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Barbaroi

versión impresa ISSN 0104-6578

Barbaroi  no.38 Santa Cruz do Sul jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Crack na mídia impressa: um estudo sobre a produção de sentido no discurso jornalístico sobre o crack

 

Crack in press media: a study on the of sense production on journalistic discourse on the crack

 

Cracken los medios de comunicación impresos: un estudio sobre la producción de sentido en el discurso periodístico sobre el crack

 

 

Arnaldo Toni ChagasI; Fabiano Dutra SeegerII

IUniversidade Luterana do Brasil (ULBRA) -Santa Maria - Rio Grande do Sul - Brasil
IIUniversidade Luterana do Brasil (ULBRA) -Santa Maria - Rio Grande do Sul - Brasil

 

 


RESUMO

O presente trabalho visa investigar a produção discursiva sobre a problemática social da "droga crack" na imprensa escrita, através de uma análise dos editoriais da campanha "Crack nem Pensar", veiculada no Jornal Diário de Santa Maria, do Grupo RBS. Utilizou-se o referencial teórico-metodológico da Hermenêutica de Profundidade (HP), análise de discurso e semiótica como possibilidades para esta produção. O objetivo foi compreender e esclarecer os efeitos de sentidos produzidos sobre a droga crack por meio de material verbal jornalístico, construídos e veiculados em jornal, bem como aspectos ideológicos envolvidos. A realização deste estudo permitiu compreensões e esclarecimentos sobre a questão das drogas na sociedade atual, construindo uma visão mais ampla e complexa sobre esse fenômeno social. Na análise das estratégias discursivas destinadas à sociedade, no que se refere ao campo da prevenção, concluiu-se que o discurso veiculado nos editoriais analisados constitui-se com pretensões hegemônicas e consensuais, além de ser organizado de forma repressiva, autoritária e superficial, reduzindo e banalizando a complexidade do fenômeno estudado. E ainda ineficaz em seus propósitos, visto que, a aproximação e o consumo dos sujeitos com a droga crack aumentam substancialmente ao longo dos anos na sociedade brasileira.

Palavras Chave: Crack. Hermenêutica de profundidade. Análise de discurso.


ABSTRACT

The present study aims to investigate the discursive production about the social problem of "drug crack" in the press, through an analysis of editorial campaign "Think not Crack", conveyed in the Official Gazette of Santa Maria, the RBS Group. Utilized-if the referential theoreticalmethodological of Hermeneutics of Depth (HP), discourse analysis and semiotics as possibilities for this production. The goal was understand and clarify the effects of senses produced about the drug crack by means of verbal material journalistic, constructed and conveyed in newspaper, well as ideological aspects involved. The realization this study allowed comprehensions and clarifications on the drug issue in society current, building a broader vision and complex about this social phenomenon. In the analysis of discursive strategies aimed at society, in what refers to the field of prevention, concluded-if that the discourse conveyed in editorials analyzed constitutes-if with pretensions hegemonic and consensual, besides being organized so repressive, authoritarian and superficial, reducing and banalizing the complexity of the phenomenon studied. And yet ineffective in its purpose, since the approach and consumption of subjects with drug crack increase substantially over the years in brazilian society.

Keywords: Crack. Depth hermeneutics. Discourse analysis.


RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo investigar la producción discursiva sobre el problema social de la "grieta de drogas" en la prensa, a través de un análisis de la campaña editorial "No penséis Crack", expresó en el Boletín Oficial de Santa Maria, el Grupo RBS. Se utilizó la hermenéutica teórico-metodológicos profundidad (HP), análisis del discurso y de la semiótica como posibilidades para esta producción. El objetivo era comprender y explicar los efectos de la droga en los sentidos producidos grieta a través de materiales verbales periodísticos aspectos construidas y sirvió en el periódico e ideológicas involucradas. Este estudio permitió interpretaciones y aclaraciones sobre el tema de las drogas en nuestra sociedad, la construcción de una más amplia y compleja de este fenómeno social. En el análisis de las estrategias discursivas destinadas a la sociedad, en relación con el ámbito de la prevención, se concluyó que el discurso transmitido en el editorial se analiza con pretensiones hegemónicas y consensuales, y está organizado de manera represiva, autoritaria y superficial, reduciendo y trivializar la complejidad de este fenómeno. Y, sin embargo ineficaz en su objetivo, ya que el enfoque y el consumo de los sujetos con aumento grieta drogas sustancialmente en los últimos años en la sociedad brasileña.

Palabras Clave: Crack. Hermenéutica profunda. Análisis del discurso.


 

 

Introdução

O presente trabalho tem o propósito de investigar a produção discursiva sobre a problemática social da "droga crack" na imprensa escrita, utilizando-se da Hermenêutica de Profundidade (doravante HP), análise de discurso e semiótica como possibilidade para esta produção. Objetivou-se compreender e esclarecer os (efeitos de) sentidos produzidos sobre a droga crack por meio de material verbal jornalístico, construídos e veiculados em jornal, bem como os aspectos ideológicos envolvidos.

O intuito é explicar a forma como a mídia impressa se relaciona com a realidade do "objeto crack" no Brasil. O material a ser analisado origina-se no lançamento da campanha promovida pelo Grupo RBS, "Crack Nem Pensar", que foi lançada em 28 de maio de 2009. A partir desta data, tal campanha passou a ser veiculada no Jornal Diário de Santa Maria (RS), além de ser divulgada também através de outros suportes, ou mídias, pertencente ao mesmo grupo. O foco do estudo não é propriamente a campanha referida, mas sim os editoriais (concebidos enquanto textos, conforme a perspectiva da semiótica) que estão apoiados nela e que foram publicadas no Jornal Diário de Santa Maria (RS). Três editoriais serão analisados, numa totalidade de dezoito editoriais. A escolha dos editoriais analisados ocorreu mediante a contabilização das palavras que mais se repetiram nos dezoito editoriais. As palavras encontradas em maior quantidade, respectivamente, foram (ranqueadas): "crack", "droga", "dependente/dependência", "contra", "vício/viciado/vicia". Através das palavras recorrentes, se extraiu um primeiro recorte de fragmentos que foram determinantes na investigação e ainda, através disso, foi criada uma maneira de delimitar os editoriais mais representativos para serem analisados e que pudessem representar os demais.

A proposta de estudo encontrou no referencial teórico da Hermenêutica de Profundidade a possibilidade metodológica para esta construção. A HP é um referencial amplo e profundo que permite análise, compreensão e interpretação de formas simbólicas (doravante "FS") é a Hermenêutica de Profundidade (THOMPSON, 2007). Dessa maneira, foi proposto uma interface com o campo da Comunicação, direcionando o foco para a mídia impressa (discurso jornalístico em jornal), isto é: a atenção estará voltada para alguns aspectos sobre a produção de sentidos veiculados nesse meio de comunicação de massa, considerando fenômeno das drogas, em especial a questão social do objeto crack.

A abordagem sociológica de Thompson (2007) permite uma investigação sistemática e profunda sobre o objeto estudado. Esta teoria trata das FS que são inseridas em contextos sociais estruturados e que circulam na sociedade, por exemplo, através da mídia. Na concepção deste autor, FS são entendidas como um "amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtores significativos" (THOMPSON, 2007, p. 79). A HP enquanto um referencial metodológico deixa em evidência o objeto de análise. Nas palavras do autor citado, trata-se de "uma construção simbólica significativa que exige uma interpretação" (THOMPSON, 2007, p. 355). A HP constitui-se como um guia fundamental nesta pesquisa, sobretudo, por exigir do pesquisador, que ele considere diferentes aspectos e circunstâncias que podem, de alguma maneira influenciar na compreensão e na interpretação do fenômeno estudado. Deste modo, serão levados em conta, nessa investigação, aspectos das FS que exigem uma interpretação mais profunda referente à problemática da droga crack na mídia impressa.

A HP também interessou nesta investigação enquanto uma ferramenta teórica e metodológica, por ser um referencial que permite uma abertura metodológica; uma gama considerável de possibilidades em termos de utilização de diferentes metodologias, com vistas à interpretação do fenômeno que será investigado. Na proposta da HP de Thompson (2007), o pesquisador pode analisar o contexto histórico-social e espaço-temporal que situa o fenômeno em estudo, pode efetuar análises discursivas, semióticas ou de qualquer padrão formal que venha a ser necessário. (THOMPSON, 2007). Em termos de contextualização das FS, bem como suas características estruturais internas, deve-se empregar outros métodos de análise. Nesse sentido, Thompson (2007) quer "mostrar que a hermenêutica de profundidade (HP) apresenta um referencial a partir do qual esses vários métodos de análise podem ser sistematicamente interrelacionados, suas potencialidades podem ser consideradas e seus limites definidos" (THOMPSON, 2007, p. 356). Na verdade Thompson (2007) tem a intenção de mostrar que a HP fornece "não só uma alternativa aos métodos de análise existente, mas um referencial metodológico geral, dentro do qual alguns desses métodos podem ser situados e ligados entre si" (Ibidem, p. 356). Dessa maneira, abordou-se em uma das fases deste método a análise de discurso e semiótica.

Mediante a HP, o primeiro passo para aproximação com o objeto de investigação ocorre com a "interpretação de superfície", também conhecida como "interpretação da doxa". A palavra doxa, significa em grego, opinião, juízo, ponto de vista; ela "é empregada para designar o estudo das crenças e compreensões que existem e são partilhadas e sustentadas por diversos integrantes do grupo social" (GUARESCHI, 2003, p. 81). Ora, a hermenêutica da vida cotidiana é, por excelência, a interpretação da doxa, portanto, a referida interpretação é um exame criterioso em torno de como os sujeitos compreendem a realidade cotidiana. Para Thompson esse é "um momento etnográfico" que reconstrói as maneiras como as pessoas estão percebendo a realidade ao seu redor, suas opiniões, crenças e compreensões (VERONESE; GUARESCHI, 2006).

