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Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.11 no.1 Ribeirão Preto jun. 2003

 

 

Adolescência e trabalho: enfrentando o presente e esperando o futuroI

 

Adolescence and work: facing the present and waiting for the future

 

 

Denize Cristina OliveiraI; Frida Marina FischerII; Ignez Salas MartinsII; Celso Pereira SáI

I Universidade do Estado do Rio de Janeiro
II Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou a descrição das representações sociais do estudo e do trabalho infanto-juvenil, e a análise das relações estabelecidas entre essas duas práticas, em duas cidades do Estado de São Paulo. Responderam a um questionário 778 adolescentes, entre 11 e 18 anos, estudantes de 5ª a 8ª série do ensino fundamental e de 1ª a 3ª série do ensino médio, trabalhadores e não trabalhadores, das escolas públicas dos municípios. Foram também realizados 18 grupos focais, contando com a participação de 200 jovens, trabalhadores e não trabalhadores. O tratamento das evocações livres, que haviam sido incluídas no questionário, foi feito com a construção de um "quadro de quatro casas" para determinação da estrutura das representações, acompanhada de análise de similitude. Para a descrição do conteúdo das representações foi realizada a análise lexical do conteúdo discursivo dos grupos focais, através do software Alceste 4.5. Os resultados indicam que a relação trabalho-escola está estruturada numa relação de contradição entre as dimensões moral, de saber e das conseqüências do trabalho, dimensões estas mediadas pela possibilidade e pela impossibilidade de futuro. Observou-se nítidas diferenças entre as representações de jovens trabalhadores e não trabalhadores. Como conclusão aponta-se que, apesar do trabalho representar um risco para a escolarização, este é legitimado ou justificado pelas representações dos próprios jovens.

Palavras-chave: Trabalho precoce, Representação social, Exclusão social, Retenção escolar.


ABSTRACT

This study aimed to describe the social representations of studying and working by infantile and juvenile subjects, and to analyze the established relationships between those two practices, in two cities of the State of São Paulo. They answered to a questionnaire 778 adolescents, between 11 and 18 years old, workers and non workers, who were students from 5th to 8th series of the fundamental level of teaching and from 1st to 3rd series of the medium teaching in the public schools of their municipal districts. They were also conducted 18 focus groups, counting on the participation of 200 young workers and non workers. The analysis of the free evocations, which were included in the questionnaire, was made trough their distribution among four quadrants, whose ensemble pictured the structure of each representation, complemented by a similitude analysis. For the description of the contents of the representations, a lexical analysis of the discursive material of the focus groups was accomplished, through the software Alceste 4.5. The results indicate that the relationship between working and studying is structured in a contradictory way involving the dimensions of moral, knowledge and consequences of work, which were mediated by an evaluation of their roles in the construction of the future. They were observed sharp differences between the representations held by young workers and non workers. As a conclusion it is pointed that, in spite of the fact that working represents a risk for proper scholarship, it is legitimated or justified by the own youths' representations.

Keywords: Precocious work, Social representation, Social exclusion, School delay.


 

 

O trabalho da criança e do adolescente tem se apresentado como um dos mais graves e controvertidos problemas de Saúde Pública na atualidade. Apesar de não se caracterizar como fato novo, o trabalho infantil apenas nas duas últimas décadas passou a se colocar como um problema social, deixando seu espaço natural de fato cotidiano e passando a ocupar o "status" de problema.

Em função da problematização dessa prática social, novos estudos começaram a se ocupar de aspectos mais propriamente econômicos associados ao tema. No entanto, como problema social novo, o trabalho precoce coloca-se como importante objeto para o estudo das representações sociais, já que, por hipótese, a mudança no "status social" da questão poderá levar a transformação das práticas e também das representações.

A controvérsia apontada diz respeito ao fato de, por um lado, os profissionais da saúde, educadores, psicólogos e especialistas em segurança do trabalho, apontarem os danos potenciais que o trabalho precoce pode causar ao crescimento e ao desenvolvimento da criança, no que tange aos aspectos bio-psicossocial e ao atraso na escolarização devido à repetência e a evasão escolar. (Alessi e Navarro, 1996; OMS, 1987; Sampaio e Ruiz, 1996) Por outro lado, a própria comunidade onde estão inseridos os menores trabalhadores interpreta o trabalho infantil como positivo para a formação da personalidade e do caráter de crianças e de adolescentes. (Oliveira, 2000)

É senso comum entre pais, professores e outros grupos sociais que mantendo a criança ocupada, evita-se que a mesma se perca nas ruas vitimada pelo consumo de drogas e por outros problemas aos quais se torna exposta. Também, o trabalho do menor com freqüência coloca-se como fundamental para o orçamento de uma família trabalhadora, geralmente com muitos filhos menores.

