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Temas em Psicologia
versión impresa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.17 no.1 Ribeirão Preto 2009
ARTIGOS
Saberes psicológicos na construção de uma nova cultura pedagógica (1932-1938): conteúdos, métodos, alunos
Psychological knowledges in the construction of a new pedagogical culture (1932-1938): contents, methods, students
Karina Pereira Pinto
Universidade Estadual de Santa Cruz - BA - Brasil
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar a tríade conteúdo-método-aluno em sua perspectiva de constituição de uma nova cultura pedagógica para a formação de professores, no período de 1932 a 1938. Para tal, a Escola Primária do Instituto de Educação do Rio de Janeiro é elencada como dispositivo para implementação de novas práticas pedagógicas baseadas em um novo modo de lidar com os conteúdos escolares, articulado a novos métodos de ensino e a uma nova concepção de aluno. No bojo dessas transformações, observa-se um significativo deslocamento na ênfase da prática docente: do objeto de ensino para o sujeito da aprendizagem, produzindo uma concepção de ensino característica do Instituto de Educação do Rio de Janeiro: o ensino por situações de vida real, no qual os saberes psicológicos ganham destaque.
Palavras-chave: História da psicologia, Formação de professores, Saberes psicológicos, Práticas pedagógicas.
ABSTRACT
This article has the objective to analyze the triad content-method-student in its perspective of constitution of a new pedagogical culture for the training of teachers, in the period of 1932 to 1938. To do so, it analyses the Primary School of the Institute of Education of Rio de Janeiro as a device to implement new pedagogical practices based on a new way of dealing with school content, articulated to new teaching methods and a new conception of student. In the mist of these transformations, a significant change is perceived in the emphasis of teaching practice: from the "object of teaching" to the "subject of learning", producing a conception of teaching characteristic of the Institute of Education of Rio de Janeiro: the "teaching by real-life situations", in which the psychological knowledge is highlighted.
Keywords: History of psychology, Teachers' training, Psychological knowledges, Pedagogical practices.
Nas pesquisas sobre história da psicologia em que se pensa o movimento da Escola Nova no recorte implementado pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), remete-se sempre ao lugar de destaque que a psicologia recebeu dos saberes pedagógicos no período. Ao desenvolver uma pesquisa sobre o Instituto de Educação do Rio de Janeiro (IERJ) entre 1932 a 1938, pude perceber que o foco central das reformas escolares recaiu sobre a formação de professores, com o intuito de produzir uma nova mentalidade do professorado para que uma transformação real pudesse ocorrer nas escolas. Essa transformação, no entanto, passava por uma mudança primordial em três aspectos básicos e indissociáveis que constituem a atuação docente: a forma de lidar com os conteúdos das matérias; os métodos que são utilizados; e a concepção de aluno que permeia tal prática.
Para analisar a tríade conteúdo-método-aluno em sua perspectiva de implementação de uma nova cultura pedagógica no professorado, lançarei mão da Escola Primária do Instituto de Educação do Rio de Janeiro como um dispositivo da reforma do ensino por sua dupla configuração: como escola municipal comum no Rio de Janeiro, quando ainda era Distrito Federal, e como escola que se diferenciava das demais por funcionar como local de pesquisas sobre educação escolar e de Prática de Ensino das professorandas da Escola de Professores do IERJ.
A periodização deste trabalho traz como pontos de referência a gestão de Lourenço Filho na Direção Geral do Instituto de Educação do Rio de Janeiro e a gestão de Anísio Teixeira no Departamento de Educação do Distrito Federal, âmbito da criação e consolidação das práticas de formação de professores no IERJ (1932-1938). O corpo documental constitui-se, principalmente, de três conjuntos de fontes presentes nos Arquivos Lourenço Filho e Anísio Teixeira, ambos do CPDOC/FGV, e no Arquivo Morto do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.
Como referencial teórico-metodológico, recorremos tanto à proposta de análise arqueológica de Foucault (1986), na qual se privilegia a constituição dos discursos a partir de suas inter-relações e articulações institucionais, quanto a uma análise genealógica (Foucault, 1979, 2001), na qual os discursos são apresentados em sua relação com o poder, situando-se como elementos de um dispositivo de natureza estratégica.