Com efeito, sendo a interpretação da doxa apenas o ponto de partida para o início do trabalho hermenêutico, ela precisa ser ultrapassada para que se possa alcançar um nível mais profundo de interpretação. Portanto, é importante ressaltar que essa primeira fase de interpretação é imprescindível no processo de pesquisa que se apoia na HP. Nesse sentido, nos mostra Guareschi (2003, p. 81) que:

A análise não se estende além do próprio fenômeno. O que se pretende, e o que é necessário, então, é dar um passo além, e levar em conta outros aspectos das formas simbólicas que brotam da própria constituição do objeto de estudo e que o enquadram num referencial mais amplo e mais profundo a Hermenêutica de Profundidade.

Realizada a interpretação da doxa, viabiliza-se então o processo de aprofundamento da análise do fenômeno estudado.

Esta breve apresentação metodológica faz-necessária para delimitar o contexto teórico que guiou este estudo. No decorrer do artigo, será abordado o tema proposto mediante a aplicação metodológica citada anteriormente, ou seja, serão analisados os efeitos de sentidos produzidos sobre a droga crack, por meio de material verbal jornalístico, construídos e veiculados em jornal, através da análise do contexto sócio-histórico do fenômeno pesquisado, bem como a análise discursiva dos editoriais da campanha "Crack nem Pensar", visando explicar a forma como a mídia impressa se relaciona com a realidade do objeto crack no Brasil.

 

O contexto sócio - histórico da droga crack

Ao realizar a análise do contexto sócio-histórico, proporciona-se um conjunto de elementos favoráveis também à interpretação da doxa, na mediada que a interpretação da doxa é a hermenêutica da vida cotidiana, ou, ainda, uma avaliação criteriosa sobre a forma como os sujeitos entendem o seu cotidiano. Mediante a pesquisa social e histórica reconstrói-se as maneiras como as pessoas estão percebendo a realidade ao seu redor, suas opiniões e compreensões. Desta forma, conforme Thompson (2007), neste exercício de interpretação da doxa, a vida social é relatada, no que o autor denomina como hermenêutica da vida cotidiana.

Assim, busca-se uma interpretação dos padrões de significado incorporados pelos sujeitos e, da mesma maneira, uma análise das implicações de poder e conflitos a eles subentendidos. Tompson (2007) define que o uso de formas simbólicas para sustentar relações de dominação determina os modos de operação da ideologia, e isto se faz na trajetória histórica dos fenômenos sociais. Logo, nas relações sociais cotidianas busca-se a interpretação dos processos de valorização simbólica de pessoas, objetos e das práticas sociais.

Com base na interpretação da doxa, inicialmente, cabe ressaltar que o consumo de drogas psicoativas, embora seja milenar, vem sendo tratado como problema social recentemente, a partir do quarto final do século XIX. Nesse contexto, o consumo dessas substâncias produziu um amplo discurso, envolvendo vários campos sociais e instituições, tais como: médico, jurídico, filosófico, religioso, psicológico (FIORE, 2007). Atualmente, o uso e abuso de drogas são vistos como um dos principais problemas de saúde pública que vem associado a problemas biológicos e, principalmente sociais, ligados à violência e ao tráfico (RONZANI, 2009).

Mediante a construção sócio-histórica desse processo e dos agentes que lhe dão forma e significado, os EUA podem ser considerados os pioneiros no processo de institucionalização das drogas como problema social. Em termos gerais, devido a interesses econômicos, políticos, médicos e morais, o referido país inicia o empreendimento de uma série de medidas, com a finalidade de prevenir e reprimir o uso e o tráfico de substâncias psicoativas. Passam, assim, a propor medidas para atingir outros países, na busca de aliados internacionais, dentre outros motivos, como meio para pressionar reformas legais internas (RODRIGUES, 2002).

No Brasil, apesar da cronologia do sistema jurídico se aproximar muito da dos EUA, não é possível falar de movimentação precoce e organizada como a daquele país. Conforme Fiore (2007), o Brasil passa a adotar a política antidrogas a partir de conferências internacionais lideradas pelos EUA e, principalmente, devido a motivações moralistas presentes em ambas as sociedades. Isso repercute numa série de medidas jurídico-políticas e legislativas, elaboradas até os dias atuais, além de campanhas de prevenção, com o intento de convocar toda a sociedade no combate às drogas. Nesse alarde aliam-se autoridades sanitárias, policiais e jurídicas, sendo, em 1921, "tipificada, pela primeira vez, a figura jurídica do toxicômano numa legislação brasileira" (FIORE, 2007, p.30).

As campanhas de prevenção ao uso de drogas, por sua vez, também tiveram seu início nos EUA, no período da Lei Seca1, mediante conflitos entre grupos sociais e interesses econômicos em torno da cannabis sativa. A partir daí a mídia foi se tornando o principal e mais conveniente meio de difusão dos discursos de combate às drogas que prevaleceu até os dias atuais, em vários países tal como é no Brasil. Conforme Chagas (2009), a mídia possui um importante papel na construção social das drogas, enquanto instituição que tem o poder de fabricar e disseminar, de forma estratégica, os discursos dominantes sobre o assunto.

Diante do cenário sócio-histórico de consumo, campanhas de "combate" e prevenção de drogas, na década de 70, nos EUA surge uma nova droga, chamada crack. A disseminação de seu consumo foi reconhecida rapidamente nos EUA como um fenômeno, sendo mencionada pela primeira vez no "New York Times" em 1985, e encontrada na Inglaterra em 1987 e no Brasil somente em 1989. Nos anos 80 e 90 o uso do crack cresceu rapidamente e logo alcançou a popularidade nas principais cidades americanas (como foi o caso de Los Angeles que acabou ficando conhecida como "a capital do crack no mundo").

Nesses períodos, a droga referida atingiu grandes proporções, a tal ponto que seu consumo foi considerado uma epidemia. A facilidade de produzir a droga (fabricada a partir da base de cocaína que é dissolvido numa solução de bicarbonato de sódio e água fervida), o baixo preço (a cocaína era droga cara), forma de uso e os efeitos imediatos (altamente viciantes) foram, e ainda são reconhecidas como as principais razões da disseminação, que levaram ao consumo uma grande parcela da população americana e brasileira, sobretudo jovens de baixa renda e dependentes químicos.

Nos anos 80 e 90 o consumo da cocaína aumentou consideravelmente e também auxiliou no aumento do consumo expressivo do crack2. Na cidade de Los Angeles, por exemplo, o comércio da cocaína transformou-se também em comércio de crack. Logo os grupos envolvidos com a distribuição da droga alcançaram mais poder de influencia e espalharam-se por outras áreas urbanas. Aumentaram, além disso, o poder econômico. Daí, para a compra de armas ilegais, foi um passo3.

No Brasil, o crescimento do consumo da droga crack foi reconhecido pelos especialistas como epidemia, passando a ser relacionado, diretamente, com o "combate" da cocaína. As políticas de repressão à venda da droga também foi uma das razões que contribuiu para a produção, venda e consumo do crack nesse país.

Os efeitos da droga crack, em relação aos da cocaína, são considerados mais fortes; provoca sensação de euforia em torno de dez segundos apenas, embora sua duração varie entre três a dez minutos. Em relação ao preço, o crack é bem mais barato que a cocaína. Além disso, a via de uso não é endovenosa, pois é uma droga, em geral, cheirada através de um cachimbo ou de latinhas improvisadas, com orifícios por onde o usuário pode inspirar a fumaça produzida pela queima das pedras. Neste caso, o usuário não corre o risco de ser contaminado pelo vírus da AIDS em razão do não uso de seringa.

O crack é uma droga que pode levar à dependência rapidamente, pois a tolerância de seus efeitos é bastante elevada. Portanto, desenvolve-se com facilidade. A síndrome de abstinência se manifesta por insônia, fadiga, apatia e depressão grave (CEBRID, 2010). Contudo, o usuário, em virtude dos efeitos de euforia, excitações e sensações intensas de prazer, não se dá conta, nem crê, nas consequências negativas que advêm com o tempo, considerando a sequência frequente do uso, tais como: sintomas paranoicos (sensação de perseguição), compulsão incontrolável ao uso (situação, aliás, que impulsiona o dependente a usar diferentes meios para aquisição da droga: assalto, furtos, venda de objetos pessoais, prostituição, etc.), problemas de concentração e memória, emagrecimento e enfraquecimento geral e debilidade do sistema imunológico. A dependência do crack, além destas consequências, ainda pode levar o usuário a ter agitação psicomotora, emagrecimento, hipertensão, arritmias cardíacas, indiferença sexual ou acessos crônicos de tosse. Como produzem um aumento acentuado da frequência cardíaca e da pressão sanguínea, poderão causar enfarte do miocárdio e hemorragias cerebrais. Adicionalmente, o consumo do crack poderá ainda trazer outras complicações, frequentemente graves, como infecções respiratórias (OMS, 1993).

Com base nesta contextualização, ficam descritos vários fatores sociais, econômicos, biológicos e políticos que contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento do consumo do crack e sua disseminação, ou ainda, como foi definido pelos especialistas e pelos editorias (objeto deste trabalho): uma epidemia.

Os editoriais da campanha pesquisada têm por objetivo prevenir o uso do crack, além da repressão aos traficantes e do tratamento para a recuperação dos craqueiros. Com o slogan "Crack, Nem Pensar", o grupo RBS veicula a questão do crack como "maldição moderna" 4, que acarreta sérias consequências e poucos exemplos de recuperação. Isso tudo é anunciado em textos verbais, através de cenas chocantes na mídia impressa. Como diz Hernandes (2005, p. 36) "quase tudo o que aparece no jornal, direta ou indiretamente, se vincula a uma notícia. Uma reportagem a apresenta, um editorial opina sobre ela". Portanto, tem-se a intenção de sabermos qual é o tratamento editorial dado pelo grupo RBS quando o assunto é prevenção ao consumo de crack.

