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Aletheia

versión impresa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.50 no.1-2 Canoas ene./dez. 2017

 

ARTIGOS EMPÍRICOS - PSICOLOGIA

 

Violência entre parceiros íntimos: articuladores de enfrentamento e ajuda

 

Intimate partner violence: articulators of the cope and aid

 

 

Andrezza Souza Martinez Machado1; Lélio Moura Lourenço2

Universidade Federal de Juiz de Fora

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A violência utiliza força física ou poder, real ou em ameaça, resulta ou tem a possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. Como um tipo de violência, cita-se a violência entre parceiros íntimos (VPI). A violência contra a mulher gera consequências emocionais devastadoras e impactos graves a saúde. O objetivo do trabalho consiste em identificar, em uma amostra comunitária, se trinta mulheres envolvidas em casos de VPI buscaram algum tipo de ajuda. O presente estudo empregou abordagem qualitativa e transversal, e foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado. Os resultados apontam a violência psicológica como a mais citada, a maioria das vítimas não buscou ajuda e constatou-se a busca de auxílio das redes formais e informais. Considerando a complexidade da questão, coloca-se como um desafio a prevenção e o combate a esse tipo de violência.

Palavras-chave: Violência entre parceiros íntimos; mulher; ajuda.


ABSTRACT

The violence uses physical strength or power, as real act or menace, resulting, or being able to result in death, damage to the body, the mind, delay of development or privation. As a specific kind of violence, one may quote the intimate partner violence (IPV). Violence against women causes devastating emotional damages and severe impact to health. The goals of the study were to find out if female victims in a community sample of thirty subjects looked out for any kind of help and which kind. The study used a transversal qualitative approach employing a semi-structured interview script. Main results point psychological violence as the most quoted, showed that most of the victims didn`t search for aid and, when they did, the search went from formal to informal sources of help. Taking account of the complexity of the matter, one might call it a challenge to prevent and fight this type of violence.

Keywords: Intimate partner violence; women; aid.


 

 

Introdução

A violência, de acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), consiste na utilização intencional da "força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi, & Lozano, 2002, p.5)".

Como um tipo característico de violência, cita-se a violência entre parceiros íntimos (VPI), que pode ocorrer em todos os países, todas as culturas e em todos os níveis da sociedade. Embora, algumas populações (como os grupos de baixa renda) estejam em maior risco do que outros (Krug et al., 2002).

Afirma-se que a VPI se enquadra em um problema de grandes proporções na saúde pública. Tal violência tem como mulheres a maioria das vítimas, e suas consequências são inúmeras. De fenômeno complexo, encontra-se enraizado em determinados contextos e necessita ser compreendido dentro das normas sociais e culturais que a permeia (Martín- Fernandez et al., 2018).

Nesse contexto, observam-se diferentes formas de violência. Considera-se a violência física como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal. Tem-se também a violência psicológica que corresponde a qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (Lei nº 11.340, 2006).

Assim, a violência atinge mulheres de dentro e fora da família e acontece não somente por meio da agressão física. Além disso, atos violentos podem ocorrer tanto no espaço púbico como no privado. De acordo com o Atlas da Violência, "em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres (Cerqueira et al., 2017)".

Atos violentos contra a mulher podem gerar inúmeras consequências de pequena a grande magnitude. Podem-se citar, de maneira não exaustiva, lesões físicas, depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, suicídio, deficiências, risco de doenças transmissíveis, hipertensão e problemas cardíacos (World Health Organization [WHO], 2016).

Notório se faz enfocar a mulher em virtude de sua particular vulnerabilidade a abusos por seus parceiros íntimos em sociedades onde perduram marcadamente comportamentos pautados nas desigualdades entre homens e mulheres, rígidos papéis de gênero, normas culturais que garantem o direito do homem ao sexo a despeito da vontade da mulher e inábeis penalidades contra esse tipo de comportamento (Krug et al., 2002).

