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Revista Brasileira de Psicodrama

versión On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.19 no.2 São Paulo  2011

 

Resenhas

Book reviews

 

Sob fogo cruzado: conflitos conjugais na perspectiva de crianças e adolescentes (Editora Ágora)

 

Under cross-fire: conjugal conflicts from the perspective of children and adolescents

 

 

Silvia Petrilli*

Endereço para Correspondência

 

 

Maria Dolores Cunha Toloi - EDITORA ÁGORA. SÃO PAULO, 2010

 

Feliz escolha o título Sob fogo cruzado, para ilustrar, evocar uma imagem/ cena sobre como se sentem crianças e adolescentes e o lugar onde se encontram (ou são colocadas), nos conflitos conjugais. O tema escolhido para estudo e pesquisa foi a compreensão dos conflitos conjugais na perspectiva de crianças e adolescentes. O título revela o final da história, no entanto, leitor, não se engane. Esta revelação não dispensa de modo algum a leitura da obra. Há muito a conhecer através das aventuras de sua autora entre o início e o fim de toda a narrativa.

Após anos de experiência profissional, Maria Dolores Toloi coloca à nossa disposição uma preciosa publicação, que traz em si os registros articulados de competências dos seus três campos de atuação como psicóloga clínica, como psicodramatista didata supervisora e como assistente técnica de perícias psicológicas no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Compõe o livro partindo do que produziu para a sua tese de doutorado, defendida em 2006, na PUC-SP, Filhos do divórcio: como compreendem e enfrentam conflitos conjugais no casamento e na separação, estudo e pesquisa gerados pelo seu interesse nas dinâmicas de relacionamentos familiares e na potencialidade de intervenção e transformação do contexto familiar. Além de sua experiência pessoal com grupos de psicodrama que lhe deram acesso às intimidades no contexto doméstico, o livro também é resultado de muitos anos de trabalhos nas áreas de psicologia clínica e jurídica, em contato com direito da família. Este último estimulou-a ao estudo e investigação dos conflitos conjugais, em especial sobre como os filhos compreendem e enfrentam desavenças conjugais e a identificação de quais são os efeitos das discórdias parentais para as crianças e adolescentes, independentemente da configuração familiar.

Maria Dolores desenvolve tema complexo, delicado e multifacetado. Conduz com perspicácia o leitor, mesmo o não iniciado nos campos do direito, da mediação, da psicologia e do psicodrama, a aproximar-se das definições e questões referentes aos conflitos da conjugalidade e da parentalidade, das concepções histórico-culturais sobre família, direito da família, direito dos filhos, e mais, questões de poder de gênero, poder econômico, valores, crenças que dão suporte aos relacionamentos de conjugalidade.

Já nos primeiros parágrafos, a autora demonstra que articulará, com muita habilidade, as informações e conceitos advindos das áreas sociais, jurídicas e psicológicas, devidamente embasados e referenciados por autores nacionais e estrangeiros (pesquisadores muito atuais), entrelaçados por argumentos e opiniões pessoais.

Na introdução, mapeia a obra resumindo o conteúdo dos capítulos, contextualiza historicamente o seu tema, partindo das rápidas transformações sociais, políticas e legais do início do século passado, passando pelo impacto disso nas famílias brasileiras das camadas médias da população urbana, em especial após a legalização do divórcio no Brasil (final de 1977) e a Constituição de 1988, e a instalação da "cultura do divórcio" nos dias atuais.

No primeiro capítulo, discorre sobre conflitos conjugais com muita propriedade. Explicita as bases teóricas da concepção de conflito no campo da mediação e da psicoterapia. Cita inúmeros estudos e pesquisas de autores, no entanto, o que valoriza bastante este livro, como produção nacional, é que apresenta pesquisas genuinamente brasileiras nos campos do direito, da psicologia e do psicodrama, algumas das quais contemplam diversidades peculiares às regiões do país. São particularmente interessantes as concepções de conflito conjugal no Judiciário brasileiro, os aspectos de intersecção entre as áreas de psicologia e direito, relacionados ao tema do direito dos filhos e a abordagem psicológica, no contexto da separação judicial, e a guarda dos filhos.

No segundo capítulo, é especialmente instigante, ponto alto desta publicação, a contribuição pessoal trazida por Maria Dolores Toloi, sobre as concepções de 45 adolescentes paulistanos na faixa entre 13 e 16 anos, das camadas médias da população, sobre família e papéis familiares. Refiro-me às concepções por ela retiradas dos sociodramas temáticos utilizados como procedimentos de pesquisa em sua tese de doutorado. Estrategicamente, descreve as cenas criadas pelos adolescentes, o que possibilita ao leitor também adentrar de certa forma no imaginário da pesquisa, participar como ator e pesquisador, para, então, mais aquecido, compartilhar com Dolores das reflexões que resultaram de sua análise.

As cenas, apresentadas tão generosamente, foram propostas pela pesquisadora/ autora, com cuidado e ética, e criadas pelos jovens, com muito envolvimento. Cenas dramáticas exageradas, agressivas, divertidas... tragicômicas, bem ao jeito da expressão adolescente, repletas de conteúdos e significados.

