderia ser decorrente de um aumento da sensibilidade a eventos estressantes". (2003: 47)
Sims (2001) menciona que os estudiosos Brown e Harris realizaram uma pesquisa com mulheres deprimidas e verificaram que alguns eventos adversos podem potencializar fatores de vulnerabilidade para depressão. Os mais prováveis seriam: falta de uma pessoa próxima, que seja confidente; perda da mãe antes dos 11 anos de idade; ausência de emprego e três ou mais filhos em casa, com idade inferior aos 14 anos.
Beck, citado por Sims (2001), considera que o paciente deprimido apresenta uma visão negativa de si mesmo, tanto em relação às suas experiências como quanto ao seu futuro.
O filósofo André Comte-Sponville enfatiza que faz parte da característica humana sentir angústia e desespero, até porque estes sentimentos impulsionam a mudança e a busca contínua de felicidade. (2000)
Quando Freud escreveu sobre Luto e melancolia (1973: 2091-100), tentou explicar a melancolia como sendo a perda inconsciente do objeto. Além disso, o melancólico teria um empobrecimento do seu EU, representado pela baixa autoestima, por uma série de reprovações a si mesmo e autoagressão. Os sentimentos de ódio ou decepção apresentados, na realidade, deveriam estar direcionados ao objeto. Como esta expressão emocional em direção ao OUTRO é considerada proibida, ele a conduz contra si próprio, e isso poderá desencadear um episódio depressivo.
Ragassi explica que a emoção só acontece quando há, de um lado, o sujeito emocionado, e do outro, um objeto emocionador. "Quando estou triste, estou triste frente alguma coisa. Não há como identificar a emoção sem identificar juntamente o objeto frente ao qual o sujeito está emocionando-se. (...) A partir do momento em que não houver o objeto emocionador o sujeito deixa de emocionar-se." (1998: 113).
Vários autores têm uma compreensão psicodinâmica da depressão. Sadock e Sadock elaboraram um resumo de muito deles, dos quais transcrevo alguns. Para Melanie Klein a depressão seria a expressão agressiva contra entes queridos. Silvano Arieti acentua que a depressão se desenvolve porque as pessoas passam a vida se dedicando ao outro, a um ideal, ou a uma instituição e não têm suas satisfações correspondidas. Para Heinz Kohut a criança precisa ter suas necessidades satisfeitas para desenvolver sua autoestima e, se isso não ocorrer, a depressão se instala. John Bowlby considera que a depressão se manifesta quando a criança tem prejuízo dos apegos e apresenta uma situação traumática de separação.
Num dos seus trabalhos sobre Espinosa, Chauí destaca que ele conceitua alegria e tristeza conforme o aumento ou a diminuição da força individual para existir e pensar, a qual é influenciada por uma causa externa (objeto do desejo). Portanto, para o filósofo, a alegria é o sentimento que surge quando nosso desejo é realizado e, por consequência, nossa força para existir e pensar aumenta (que pode ser chamada de amor). Tristeza é o sentimento que aparece quando o desejo é frustrado e, portanto, nossa capacidade para existir diminui (podendo levar ao ódio).
Espinosa também desenvolve um conceito relacionado ao desejo de vida, o qual denominou conatus, que significa "esforço para se conservar na existência":
"Os humanos, como os demais seres, são dotados de conatus (...) Sendo uma força interna para existir e conservar-se na existência, o conatus é uma força interna positiva ou afirmativa, intrinsecamente indestrutível, pois nenhum ser busca a autodestruição. O conatus possui, assim, uma duração ilimitada até que causas exteriores mais fortes e mais poderosas o destruam. Definindo corpo e alma pelo conatus, Espinosa os define como potências de existir e agir internamente indestrutíveis, portanto como vida." (Chauí, 2000: 15).