Tais fatores podem tornar difícil ou perigoso para a mulher abandonar um relacionamento abusivo. Além disso, ainda que a mulher consiga sair de uma relação nesses moldes, isso não garante a sua segurança, visto que comportamentos agressivos podem se perpetuar mesmo que o parceiro seja abandonado (Krug et al., 2002).

Afirma-se que a violência demanda, dentre vários setores assistenciais, ações de saúde, judicial, policial e psicossocial. Tais campos possuem diversificação em sua assistência, como a polícia que trabalha com a denúncia das vítimas e a psicossocial que visa à construção de novos projetos de vida (Hanada, D'Oliveira & Schraiber, 2010). A mulher que decide denunciar necessita de apoio e acompanhamento, pois, nem sempre estará pronta para sair da situação (Gadoni-Costa, Zucatti, Dell'Aglio, 2011).

As vítimas podem recorrer a algum tipo de ajuda relacionada a redes formais e informais. Como estratégias utilizadas na rede formal citam-se como exemplos: apoio da igreja, conversar com algum profissional da saúde ou falar com alguém pertencente a algum programa de VPI. Já as redes informais caracterizam-se por medidas adotadas como conversar com a família ou amigos. De tal maneira, conclui-se que as redes de ajuda são estratégias de âmbito público destinadas a aumentar os recursos e opções para as vítimas escaparem ou protegerem-se contra novos episódios de violência (Cardoso & Quaresma, 2012).

A Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, é reconhecida pela ONU como "uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres (Menicucci, 2012, p.7)". A lei possibilita meios de atendimento humanizado às mulheres, relacionando valores de direitos humanos a política pública; e ainda, contribui para educar toda a sociedade. Ao falar em prevenção, a lei prevê ações integradas, como a articulação de áreas tais quais as da segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação (Lei nº 11.340, 2006). A VPI manifestase como um fenômeno multidimensional, de tal forma, requer soluções igualmente complexas (Menicucci, 2012).

O problema da violência pode ser detectado por meio de serviços de saúde. Mas muitas mulheres têm vergonha ou medo de abordar o problema, ou não acreditam que poderão encontrar alguma resposta acerca do assunto nesses serviços. Dito isso, acredita-se que profissionais especializados, como as equipes da "Estratégia de Saúde e da Família" que possuem maior vínculo com as famílias, podem abrir canais de comunicação que facilitem este relato e o seu acolhimento (Gomes, Silva, Oliveira, Acosta & Amarijo, 2015).

Ações neste campo ainda são difíceis em decorrência do fato de que a maioria das mulheres submetidas à violência não buscam ajuda, pois são frequentemente culpadas e estigmatizadas (World Health Organization [WHO], 2017). E ainda, nota-se que a legislação que ampara as vítimas de violência tem sido amplamente divulgada, contudo o estabelecimento de normas e o cumprimento da lei ainda não possuem índices tão satisfatórios (World Health Organization [WHO], 2014).

Dados apontam a baixa percepção das vítimas em relação a situações violentas vividas. Muitas mulheres buscam encontrar justificativas para a agressão, reduzindo a responsabilidade do agressor, o que dificulta ou retarda a tomada de decisão (Leite, Moura & Penna, 2013).

Ponderando o breve panorama exposto acerca de tal temática, foi realizado um estudo com uma amostra de mulheres envolvidas em situação de violência entre parceiros íntimos. De tal maneira, vislumbra-se o acesso a maiores informações acerca do contexto da violência perpetrada contra a mulher e a ocorrência de suporte ou não as vítimas. Tais dados poderão auxiliar o campo da pesquisa e ação para que projetos sejam elaborados pautados nos reais fatores que permeiam tal fenômeno.

Com isso, espera-se contribuir para o aprofundamento do conhecimento já instituído no campo de ações ao combate da violência entre parceiro íntimo contra a mulher, enfatizando a questão da busca de ajuda por parte da vítima.

 

Método

O presente estudo utilizou abordagem qualitativa e transversal. A coleta de dados iniciou no mês de agosto de 2015 e terminou em maio de 2016.