Após a análise discursiva dos editoriais, propõe-se avançar e compreender de que modo o Grupo RBS se apropria e constrói a problemática social do crack através da mídia impressa, ou, ainda, investigar de que modo a problemática do crack é construída e veiculada através da campanha "Crack nem Pensar" pelo Jornal Diário de Santa Maria (RS), conforme seguirá no decorrer deste trabalho.

 

Análise formal ou discursiva dos editoriais

A análise formal ou discursiva, na teoria da HP, proporciona um momento de desconstrução dos elementos internos determinantes na compreensão das formas simbólicas. Essa fase é fundamental, pois se examinam as formas simbólicas na perspectiva da sua estrutura interna. Guareschi; Veronese (2006) citam que:

Na fase da análise formal, parte-se do pressuposto de que os objetos e expressões que circulam nos campos sociais, através dos quais se dão as relações, são formas simbólicas, construções complexas que apresentam uma estrutura articulada (sejam elas textos, falas, imagens paradas ou em movimento, ações, práticas etc) (GUARESCHI; VERONESE, 2006, pg. 89).

Nesta fase do estudo, para a análise da estrutura do material veiculado na mídia impressa (análise formal da HP), optou-se pela análise de discurso e pela semiótica francesa como ferramenta de interpretação e análise dos dados (textos). "Essa abertura da fase da análise formal, onde o analista pode utilizar qualquer padrão formal, o mais indicado para seu tipo de material, propicia uma rica gama de possibilidades que torna o método da HP bastante abrangente". Guareschi e Veronese (2006, pg. 90). A semiótica, nesta perspectiva, servirá como ferramenta para a realização de uma análise discursiva, ou seja, a base da análise terá como referência a análise de discurso, adotando a semiótica como a metodologia essencial para esclarecer a estrutura e os mecanismos internos dos textos e os efeitos de sentidos produzidos a partir do material analisado.

Desta maneira, o contexto mais amplo da análise será demarcado pela análise de discurso da escola francesa, influenciada pelas noções conceituais de Michel Pêcheux e Michel Foucault (que serão retomados no terceiro nível de análise semiótica, o discursivo). Trata-se, segundo Pêcheux (1993), de uma teoria que aparece ligada à dimensão político-ideológica, suas premissas básicas são sustentadas na concepção de que a linguagem tem um modo de constituição profundamente histórico, não sendo possível dissociá-lo do conjunto das práticas humanas. Por esta razão, saber quem fala, para quem fala, em que situação e de que lugar da sociedade são elementos de suma importância no processo comunicativo. Já Foucault, em "a ordem do discurso" (1971), direciona a análise de um discurso para a compreensão de determinadas condições sócio-históricas que impregnam as formações discursivas enquanto conjunto de regras limitadas no tempo e no espaço e que, definem as condições de exercício da função enunciativa. Para ele, os discursos que reiteram processos socialmente cristalizados podem ser apreendidos como partes de uma mesma matriz, determinando regularidades definidas pela relação que mantém com a ideologia (FOUCAULT, 1971).

Mediante uma dada organização discursiva, diversos efeitos de sentido podem ser produzidos. Para Algirdas Julien Greimas, importante autor da Semiótica, o estudo desta teoria se desenvolve com o objetivo de buscar os sentidos dos textos. Greimas define em seu método fundamentos que permitem, justamente, analisar a organização dos discursos. Fiorin (2009, p.15) afirma que: "Greimas toma o texto como unidade de análise". A análise proposta pelo referido autor tem como propósito pesquisar sobre os sentidos que se produzem na relação do homem com as temáticas do mundo, situando o texto como seu objeto de estudo. Segundo ele, a semiótica pode ser concebida como:

A teoria de todas as linguagens e de todos os sistemas de significação, o mundo extralinguístico passa a ser o lugar de manifestação do sensível, da manifestação do sentido humano, quer dizer, da significação para o homem (GREIMAS, 1975, p. 52).

Quando o autor citado refere-se ao sentido (significado) do texto remete o processo semiótico à articulação de duas categorias de análise, o plano de expressão e plano de conteúdo. Sinteticamente pode-se argumentar (e diferenciar) que o plano de conteúdo refere-se ao significado do texto, ou seja, o que o texto diz e os recursos que utiliza para dizer o que diz (como faz), enquanto o plano de expressão refere-se à manifestação desse conteúdo, a maneira como estabelece esta manifestação. A delimitação do plano de conteúdo compreende o estudo do que Greimas chamou de percurso gerativo do sentido (doravante PGS). Para Fiorin (2009), mediante o PGS, torna-se possível identificar formas de organizações da narrativa presente no texto, sendo justamente estas estruturas que permitem a construção dos sentidos e significados de um texto.

O percurso gerativo do sentido é uma sucessão de patamares, que mostra como se produz e se interpreta o sentido, num processo que vai do mais simples ao mais complexo. Os patamares (níveis) do percurso são três: fundamental (profundo), narrativo (intermediário) e o discursivo (superficial) (FIORIN, 2009, p. 20).

Assim, a semiótica propõe um modelo teórico em que se pesquisa e se investiga o sentido de um texto, ou ainda a forma como ele se produz. Desta maneira, define um plano do conteúdo mediante a abordagem de um PGS.

O PGS, da teoria semiótica, auxilia na análise formal, visando a um processo que migra do âmbito menos complexo e abstrato ao mais complexo e concreto, com objetivo de apurar como se dá a produção do sentido do texto, conforme cita Fiorin (2004, p. 20): "é uma sucessão de patamares, cada um dos quais suscetíveis de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se interpreta o sentido, num processo que vai do mais simples ao mais complexo". Dessa forma, a semiótica greimasiana propõe um modelo de investigação que busca a produção do sentido do texto, este visto como uma rede de sentidos; assim, ela determina seu plano de conteúdo sob a configuração de um PGS. O referido percurso é composto, por três etapas ou níveis, conforme descritos e analisados abaixo:

• Nível fundamental: é o patamar mais simples e abstrato em que a significação se apresenta como uma diferença ou oposição semântica mínima, porém fundamental.

• Nível narrativo: organizam-se os valores fundamentais da narrativa, do ponto de vista do sujeito. Aqui é analisado o modo como esses valores e essa narrativa são discursivizados.

• Nível discursivo: é o patamar mais complexo e concreto onde a organização narrativa transforma-se em discurso por meio dos processos de temporalização, espacialização, actorialização, tematização e figurativização, que completam a concretização semântica.

 

Análise do nível fundamental

Seguindo a primeira etapa do PGS, encontra-se o nível das estruturas fundamentais que abrange a significação como uma oposição semântica mínima, sendo esta compreendida na produção de um sentido do texto. A base da construção de um texto é sustentada pelas (semântica) estruturas fundamentais.

Cabe ressaltar o que mostra Fiorin (2005, p. 18) sobre a semântica em termos do nível fundamental: "o referido nível abriga as categorias que estão na base da construção de um texto". Salienta, ainda, que "uma categoria semântica fundamenta-se numa diferença, numa oposição". No texto abordado percebe-se que os sentidos construídos originam-se a partir de duas oposições: vida vs morte. A relação de contrariedade que se estabelece entre estes dois termos, no texto, mantém (ou produz) o sentido de ambos (o termo morte ganha sentido através do termo vida, e vice versa).

A categoria semântica fundamental vida vs morte se faz manifesta, no texto, na relação de um sujeito com a droga "crack", onde a "aproximação" do sujeito com a droga caracteriza-se como disfórico (valor negativo), da mesma forma, a "não aproximação" se caracteriza como eufórico, ou seja, como um valor positivo. A relação vida vs morte se manifesta em diversas linhas dos editoriais, como no editorial 1, linhas 12 e 13 "(...) droga do crack, que é um dos nomes contemporâneos para sofrimento, degradação e morte". Linhas 40 e 41: "sabendo-se como se sabe que o crack desestrutura não só os usuários, mas também suas famílias". Editorial 3, linhas 8 a 11: "pois hoje estamos lançando uma bandeira de guerra contra um inimigo terrível, que escraviza pessoas, destrói famílias, degrada a juventude, estimula o crime e provoca mortes". Editorial 2, Linhas 35 e 36: "(...) uma vítima da dependência ao crack, incapaz de preservar até mesmo a vida de quem ama (...). Esses enunciados caracterizam, indiscriminadamente, a aproximação com a droga crack como uma iniciativa que traria ao sujeito a morte, através de um discurso consensual, portanto "dominante". Dessa forma, a prevenção ao uso e o distanciamento entre sujeito e a droga crack caracterizam a iniciativa de "combate", de "prevenção", de "enfrentamento", como as alternativas de evitar a morte, logo manter a vida, como pode-se observar nos editoriais, como no editorial 3, linhas 99 a 103: "A solução depende de todos nós, da nossa capacidade de enfrentar o problema, do nosso poder de organização, da nossa vontade de lutar pelas pessoas que amamos, da nossa capacidade de dizer "não" a essa droga maldita com toda a força da nossa alma".Editorial 1, linha 1: "a tarefa de deter a epidemia do crack". Linhas 6 a 12: "a junção e a soma dos esforços das famílias, das escolas, de instituições privadas e públicas, das organizações policiais, das entidades da saúde, do governo em todas suas facetas (o que envolve Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) são elementos indispensáveis para enfrentar a droga do crack". Linhas 21 e 22: "(...) tal tendência exige que o Estado arregimente forças para esse combate". Linhas 26 a 29: (...) técnicos que estudam as drogas, seus efeitos e seu tratamento - produziu a conclusão praticamente unânime de que a melhor estratégia é a de prevenir".