Embora Moreno tenha sido uma pessoa sempre sensibilizada com as emoções e os sentimentos humanos, desconheço qualquer estudo mais profundo a respeito da emoção3. No livro "As palavras do pai", ele enfatiza que o princípio da espontaneidade e da criatividade tem importante significado na existência humana como fenômeno criador, e este binômio E-C é considerado valor biológico, social e teológico. Ele desenvolve um estudo sobre a oração religiosa e comenta como ela é influenciada pelos sentimentos e pela espontaneidade, ou seja, por meio da espontaneidade o indivíduo pode intensificar seus sentimentos e orar com mais profundidade. Numa de suas citações ele salienta que tanto as ideias como as emoções podem ser geradas e treinadas com exercícios de espontaneidade, fundamentando uma "teologia experimental" que abordaria a relação do ser humano com a Divindade. Diz ele:
"Ideias e emoções, tais como amor, caridade, piedade, simpatia, felicidade, alegria, êxtase, remorso, responsabilidade, liderança, dominação, subordinação, humildade, lealdade, piedade, tranquilidade e silêncio todas essas categorias espirituais e psicológicas e muitas outras podem ser iniciadas, desenvolvidas ou treinadas com exercícios de espontaneidade". (1992: 181-2)
Fico sempre perplexa quando vejo Moreno usar a palavra "treinamento" para exprimir uma série de exercícios que poderiam ser aplicados para auxiliar e transformar o ser humano em alguém espontâneo-criativo. Como um homem que se mostrou e valorizou tanto os atos espontâneos e criativos poderia propor algo tão esdrúxulo, como o treinamento das emoções? Mesmo que o verbo treinar implique tornar-se apto para determinada tarefa ou ação, espero não ser a única pessoa que advoga o uso exclusivo da palavra desenvolvimento quando a questão é o desenvolvimento do papel (de algum papel). Os sentimentos não podem (e não devem) ser adestrados com exercícios. Eles fazem parte do nosso âmago, das nossas entranhas. Qualquer um de nós, se quiser, pode evitar demonstrar suas emoções ou fingir que não está emocionado naquele instante, porém este controle, se o temos, é de nossa única exclusividade. Se quisermos, nós mesmos até poderemos treinar a não exposição de uma dada emoção, independentemente de qual seja o motivo, porém não poderemos (ou não deveremos) entrar em uma "escola" que se envaideça de fazer esse tipo de treinamento.
Moreno chega a falar em treinamento da espontaneidade na experiência religiosa, porém acentua o paradoxo contido na frase mencionando que espontaneidade significa um "estado de alerta" para uma determinada tarefa (1992:181). Isso não diminui o peso da palavra treinamento e o contrassenso da expressão.
Acho também que existe uma lacuna na teoria moreniana no que tange à psicopatologia das doenças mentais. Sei que Moreno, além de olhar para o lado saudável dos pacientes, não era dado a rotulá-los, mas, quando necessário, apresentava seus diagnósticos. A própria Zerka comenta que em 1941, ao levar sua irmã para uma consulta, ele teria dito: "Ela está com uma depressão excitada" (2001: 101). O provável diagnóstico dessa depressão seria "psicose maníaco-depressiva", que já tinha sido descrita naquela ocasião, porém não se sabe se Moreno quis eufemizá-lo, ou se desconhecia a classificação.
Outra omissão nos seus escritos é em relação à síndrome depressiva. Vez ou outra se encontra uma referência, um tanto quanto oculta, ao estado depressivo de um paciente. Um de seus casos mais famosos, e de sucesso, ocorreu por volta de 1920, com um paciente suicida que lhe procurou no consultório, em Bad Voslau, onde morava. O homem lhe pediu que o ajudasse a morrer e que, se o fizesse, deixaria para ele toda a sua fortuna. Moreno não somente discorreu sobre a importância do seu papel de médico, que ajuda as pessoas a viverem, como propôs a ele um tipo de tratamento diferente. Naquela ocasião, Marianne, sua esposa, tornou-se seu ego-auxiliar, e Moreno, o diretor das cenas. De forma intuitiva dramatizou com o paciente todos os seus planos de morte, suas vontades, maneiras diferentes de se matar etc., e o paciente se sentiu acolhido não somente por Moreno, mas pelo pequeno público que assistia ao trabalho e que com ele compartilhou situações emocionais. Este pode ser considerado o primeiro tratamento psicodramático realizado por Moreno, o qual o auxiliou a compreender melhor o transtorno depressivo e foi a base para o desenvolvimento de seu método.