Muitos são aqueles que argumentam sobre os aspectos positivos e benéficos da entrada precoce na força de trabalho, no sentido de contribuir para o crescimento como pessoa ou cidadão, incorporando sentimentos de auto-estima e realização à sua personalidade, desde que compatível e equilibrado com seu potencial energético (Forastieri, 1997). No entanto, o trabalho pode tornar-se uma atividade com conseqüências negativas para o adolescente quando não pode ser conciliado com outras atividades tão importantes para o adolescente como, por exemplo, o estudo, o lazer ou o próprio convívio em família. Há pesquisas que mostram os múltiplos efeitos negativos do trabalho infanto-juvenil, como desmotivação, cansaço, pouca remuneração salarial e problemas de saúde, entre outros (Asmus, Suyanna, Ruzani e Meirelles, 1996; Dauster, 1992; Lima e Câmara, 2002; Neto e Moreira, 1998).

Os estudos desenvolvidos sobre o tema ainda são poucos e inconclusivos, no que se refere à exploração da problemática e ao estabelecimento das relações existentes entre trabalho e danos à saúde física e psicológica. Em função disso, é de fundamental importância que se dê a devida prioridade ao tema, não apenas no investimento em pesquisas, mas também na formação de recursos humanos multiprofissionais, uma vez que se trata, por princípio, de um objeto transdisciplinar.

Parte-se, neste trabalho, da premissa de que para a compreensão de uma dada realidade é necessário identificar a maneira como os sujeitos sociais identificam, explicam e elaboram essa situação. No caso de crianças e adolescentes essa realidade está em elaboração, ou seja, apesar de considerados como seres em desenvolvimento, já vivenciam realidades sociais bastante extremas, como o trabalho precoce. O produto desse processo de retradução da realidade vivenciada são as representações sociais.

O conceito de representação social apresenta-se como elemento central desta proposta de trabalho. Nessa medida, deve-se afirmar que a pesquisa apoiada nesse referencial teórico implica em reconhecer a existência de uma forma específica de saber, caracterizado como conhecimento do senso comum, que no caso deste trabalho será a via de acesso para o conhecimento de uma faceta psicossocial da situação de educação e do trabalho infantil e do adolescente, nos municípios estudados.

A noção de representação social, adotada neste trabalho, corresponde à teoria elaborada por S. Moscovici em 1961 (Moscovici, 1976). Abric (1987) avança nas tentativas de uma definição das representações sociais, destacando a subjetividade e o caráter social das representações, ao afirmar que se entende por

representações sociais o conjunto organizado de informações, atitudes, crenças que um indivíduo ou um grupo elabora a propósito de um objeto, de uma situação, de um conceito, de outros indivíduos ou grupos apresentando-se, portanto, como uma visão subjetiva e social da realidade (p.64).

Neste aspecto, cabe considerar que o estudo das representações sociais sobre o trabalho e suas repercussões na educação e no desenvolvimento psicossocial, tem como pressuposto que práticas e representações estão estreitamente associadas, numa relação dialética de determinação, podendo-se fazer inferências sobre as práticas a partir do mapeamento das representações (Abric, 1994; Martin e Royer-Rastoll, 1990).

O conhecimento das representações sobre esse processo e o acesso às práticas resultará num mapeamento da realidade simbólica vivenciada por um dos principais agentes desse processo - a criança e o adolescente - e também aos determinantes das práticas de aceitação ou rejeição do trabalho efetivadas pelos sujeitos estudados.

 

Método

Esta pesquisa objetivou a descrição das representações sociais do estudo e do trabalho infanto-juvenil, e a análise das relações estabelecidas entre essas duas práticas, entre adolescentes na faixa etária de 11 a 18 anos, estudantes de 5ª a 8ª série do ensino fundamental e de 1ª a 3ª série do ensino médio, das escolas públicas dos municípios de Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal - São Paulo.

O desenho metodológico consistiu de três estudos: a) caracterização do perfil de escolarização dos dois municípios; b) estudo de risco estatístico para o atraso escolar e o trabalho; e c) caracterização das representações sociais de alunos trabalhadores e não trabalhadores. Neste texto serão apresentados os resultados da caracterização das representações sociais de dois grupos - alunos trabalhadores e não trabalhadores – sobre os temas trabalho, escola, família e futuro, tendo em vista a pertinência psicossocial do tema.

Foram convidados a participar da pesquisa todos os alunos que se enquadravam nos seguintes critérios de inclusão: faixa etária entre 11 e 18 anos, alunos cursando entre 5ª série do ensino fundamental e a 3ª série do ensino médio nos turnos diurno e noturno, aceite em participar do estudo, estar presente na escola no período definido para a coleta de dados.

O grupo estudado foi composto por 778 sujeitos, sendo 377 do sexo masculino e 401 do sexo feminino; com a seguinte distribuição etária: 359 de 11 a 13 anos, 345 de 14 a 16 anos, e 74 de 17 a 18 anos; 549 trabalhavam, 185 não trabalhavam e 44 estavam desempregados.

A coleta de dados foi realizada com a aplicação de um questionário para caracterização social e coleta de evocações livres sobre os temas indutores "escola", "trabalho", "ser trabalhador" e "criança que trabalha". Foram, ainda, realizados 18 grupos focais, contando com, em média, 10 participantes divididos entre trabalhadores e não trabalhadores, direcionados para a discussão dos temas orientadores da pesquisa.