Participantes

As participantes faziam parte de um grupo de vítimas já conhecido por seus escores de violência física. Tais dados foram obtidos por meio do instrumento CTS2 (Revised Conflict Tactics Scales), usado para identificar a violência entre casais. Aplicado no ano de 2011 a 2012, as mulheres, entre 18 e 60 anos, foram selecionadas por amostragem probabilística a partir de um levantamento domiciliar em dois bairros da cidade de Juiz de Fora, sem incluir situações de extrema pobreza ou riqueza. A aplicação ocorreu na residência das mulheres após o consentimento livre e esclarecido (Gebara, 2014). A composição inicial da amostra pode ser vista na Figura 1.

 

 

A partir do total dessas 112 mulheres que apresentaram escore de violência no CTS2 (Gebara, 2014), a amostra da pesquisa foi concebida pelo método de saturação teórica. No caso em questão, a saturação tinha como proposta abarcar os relatos de violência vivenciados de maneira a contemplar e abranger os diversos casos (Fontanella et al., 2011).

à medida que as entrevistas eram realizadas, a amostra foi pré-analisada, no momento da transcrição, a partir da frequência dos enunciados que detectavam o tipo e a periodicidade da violência (Fontanella et al., 2011). No decorrer do campo, observouse uma variedade de categorias. De tal maneira, optou-se por entrevistar todos os casos mais raros (e possíveis, de acordo com a disponibilidade da mulher). Os casos mais singulares trouxeram riqueza aos dados, imprescindível para o aprofundamento da pesquisa (Fontanella et al., 2011; como citado em Martínez-Salgado, 2012). Tal seleção foi possível em decorrência da familiaridade que já possuíamos com os dados (Gebara, 2014). Concluindo, pode-se visualizar a composição final da amostra na Figura 2.

 

 

Instrumentos

Foram realizadas, individualmente, entrevistas semiestruturadas. O roteiro para a condução das entrevistas foi elaborado pelos pesquisadores e abordou questões sobre: histórico da violência, situação conjugal atual e pretérita, e as estratégias de enfrentamento adotadas pelas mulheres. O roteiro foi dividido em partes temáticas que iniciava com uma pergunta geral sobre o que as entrevistadas compreendiam sobre violência entre parceiros íntimos, depois aprofundava em questões mais específicas acerca dos relacionamentos da mulher e terminava averiguando se houve ou não busca de ajuda nos casos em que ocorreu a violência. Assim, objetivava compreender o contexto em que a violência ocorria, bem como, os desdobramentos e as consequências da violência.

Procedimentos de coleta de dados

A pesquisa ocorreu na casa da mulher em um local privado, onde estavam garantidos o sigilo e a segurança. As pesquisadoras iam a campo em duplas para resguardar a segurança. Os contatos eram feitos, geralmente, durante a semana nos horários da manhã e da tarde. A entrevista era realizada apenas por uma pesquisadora e gravada em áudio por dois aparelhos disponibilizados especificamente para esse fim. A pesquisadora que não participava da entrevista ficava aguardando ao lado de fora para garantir a segurança e o manejo necessário para propiciar um ambiente favorável para realização da pesquisa. Antes de a entrevista iniciar o termo de consentimento livre e esclarecido era explicado e a entrevista era realizada com a aprovação (mediante assinatura) da mulher.

Procedimentos de análise de dados

Após a transcrição, os dados qualitativos foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo categorial, segundo proposta por Bardin (2011), que "funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos (p.201)". O método organiza-se em três polos cronológicos: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação (Bardin, 2011).

Todos os procedimentos de codificação foram feitos manualmente de maneira a considerar o contexto de cada fala e classificar adequadamente os trechos que tinham o mesmo sentindo, ou seja, o mesmo tema (Bardin, 2011).

Procedimentos éticos

A pesquisa possuía a aprovação do Comitê de ética com parecer de número 481.956. A participação das mulheres no estudo se deu de forma voluntária, por intermédio do consentimento. Destaca-se que foi dado todo resguardo à privacidade e foram disponibilizadas informações acerca de suporte frente a situações de violência vivenciada.