Outra descrição a pessoas deprimidas, que Moreno faz de modo conciso, é aquela ligada à primeira tentativa de utilizar a psicoterapia de grupo. Ele conta que reuniu alguns colegas terapeutas em Viena (1911) e formou um pequeno grupo, o qual tinha por objetivo procurar, na rua, pessoas que pareciam deprimidas e propor a elas uma visita em sua própria casa, realizando um tratamento psicoterápico de grupo com a própria família. (1974:79-80)
Outras pequenas citações, sobre pacientes deprimidos, são encontradas nos seus textos, geralmente quando descreve os protocolos (o paciente Karl, que tenta por diversas vezes o suicídio, todas frustradas; Robert, o paciente que sofre de angústia constantemente; outro paciente denominado Karl, alcoolista; Maria, a noiva, com medo de sexo e do parto e com uma tentativa de suicídio) (1974).
O TEATRO DO PERDÃO - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das denominações utilizadas por Zerka, para o psicodrama, é a do teatro do perdão. A frase seguinte, de sua autoria, marca a importância do ato de perdoar as próprias mazelas, para que se possa viver a vida de maneira mais venturosa.
O teatro do perdão "trata-se de um lugar onde se pode encontrar o amor e a aceitação pelo que consideramos ser os piores aspectos de nós mesmos. Vivenciamos nossa humanidade comum e aprendemos o que significa ser verdadeiramente humano. Aprendemos a transcender o passado e a ter acesso a um futuro mais promissor" (2001: 13).
O complexo fenômeno do perdão é baseado em diversos e amplos conceitos teológicos e filosóficos que fogem ao interesse deste texto, todavia cabe apresentar algumas colocações a respeito, para dar sentido ao teatro do Perdão.
O perdão é um dos sentimentos mais nobres dentro da esfera humana; é o procedimento sublime da atitude humanitária, daquele que acata a sua falha e consegue pedir perdão, e daquele que aceita o pedido de perdão e perdoa.
A palavra perdão remonta ao século XIII, do latim medieval perdonare, de per "total, completo", mais donare, "dar, entregar, doar", que significa remissão de pena ou de ofensa ou de dívida; desculpa; indulto (Houaiss, 2001: 2184), ou ainda, como verbo, perdoar, renunciar a punir, desculpar alguém de forma completa, verdadeira.
Existem três vocábulos hebraicos para o perdão, que considero importante mencionar porque cada um deles expressa um aspecto diferente: Násá', Saláh e Káppar.4
Násá' significa levantar, carregar e retirar o pecado (Êxo. 32:32; Sal. 25:18; 32:1) e o sujeito da palavra násá' pode ser tanto Deus como seres humanos em geral.
"O gracioso Deus retira o fardo do pecado e carrega as suas conseqüências. (...) Não é só um pronunciamento de perdão, é uma mão que 'levanta' o pecador".
Saláh é frequentemente traduzida por perdoar (Lev. 4:26; 5:10; I Reis 8:30; Sal. 86:5; Jer. 31:34).
"Emprega-se Saláh para referir-se ao oferecimento que Deus faz de perdão ao pecador. Não se acha esta raiz em nenhuma de suas formas, referindo-se a humanos se perdoando mutuamente. Ocorre apenas com Deus como sujeito. (...) o perdão é um processo de purificação espiritual e mental que restaura o relacionamento entre Deus e o ser humano e entre as pessoas".