O tratamento de dados foi realizado utilizando técnicas quantitativas e qualitativas, intermediadas pelos softwares de análise de evocações EVOC 4.0, de análise de similitude SIMI e AVRIL, e de análise informatizada de conteúdo discursivo ALCESTE 4.5. (Flament, 1986a, b; Grize, Vergès e Silem, 1987; Lebart e Salem, 1988; Reinert, 1990; Sá, 1996; Vergès, 1992)

A análise dos dados foi realizada a partir de técnica de determinação do núcleo central das representações, criada por Abric (1987, 1994 e 2003) e Vergès (1992), acompanhada de análise de similitude das categorias construídas a partir das evocações (Flament, 1986b). Para a descrição do conteúdo da representação foi realizada a análise lexical do conteúdo discursivo dos grupos focais, idealizada por Reinert (1990).

O tratamento das evocações livres foi feito com a construção de um "quadro de quatro casas" onde são distribuídos os termos evocados considerando a freqüência e a ordem das evocações produzidas, possibilitando a determinação da organização dos termos produzidos em função da hierarquia subjacente a esses dois indicadores (Sá, 1996; Vergès, 1992). Parte-se da premissa de que os termos que atendam, ao mesmo tempo, aos critérios de evocação com maior freqüência e nos primeiros lugares, supostamente teriam uma maior importância no esquema cognitivo do sujeito e seriam os candidatos ao núcleo central da representação. (Sá, 1996 e 1998)

Vergès (1992) propõe completar essa análise verificando se as palavras mais freqüentes, ou as que se localizam nos quadrantes centrais e próximos, permitem criar um conjunto de categorias organizadas ao redor desses termos, confirmando assim a indicação do seu papel organizador da representação. Essas categorias podem, num segundo momento, ser submetidas à análise de similitude, conforme efetuado neste trabalho.

A análise de similitude é definida por Flament (1986b) da seguinte maneira:

Admite-se que dois itens serão ainda mais próximos na representação quanto mais elevado for o número de indivíduos que os tratem da mesma maneira, que aceitem os dois ou que rejeitem os dois ao mesmo tempo; em seguida calcula-se um coeficiente de contingência que é um índice de semelhança clássica (p.141).

Obtém-se, assim, uma matriz de semelhança que pode ser simplificada pesquisando-se a árvore máxima do sistema e transformada em um grafo (Doise, 1992).

A análise do conteúdo discursivo, coletado através de grupos-focais, foi realizada a partir da técnica de análise de conteúdo informatizada, utilizando-se para isto o software Alceste 4.5. (Camargo, 1998; Reinert, 1990) Considerando que pelo menos dois indicadores devem ser considerados na análise de conteúdo, quais sejam, a freqüência com que determinados temas emergem do conteúdo manifesto, e quais características estão associadas a esses temas, ou seja, sua rede de significações, o ALCESTE toma como base as leis de distribuição do vocabulário. O processo de tratamento do material é realizado em cinco etapas de análise principais: a) criação de dicionários de formas reduzidas, transformando as palavras componentes do texto em radicais, e identificação das variáveis selecionadas e das UCI’s (unidades de contexto inicial), que neste trabalho foram compostas por cada grupo focal; b) segmentação do material discursivo em pequenas seqüências de texto, denominadas de UCE (unidades de contexto elementares) e cálculos de associação entre UCE, formas reduzidas e variáveis; c) descrição das classes de UCE escolhidas, através de cálculos complementares para cada uma das classes obtidas pelos cálculos da etapa precedente; d) cálculos complementares, realizados a partir das UCE escolhidas, o programa calcula a relação de ?2 e informa as UCE que caracterizam cada classe, permitindo a contextualização do vocabulário típico de cada classe; e) análise fatorial de correspondência das formas reduzidas, variáveis e classes obtidas (Camargo, 1998; Oliveira, Gomes e Marques, 2004).

Foram associados três critérios à análise Alceste para a determinação do perfil das classes observadas e que merecem ser especificados: ?2 mínimo de 2,78; palavras cuja aderência à classe foi superior a 50 freqüência total superior à freqüência média observada no conjunto da análise.

 

Resultado

A apresentação do perfil representacional será efetuada considerando os temas orientadores da coleta de dados e os resultados mais relevantes. Cada tema tratado foi metodologicamente orientado, objetivando a análise do campo e da estrutura das representações sociais, apoiado pela Teoria Geral das Representações Sociais e pela Teoria do Núcleo Central. Esses temas foram: A Escola e sua Função Social; A Exclusão Escolar; o Futuro; O Trabalho; e a Família.

1. Conteúdos representacionais consensuais: a escola, o trabalho, a família e o futuro

O estudo do conteúdo das representações, a partir dos grupos focais, foi realizado pela análise do material discursivo efetuada pelo programa Alceste 4.5. Essa análise resultou em diferentes temáticas, conforme será apresentado abaixo, que representam os elementos consensuais observados entre os adolescentes pesquisados.