O texto manifesta, deste modo, que "a aproximação do destinatário com a droga crack" como disfórico, remetendo, portanto, à questão (à possibilidade iminente) da morte. Em contraponto, deixa explicito "a não aproximação" como eufórico, logo, associando-o à categoria vida. Os editoriais não enfatizam a relação de uso e abuso do sujeito com a droga crack, ou seja, no texto não fica caracterizado que o uso ou abuso da droga associa-se, a princípio, à categoria morte e, sim, à aproximação do sujeito com a droga mencionada. Como se observa no editorial 1, linhas 1 a 6: "a tarefa de deter a epidemia do crack - essa droga que se expande no país de maneira assustadora - precisa necessariamente do envolvimento ativo da sociedade". "Essa afirmação, que se tornou repetitiva no Painel RBS de ontem, quando foi lançada oficialmente a campanha Crack, Nem Pensar". E no editorial 3, linhas 73 e 74: "jovens que experimentam a droga tornam-se dependentes quase que instantaneamente". Sendo assim, a categoria semântica fundamental, presente no texto, morte vs vida apresenta um valor negativo (disfórico) com a "aproximação" do sujeito com a droga crack e um valor positivo (eufórico) com a "não aproximação" do sujeito com esta droga. O quadrado semiótico para as duas categorias pode ser apresentado da seguinte maneira:

 

 

Nível narrativo

No segundo patamar do PGS apresenta-se o nível das estruturas narrativas. Este nível pressupõe um modelo canônico em termos de narrativa mínima: um estado inicial, uma transformação e um estado final (condição básica para a existência de uma narrativa). A narrativa é produzida a partir do ponto de vista do sujeito, que envolve três etapas: manipulação, ação e sanção.Processo que envolve enunciados: de estado e de fazer.

O nível narrativo é o nível da relação entre um sujeito e um objeto revestido de valor, que são considerados como papéis narrativos (a narrativa é organizada sob o ponto de vista de um sujeito) e também dos contratos entre um destinador e um destinatário. "Neste caso, o texto analisado é concebido como objeto de comunicação." (BARROS, 2005, p. 7 e 8).

Considera-se no nível narrativo "a organização do texto como um espetáculo de simulação do fazer do homem que transforma o mundo" (ARLENE SANT'ANNA, 2003, p. 691). Partindo dos pressupostos tratados por Fiorin (2005), pode-se compreender o nível das estruturas narrativas como resultante de uma pré-condição: a existência de uma narrativa mínima, ou seja, se fazer presente no texto uma "transformação" entre dois estados diferentes que se sucedem, que representem um estado inicial e um estado final, passando por um estado intermediário. Para Fiorin (2005, p. 21):

Estados e transformações estão ligados a personagens individualizados. Uma narrativa mínima apresenta dois tipos de enunciado: os enunciados de estado que indicam a relação em que se encontra o sujeito com seu objeto de valor (conjuntivas e disjuntivas) e os enunciados de fazer que mostram as transformações, a passagem de um estado a outro. Assim, apresenta-se uma operação de transformação de estado, por exemplo, de um sujeito em conjunção, que passa para um estado de disjunção com um dado objeto valor (ou vice-versa).

Com a determinação dos valores no nível fundamental, neste texto (os editoriais), estes são convertidos em objetos de valor no nível narrativo para que se saiba como se darão as relações juntivas do sujeito narrativo com o mesmo. O sujeito deseja estar em conjunção com o objeto de valor. No texto em questão, o sujeito narrativo quer estar em conjunção à vida, com a "não aproximação" da droga crack, considerando que esta relação danifica padrões de convívio social gerando temor à continuidade da vida, além de desejar estar em disjunção com a morte, consequência da "aproximação" do objeto droga (neste caso o crack).

O movimento das relações juntivas, no texto referido, passa de um estado de disjunção com o objeto vida, quando descreve todas as consequências originadas pela relação do sujeito da narrativa com a droga crack, para um estado de conjunção este objeto, quando sugere que a "não relação" com este objeto promove a "saída" para as conseqüências citadas. Conforme pode-se constatar um exemplo no editorial 1, linhas 44 a 48: "o usuário do crack perde tudo: larga a escola, sai de qualquer atividade produtiva, abandona irmãos, mãe e pai, é abandonado pelos amigos e, no fundo do poço, perde a dignidade antes de perder a própria vida". Nesta etapa o enunciado de estado mostra que o sujeito narrativo está em disjunção com o objeto de valor vida, em função da relação (aproximação) estabelecida com a droga crack, logo, implicitamente, um valor disfórico para o sujeito na aproximação com a droga.

Em uma segunda etapa o texto mostra um estado de fazer que estabelece o sujeito da narrativa em conjunção com a vida, frente à possibilidade de manter-se distante (na não aproximação) da droga crack, em muitas passagens do texto; "nem pensando" nela (droga), promovendo um valor eufórico para o sujeito da narrativa que se afasta da droga crack, como pode-se exemplificar no editorial 3, linhas 99 a 103: "a solução depende de todos nós, da nossa capacidade de enfrentar o problema, do nosso poder de organização, da nossa vontade de lutar pelas pessoas que amamos, da nossa capacidade de dizer "não" a essa droga maldita com toda a força da nossa alma".Ou ainda na citação do lançamento da campanha, no editorial 1, linhas 4, 5 e 6: "essa afirmação, que se tornou repetitiva no Painel RBS de ontem, quando foi lançada oficialmente a campanha "Crack, Nem Pensar". A transformação ocorre na passagem do estado de estar em disjunção com a vida, mediante a aproximação com a droga crack, a um estado de conjunção com a vida, mantendo-se (fazer) distante, de modo a "Nem Pensar" nesta droga, como alternativa de manter a vida. Em resumo:

 


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Segundo Fiorin (2005, p. 22), "os textos não são narrativas mínimas. Ao contrário, são narrativas complexas. Uma narrativa complexa se estrutura numa sequência canônica que envolve quatro fases, que são: manipulação, competência, performance e a sanção".

Na fase da manipulação, no texto analisado, o destinador manipula o sujeito para uma "dada ação"5 através da intimidação. Pode-se averiguar que a argumentação, na maior parte do texto, é "trágica". Aproximar-se da droga crack, mesmo que para experimentação, acarreta diversas consequências ao sujeito que o faz, como consta no editorial 3, linhas 73 a 80: "jovens que experimentam a droga tornam-se dependentes quase que instantaneamente, sentem necessidade de usá-la 20 ou até 30 vezes por dia e são capazes de qualquer coisa para obtê-la. O caminho é quase sempre o mesmo. Os viciados começam roubando da própria família e depois partem para delitos cada vez mais graves e violentos."

O sujeito manipulador do texto age através de ameaças, em diversos momentos associa a utilização ou mesmo a experimentação ("aproximação") a uma condição que acarretaria na morte ou em situações socialmente constrangedoras como aparece editorial 1, nas linhas 39 a 48: "sabendo-se como se sabe que o crack desestrutura não só os usuários, mas também suas famílias, é nesse núcleo inicial que se trava o embate fundamental do qual pode depender a própria sobrevivência sadia dessa que sempre se teve como a célula da sociedade. O usuário do crack perde tudo: larga a escola, sai de qualquer atividade produtiva, abandona irmãos, mãe e pai, é abandonado pelos amigos e, no fundo do poço, perde a dignidade antes de perder a própria vida". Mesmo quando cita sobre a "não aproximação" como a única saída utiliza-se da intimidação como forma de manipulação, gerando temor às famílias envolvidas e ao poder público, como no editorial 1, linhas 38 a 44: "o papel das famílias é destacadamente o mais crucial e decisivo. Sabendo-se como se sabe que o crack desestrutura não só os usuários, mas também suas famílias, é nesse núcleo inicial que se trava o embate fundamental do qual pode depender a própria sobrevivência sadia dessa que sempre se teve como a célula da sociedade". E no editorial 2, linhas 13 a 16: " apesar de sua inércia crônica, o poder público precisa reagir para conter o sofrimento das vítimas e das pessoas que tentam socorrê-las, na maioria das vezes sem conseguir".

Tratando-se de cada uma das fases restantes, da sequência canônica mencionada, pode-se verificar que, em termos da fase da competência do sujeito, ele vai realizar a transformação central da narrativa, na medida em que é dotado de um saber e de poder fazer, além de um querer e de um dever (sujeito: saber/poder/querer/dever). O destinador (no caso o Grupo RBS) "tem o papel de tornar o sujeito competente para a busca do objeto valor" (LOPES; HERNANDES, 2002, p. 34). Isso aparece no nível superficial do discurso sob as mais variadas formas. O destinador dota o sujeito, da narrativa, de um saber, ou de um poder (fazer), ou de um querer; ou de um dever. No texto, o sujeito em questão, se apresenta como um sujeito que não "deve" envolver-se ou com a droga crack, "nem experimentar, nem pensar", se o fizer determinará consequências trágicas para sua vida e para os demais envolvidos com ele (sujeito).É descrito uma série de situações que podem ocorrer com o sujeito decorrente da aproximação com a droga crack, para então propor a necessidade de "Nem pensar" nesta possibilidade, para manter-se vivo. No editorial 2, nas linhas 43, 44 e 45 é possível observar sobre o destinador e o sentido produzido com quem aproxima-se do crack: "o alerta contra os malefícios da droga, que se transformou em tema da campanha "Crack, Nem Pensar", do Grupo RBS". Já no editorial 1, nas linhas 17 a 22, é possível identificar o sujeito da narrativa de forma mais explícita: "se em uma única década se passou, no Rio Grande do Sul, de nenhum viciado a mais de 50 mil e se as perspectivas são de que, sem uma ação eficaz, tal explosão será ainda mais assustadora nos próximos anos, tal tendência exige que o Estado arregimente forças para esse combate".