A terceira palavra é Káppar ou Kipper (Deut. 21:8; Jer. 18:23; Lev. 1:4; 4:20 e 35), cujo significado é fazer expiação; fazer reconciliação, purificar".
"No Antigo Testamento Deus é sempre o sujeito do verbo Kipper, nunca o objeto, quando o verbo se refere a Ele. No Antigo Testamento Deus é o expiador e não o expiado".
Estas três palavras mostram, em resumo, que o perdão vem de Deus, de um Deus perdoador, como é descrito no Antigo Testamento. Para násá' o perdoador também pode ser um ser humano.
O perdão como fenômeno social é visto como algo que não se pode perder na lembrança, muito pelo contrário, deve-se enfrentá-lo com atitude digna e fraterna. Esta deve ser colocada em ação na relação dual, EU e o OUTRO ou O OUTRO e EU, ambos se perdoando e se absolvendo das possíveis culpas.
O perdão como fenômeno individual, cujo sujeito culpa a SI MESMO pelos seus atos (ou por apresentar sintomas físicos e mentais em razão de uma depressão), tem o sabor do fel, que amarga a própria vida e é, às vezes, mais penoso de ser posto em prática.
Em geral, todos os deprimidos anseiam pela experiência de "estar vivos", assim como diz Campbell no início do texto, mas nem sempre acreditam nessa possibilidade. Seu ser encontra-se, na maioria das vezes, tão vazio e despovoado de sentimentos e emoções alegres e felizes que parece irrealizável viver sem aquela dor depressiva. O indivíduo tenta buscar ou trazer de volta a sua vontade, a sua consciência, para que o seu EU reviva, retorne à vida, assim como diz Kierkegaard: "Quanto mais consciência houver, tanto mais eu haverá; pois que, quanto mais ela cresce, mais cresce a vontade, e haverá tanto mais eu quanto maior for a vontade. Num homem sem vontade, o eu é inexistente; mas quanto maior for a vontade, maior será nele a consciência de si próprio". (1973: 349)
O deprimido é aquele que não obstante todo sofrimento, em geral, quer se sentir livre de toda a dor moral causada pelos sintomas. Porém, há casos em que sua capacidade (vontade) para existir diminui, pois a dor é tão profunda e extensa que ele não suporta mais tamanha opressão. O esforço e a perseverança para continuar a viver se extinguem, e a existência perde seu sentido. O conatus esmorece, pois causas exteriores mais fortes e mais poderosas abalam aquele ser sofredor.
Antes que este momento venha a acontecer, os mecanismos de auxílio ao portador da doença devem entrar em ação. Como já disse anteriormente, um deles é o tratamento medicamentoso e o outro, é o teatro do perdão.
Em geral, na depressão, os sentimentos e emoções estão atormentados pela culpa: culpa por ter sido acometido pela doença, por estar doente, culpa por se sentir revoltado com ela, culpa por viver daquela maneira, culpa por fazer o outro sofrer, culpa porque o outro é culpado de sua doença, culpa por não seguir, muitas vezes, a recomendação médica, e várias outras culpas. Com isso, não se perdoa, ou não perdoa aquele a quem dirige a culpa por estar deprimido. Juntamente com o sentimento de culpa, outros se fazem presentes e caminham unidos: a decepção consigo mesmo, a raiva de si mesmo ou do outro, o medo e a insegurança do presente e do futuro, a vergonha de ser visto assim por outra pessoa, e vários outros sentimentos que podem diminuir sua autoestima. É difícil se aceitar doente; é extremamente penoso pensar que a depressão pode ter se instalado por causa de seus "defeitos".
O resultado disso é a forte sensação de que o seu futuro será tal qual o da natureza, isto é, nada promissor. Assim como o homem agride a natureza e ela reage aos ataques humanos, o indivíduo deprimido se autoagride e é difícil controlar ou erradicar a natureza desta violência interior. O psicodrama ou o "teatro do perdão" pode, no palco psicodramático, resgatar o mundo devastador das emoções negativas do sujeito, "perdoando- o" de todas elas, seja de sua culpa, de sua decepção, de sua raiva etc. O teatro do perdão auxilia-o a resgatar seu potencial criativo, pois a depressão funciona como uma conserva cultural (emocional), que faz o momento do aqui-e-agora se repetir dolorosamente.