Levando em consideração as especificidades das instituições escolares, recorro ao aporte teórico sobre cultura escolar proposto por Viñao Frago (1998), Julia (2001), Carvalho (1998; 2002) e Chartier (2002) para balizar as análises. Dentre vários blocos de análise sugeridos pelos autores referidos, destaco as Instituições e Sistemas Educacionais, que devem ser estudados a partir da interação entre o institucional-organizativo e o cultural através da análise tanto das tendências e forças internas da escola quanto do sistema normativo imposto de fora da mesma; e as Práticas, que devem ser analisadas em suas continuidades e inércias, em sua forma rotineira, pois são modos de atuar sedimentados ao longo do tempo, adaptados e interiorizados de um modo automático e não reflexivo por professores e alunos. Esses modos de atuar são gerados na e pela própria instituição escolar, formando uma cultura institucional mais ampla.
Por se tratar do estudo que tem por base as práticas de ensino, o recorte privilegiado para a análise não se localiza nem na Escola de Professores nem na Escola Primária do Instituto de Educação, mas na tensão dessas duas Escolas. Nessa tensão, há, no entanto, um elemento extra que desloca a tensão localizada entre dois pólos para uma tensão que se estabelece como uma rede, isto é, a Escola Primária do Instituto de Educação está inserida no conjunto das escolas públicas primárias do Distrito Federal apresentando dois movimentos distintos, porém concomitantes: por um lado, aproxima-se das demais escolas do Distrito Federal pela reforma que ali se empreende na instrução pública visando à transformação da função social da escola primária, locus privilegiado para a transformação da sociedade; por outro lado, diferencia-se das demais escolas primárias municipais para que pudesse demonstrar a viabilidade de realização do projeto de renovação educacional.
Das práticas de ensino na Escola Primária
"A 10 de março os alunos foram, festivamente, recebidos pelas professoras que lhes prepararam salas alegres e floridas" (Marques, 1933, s/p.). Foi dessa maneira que Orminda Isabel Marques descreveu o início das aulas da Escola Primária do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, na qual era Diretora. Segundo ela, as professoras aguardariam a chegada dos alunos com grande entusiasmo, convictas da responsabilidade que lhes cabia naquela escola de prática, experimentação e pesquisa. Em sua chegada, os alunos teriam sido festivamente recebidos e, para que sentissem a necessidade de ordem que a Escola esperava de cada um, formariam em local especial para se dirigirem às salas de aula. Ao longo do ano, as turmas mais adiantadas, "já como primeiro passo de autonomia escolar", deixariam de formar, com exceção da turma 5BV3, "uma turma rebelde", constituída por "verdadeiros alunos-problema". (Marques, 1933, s/p.)
Não possuindo prédio próprio, a Escola Primária funcionava no primeiro andar do prédio principal do Instituto, propiciando um contato direto das alunas-mestres da Escola de Professores com as crianças da Escola Primária. Esta deveria ser "uma fonte de inspiração, não só para os futuros mestres, mas para os professores dos cursos teóricos, que devem nela observar, nela realizar as suas pesquisas e experimentações" (Lourenço Filho, 1934a, s/p.). A partir de junho de 1933, a Escola Primária contaria com a presença de visitantes constantes: as professorandas da Escola de Professores, "que nas diversas classes fizeram observações e inquéritos relativos às aulas que vinham freqüentando, tais como Psicologia, Biologia, Literatura Infantil, Música e Cálculo". (Marques, 1933, s/p.)
As "salas alegres e floridas" teriam sido especialmente ambientadas para as crianças da Escola Primária, de modo a propiciar uma aprendizagem natural e espontânea às crianças, de acordo com as novas proposições pedagógicas apregoadas para a formação de professores. Como primeira atividade do ano, as turmas da Escola Primária teriam desenvolvido o projeto denominado "As estantes de nossa sala", projeto este que "deu à Escola uma vida muito intensa" (Marques, 1933, s/p.), enriquecendo as diversas salas de aula, desenvolvendo uma "maior camaradagem entre os alunos" e uma "nova e melhor atitude dos alunos na Escola e para com a Escola" (Marques, 1933, s/p.). As estantes foram preenchidas pelos alunos com vasos e objetos diversos, além de livros ora adquiridos pela Escola, ora doados pelos alunos, ora confeccionados em atividades realizadas com as professoras. Assim, além da biblioteca da escola, os alunos podiam usufruir da biblioteca de sua própria classe, organizada "de acordo com o interesse da criança, despertando-lhe verdadeiro prazer pela leitura, servindo-lhe de preciosa fonte de informações para trabalhos desenvolvidos nas diferentes classes" (Marques, 1933, s/p.). Em aparente desordem, podiam-se encontrar livros espalhados sobre as mesas e prateleiras da sala de aula, de acordo com o grau de desenvolvimento da turma. Para as crianças menores, livros coloridos e com bonitas figuras; para os maiores, livros de histórias variadas, didáticos e revistas. Os alunos deviam sentir-se estimulados ao manuseio espontâneo do livro, desenvolvendo naturalmente o gosto pela leitura.