Foram analisadas as representações de estudantes divididos em dois grupos, em função da faixa etária: 11 a 14 anos (primeiro grupo) e 15 a 18 anos (segundo grupo). O perfil das classes discursivas resultantes da análise Alceste foi semelhante nos dois grupos, diferenciando-se apenas em relação à explicitação de particularidades relativas ao grau de maturidade observado no segundo grupo, o que faz supor um universo representacional que não varia em função da faixa etária.

Os eixos temáticos resultantes das duas análises foram: a relação trabalho/escola, as relações escolares, as relações familiares, e o futuro.

Observou-se, na análise do grupo mais jovem, quatro classes temáticas: a primeira respondeu por 28,32% das UCE’s analisadas, a segunda por 31,59%, a terceira por 27,02% e a quarta por 14,07%. A análise do grupo mais velho resultou em cinco classes discursivas. A primeira foi responsável por 16,90% do material analisado, a segunda por 17,14%, a terceira por 12,38%, a quarta por 43,81%, e a quinta por 9,76%. A divisão do material discursivo em classes pode ser visualizada nas dendogramas das figuras 1 e 2.

 

Figura 1. Perfil das classes da análise ALCESTE entre alunos de 5ª a 8ª série (ensino fundamental), ao tema "A Família, a Escola, o Trabalho e o Futuro". Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, 1999.

 

Figura 2. Perfil das classes da análise ALCESTE entre alunos de 1ª a 3ª série (ensino médio), ao tema "A Família, a Escola, o Trabalho e o Futuro". Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, 1999.

 

As análises apresentadas informam os perfis das classes lexicais resultantes da decomposição do material discursivo. Essas classes representam o que Reinert (1990) define como campo contextual, que possibilita a caracterização de um espaço semântico particular com a ajuda de um conjunto de palavras.

Esses dados possibilitam indicar e descrever as principais concepções presentes nas classes apresentadas, que são as seguintes:

(1) Noções relativas à compreensão do futuro como resultante do esforço pessoal, traduzido pelo investimento na formação escolar e no trabalho concomitante, e a associação destes como fatores determinantes do futuro, na medida em que, em tese, poderiam assegurar uma melhor colocação profissional. O futuro coloca-se como um ideal a ser conquistado em função da capacidade de auto-propiciar uma formação adequada através do estudo, na medida em que são reconhecidos como pressupostos para a "empregabilidade". Os jovens reconhecem as dificuldades de colocação no mercado de trabalho e atribuem à escolarização o diferencial de competitividade possível com os jovens com melhor formação, além de associarem o trabalho à superação das condições sociais adversas vivenciadas e como "aquilo que possibilita a continuidade dos estudos".

A escola pública é tratada como um dos desafios a ser vencido, a partir do empenho pessoal dos alunos e da sua maior dedicação, como ferramentas para vencer a má qualidade de ensino oferecida. A associação do sucesso profissional ao estudo aparece referenciada à formação em nível superior, ou seja, "fazer uma faculdade" ainda representa para esses alunos o caminho para a melhoria das condições de vida. (classe um)

(2) As contradições colocadas pelo trabalho no cotidiano dos alunos são reconhecidas pelos mesmos, que tentam negá-las como forma de reafirmar a possibilidade de construção de um futuro. Apesar de caracterizada como "difícil", a realização das aspirações de sucesso profissional e financeiro apresenta-se como possível para os jovens estudados, na medida em que dêem a sua contrapartida de investimento. Não são consideradas nas representações desse grupo quaisquer outras variáveis que não o esforço pessoal reafirmando, dessa forma, uma relação de determinação de tipo unicausal, característica da dimensão moral do trabalho observada na análise do núcleo central das representações.

Na análise do segundo grupo essa questão é mais acentuada do que no primeiro grupo. (classe um e classes um e cinco, respectivamente)

(3) As relações familiares são descritas em função do contexto próprio da faixa etária estudada. As questões tratadas especificam os posicionamentos dos jovens em função dos modelos materno/paterno vivenciados, alguns se contrapondo ao modelo familiar e outros reforçando-o. Por outro lado, observa-se a explicitação do aparecimento das drogas na vivência dos jovens e os modos diferenciais de lidar com o "fato novo", ora aceitando-o como indicativo de independência, ora negando-o em função dos riscos e do cerceamento social, ou ainda como tabu familiar; o terceiro aspecto a destacar na fala dos jovens refere-se à comunicação com os pais, referindo-se as dificuldades de comunicação ou à sua fluência como elemento de aproximação e/ou distanciamento do universo dos jovens, ficando aqui também explicitadas as diferenças em função dos costumes de cada geração. As relações diferenciais de gênero são afirmadas nos dois grupos, na colocação de limites diferenciais para meninos e meninas. Nesse aspecto o posicionamento dos jovens não é claro, parece observar-se ora a aceitação dessas distinções, ora a sua contestação.