Merengué diz que: "O homem criador é um ser (des) instalado no momento. Deixar-se engolir pelas conservas culturais de um tempo é quase morrer. A vida, nessa intenção, só faz sentido se inventada". (2001: 61)
O deprimido tem grande chance de morrer, pois muitas vezes não consegue (re) inventar sua existência. Precisa sobreviver, mas se não houver, ao lado dele, algo que o faça perdoar-se, não obterá o salvo-conduto da vida.
O teatro do perdão pode ser o instrumento que o trará de volta a uma existência pacífica consigo mesmo e com o outro. O teatro do corpo, representado pelas emoções, e o teatro da mente, pelos sentimentos (Damásio, 2004) poderão ser transformados no palco do teatro do perdão, resgatando a essência saudável do indivíduo.
No palco do teatro do perdão o deprimido tentará renascer, revivescer o status nascendi de sua espontaneidade e de sua criatividade, ser protagonista de seu ato criador.
Moreno expressa, de forma poética, a experiência do palco psicodramático, que permite o resgate do equilíbrio do ser humano:
"O espaço vivencial da realidade da vida é, amiúde, demasiado exíguo e restritivo, de modo que o indivíduo pode facilmente perder o seu equilíbrio. No palco, ele poderá reencontrá-lo, devido à metodologia da liberdade - liberdade em relação às tensões insuportáveis e liberdade de experiência e expressão. O espaço cênico é uma extensão da vida para além dos testes de realidade da própria vida. Realidade e fantasia não estão em conflito; pelo contrário, ambas são funções dentro de uma esfera mais vasta - o mundo psicodramático de objetos, pessoas e eventos." (1975: 1)
Moreno salienta ainda que o sistema de valores e a concepção de Deus devem ser reformulados, revolucionados e, por meio da criatividade, deve despontar uma nova identidade com o Criador. "Desse modo, poderemos vir a ser não somente uma parte da criação, mas também uma parte do criador. O mundo passa a ser o nosso mundo, o mundo que nós escolhemos, o mundo que nós criamos e que possa vir a ser uma projeção de nós mesmos". (1992: 25)
Portanto, levando em conta as três expressões hebraicas anteriormente citadas, pode-se dizer que o teatro do perdão, representado pelo násá', retira do sujeito deprimido todo o fardo de um suposto pecado e levanta- o para a vida. Por meio do teatro do perdão, o saláh auxilia o deprimido a se purificar de seus males e aflições, restaurando sua própria existência e suas relações interpessoais.
E, finalmente, por intermédio do teatro do perdão, o káppar purifica esse indivíduo em sofrimento, fazendo a expiação de todos os seus infortúnios e promovendo a reconciliação com o seu Eu sadio.
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*Médica, mestre em Psiquiatria (IPQHCFMUSP); psicodramatista didatasupervisora (SOPSP) e Instituto Jacob Levy Moreno de Buenos Aires; coordenadora dos grupos de auto-ajuda e vice-presidente do Conselho Científico da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata)
1 - Algumas pessoas sofrem de alexitimia, um transtorno caracterizado por falta completa de emoções, em razão de lesões cerebrais (principalmente no córtex pré-frontal).
2 - Afasia é uma alteração na produção da linguagem. Há vários tipos de afasia. A mais frequente é a afasia motora (ou afasia de Broca), em que o indivíduo consegue compreender o que se diz, porém a capacidade para falar é bastante limitada.
3 - O conceito de expansividade emocional (e social) tem outra conotação, diferenciando-se do que buscamos enfatizar no significado de emoção. Para o conceito acima citado, ver Sene-Costa (2006: 95)
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