Revelaram, como a autora explicita posteriormente, como são compreendidos os papéis de pai e mãe, o lugar do homem e da mulher na família, o poder econômico, a interferência de outros na família... há muito ainda dos conceitos da sociedade e família da primeira república... Quem diria! Vale a pena conferir.

Os sociodramas possibilitaram a compreensão das dinâmicas das interações familiares nos conflitos, assim como das reações dos filhos aos conflitos entre seus pais, conforme exposto neste e no capítulo seguinte.

No terceiro capítulo, outros aspectos são abordados, tais como o impacto das discórdias maritais sobre os filhos e os efeitos dos conflitos conjugais e frequência de episódios de hostilidade entre pais e filhos, no desenvolvimento cognitivo e emocional dos filhos de pais divorciados e não divorciados. Discorre sobre a Síndrome de Alienação Parental do ponto de vista psicológico e jurídico, e o sistema de guarda única dos filhos em situações de separação.

Como psicoterapeuta de crianças e adolescentes, compreendo que estes são assuntos da mais alta importância e necessitam ser conhecidos, em especial pelos psicoterapeutas, pois se apresentam no cotidiano da clínica.

O sociodrama temático com a técnica do teatro espontâneo, procedimento de pesquisa escolhido, foi definido e descrito no quarto capítulo. Maria Dolores justificou o detalhamento pela preocupação em tornar acessível as informações também aos pesquisadores não psicodramatistas. Ótima iniciativa, pois o sociodrama, metodologia de pesquisa-ação criada por Jacob Levi Moreno, é muito eficiente e merece ser divulgada, e a autora utilizou-a como procedimento de pesquisa qualitativa, clínica e social. A metodologia possibilitou ir além da proposta inicial da pesquisa, esclareceu a autora, pois o dinamismo e o envolvimento dos participantes na coconstrução do conhecimento propiciaram, entre outros aspectos, uma profunda investigação das dinâmicas dos relacionamentos e dos conflitos, e, com isto, a consciência dos conteúdos passou a fazer parte do processo de transformação.

Para o profissional do psicodrama, é indispensável conhecer este quarto capítulo, somado ao conhecimento dos demais que descrevem os resultados, para que mais uma vez tenha a oportunidade de certificar-se da validade do sociodrama como metodologia de pesquisa-ação.

No quinto capítulo, Maria Dolores expõe os resultados da pesquisa. Após o encerramento das dramatizações, os participantes expuseram os seus sentimentos, ideias e pensamentos, compartilhando questões da vida pessoal e relacionamentos familiares com a pesquisadora, num clima de acolhimento e sinceridade afetiva. Dolores então anuncia que, ao passar para a fase de compartilhamento e inquérito, quando os jovens deixaram seus papéis psicodramáticos e passaram a responder como adolescentes/ participantes da investigação, os seus relatos emocionados demonstraram os dramas vividos nas famílias contemporâneas.

Coincidência ou não, o fato é que há algo na narrativa, daqui em diante, que transmite uma intensidade afetiva. Segundo suas palavras, "os relatos não eram mais da vida dos personagens criados, mas sim das vivências cotidianas desses jovens. Nas falas sobre sonhos, medos, anseios, expectativas e frustrações, pude perceber a necessidade dos jovens em ter um espaço de expressão e representação dos conteúdos que muitas vezes aparecem sem interlocução apropriada."

De fato, é um capítulo rico pela exposição dos resultados, brilhantemente ilustrados por meio das falas espontâneas e tocantes dos jovens sobre como entendem e lidam com os conflitos conjugais, tanto no casamento quanto no contexto de separação da díade parental.

Dolores constata e demonstra, a partir do ponto de vista dos filhos, a agudeza do lado negro da convivência familiar, permeada por conflitos que promovem sofrimento nas relações, no desempenho de papéis da parentalidade e conjugalidade. No entanto, não se detém diante das tristezas, dores e fragilidades dos envolvidos. Sensibilizada, porém confiante na resiliência, oferece sua contribuição, que direciona para o desenvolvimento de uma nova dimensão de cooperação familiar, no sentido de um contexto familiar de carinho e ternura.

Maria Dolores não se contenta em relatar a sua vasta experiência profissional, sua pesquisa e os resultados de seus estudos, questiona com fundamentos as práticas vigentes, lança propostas sobre o que fazer a partir de suas descobertas, sugere caminhos, em especial nos campos da psicologia (das áreas clínica, jurídica, educacional e de pesquisa) e do direito, com efetivas contribuições para a sociedade. Por este motivo, é leitura recomendada aos profissionais que lidam com famílias, crianças, adolescentes, adultos, das áreas de psicologia, direito, educação, saúde, ciências sociais... e aos psicodramatistas, naturalmente.

Gratidão à Dolores, amiga na vida e colega do DPSedes (Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae), pela generosidade em compartilhar seu enorme e profundo conhecimento.

 

 

Endereço para Correspondência
Rua Havaí, 78
CEP 01259-000, São Paulo - SP
e-mail: silpetr@uol.com.br

 

 

*Psicóloga, psicanalista, psicodramatista didata supervisora pelo Depto. de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae - DPSedes, especialista em psicanálise de crianças pelo Instituto Sedes Sapientiae, especialista em psicologia clínica e educacional pelo CRP/SP