As práticas de socialização são também abordadas pelos jovens, afirmando as distinções efetuadas pelos pais como parâmetros para a socialização progressiva dos filhos. A extensão dos limites colocados e o seu progressivo alargamento são questões centrais para os jovens, associadas ao mesmo tempo ao amor e ao cuidado com os filhos e ao conflito de gerações impedindo que os pais confiem nos filhos. Não se observa neste grupo relações com grande carga de conflito, mas sim a aproximação dos valores de pais e filhos e a objetivação das diferenças. (classes três e quatro)

(4) Nas preocupações dos jovens com as relações estabelecidas entre professor e aluno destacam-se os impasses vivenciados em função da hierarquia rígida existente na escola e do papel de dominação do professor nessa relação, caracterizada pelo desrespeito e pela não escuta do aluno. O "bom professor" é definido como aquele que é amigo, que conversa e que escuta os alunos. Configura-se nessas falas relações conflituosas entre professor e aluno, pautadas na agressividade e na falta de limites, e também o posicionamento dos alunos pela necessidade de estabelecimento de relações pautadas no respeito, tanto por parte dos alunos quanto dos professores. Este posicionamento refere-se à análise do primeiro grupo (classe dois).

Os impasses da relação professor-aluno na análise do segundo grupo, apresentam uma configuração diferente do primeiro, afirmando a auto-responsabilização do aluno pelos problemas do cotidiano e pelo sucesso da escolarização. Não se observa uma relação de conflito com os professores, mas de co-responsabilização, o conflito parece ceder lugar à maturidade e a uma relação de igualdade com os professores (classes dois e três).

(5) Reconhecimento das deficiências do sistema escolar e suas conseqüências para o futuro, tais como as ausências recorrentes dos professores implicando em improvisações do ensino, as deficiências da escola pública e a responsabilização do estado pelas dificuldades do sistema escolar. Esta é uma preocupação identificada no segundo grupo, não tendo sido referida no primeiro (classes dois e três).

A produção discursiva desses alunos reflete o seu posicionamento no mundo, na medida em que a escola coloca-se como o caminho para a construção de um futuro diferente daquele esperado em função das suas condições de classe. As relações sociais e o aprendizado para uma vida em sociedade são destacados pelos jovens como processos que também se passam na escola, não reconhecendo o espaço escolar a um "locus" de aprendizagem formal apenas, mas como lugar de aprendizado da vida em sociedade.

2. A estrutura das representações

A análise do núcleo central das representações possibilita que seus elementos sejam visualizados a partir de dimensões que organizam os constituintes empíricos e categoriais, presentes na produção discursiva, ou inferidos da análise. Essas dimensões são entendidas como conjuntos mais estáveis apreendidos do material discursivo e que organizam e dão sentido às palavras, expressões, frases, etc., agrupando elementos empíricos comuns em temas que encontram ressonância no pensamento social. As dimensões indicam, ainda, relações estabelecidas entre os termos da representação, que podem ser de determinação, de complementaridade, de especificação de atributos do objeto, entre outros.

Serão apresentados, a seguir, os resultados obtidos através das técnicas de quadro de quatro casas e análise de similitude.

a) A escola na sua dimensão de futuro e liberdade

A educação formal vista a partir das representações sociais, possibilita a compreensão dos elementos subjetivos que participam das práticas a ela associadas. Os resultados observados na análise do tema "estudar" são apresentados nas Figuras 3 e 4.

 

Figura 3. Análise do núcleo central ao termo indutor "Estudar" entre alunos trabalhadores e não trabalhadores de Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, São Paulo, 1999. (Negrito = dimensão do futuro; Negrito e itálico = dimensão do saber; Sublinhado = dimensão moral; Itálico = dimensão do dever; Negrito Sublinhado = dimensão do aluno; Itálico Sublinhado = dimensão da escola; OME = ordem média de evocação; FM =freqüência média)

 

Figura 4. Análise de similitude das categorias evocadas por alunos não trabalhadores e trabalhadores sobre o tema "estudar". Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal, SP – 1999.

 

Os resultados das Figuras 3 e 4 revelam, no quadrante superior esquerdo, os elementos do núcleo central da representação. Esses são formados pelas seguintes dimensões: moral, saber e futuro. Observa-se, sobretudo, uma dimensão de futuro associada à representação de alunos sobre a escola, referindo-se ao estudo como elemento facilitador da ascensão social, seja essa mobilidade social garantida por um melhor emprego ou profissão, seja ela assegurada por elementos abstratos como "ser alguém na vida", afirmação essa provavelmente mais associada ao sucesso financeiro.

A dimensão do saber aparece também destacada como central e associa a escola ao aprendizado concebido em diversos planos: o aprendizado de habilidades como ler e escrever, de regras sociais, de características de desenvolvimento valorizadas socialmente, como atenção, educação e inteligência. Desta forma, a escola é concebida pela criança como "locus" de saber, que ora é vista como positiva e estimulante (dimensão moral), e ora é vista como ruim, desinteressante e cansativa (dimensão das conseqüências do trabalho).