 

Resultados

A análise de conteúdo realizada constatou que das trinta entrevistas: quatro relataram violência no atual relacionamento, como também, violência em relacionamentos anteriores; vinte e três disseram ter sofrido violência unicamente no atual relacionamento; e ainda, três relataram comportamentos violentos sofridos unicamente em um relacionamento anterior.

Nos relatos das entrevistadas verificou-se que quatorze mencionaram ter sofrido violência física junto com a psicológica (sendo que uma mulher mencionou a ocorrência no atual e no antigo relacionamento), cinco descreveram casos de agressão física (sendo que uma mulher mencionou a ocorrência no atual e no antigo relacionamento), e quinze de violência psicológica (sendo que duas mulheres mencionaram a ocorrência no atual e no antigo relacionamento).

Em relação à busca de ajuda por parte das mulheres, vinte não buscaram ajuda, ou seja, a maior parte não teve nenhum tipo de suporte. As mulheres que mais buscaram ajuda sofriam violência física e psicológica ao mesmo tempo. Em contrapartida, mais da metade das entrevistadas que sofreram violência psicológica considerou não precisar de ajuda. Desse montante, em quatro casos se verificou violência no atual e no antigo relacionamento, mais especificamente: duas não buscaram ajuda quando sofreram violência no atual relacionamento, uma não buscou ajuda quando sofreu violência no antigo relacionamento e uma buscou ajuda no atual e no antigo relacionamento. Pode-se visualizar na Tabela 1 o resultado global (incluindo os quatro relatos com casos no atual e no antigo relacionamento).

 

 

No que tange ao tipo de ajuda que as vítimas buscaram, constatou-se que seis mulheres buscaram ajuda concomitante de meios formais e informais, três procuram a rede formal e cinco tiveram apoio da rede informal. Desse montante, a ajuda mais citada foi a de amigos (relatada sete vezes), depois se têm: família (seis), psicólogo (cinco) e delegacia (quatro). Foram citados (duas vezes cada) o auxílio de vizinhos, a estratégia intrapessoal e a igreja. Outros serviços foram indicados (uma vez cada), como: hospital, CRAS, Al-Anon (serviço para familiares e amigos de alcoólatras), psiquiatra e serviço de saúde sem especificação. O resultado pode ser visto na Tabela 2 , lembrando que várias mulheres citaram mais de um tipo de ajuda.

 

 

 

Discussão

De acordo com os resultados obtidos, percebe-se que a violência psicológica foi a mais citada. Tal resultado se difere do "Mapa da violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil (Waiselfisz, 2015)" em que a violência física é a mais frequente, presente com 48,7% dos casos, e também do balanço do primeiro semestre de 2016 do Ligue 180 (Central de atendimento à Mulher) que teve 51% dos casos de violência física (Secretaria de políticas para as mulheres, 2016). Essa desigualdade pode ter sido ocasionada pela diferença das fontes, visto que o Mapa da violência registra compulsoriamente casos de agressão contra mulheres de quaisquer idades atendidas pelo SUS (Sistema único de Saúde) e o Ligue 180 apura denúncias, orienta e acolhe. Em contrapartida, as mulheres entrevistas pela pesquisa não necessariamente buscaram algum tipo de atendimento do SUS ou buscaram ajuda e denunciaram.

Enfatiza-se que a violência psicológica se desenvolve, muitas vezes, como um processo silencioso e progride sem ser identificada. Esse tipo de violência pode desencadear comportamentos físicos, sendo assim, nota-se a importância do reconhecimento das agressões sutis que ainda se encontram em estágio embrionário. No entanto, aponta-se como um grande problema a dificuldade da não identificação da violência psicológica em razão de esta aparecer diluída em atitudes aparentemente não relacionadas ao conceito de violência (Silva, Coelho e Capone, 2007).