O estímulo para que os alunos da Escola Primária tomassem iniciativa na aprendizagem era constante. Autonomia com disciplina eram palavras de ordem. Os alunos eram encorajados a criar seus próprios projetos. O ambiente de interesse que se procurava criar em cada classe ultrapassava as salas de aula, contagiando não só a Escola Primária, mas todo o Instituto de Educação. Enquanto as turmas de 1ª a 3ª séries desenvolviam o projeto Casa, a turma 5BY4, "numa reação muito natural" (Marques, 1933, s/p.), criou o projeto Peixes, transformando o chafariz do pátio central do Instituto de Educação num grande aquário.
Do "objeto de ensino" para o "sujeito da aprendizagem"
A descrição da Escola Primária do Instituto de Educação em atividade nos possibilita compreender o ambiente de realização da prática de ensino das alunas-mestres da Escola de Professores, ao mesmo tempo que nos oferece uma visão geral dos elementos que compõem seu ensino, elementos esses que as professorandas deveriam passar a ter domínio através de uma estreita articulação entre os conteúdos das matérias, uma dada concepção sobre os alunos e os métodos de trabalho. Dentre tais elementos, podemos destacar: a busca por tornar a escola um ambiente agradável ao aluno concomitantemente à disciplina escolar; a caracterização dos alunos-problema; a concepção de aprendizagem e o ensino por meio de projetos e as novas organizações dos espaços e tempos escolares.
Segundo Lourenço Filho (1934b), a implementação da escola ativa só seria possível com uma mudança na mentalidade do professor e na compreensão da emergente psicologia do comportamento. Não bastava mudar concepções e métodos de ensino. Era preciso transformar a cultura do professorado para fazer as novas proposições pedagógicas funcionarem. Para tal, uma nova configuração disciplinar era instituída para a Prática de Ensino juntamente com a criação do IERJ, concorrendo, neste sentido, um conjunto de saberes e poderes devidamente explicitados nos quais a psicologia ganhava lugar de destaque.
O IERJ é criado no mesmo mês do lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em março de 19321. Este proclamava a formação de professores primários em nível universitário da seguinte maneira:
A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naquelas que estão incumbidos de transmiti-la. (Manifesto dos Pioneiros, 1932/2009, A unidade de formação de professores e a unidade de espírito, para. 2)
A criação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro representava a materialização dos espaços de poder de um dado grupo de educadores que se auto-intitulavam renovadores da educação, apresentando uma configuração educacional diferenciada da formação de professores oferecida até então. Tratava-se de um complexo educativo formado por quatro escolas integradas - o Jardim de Infância, a Escola Primária, a Escola Secundária e a Escola de Professores - e oferecia formação de nível superior para os professores.
As escolas que compunham o IERJ estavam interligadas por diversos aspectos, dentre eles pela organização de suas matérias em seções, que eram responsáveis pela unidade curricular do Instituto de Educação como um todo. Cada seção possuía um respectivo professor-chefe e professores assistentes que se reuniam em um conselho técnico e organizavam os programas das matérias de forma a criar uma integração entre todos os cursos das respectivas escolas. Essas diretrizes, no entanto, deviam tomar como parâmetro a seção de Prática de Ensino da Escola de Professores. O professor-chefe da seção de Prática de Ensino, cargo ocupado por Alfredina de Paiva e Souza, deveria ter completo controle dos trabalhos realizados nas escolas onde as professorandas executavam a prática de ensino, constituindo, juntamente com os demais professores-chefe e com o diretor da Escola de Professores - Lourenço Filho, que também era diretor geral do IERJ -, uma comissão para dirigir toda parte administrativa e técnica do Instituto de Educação. A seção de Prática de Ensino, no entanto, deveria estar estreitamente articulada à seção de Matérias de Ensino, caracterizada pelos cursos específicos de conteúdo profissional (cf. Teixeira, 1933) e que, por sua vez deveria estar articulada com as diretrizes dos Programas de Ensino Primário do Departamento de Educação do Distrito Federal.