Quanto à performance, é a fase em que se dá a transformação (mudança de um estado - de junção/ disjunção/ objeto valor -a outro) central da narrativa. Nos editoriais, a ação de transformação é manifestada no momento em que ocorre a mudança do estado de aproximação e não conscientização sobre os riscos de aproximar-se da droga crack, aproximando-se assim da "morte", a um estado de consciência sobre a necessidade de manter-se distante (sem aproximação) dessa droga. A "não aproximação" caracterizaria ao sujeito uma "saída", isto é, continuar vivendo, conforme o editorial 3, nas linhas 99 a 102: "a solução depende de todos nós, da nossa capacidade de enfrentar o problema, do nosso poder de organização, da nossa vontade de lutar pelas pessoas que amamos, da nossa capacidade de dizer "não" a essa droga".

Na sanção constata-se que a performance se realizou. O sujeito que operou a transformação (alcançou - ou não -seus desideratos ao final da narrativa). O sujeito que opera a transformação, neste texto, manipula a um outro sujeito a não aproximar-se da droga crack, mediante diversas consequências acarretadas por essa aproximação, quase sempre eventos trágicos, como citam os editoriais: "a droga do crack, que é um dos nomes contemporâneos para sofrimento, degradação e morte", "o usuário do crack perde tudo: larga a escola, sai de qualquer atividade produtiva, abandona irmãos, mãe e pai, é abandonado pelos amigos e, no fundo do poço, perde a dignidade antes de perder a própria vida. Fica refém de seu vício e dos traficantes". "dependentes de crack não têm mais como discernir se querem ou não ser internados". "Torna-se um perigo para a sociedade, infernizando a família, partindo para roubos, prostituição e até assassinatos, por surto ou por droga". "Pois hoje estamos lançando uma bandeira de guerra contra um inimigo terrível, que escraviza pessoas, destrói famílias, degrada a juventude, estimula o crime e provoca mortes". "Estamos falando do crack - uma droga devastadora que vicia na experimentação".O sujeito manipulador propõe que outros sujeitos devem manter distância da droga crack para encontrar a "saída", "dizer não à droga", "levantar a bandeira do crack nem pensar", logo a sanção se estabelece pela transformação de uma "possibilidade de aproximação com a droga crack" para uma não aproximação, gerando a possibilidade de manter a vida.

 

Nível discursivo

No nível discursivo encontra-se a camada de maior superficialidade do discurso, trata-se da complexidade e concretude do PGS. Por ser o nível mais próximo da manifestação textual, o que caracteriza este nível é a mudança das estruturas do nível fundamental e narrativo para o nível da superfície do discurso. Ou seja, as estruturas narrativas ganham certos atributos e características das estruturas discursivas. Nesta etapa a narração é assumida por sujeito, da enunciação, que a converte em discurso. Esse processo torna-se possível através dos procedimentos de actorização, temporalização, espacialização, tematização e figurativização.

Nos editoriais analisados há um narrador que narra, predominantemente, na terceira pessoa, conforme se observa: "a tarefa de deter a epidemia..."; "essa corrente assassina"; "o encontro de especialistas"; "o usuário do crack perde tudo"; "os viciados começam roubando da própria família", caracteriza-se, assim, uma enunciação onde a relação pessoal é do tipo "ele tu". O tempo verbal, com predominância, é marcado pelo tempo do "agora" e o espaço narrado é o "aqui". A enunciação na terceira pessoa apresenta-se com pretensões hegemônicas, com status de verdade ("a tarefa de deter a epidemia do crack - essa droga que se expande no país de maneira assustadora"; "droga do crack, que é um dos nomes contemporâneos para sofrimento, degradação e morte"; "o usuário do crack perde tudo"; "essa corrente assassina, estimulada pela cobiça do crime organizado, precisa ser contida"; "um drogado torna-se um perigo para a sociedade"). Os verbos imperativos e narração de acontecimentos trágicos associados aproximação à droga crack são utilizados pelo enunciador para "persuadir o enunciatário de certos valores, sejam eles ideológicos, morais, educativos, comportamentais, filosóficos, informativos", etc. (PERUZZOLO, 2004, p. 18). Isso, normalmente, ocorre, na medida em que procura defender um preceito, modo de pensar, ou visão de mundo, bem como orientar condutas que propõe. Desse modo, o enunciatário inviabiliza a discussão sobre o sentido produzido no texto, neste caso referente à relação de aproximação com a droga crack.

O sujeito narrativo em questão promove (ou ao menos pretende promover) a "conscientização" das consequências existentes na aproximação do enunciatário com a droga crack, quais sejam as degradações da vida social e a aproximação com a morte, conforme a categoria fundamental morte vs vida ("uma vítima da dependência ao crack, incapaz de preservar até mesmo a vida de quem ama"; "esta omissão leva mães e pais ao desespero, a acorrentar filhos e, em alguns casos, até a usar armas para se defender". "O crack afeta, inclusive, a vida de quem nunca sequer viu a droga, pois está na raiz das tragédias familiares, na origem de roubos, assaltos e homicídios, na motivação do absenteísmo escolar e na interrupção de carreiras profissionais"; "nem parecem mais seres humanos: são farrapos de gente, pessoas que renunciaram à saúde, à vaidade e à dignidade para se deixar embalar pelo feitiço ilusório"). "O que se produz aqui é um simulacro de mundo: os sujeitos, os objetos, os programas de aquisição de competências etc, os quais recebem uma formulação abstrata organizada em percursos temáticos e que podem ser revestidos pelas figuras do mundo. No nível discursivo, a narrativa é adotada por um enunciador cujos valores surgem no texto."

Na perspectiva da semiótica, no nível narrativo, foi possível verificar que o sujeito entrou em conjunção e/ou em disjunção com seu objeto de valor, já no nível discursivo, as formas abstratas da narrativa, conforme Fiorin (2005), são revestidas de termos que lhes dão concretude, ou seja: para que as estruturas discursivas revistam, em termos semânticos, nas estruturas narrativas, destacam-se os temas e as figuras. Sendo assim, as duas formas que oferecem concretização ao sentido são conhecidas como tematização e figurativização. Compreende-se que a figurativização vem a ser "um procedimento semântico através do qual as figuras do mundo (nomeadas pelo enunciador) passam a recobrir (seu enunciado) um tema" (LEITE, 2005, p. 26). Já a tematização pode ser concebida como: "um procedimento (...) que, tomando valores (...) já atualizados pela semântica narrativa, os dissemina, de maneira mais ou menos difusa ou concentrada, sob forma de temas, pelos programas e percursos narrativos, abrindo caminho para a sua eventual figurativização" (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 496). Assim, mediante o conjunto de temas e figuras, pode-se elucidar como o sentido (no texto analisado relativo à questão da droga crack) passa a ser concretizado.

Neste texto, enquanto conjunto de editoriais, é possível analisar frases que indicam ambas as categorias acima mencionadas. Temas: "a expansão assustadora da droga no país"; "a junção e a soma dos esforços das famílias, das escolas, de instituições privadas e públicas (...) são elementos indispensáveis para enfrentar a droga do crack, que é um dos nomes contemporâneos para sofrimento, degradação e morte"; "os números de viciados, a velocidade com que eles crescem, a incapacidade da sociedade de, neste momento, controlar a expansão do vício são fatores que alimentam o que precisa ser um choque de consciência"; "seus efeitos são socialmente tão deletérios"; "o usuário do crack perde tudo, (...) fica refém de seu vício e dos traficantes. Essa corrente assassina, estimulada pela cobiça do crime organizado, precisa ser contida"; "o alerta contra os malefícios da droga, que se transformou em tema da campanha "Crack, Nem Pensar", do Grupo RBS"; "(...) inimigo terrível, que escraviza pessoas, destrói famílias, degrada a juventude, estimula o crime e provoca mortes. Estamos falando do crack - uma droga devastadora que vicia na experimentação e condena seus usuários à degradação física, mental e social"; "o crack afeta, inclusive, a vida de quem nunca sequer viu a droga"; "jovens que experimentam a droga tornam-se dependentes quase que instantaneamente", etc. E figuras: "pedra de crack"; "epidemia"; "choque"; "explosão"; "veias"; "poço"; "zumbis"; "pedra"; "feitiço"; "fumaça"; "pupila"; "labirinto", etc. Aqui, observa-se a oposição entre abstração (temas) e concretude (figuras). Com relação a isso, Fiorin (2005, p. 91) cita que: "constituem um continuum em que se vai, de maneira gradual, do mais abstrato ao mais concreto", logo, temas e figuras são arranjados no texto através de percursos narrativos, com vistas a produzir e dar consistências aos efeitos de sentido".

Cabe salientar que o enunciador do texto analisado é caracterizado pelo Grupo RBS, conforme consta nos conteúdos dos editoriais: "(...) o alerta contra os malefícios da droga, que se transformou em tema da campanha "Crack, Nem Pensar", do Grupo RBS, e vem ampliando espaço em veículos do centro do país, como a Rede Globo é um talento contra essa chaga" (editorial 2, linha 43). O narrador (persuasor e intimidador) demonstra o objetivo principal de apresentar as consequências da aproximação do enunciatário com a droga crack. Constando na narração várias consequências negativas socialmente e, consequentemente, levando à morte, provocadas por esta aproximação: "são elementos indispensáveis para enfrentar a droga do crack, que é um dos nomes contemporâneos para sofrimento, degradação e morte"; "ao qualificar as drogas, e o crack em especial, de veias alimentadoras da criminalidade"; "sabendose como se sabe que o crack desestrutura não só os usuários, mas também suas famílias"; "o usuário do crack perde tudo: larga a escola, sai de qualquer atividade produtiva, abandona irmãos, mãe e pai, é abandonado pelos amigos e, no fundo do poço, perde a dignidade antes de perder a própria vida"; "torna-se um perigo para a sociedade, infernizando a família, partindo para roubos, prostituição e até assassinatos, por surto ou por droga"; "estamos falando do crack - uma droga devastadora que vicia na experimentação e condena seus usuários à degradação física, mental e social"; "a saída deste labirinto de horrores é muito difícil de ser encontrada". Assim, constituindo-se como tema central do texto a não aproximação do enunciatário com a droga crack, conforme o próprio slogan menciona nos editoriais: "Crack, Nem Pensar".