No que concerne à busca de ajuda, considerando os relatos em relação ao ex e ao atual companheiro e de acordo com a percepção delas, vinte mulheres não buscaram ajuda. Na literatura existem diversas explicações para que a vítima não conte os episódios de violência, como alguns dos motivos têm-se que a mulher: sente-se envergonhada e humilhada ou mesmo culpada pela violência, teme por sua segurança pessoal e pela segurança de seus filhos e filhas, teve más experiências no passado ao contar sua situação, sente que não tem controle sobre o que acontece na sua vida, espera que o agressor mude de comportamento, acredita que suas lesões e problemas não são importantes, quer proteger seu companheiro por razões de dependência econômica ou afetiva, tem medo de perder seus filhos, o agressor a acompanha e não a deixa falar ou pedir ajuda profissional, pertence a um âmbito cultural/social em que esses abusos são tolerados ou mesmo compreendidos como "naturais", e/ou pensa que ama seu agressor e que a violência reflete um momento ruim pelo qual está passando (Organização das Nações Unidas [ONU], & Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados [ACNUR], 2011).

Situações de violência podem ter seus efeitos menosprezados por meio de uma influência cultural e social. Construções sociais podem relativizar o pensamento acerca da violência, de tal modo, crenças sobre a gravidade são minimizadas (Candil, Romero & Zavala, 2016), como observado no trecho da seguinte fala durante a entrevista: "Aqui em casa eu não vejo isso como um problema."

Como uma forma de lidar com as situações de violência, a estratégia intrapessoal concerne em uma das maneiras de enfrentamento. Dentre algumas, pode-se citar "conversar consigo mesma" e "liberar o estresse por meio de atividades pessoais" (Sabina, Cuevas & Schally, 2012). A estratégia intrapessoal foi citada por duas mulheres como estratégias para solucionar a situação, como foi o seguinte caso: "Aí eu escrevia. Eu escrevia muita carta pra mim mesma, P. é isso que você tá querendo pra você? P. pensa direitinho! Eu escrevia depois eu mesmo lia."

Todo o processo de intervenção se inicia quando a mulher decide não aceitar os atos violentos, resultando, de tal forma, em uma decisão para confrontar a violência vivida (Sabina et al., 2012). Tal fato pode ser percebido em uma das falas que relata a motivação para a busca de ajuda: "Foi porque eu não tenho dono, eu não sou cachorro."

As escolhas das estratégias adotadas refletem, provavelmente, o que as vítimas consideram que melhor irá funcionar num período determinado, numa situação concreta ou num espaço específico. As escolhas refletem também o que as vítimas percebem sobre o que está ao seu alcance (Cardoso & Quaresma, 2012). Além do serviço de algum profissional, a maior parte das mulheres buscou a ajuda de amigos e família, demonstrando assim a importância da rede informal de ajuda.

A compreensão das mulheres acerca de suas próprias experiências tem grande influência na decisão de buscar ajuda, como também, o seu tipo. E, ainda, a resposta recebida tem profundo impacto no envolvimento da vítima no processo de procura de auxílio (Morgan et al., 2016).

Menciona-se o registro de ocorrência na delegacia como meio oficial para cessar o relacionamento abusivo. Contudo, a partir da literatura anglo-saxônica, observa-se que a mulher agredida recebe estereótipos que geram certo afastamento cultural entre policiais e vítimas e, com isso, nota-se em alguns casos o fraco reconhecimento de seus direitos (Durão, 2013). Na pesquisa, as entrevistadas demonstraram o conhecimento dos serviços jurídicos prestados, contudo, também grandes críticas foram ouvidas ao seu respeito.

Sucintamente, a busca de ajuda condiz em um processo que incluem etapas; iniciase com a definição do problema, passa pela decisão dos passos a serem tomados e, por fim, na seleção das fontes de suporte. Cada etapa possui múltiplas opções e as decisões tomadas em cada estágio têm influência do meio sociocultural, interpessoal e individual (Sabina et al., 2012).

Menciona-se ainda a dificuldade encontrada na pesquisa no que concerne às informações coletadas, visto a objeção de algumas vítimas ao abordar o assunto, além de discursos divergentes averiguados em uma mesma fala. Tais dificuldades são compreensíveis em sua manifestação quando consideramos a complexidade do assunto.