Nas exposições dos motivos para a criação do IERJ (Decreto nº 3.810, 19 de março, 1932), Anísio Teixeira afirma a necessidade da reorganização da formação de professores elevando-a ao nível superior, com caráter profissional, tal qual explicitado no Manifesto dos Pioneiros. O artigo de abertura do primeiro número da revista Arquivos do Instituto de Educação (1934) destaca que era preciso:
formar professores conscientes de sua missão, não só capazes de realizar, mas também de entender os fundamentos de seus processos de ação, e capazes de perceber quais as modificações que a experiência venha a aconselhar, em vista das diferenças individuais dos alunos, ou dos grupos sociais em que eles vivam. (p. 7)
O discurso de Lourenço Filho (1932) na inauguração da Escola de Professores também é enfático sobre a importância da formação de professores e seu impacto nas escolas:
(...) E o ensino na Escola de Professores, por isso mesmo que visa preparar mestres à altura de nossa época, deve ser penetrado desse espírito sadio que desejamos que os nossos futuros mestres devem levar às suas escolas". ( s/p.)
Estando diretamente ligado às propostas do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, o IERJ concedia especial destaque à Escola Primária que compunha seu complexo educativo, por esta se caracterizar como local onde as professorandas teriam a oportunidade de colocar em prática as teorias aprendidas na Escola de Professores. Dessa forma, os professores seriam formados por novas bases, possibilitando a propagação de uma nova concepção de educação. À escola primária caberia, portanto, a responsabilidade da "socialização da criança", criando-lhe hábitos úteis e saudáveis, e, se possível, transformando esta criança numa propagadora desses hábitos no lar e em outros espaços sociais. Daí a importância que o Manifesto concede ao papel das escolas primárias atribuindo-lhes novas funções, materializadas na Escola Primária do Instituto de Educação.
No IERJ, a seção de Prática de Ensino da Escola de Professores era considerada o eixo central da formação de professores primários e para onde todas as demais matérias deveriam convergir, interferindo diretamente nos trabalhos realizados na Escola Primária. A Prática de Ensino visava fazer com que o futuro professor compreendesse tudo quanto pudesse atuar sobre as crianças, situações estas muito complexas, tais como "teor geral da classe, situação material, estado biológico das crianças, situações psicológicas dominantes, aprendizagem anterior (...), costumes da localidade do bairro" (Lourenço Filho, 1945, p. 36), e, para tal, era dividida em três períodos ao longo do segundo ano da formação de professores: de observação, de participação no ensino e de direção de classe.
A principal mudança que se observa nas novas concepções que o IERJ trazia para os futuros professores sobre conteúdos escolares, métodos de ensino e concepção de aluno, segundo Lourenço Filho, seria considerar o "sujeito da aprendizagem" como mais essencial que o "objeto de ensino":
Na organização artificial da vida escolar, é-se obrigado a separar 'objeto de ensino ' (...) em fragmentos caracterizados e dosados por programas, horários (...). A criança, porém, não pode com tal critério contentar-se, porque não lhe é possível acompanhar a exposição dos conhecimentos, na sistematização da ciência propriamente dita. (Lourenço Filho, 1936, s/p.)
Segundo Lourenço Filho (1936, s/p.), o programa primário foi, historicamente, se enriquecendo a partir do critério do adulto, onde se definia "simplesmente, as matérias são estas, decorrentes de uma classificação das ciências e das artes", com ênfase no "objeto de ensino". Não era levado em consideração que "em todo trabalho da criança existe também uma lógica, diferente da do adulto - de natureza afetiva, menos socializada, satisfazendo mais às tendências egocêntricas ou individuais", isto é, o "sujeito da aprendizagem" (Lourenço Filho, 1936, s/p.). Em decorrência de uma crítica à organização do programa primário a partir da lógica do adulto, e com o desenvolvimento da Psicologia da Criança, observaram-se experiências em seu extremo oposto: a abolição das matérias e a organização do ensino orientando-se apenas pelos próprios interesses da criança, chegando-se ao ponto de propor um programa diferente para cada uma. Esta outra tendência, no entanto, também trouxe problemas: "que estamos todos de acordo na globalização inicial, não há dúvida alguma. Mas em determinados períodos, urge sistematizar conhecimentos e práticas, para que a criança organize o seu pensamento, faça-o lógico como o do adulto" (Lourenço Filho, 1936, s/p.), isto é, o programa não deve ser organizado pela lógica do adulto, mas deve se orientar para alcançar esta lógica (cf. Base do preparo de programmas, s/data).