Os recursos figurativos, conforme afirmado anteriormente, quando adotados pelo narrador, oferecem concretude ao sentido do texto. Tais recursos "classificam e ordenam a realidade significante, estabelecendo relações e dependências" (FIORIN, 2005, p. 91). Fiorin salienta que os textos temáticos possuem uma função "predicativa" ou "interpretativa", enquanto que os figurativos possuem "uma função descritiva ou representativa". Nessa perspectiva, os discursos figurativos simulam o mundo, enquanto os temáticos servem, como dito acima, para explicá-lo.

No texto dos editoriais observam-se temas gerais e mais explícitos, bem como outros mais específicos e implícitos. Os temas mais gerais e explícitos são apresentados de diferentes maneiras: em geral, como consequências sociais e morte pela aproximação com a droga crack, envolvendo: lei, tráfico, problemas de saúde, problemas familiares, morte, etc. Alguns "subtemas" aparecem implicitamente (metaforizados) e intercalando-se uns aos outros mediante percursos temáticos, ligados aos mais gerais. A figurativização dos temas mais amplos e dos "subtemas" também são apresentados no texto de várias maneiras. Como por exemplo, o tema (ou "subtema") apresentado logo no início do texto: tema da "a epidemia do crack", onde o enunciador convoca o enunciatário a pensar que a droga crack tende a se "alastrar" sem uma forma de controle ("a tarefa de deter a epidemia do crack - essa droga que se expande no país de maneira assustadora precisa necessariamente do envolvimento ativo da sociedade". (Editorial 1, linha 1)). A ideia de descontrole é enunciada e a palavra epidemia promove a sustentação deste sentido.

Outro "subtema" é evocado, relacionando a aproximação da droga crack à condição social. "O usuário do crack perde tudo: larga a escola, sai de qualquer atividade produtiva, abandona irmãos, mãe e pai, é abandonado pelos amigos e, no fundo do poço, perde a dignidade antes de perder a própria vida. Fica refém de seu vício e dos traficantes. Essa corrente assassina, estimulada pela cobiça do crime organizado, precisa ser contida". (Editorial 1, linha 44). As consequências sociais são descritas e algumas figuras como "poço" colaboram na produção do sentido de não reconhecimento e satisfação social do enunciatário que se aproxima da droga crack. Embora tenha uma citação sobre o "uso" da droga, a questão de uso e abuso não foi vinculada nesta análise pelo fato de que, por diversas vezes, os tema e subtemas são vinculados à não aproximação em maior ênfase do que ao uso ou abuso, conforme a continuação deste subtema: "o objetivo da campanha "Crack, Nem Pensar" é, por isso, de chamar a atenção para a tragédia" (EDITORIAL 1).

 

Considerações finais

O presente estudo, sobre a produção de sentido no discurso jornalístico referente ao crack através da mídia impressa, permitiu compreensões e esclarecimentos sobre a questão das drogas na sociedade atual. Através dele, foi possível atingir uma visão mais ampla e complexa sobre esse fenômeno social.

Identificou-se neste estudo, sobretudo, a partir da descrição do processo sócio-histórico do fenômeno das drogas, a existência de um discurso dominante, que teve origem nos Estados Unidos e que perdura até a atualidade. Isso demonstra o diálogo existente entre o proibicionismo norte-americano com o brasileiro, desde seus aspectos históricos até as práticas contemporâneas antidrogas.

Nesse sentido, observou-se um entrelaçamento, de base, entre o campo político, jurídico, médico psiquiátrico e midiático. Essa conjugação entre esses campos de saberes via configurações discursivas, determina, sob certos níveis, estratégias discursivas destinadas à sociedade, no que se refere ao campo da prevenção, do controle e da repressão às drogas, evidenciando-se em ações como a campanha "Crack, Nem Pensar", aqui abordada através da análise de editoriais, componentes da referida campanha.

As campanhas antidrogas são um dos recursos midiáticos mais utilizados na atualidade, com intuito de reduzir a demanda e o consumo de drogas na sociedade. Logo, as pretensões de "guerra às drogas" é veiculada e transmitida, em seus anúncios, cartazes, editoriais, etc. alcançando, de um modo ou de outro, várias instituições sociais, ampliando e reforçando ainda mais o processo de difusão.

O material analisado caracterizou mecanismos discursivos de persuasão, manipulação e, sobretudo, de intimidação, envolvidos no discurso jornalístico via editoriais (tratados como texto). Como podemos observar nas análises realizadas por meio da Semiótica Discursiva, ocorre uma tentativa de mobilizar a atenção do receptor (destinador) com vistas a convencê-lo sobre uma visão de mundo dominante e, por conseguinte, a uma ação, neste caso, a não aproximar-se da droga crack.

Logo, conclui-se que a construção da problemática da droga crack, nos textos analisados, influencia, em geral, a opinião pública como fato dado, reiterado, como verdade e sem questionamentos. Neste sentido, aponta-se para duas estratégias dominantes que visam promover efeitos de sentido de verdade universal, que são: a universalização ea reificação. (THOMPSON, 2007).

A universalização, como aparece neste trabalho, trata-se da pretensão dominante de "guerra às drogas". Através de elaborações discursivas pretendem generalizar uma dada visão de mundo, conforme a identificação de um fenômeno com tendência a dissimular contradições e reduzir sua complexidade. A análise discursiva expôs uma versão do fenômeno linear, com o intuito de impor uma valorização ou verdade universal.

A reificação, por sua vez, aparece como outra estratégia quando apresenta os fenômenos como fato natural (neste caso a "ameaça" gerada pela aproximação com a droga crack), ou seja, como independentes do ser humano e da história. Dessa maneira, cabe aos sujeitos apenas aceitar passivamente e se adaptar aos fatos expostos, já que não haveria possibilidades de alterá-lo. Diante dessas duas estratégias de convencimento, os receptores, em sua grande maioria, aceitam os fatos sem analisá-los, pois são recursos discursivos com pretensões hegemônicas que ofuscam o senso crítico dos receptores.

Considerando as estratégias discursivas utilizadas, nos textos analisados, observou-se a intimidação como a mais recorrente. A intimidação é um processo que funciona em nível de ameaças (supostamente de punições, castigos, consequências, etc.). No texto analisado é possível averiguar a intenção de provocar o efeito de sentido de temor, imposto aos sujeitos que se aproximarem da droga crack, logo a expressão: "Crack, Nem Pensar". As consequências dessa aproximação dizem respeito a falta de prestigio social, problemas familiares, consequências legais, criminais e morais e, em última instância, a morte. O contraponto, por sua vez, da não aproximação, seria justamente o contrário: a "manutenção da vida".

Sendo assim, identifica-se neste estudo que o discurso veiculado nos editoriais analisados constitui-se com pretensões hegemônicas e consensuais, além de ser organizado de forma repressiva, autoritária e superficial, reduzindo e banalizando a complexidade do fenômeno estudado. E ainda ineficaz em seus propósitos, visto que a aproximação e o consumo dos sujeitos com a droga crack aumentam substancialmente ao longo dos anos na sociedade brasileira. O presente estudo teve por objetivo ampliar a compreensão sobre o fenômeno abordado, bem como sobre as tratativas discursivas presentes nos textos jornalísticos analisados, que abordam essa temática.

 

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Data de recebimento: 14/12/2011
Data de aceite: 28/05/2013

 

 

Sobre os autores:
Arnaldo Toni Chagas é psicólogo e sociólogo, mestre em Psicologia Social e Institucional. Doutor em Comunicação e professor da Ulbra de Santa Maria-RS. Endereço Eletrônico: arnaldotoni@bol.com.br.
Fabiano Dutra Seeger é psicólogo, especialista pela FGV-POA, Pós Graduado em Psicanálise Clínica pela Ulbra-SM, acadêmico de Ciências Sociais, vínculo acadêmico com Ulbra de Santa Maria-RS. Endereço Eletrônico: fabianoseeger@bol.com.br.

 

 

1 A Lei Seca decretada em 1919 proibia produção, venda e consumo de bebidas alcoólicas. Isso aumentou consideravelmente o consumo de outras drogas, como a maconha, e o conseqüente aumento dos meios repressivos (CHAGAS, 2009).
2 Fonte: http://www.markhoustonrecovery.com/the_history_of_crack_cocaine.php (acessado em 21 de fevereiro de 2011).
3 http://articles.baltimoresun.com/1996-09-15/news/1996259001_1_crack-cocaine-black-neighborhoods-crackexplosion (In: Crack não pode ser apenas um caso de paranoia).
4 Expressão retirada do editorial "Não ao Crack" de 28/05/2009. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/cracknempensar/19,0,2525930,Editorial-Nao-ao-crack-.html Acesso em: 29 jun 2010.
5 Preservar a vida mantendo-se distante da droga crack.

 

 

ANEXO 1 - Clique para ampliar

 

ANEXO 2

"Resumo dos Editoriais"

1) EDITORIAL 1 -Titulo: "Não ao crack!" -publicado em 28 de maio de 2009. (primeiro editorial do lançamento da campanha). Este editorial marca o lançamento da campanha "Crack, Nem Pensar". Pela sua importância ele foi apresentado na capa do Jornal Diário de Santa Maria (RS) justamente por que constituiu a apresentação da proposta da campanha "contra o crack", promovida pelo grupo RBS. De início o texto vem afirmar que a RBS está lançando "uma bandeira de guerra contra um inimigo terrível" e que "a ação desde inimigo Destrói (...), degrada (...), estimula (...) provoca (...).