No quadrante inferior direito podem ser observados os elementos periféricos da representação, associando a escola às dimensões de saber e atributos do aluno. Outros elementos são destacados, tais como as relações de amizade e a infra-estrutura da própria escola necessária ao aprendizado, como o material escolar e o próprio professor.

Porque se trata de um plano com caráter prescrito, os elementos periféricos parecem sinalizar para a função de socialização da escola, onde as dimensões moral, de futuro, saber e dos atributos do aluno, funcionariam como elementos estáveis associados à aprendizagem.

A análise de similitude revela a polarização das categorias analisadas de forma diferencial entre alunos trabalhadores e não trabalhadores, o que não foi observado na análise do núcleo central. Entre os trabalhadores, as categorias que polarizam os termos da representação são o aprendizado e o futuro; entre os não trabalhadores essa polarização se dá apenas na categoria aprendizado. Essa diferenciação indica que para os alunos trabalhadores a dimensão de futuro associada à escola é componente fundamental, o que não se observa entre os não trabalhadores.

A escola e o estudo parecem se colocar como um objeto de representação ancorado no plano da liberdade e do saber. Desta forma, essas crianças atribuem sentidos bastante claros à instituição escolar e também algumas funções: a escola parece ter o poder de libertar possibilitando um melhor futuro, funciona como instância de saber ligado à socialização dos jovens, e está estreitamente ligada às possibilidades ou impossibilidades de ascensão social de crianças e adolescentes.

b) O trabalho e a criança trabalhadora: duas dinâmicas representacionais entre adolescentes

Foram analisadas aqui as representações sociais do trabalho e seu significado em diversas dimensões entre estudantes trabalhadores e não trabalhadores.

Buscou-se explorar as diversas posições que crianças e adolescentes podem assumir diante do trabalho: a posição de agente que tem incorporada a realidade do trabalho no seu cotidiano; a posição de observador que encara o trabalho como problema externo a ela e identificado como realidade do outro; e finalmente a partir da posição do observador que fala do trabalho como tema social neutro, com o qual não guarda identificação.

A objetivação das perspectivas citadas foi efetuada, respectivamente, com os temas indutores "trabalho", "ser trabalhador" e "criança que trabalha". Serão apresentados os resultados aos temas "ser trabalhador" e "criança que trabalha", uma vez que são os que apresentaram distinções importantes.

b.1. O trabalho na sua dimensão pessoal ou de identidade

Nos resultados da análise do tema "ser trabalhador"a atividade laboral é tomada na sua dimensão pessoal, deixando de ser representada como um objeto externo aos entrevistados e passando a ser concebida na sua relação direta com o cotidiano e com as condições concretas de vida dos jovens trabalhadores.

Observa-se, como elemento central da representação (e também em todos os quadrantes analisados), sobretudo uma dimensão moral do trabalho, acompanhada de uma dimensão de futuro, que assume também um conteúdo de liberdade. A representação se organiza a partir de um conteúdo prescritivo moral do trabalho, que se caracteriza como um conteúdo social hegemônico na sociedade capitalista.

Trata-se de um plano representacional associado à auto-representação, ou seja, o adolescente ao retratar o trabalho, retrata a si mesmo, já que se trata de jovens trabalhadores, presentes ou futuros. Assim, ao tomar a dimensão de futuro como liberdade, o jovem busca atenuar o determinismo da prescrição moral.

Para o jovem trabalhador, a prescrição moral do trabalho, com seu caráter imperativo e determinístico, necessita ser acompanhada de algum outro significado que possibilite a crença no futuro e/ou a negação da inflexibilidade da estrutura social na qual vivem. Esse papel é desempenhado pelos elementos periféricos, reforçando mais uma vez a dimensão moral do trabalho, associada às dimensões da necessidade e do futuro, ao mesmo tempo em que se observa a emergência das dimensões das conseqüências do trabalho e do dever, características deste quadrante.

Nesta análise, destaca-se o predomínio da dimensão moral do trabalho entre jovens trabalhadores, apesar das semelhanças das representações nos dois grupos.

 

Figura 5. Análise do núcleo central ao termo indutor "Ser Trabalhador" entre alunos não trabalhadores de Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, 1999.

 

Figura 6. Análise do núcleo central ao termo indutor "Ser Trabalhador" entre alunos trabalhadores de Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, 1999.

 

Figura 7. Análise de similitude das evocações de alunos trabalhadores e não trabalhadores sobre o tema indutor "ser trabalhador". Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal, SP – 1999.

 

A análise de similitude revela as categorias prazer, futuro e valor como organizadoras da representação de trabalhadores, acompanhadas de duas outras categorias, a de saúde e tempo correspondendo, respectivamente, às dimensões moral, de futuro e das conseqüências do trabalho, assinaladas no quadro do núcleo central.