Tanto os fundamentos dos Programas e Guias de Ensino, quanto os dos Programas Mínimos implementados em todas as escolas municipais do Distrito Federal abordam a questão de uma dosagem adequada entre os interesses infantis e as necessidades da vida adulta2.
Partindo da tendência de valorizar o interesse da criança, mas voltá-lo para a satisfação das necessidades da vida adulta, Lourenço Filho (1934b) justifica a importância da seção de Matérias de Ensino:
O que caracteriza o estudo de Matérias na forma em que é praticado na Escola de Professores, é a libertação do espírito do futuro mestre, em face de tais problemas. Não visa, é claro, inclinar o espírito do estudante para o arbitrário ou o fantasioso. Mas dá-lhe a suficiente desenvoltura para que possa aquilatar por si dos processos antigos e modernos, e decidir, com personalidade e íntima convicção, da sua escolha e de sua constante modificação segundo o tipo de aluno, os objetivos a alcançar, o material e o tempo disponíveis. (p.23)
Ensino por meio de situações de vida real
Darei destaque, a seguir, ao método de trabalho privilegiado na Escola Primária do Instituto de Educação, visando analisar a articulação entre métodos, conteúdos escolares e concepção de aluno que o fundamenta. Trata-se do método de ensino realizado por meio de projetos.
Com a reforma do ensino implementada por Anísio Teixeira no Distrito Federal entre 1931 e 1935, as escolas primárias foram organizadas em dois segmentos: o curso fundamental, constituído pela 1ª, 2ª e 3ª séries; e o curso médio, pela 4ª e 5ª séries. No curso fundamental, cada classe possuía uma professora com a indicação de trabalhar os conteúdos de maneira integrada, isto é, as matérias não deveriam ter seus limites demarcados pela lógica da ciência, e sim pelas 'situações de vida real ', que não distinguiriam o momento de ler do momento de calcular. O ensino por situações de vida real também estaria presente no curso médio, mas com as professoras trabalhando de maneira especializada em suas respectivas matérias. É o que vemos, por exemplo, na nova disciplina de Ciências Sociais, que passa a se constituir através da reunião, num único programa, das seguintes matérias: "história, geografia, economia política elementar, educação cívica, elementos de ciência política e de direito usual, noções sobre profissões, etc...". (Delgado de Carvalho, 1934, p. 20)
Na Apresentação do Programa e Guia de Ensino de Ciências Sociais correspondente a 1ª, 2ª e 3ª séries, Delgado de Carvalho (1934), explica da seguinte maneira a união de matérias:
O fato de ter como objetivo o estudo da vida real impõe novos métodos à educação. A vida não apresenta uma separação marcada das diferentes matérias de ensino. Existem ligações entre elas e foi exatamente o intuito de respeitar estas ligações que levou ao agrupamento dos fatos, dos fenômenos e das idéias ao redor de certos temas capitais, as unidades, os projetos ou centros de interesse (...). Os programas têm assim, forçosamente, de ser organizados respeitando estas unidades de estudo que fornecem o eixo, ao redor do qual giram leitura, elocução, escrita, e cálculo. Só assim manifestar-se-á a utilidade destes diferentes processos, porque se torna evidente o seu propósito e seu fim, pois resultam de uma necessidade realmente sentida pelo próprio educando". (p. 12-13)
Ao explicar o ensino de maneira integrada através de situações de vida real, Delgado de Carvalho menciona os projetos. Maria dos Reis Campos (1936), professora-chefe da seção de Matérias de Ensino da Escola de Professores, descreve a participação das professorandas na execução de um projeto na Escola Primária do IERJ, após terem realizado os estudos da seção de Matérias de Ensino. Segundo Campos (1936, p. 223), esse momento era "naturalmente indicado para o planejamento e execução do projeto", pois, com o aumento da intensidade dos trabalhos da seção de Prática, o projeto adquiria uma relevância significativa para os alunos, especialmente pela contribuição que dariam em suas aulas na escola elementar.