2) EDITORIAL 2 -Título: "Choque de consciência" - Publicado em 29 de maio de 2009. Publicado no dia posterior ao lançamento da campanha "Crack, Nem Pensar", O referido editorial inicia reforçando o que foi repetitivamente exposto no Painel que lançou a campanha. Desse modo, convoca a sociedade, numa soma de esforços de famílias, instituições públicas e privadas, de saúde, escolas e o governo para, assim, provocar um choque de consciência diante de um problema que cresce assustadoramente. São citadas autoridades presentes no referido Painel, chegando-se a um ponto comum, o de que é preciso prevenir. Finalizando, o editorial traz que o papel das famílias é o mais crucial, e reforçando as inúmeras perdas ocasionadas pelo crack, salienta a importância da campanha frente a um problema "que ocorre nas nossas esquinas, onde uma geração de crianças e jovens joga fora a saúde, a juventude e a vida em troca de instantes de euforia."

3) EDITORIAL 3 -Título: "Mutirão pela vida" -Publicado em 1º de junho de 2009. O editorial traz que a recém-lançada campanha "Crack, Nem Pensar" vem tendo frutos imediatos, o que é fundamental diante da rápida propagação da droga. Cita entidades e segmentos sociais, que frente às facilidades proporcionadas pela mídia, vem apoiando a campanha (escolas, poder público, líderes comunitários, etc). O desafio é manter o tema em pauta e, para além das causas, apontar soluções. Os debates gerados pela campanha vêm apontando o poder degradador (físico e psicológico) imediato do crack e mostrando exemplos de famílias vitimas que até então mantinham silêncio, além de apontar as deficiências das redes públicas de apoio na saúde e segurança. Utilizando o poema de Carlos Drummond de Andrade o texto convoca primeiramente a família e secundariamente a escola para o papel de prevenção. No final o editorial reforça que o desfecho para a situação da droga vai depender "de até onde a determinação coletiva poderá levar".

4) EDITORIAL 4 -Título: "O plano contra as drogas" -Publicado em 05 de junho de 2009. Este editorial cita, inicialmente, o lançamento (no dia anterior) de um plano emergencial para atendimento de usuários de álcool e outras drogas, pelo ministro da saúde, José Gomes Temporão. Iniciativa que vem sendo tomada pela sociedade organizada e instituições para combater os efeitos desse mal que acomete principalmente crianças e adolescentes. Porém, o texto aponta que o poder público possui uma estrutura mais ampla e capaz de atender um número maior de pessoas. O referido plano caracteriza pelo seu caráter intersetorial, envolvendo ministérios como da Justiça, Cultura, Direitos Humanos e previsão de investimentos de R$ 117, que poderão permitir estrutura adequada para que crianças, adolescentes e jovens "possam concluir os estudos e se encaminhar mais saudáveis para a vida adulta". Finalizando, o editorial versa a importância de campanhas de conscientização sobre o assunto, aliadas ao trabalho multidisciplinar do governo; campanhas essas que alertam o governo sobre a prevenção, combate e tratamento do crack.

5) EDITORIAL 5 -Título: "Uma vida por 5 reais". Publicado em 11 de junho de 2009. O editorial inicia reforçando os malefícios causados pelo consumo e tráfico de drogas, principalmente o crack, o editorial inicia trazendo o exemplo de um garoto de 14 anos morto por outros dois adolescentes. Ele devia cinco reais aos executores, dívida de crack. Esse exemplo coloca os adolescentes como os mais vulneráveis ao uso e tráfico de crack. Segundo o texto tanto a sociedade como o governo (nas áreas da saúde e segurança) vem se mobilizando por meio de campanhas de prevenção para impedir que o número de usuários aumente e atender os viciados de hoje. Tanto o morto como os executores são colocados como "vítimas de uma mesma tragédia, que engloba as famílias de cada um deles, a vizinhança amedrontada e o bairro e a cidade indefesa". Por esse e outros motivos a sociedade busca esperança em campanhas como ado "Crack, Nem Pensar".

6) EDITORIAL 6 -Título: "Quando os pais viram usuários". Publicado em 15 de junho de 2009. Conforme o editorial apresentado, o mais previsível seria os pais com dificuldades de impor limites aos filhos e as voltas com a degradação causada pelas drogas. Porém, outra faceta se revela "levando pais a tombar ante a dependência e precisarem do amparo dos filhos". Essa situação aumenta a necessidade da prevenção a diferentes públicos. A campanha "Crack, Nem Pensar" vem alertando sobre a gravidade do problema e contendo o aumento no número de usuários, ao mesmo tempo que diz que há pouco o que se fazer com quem já esta dominado pelo crack. Uma das consequências mais incomoda do crack é que seus efeitos não se restringem somente ao físico e mental de quem é usuário, mas se estende à família "que perde a tranquilidade, sente-se impotente para resolver o problema, esbarra na falta de estrutura adequada dos órgãos de saúde". O editorial finaliza dizendo que a luta contra o crack é de todos ("de pais para filhos e de filhos para pais"), alertando sobre os riscos que corre quem sucumbe à droga.

7) EDITORIAL 7 -Título: "Mobilização contra o crack" -Publicado em 25 de setembro de 2009. Este editorial marca o lançamento da segunda fase da campanha "Crack, Nem Pensar" e da ação "Dia todos contra o crack", no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Neste dia está incluído, dentre outras atividades, passeatas, distribuição de adesivos com o símbolo da campanha, "mateadas", etc. Tudo isto, com objetivo de mobilizar a sociedade sobre a gravidade do problema do crack. O editorial aborda a importância de ações coletivas de prevenção e de forma continuada, salientando as reduzidas probabilidades de tratamento e cura de quem já é usuário. Segundo o texto, a campanha vem evidenciando a "tendência de a população reagir contra o crack de forma tão intensa quanto os efeitos da própria droga" e o sofrimento que "a chamada pedra da morte" causa para além de quem é usuário, como a família. Finaliza convocando vários setores da sociedade ("iniciativas pedagógicas, ações repressivas e uma readequação imediata do sistema de saúde pública") para que, a partir da mobilização da campanha "Crack, Nem Pensar", adentrem na problemática do crack.

8) EDITORIAL 8 -Título: "Tratamento involuntário" -Publicado em 28 de outubro de 2009. O editorial inicia trazendo o caso de um jovem do Rio de Janeiro, viciado em crack, que matou sua namorada e, a posterior carta divulgada por seu pai. A partir disso, e do caso ocorrido em Pelotas de uma mãe que construiu uma cela em casa para abrigar o filho "usuário crônico do derivado da cocaína", o editorial convoca o poder público a reagir contra o crack. Essa atitude precisaria ser tomada pelo poder público, uma vez que (e baseando-se na referida carta e na "tese do poeta carioca") em muitos casos o usuário está demasiado doente para discernir sobre sua internação. Essa atitude também diminuiria o sofrimento do usuário de suas famílias. Ao propor indagações o editorial lança a opinião de especialistas sobre a importância de o próprio usuário conscientizar-se sobre o tratamento (e as poucas possibilidades disso ocorrer) e, a omissão do poder público sobre a lei do "tratamento involuntário"; isso vem "justificar" certas atitudes dos pais, como acorrentar os filhos. Para finalizar, o editorial traz resultados da campanha, como maior divulgação do assunto no centro do país, por exemplo, pela Rede Globo e o combate ao narcotráfico. Porém, é preciso muito mais da sociedade e, principalmente, do poder público "o único em condições de atuar em escala para enfrentá-lo com alternativas viáveis, urgentes e eficientes".

9) EDITORIAL 9 -Título: "Um problema de todos". Publicado em 17 de dezembro de 2009. O editorial apresentado marca o lançamento da Campanha Nacional de Alerta e Prevenção ao Uso do crack pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ratificando as proporções crescentes do crack no país. A campanha é voltada para jovens entre 15 e 29 anos e, pretende recorrer a informação como forma de prevenção ao uso da droga referida. O editorial considera adequada esta ênfase, porém, o Ministério da Saúde precisa "se valer do potencial de sua estrutura para agir em escala contra esse que é considerado um dos flagelos brasileiros na área de saúde". Todavia, essa campanha do governo precisa ter o cuidado de não criar expectativa para não frustrar dependentes e familiares, pois se está diante de uma droga que vicia nas primeiras experimentações e a cura é rara. Antes dessa campanha do governo, a campanha "Crack, Nem Pensar" já vinha alertando sobre a possibilidade do crack se tornar epidemia. O desafio não pode ser enfrentado de modo isolado, mas por toda a sociedade. São citadas, na campanha mencionada, as consequências do consumo do crack para a vida social, para os valores e para o corpo. O usuário não hesita em roubar os próprios pais que não vêem outra opção senão acorrentá-los. O preconceito leva as famílias a não admitir ou não falar sobre a droga, porém, a campanha vem desmistificar isso, já que considera-se um avanço falar sobre o problema. Mas é preciso que pais, professores, profissionais da saúde e do poder público se unam, seja para prevenir ou enfrentar eficientemente os casos impossíveis de serem evitados.

10) EDITORIAL 10 -Título: "O crack e o suplício das internações" - Publicado em 03 de fevereiro de 2010. O referido editorial inicia apontando a situação de famílias que, para além da devastação ocasionada pelas consequências do crack, enfrentam barreiras quando buscam órgãos públicos para tratamento de viciados (vagas em clínicas de recuperação, impedimentos da Justiça, triagens). O editorial é embasado na reportagem mostrada pelo jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, do grupo RBS, a qual mostrou as barreiras enfrentadas pelas famílias na busca de tratamento. Dificuldades que se estendem às demais cidades gaúchas e são potencializadas para pessoas de baixa renda, considerando ainda as constantes recaídas dos usuários de crack. O texto se desenvolve mostrando que a estrutura de saúde do país "está muito aquém das necessidades criadas por um flagelo nacional" e das deficiências de profissionais que "tateiam" no desafio de reabilitação dos usuários de crack. Para finalizar, é a abordada a questão da internação compulsória, a qual deve ser submetida a decisão judicial. Isso, segundo o editorial, deve ser relativizado quando se trata do crack (que acomete principalmente adolescente), permitindo que os pais, junto com profissionais de saúde tenham o direito de decidir o que é melhor para si e para o ente acometido pela dependência química.