Entre os jovens não trabalhadores observa-se uma configuração um pouco diferente, já que as categorias irradiadoras são prazer e valor, acompanhadas das categorias força de vontade e futuro correspondendo, respectivamente, às dimensões moral, do dever e de futuro. A análise de similitude faz supor uma estrutura mais simples da representação dos estudantes não trabalhadores, que apresenta uma força moral atribuída ao trabalho muito mais marcada; já no grupo de trabalhadores a estrutura é mais complexa e menos idealizada enfocando, além do aspecto moral do trabalho, também a presença de elementos pragmáticos ligados à opressão do trabalho cotidiano.

A Figura 7 faz supor um papel organizador da dimensão moral, presente nas categorias prazer e valor nos dois grupos, mas também a dimensão de futuro mais destacada no grupo de trabalhadores.

b.2. O trabalho na sua interface com o direito - O "trabalho da lei"

Os resultados desta análise destacam-se pela particularidade apresentada. A "criança que trabalha" é representada pelos entrevistados como "o outro", o outro indivíduo, o outro ser social, o outro explorado, o outro sem direitos, em detrimento do eu não criança, do eu sujeito sem direitos e do eu que tem no trabalho um dever. Esse outro, representa o reflexo das prescrições de direito, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Campanha de Combate ao Trabalho Infantil foram amplamente socializados, inclusive entre as crianças e jovens (Brasil, 1990).

Essa "outra criança" trabalhadora é representada em quatro dimensões que predominam no núcleo central, nos dois grupos. Essas dimensões são: valorativa negativa, a dimensão da responsabilização social, a dimensão legal e de direitos e a dimensão da necessidade do trabalho.

Na dimensão valorativa, o trabalho infantil é visto como um fato negativo e indesejável, caracterizado como ruim, errado, cansativo, triste e que implica numa relação de obrigatoriedade da criança com o trabalho. A dimensão da responsabilização social refere-se à exploração da força de trabalho da criança pelo adulto, à injustiça humana do trabalho, ao trabalho como escravidão e irresponsabilidade, ao trabalho como risco e crueldade. A dimensão legal e de direitos refere-se ao trabalho da criança como privação de direitos fundamentais, como a escolarização e o trabalho penoso; e a dimensão da necessidade social do trabalho vincula-se à dependência econômica.

Destaca-se que a maior parte das evocações está centrada na rejeição ao trabalho da criança, com a ausência marcante do discurso moral associado ao trabalho ou à sua interface de futuro e realização.

Os elementos periféricos fazem destacar as mesmas dimensões já apontadas, mas com um caráter prático delimitado e alguma especificação em função dos grupos de trabalhadores e de não trabalhadores. Entre os jovens não trabalhadores, destacam-se entre os elementos periféricos, as dimensões da responsabilização social e a legal e de direitos; entre os trabalhadores são destacadas as dimensões da necessidade e a legal e de direitos.

 

Figuras 8. Análise do núcleo central ao termo indutor "Criança que Trabalha" entre alunos não trabalhadores de Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, 1999.

 

Figura 9. Análise do núcleo central ao termo indutor "Criança que Trabalha" entre alunos trabalhadores de Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, 1999.

 

Figura 10. Análise de similitude das evocações de alunos trabalhadores e não trabalhadores sobre o tema indutor "criança que trabalha". Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal, SP – 1999.

 

O gráfico de similitude aponta para diferenças entre os grupos de trabalhadores e de estudantes: a categoria exploração aparece como elemento organizador único em torno do qual todos os outros se organizam no grupo de trabalhadores, tendo como categorias diretamente ligadas as de necessidade, injustiça, indignação e irresponsabilidade. Entre os não trabalhadores, a análise de similitude mostra uma estrutura bipolar entre as categorias indesejável e exploração, sendo seguidas de todas as outras.

Conforme apontado, a representação do jovem estudante e/ou trabalhador sobre a criança trabalhadora está impregnada do discurso social sobre o trabalho infantil. Este fato, provavelmente, está associado à veiculação efetuada pela mídia sobre o tema, mas também se refere à possibilidade de visualização do outro como um sujeito de direitos o que, para este estudo, pode estar indicando uma transformação da representação sobre o trabalho infantil entre os jovens.

c) A relação trabalho-escola: sonhos e realidade

Os resultados observados ao tema indutor "estudar-trabalhar" são apresentados nas Figuras 11 e 12:

 

Figura 11. Análise do núcleo central ao termo indutor "Trabalhar e Estudar" entre alunos trabalhadores e não trabalhadores de Santo Antônio do Pinhal e Monteiro Lobato, São Paulo, 1999.

 

Figura 12. Análise de similitude das evocações de alunos trabalhadores sobre o tema indutor "trabalhar e estudar". Monteiro Lobato e Santo Antônio do Pinhal, SP – 1999.

 

A análise do tema indutor trabalhar-estudar vem reafirmar alguns conteúdos da representação sobre o trabalho entre jovens estudantes, trabalhadores e não trabalhadores. A polarização, neste tema, é caracterizada pelo destaque da dimensão das conseqüências trazidas pelo trabalho para a escolarização, tais como maior cansaço, falta de tempo para o estudo, atrapalhar o estudo, etc.; e na dimensão moral do trabalho, afirmando a maior maturidade do aluno trabalhador, a necessidade de construção de um futuro e o aprendizado resultante do trabalho.