Destaca-se como um desafio a elaboração de programas de prevenção (primária) e tratamento das vítimas, visto que muitos profissionais desconhecem estratégias de enfrentamento da violência contra a mulher (Kind et al., 2013). O caminho para que os serviços de atendimento à mulher cheguem a uma situação ideal ainda é longo e repleto de percalços. Para tanto, precisamos atingir o melhor mecanismo de abordagem e primeiro contato com essas mulheres, levando em conta suas características idiossincráticas para que, assim, possamos contribuir para preservar a integridade psicológica e física da vítima (Gadoni-Costa et al., 2011).

 

Considerações Finais

Reitera-se que o assunto abordado consiste em um problema de saúde pública e seu enfretamento requer articulações multidisciplinares e intersetoriais (Kind et al., 2013). Diante disso, o setor de saúde poderia ser um articulador dentro da rede de enfrentamento à violência, haja vista a capacidade de se portar como uma porta de entrada efetiva dos casos em questão (Schraiber, d' Oliveira, Portella & Menicucci, 2009). Entretanto, não aparece ainda como uma referência concreta capaz de articular a ajuda multidisciplinar, além disso, algumas vítimas ainda não buscam esse setor, mesmo em casos mais graves de violência física.

Acrescenta-se ainda, no que se refere à parte intervencionista, a importância de investimento direcionado aos profissionais que trabalham direta ou indiretamente com essa realidade. Destaca-se, assim, a necessidade de uma intervenção no campo pedagógico que possa contemplar capacitações, como também, na parte estrutural para que o profissional tenha melhores condições para abordar os casos; salienta-se, por último, uma intervenção global no que diz respeito a parte da gestão do sistema de saúde. Tal somatório de medidas possibilitaria um ambiente de trabalho mais propício para acolher as vítimas. Com isso, viabilizaria maior espaço para inserção da temática no espaço da saúde pública e coletiva.

Considerável igualmente evidenciar a complexidade das relações conjugais. As interações do casal estão pautadas por um forte componente emocional e, além disso, os cônjuges partilham projetos, papéis e responsabilidades relativos à própria vida e a vida de seus filhos. Dito isso, percebe-se como o agressor pode criar uma rede de dependência e controle que torna mais difícil para a vítima romper uma situação abusiva.

A ruptura conjugal, em alguns casos, não é a única alternativa para a mulher. A vítima pode desejar permanecer na relação caso a violência seja cessada. Estratégias e meios podem ser buscados para modificar o comportamento do agressor, como também, pode ser dado suporte para a vítima superar tal situação (Manita, Ribeiro & Peixoto, 2009).

Por fim, reconhecendo a multidimensionalidade do objeto estudado, cumpre ponderar a insuficiência de disciplinas isoladas para a compreensão do fenômeno. Cabe comentar, ainda, a necessidade de esforços voltados para ações mais específicas na prevenção e combate à violência. Constata-se que a desinformação das vítimas e a falta de preparo dos profissionais ainda estão presentes neste universo. Devem-se estimular reflexões conceituais e empíricas a fim de fomentar o campo da prática e, desse modo, propiciar a concretização de meios mais eficazes para o enfrentamento da violência entre parceiros íntimos.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: andrezza_martinez@yahoo.com.br

Recebido em janeiro de 2017
Aprovado em abril de 2018

 

 

1 Andrezza Souza Martinez Machado: Mestre pelo programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Psicóloga formada pela UFJF. Membro do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (NEVAS/UFJF). Endereço para correspondência: Rua Professor Joaquim Henrique Vianna, 10/301, centro, Juiz de Fora/Minas Gerais, CEP: 36062-470.
2 Lélio Moura Lourenço: Professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-Doutor em Estudos da Criança pelo Instituto da Criança da Universidade do Minho - Braga, Portugal. Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Psicologia Social pela Universidade Gama Filho. Membro da APICSA - Asociación Psicológica Iberoamericana de Clínica y Salud. Coordenador do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (NEVAS/UFJF).

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