11) EDITORIAL 11 -Título: "A vacina da informação". Publicado em 30 de março de 2010. O editorial apresentado marca o lançamento da segunda etapa da campanha "Crack, Nem Pensar" iniciada em 2009, focando "as pessoas que compartilham com o viciado os seus dramas e os seus esforços para se livrar da dependência". Continuando com a abordagem dos três pilares básicos: de prevenção e conscientização;repressão e legislação;tratamento e solução,a campanha mostra seus primeiros resultados através da mobilização da sociedade e governo (com repercussão nacional), na diminuição dos males causados pelo crack. No lançamento da segunda fase da campanha estarão presentes o ministro José Gomes Temporão e especialistas, que reforçam o objetivo da campanha que é, de forma preventiva, combater o uso e tráfico do crack através da vacina da informação. Essa divulgação vem fazendo com que a informação chegue ao potencial usuário antes das propostas dos traficantes; incentivando que famílias saiam do silêncio doméstico e procurem ajuda; além de ações do governo. É importante também a intolerância com qualquer droga, mesmo que inofensiva aparentemente, como a maconha, defendida em alguns círculos. A maconha leva muitos jovens desavisados a se viciarem em crack. A consciência do perigo das drogas vem conquistando centenas de municípios gaúchos e, a segunda fase da campanha visa o fortalecimento dessas iniciativas e geração de novas, e finaliza: "É a maneira mais eficaz que encontramos de fazer a nossa parte na luta contra uma epidemia que mata, faz sofrer e degrada".

12) EDITORIAL 12 -Título: "Pauta Obrigatória" -Publicado em 13 de abril de 2010. O editorial inicia citando os esforços do presidente Lula da Silva na luta contra o crack, bem como do provável empenho dos candidatos a presidência da República sobre a questão, alertando, no entanto, que a questão não pode ser esquecida quando passada as eleições. É apontada a importância de decisões concretas, como dados estatísticos do problema, ainda desconhecidos no país, para se pensar a distribuição de recursos financeiros.

13) EDITORIAL 13 -Titulo: "Um milhão de zumbis". Publicado em 21 de maio de 2010. Ao considerar dados trazidos por especialistas de que existem mais de um milhão de usuários de crack no Brasil, o editorial compara a realidade a um filme de terror. O presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, ao lançar, no dia anterior, o Plano Nacional de Combate ao tráfico e ao uso de crack, enfatizou a necessidade de urgência nas medidas contra o flagelo causado pelo crack. Isso "significa um milhão de pessoas transformadas em zumbis, sem vontade própria, vivendo apenas para a pedra e pela pedra". Significa ainda um milhão de escravos de um vício que afeta a saúde dos dependentes, estimula a violência e a criminalidade, deixa uma legião de doentes necessitando assistência especializada, além de famílias desesperadas por não saber a quem recorrer. O texto convoca o governo federal para assumir a responsabilidade nacionalmente, capacitando lideranças comunitárias, e também convoca os prefeitos para agirem contra o crack, considerando o papel decisivo dos municípios. A luta contra o crack é urgente e prioritária, e o governo precisa partir do discurso para a ação se o país quiser resgatar para uma vida saudável por parte dessa população de dependentes. A sensibilização do governo federal e de prefeitos são bem vindas para lutar contra um dos principais problemas de saúde pública e um dos principais fatores que geram violência.

14) EDITORIAL 14 -Titulo: "Articulação contra o crack". Publicado em 23 de novembro de 2010. A campanha "Crack, Nem Pensar" foi planejada para o ano de 2009, porém se estendeu para 2010, cumprindo seu papel maior que é de mobilizar a sociedade contra o crack, numa época em que o assunto é considerado tabu. Um marco concreto da campanha é o Instituto Crack, Nem Pensar, que tem como objetivos o incentivo à pesquisa e a disseminação do conhecimento. Indivíduos, organizações e governo tomaram consciência do problema através de campanhas, ações preventivas em escolas, na família. Além disso, a campanha atingiu o combate ao tráfico e a estruturação de uma rede adequada de tratamento para usuários e familiares, considerando a dificuldade de cura e reestruturação psicológica. O editorial cita que as medidas do governo ainda são insuficientes frente a calamidade e, instituições como a citada acima, agindo permanentemente, são importantes apoios para a sociedade. Um dos pontos frágeis na luta contra o crack é a falta de informação sobre a droga e seus efeitos. Falha essa "que a união de esforços entre instituições dos dois Estados mais meridionais do país se propõe a enfrentar, como forma de salvar vidas e preservar o futuro de um número expressivo pessoas".

15) EDITORIAL 15 -Titulo: "Pequenos traficantes". Publicado em 13 de janeiro de 2011. O editorial inicia com a polêmica manifestação do secretário da Política sobre Drogas, Pedro Abramovay, que é favorável a maior tolerância com os chamados pequenos traficantes, aqueles que traficam com o objetivo de sobreviver e sustentar o próprio vicio.Justifica isso devido a superlotação nos presídios e do ambiente do mesmo que só contribui para aumentar a criminalidade. O editorial se expressa dizendo que apesar do debate ser bem-vindo, é insensata "essa tentativa de aliviar o caos no sistema carcerário simplesmente devolvendo às ruas traficantes cujo trabalho se caracteriza pela pequena quantidade de droga que movimentam" já que as consequências desse comércio são óbvias. Em 2006 a legislação passou a adotar penas alternativas para usuários, sem diferenciar penalidades para quem comercializa drogas praticamente para bancar o próprio vício ou para quem atua no atacado, girando verdadeiras fortunas e gravando a situação do sistema prisional. A maioria do presos são varejistas (que geralmente introduzem crianças e adolescente no uso) com pequenas quantidades, enquanto os chefões se mantém livres, muitas vezes com proteção de pessoas influentes. O editorial convoca a sociedade a não aceitar a intolerância do poder público no que se refere ao narcotráfico independentemente do porte de quem vende drogas. Foi assim que o crack se disseminou no país. Se mandar traficantes para a cadeia não resolve o problema, ameniza temporariamente. O que é preciso é investir no sistema penitenciário.

16) EDITORIAL 16 -Titulo: "Saída difícil, mas possível". Publicado em 17 de fevereiro de 2011. Este editorial traz o resultado (considerado) positivo de uma pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que acompanhou durante 12 anos 107 usuários de crack. Os resultados apontam: "25% dos viciados estavam mortos, 12% presos e 20% continuavam dependentes. Mas 40% haviam parado de consumir a droga". Após passarem por longo período de internação e tratamento, na maioria dos casos quem parou de usar o crack envolveu-se em alguma atividade profissional gratificante ou aderiram a alguma religião: "O importante é que estão longe do vício e livres do rótulo de irrecuperáveis". O crack vicia na primeira vez e é destrutivo para a saúde do usuário, mas também para sua vida familiar e social, acontecendo, por exemplo, desinteresse por atividades rotineiras, gasta tudo o que tem, furta até dentro da própria casa, comportamento anti-social, passagens pela polícia, vitimas de violência. "Quem saiu do poço precisou de força de vontade pessoal, a sorte de encontrar tratamento eficiente, profissionais dedicados e familiares compreensivos". O estigma da irrecuperabilidade faz com que até mesmo profissionais da saúde se sintam menos motivados em ajudar dependentes de crack". Porém, é preciso acreditar e persistir. O texto convoca o poder público a tirar lições do estudo citado anteriormente e diz que ele é o responsável no investimento em vagas para dependentes. A "porta de saída" é tratamento médico competente, internação prolongada e acompanhamento dos efeitos físicos e psicológicos. E isso é só início, porque as recaídas são frequentes. Mas há salvação.

17) EDITORIAL 17 -Titulo: "O PAC do crack". Publicado em 19 e 20 de fevereiro de 2011. Este editorial cita a iniciativa do governo federal de implantar os Centros Regionais de Referência em crack e Outras Drogas em 23 universidades brasileiras como parte integrante do Plano de Nacional de Combate ao crack. Essas ações do governo mostram a contribuição da campanha do Grupo RBS a nível regional, que o governo vem complementar. A campanha "Crack, Nem Pensar" veio contemplar uma demanda inadiável de milhares de famílias gaúchas e catarinenses que não tinham a quem recorrer. "No momento em que viram expostos casos de pessoas dependentes, entrevistas de autoridades sobre providências a serem adotadas e a publicidade propositadamente chocante do drama, mais e mais pessoas começaram a se manifestar, a buscar ajuda e a cobrar alternativas de saída para os doentes". Frente a repercussão da campanha a RBS decidiu transformá-la em instituição permanente o Instituto Crack Nem Pensar, que conta com a participação de sete entidades gaúchas e catarinenses Associação Catarinense do Ministério Público, da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Associação dos Magistrados Catarinenses, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O Instituto é uma organização de direito privado sem fins lucrativos, que propõe a produção e disseminação de conhecimentos e capacitação de agentes sociais para atuar no combate à droga nos dois estados. A presidente Dilma Rousseff também intervém com o chamado PAC do Crack, considerado uma efetiva intervenção do Estado brasileiro na questão.

18) EDITORIAL 18 -Título: "Um milhão de zumbis" -Publicado em 21 de maio de 2010. Este editorial mostra dados de especialistas de que o Brasil possui um milhão de usuários de crack, chamados zumbis "sem vontade própria, vivendo apenas para a pedra e pela pedra".

 

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