Confirma-se nos dados apresentados a complexidade das representações dos jovens estudantes, trabalhadores e não trabalhadores, que se posicionam entre a realidade do cotidiano do trabalho e seus prejuízos e o discurso moral associado ao mesmo. Se nas evocações sobre o trabalho como tema isolado expressa-se a perspectiva de futuro como atenuante para o cotidiano do trabalho, na relação trabalho-escola essa mesma afirmação não é possível, já que os prejuízos derivados do mesmo expressam-se como determinantes da representação.

A análise de similitude reforça essas constatações, na medida em que apresenta uma polarização nas categorias cansativo e desprazer, categorias essas que referem, sobretudo, às conseqüências negativas do trabalho para a escolarização.

 

Considerações finais

Considera-se, para efeito deste estudo, que as representações sociais são indispensáveis para a compreensão da dinâmica social, bem como informativas e explicativas da natureza das ligações sociais, intra e intergrupos, e das relações dos indivíduos com seu ambiente social, tornando-se assim um elemento essencial para a compreensão dos determinantes dos comportamentos e das práticas sociais, conforme proposto por Abric (1994).

Por outro lado, umas das funções primordiais do sistema educacional é de funcionar no sentido da socialização e integração da criança ao universo cultural e simbólico da sociedade, propiciando-lhes instrumentos capazes para modificar a sua realidade (Patto, 1996).

A análise das relações estabelecidas entre o "estudo" e o "trabalho" aponta para os determinantes da exclusão do sistema escolar, revelando-se como objetos que apresentam semelhanças e nas representações dos jovens e especificidade que aponta para a exclusão.

Observou-se que o trabalho interfere no desempenho escolar, podendo significar um aumento do risco ou predispor ao atraso escolar, e que esse trabalho é justificado pelas representações dos próprios jovens. Esse processo de justificação se estrutura pela afirmação da necessidade econômica do trabalho e de construção de um futuro diferente do de origem, e através da legitimação do mesmo atribuindo-lhe um valor moral e de garantia desse futuro.

Os resultados apontam ainda que, tanto o trabalho quanto a escola, são representados pelos jovens como futuro e como uma possibilidade de superar as precárias condições de vida das suas famílias. Essa representação única, no entanto, justifica a manutenção do trabalho e também a permanência na escola, mas desconsidera a relação de competição que se estabelece entre ambas as práticas. Alguns conteúdos representacionais indicam relações importantes apontadas pelos jovens e que reforçam essa afirmação: a dificuldade de concentração, o cansaço e o atraso na chegada à escola identificados como conseqüências do trabalho; fazer parte de uma família pobre, ter carência financeira, começar a trabalhar muito cedo, precisar trabalhar e estudar à noite identificadas como expressão da necessidade.

Ao reconhecer que o atraso escolar é uma das principais razões da evasão escola, deve-se considerar que os jovens estudados terão uma chance duas vezes maior de não atingir o futuro tão almejado e que deveria ser conquistado através do trabalho, já que suas chances de interromper a escolarização são aumentadas em função do trabalho. O abandono da escola resultará na limitação das suas possibilidades de desenvolvimento cognitivo e social, na interrupção da adolescência, e numa menor qualificação profissional limitando suas possibilidades de competir num mercado de trabalho cada vez mais especializado e complexo.

As observações finais indicam para uma tripla via de exclusão dos jovens estudados: através da pobreza expressa numa escola de menor qualidade, na dificuldade de acesso à pré-escola e à continuidade dos estudos após a 5a. série do ensino fundamental; no acesso precoce ao mercado de trabalho, tendo como conseqüências o cansaço, menor capacidade de concentração e o atraso escolar; e por uma forma particular de "exclusão simbólica" promovida por imagens construídas pelo entorno social e que se fazem presentes nas representações dos adolescentes, que seleciona os alunos que "dão e que não dão para o estudo", presente na dimensão da vontade e dos atributos do aluno, e que por hipótese, seriam excluídos da escola com ou sem a presença do trabalho associado. Essas vias de exclusão são, neste estudo, legitimadas pela associação do trabalho a um valor moral, que o concebe como valor individual e social, e como necessidade, particular e geral.

Essa, portanto, é a lógica perversa vivenciada pelos jovens estudados, acreditar no trabalho para poder suportá-lo e transformar-se na vítima da sua própria esperança.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Denize Cristina Oliveira
Rua Gal. Ribeiro da Costa, 178 –1201 – Leme
Rio de Janeiro, RJ – 22010-050
E-mail: dco@uerj.br.

Enviado em Novembro/2003
Aceite final Março/2005

 

 

I Trabalho apresentado na XXX Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia, Brasília, outubro de 2000.
Pesquisa Financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) Processo 08081-6 e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) Processo RH-SST 03/98.