A utilização do método de projetos teria, portanto, como um de seus objetivos para a formação de professores a aplicação dos estudos realizados na seção de Matérias de Ensino. Nas palavras de Campos (1936):
Para satisfazer aos objetivos expostos, o projeto não é realizado com o caráter de projeto de alunos da Escola de Educação, mas com o de projeto de alunos da escola primária, isso para atender à razão básica de que, para bem orientar os seus alunos no futuro, em determinado trabalho, deverão os professores ter noção perfeita de como se realiza semelhante trabalho. Sentindo as dificuldades que surgem e procurando resolvê-las, verificando por experiência própria quais os problemas que se apresentam e buscando-lhes as convenientes soluções, estarão os alunos da Escola de Educação ganhando a compreensão necessária de estruturas e mecanismos, compreensão indispensável ao papel de guia que lhes cabe desempenhar na escola primária". (p. 224)
Com esta metodologia, as professorandas aprenderiam a teoria na prática. Para compreendermos o método de projetos e sua diferença em relação a outros métodos semelhantes, buscaremos as explicações de Campos em seu livro Escola Moderna3. No capítulo em que a autora se dedica a apresentar o método da Escola Moderna, são descritas, sucintamente, as finalidades a que o novo método deve prestar-se, antes de iniciar a explicação das várias modalidades de métodos:
1 - preparar a criança para a vida de adulto, permitindo-lhe, ao mesmo tempo viver integralmente sua vida de criança, isto é, permitindo-lhe a livre expansão de gostos e tendências naturais;
2 - utilizar essas tendências e gostos como meios educativos, atendendo portanto a: atividades; liberdade e espontaneidade; iniciativa; interesse espontâneo; imaginação; atenção natural, despertada pelo interesse; curiosidade e espírito de investigação; gosto de imitar; apreensibilidade maior pelo que é concreto e mais fortemente impressiona os sentidos e pelo que é novo; instinto construtivo e de expressão; alegria natural; instintos sociais; e, finalmente, à individualidade particular;
3 - ter em vista a formação mental da criança e não, propriamente, a aquisição de conhecimentos, isto é, visar a educação e não a instrução;
4 - utilizar-se de meios os mais objetivos possível e particularmente das atividades da vida prática.
Em resumo: tal método deve ser constituído por meios práticos, concretos e naturais, que permitam a expansão das qualidades próprias da criança e as utilizem como instrumento educativo. (Campos, 1932, p. 148-149)
Na seqüência, Campos (1932) divide o capítulo em várias partes, cada uma dedicada a um método4, dentre os quais nos deteremos brevemente nos centros de interesse e, mais especificamente, no método de projetos, por serem os mais difundidos no Distrito Federal (cf. Inquérito sobre estagiárias-alunas, 1934). Segundo Campos (1932), o método de ensino por centros de interesse é a forma mais freqüente como a escola moderna5 se apresenta em funcionamento. Trata-se do "sistema de ensino por assuntos relacionados", isto é, "as matérias são estudadas de acordo com suas ligações naturais, passando-se de umas a outras, sem preocupação com as classificações científicas que as distribuem em grupos" (Campos, 1932, p. 149). Outra característica deste método é a ausência de horários e programas rígidos, uma vez que as matérias devem ser tratadas de acordo com as oportunidades que vão sendo criadas na própria classe. Eis como Campos (1932) explica o nome do método:
Centros de interesse, porque o estudo tem um ponto de partida, ou idéia inicial, em torno da qual se vão agrupando outras idéias, dela oriundas. A idéia inicial, ou interesse primordial, torna-se então o centro de onde partem, em círculos concêntricos, os demais assuntos que vão interessando ao aluno em sua atividade. (p.149-150)
Um aspecto que define os centros de interesse é o fato de eles surgirem, sempre, de algo que já existe, um objeto ou qualquer elemento concreto. Campos destaca a utilização dos centros de interesse pelo método Decroly e por Ferrière6, guardadas suas devidas diferenças.
Em relação ao método de projetos, Campos (1932) assim inicia sua explanação:
Dentre os método e sistemas organizados e postos em realização nestes últimos tempos, o de projetos é sem dúvida o que maior número de condições reúne para satisfazer aos novos ideais do ensino e, portanto, o que melhor se integra nas finalidades da escola moderna. (p.166)
Para definir a proposta do método de projetos, Campos (1932), primeiramente, busca definir "projeto":
O que se considera como 'projeto ' é um trabalho (no sentido mais amplo do termo7 ) planejado e conduzido segundo diretriz previamente assentada e desenvolvido em seu ambiente próprio, de modo que os alunos encontrem aí um símile das atividades da vida real e desenvolvam correspondentemente, não só as qualidades úteis à sua vida presente, mas também as desejáveis no futuro homem e futuro cidadão. (p.166)
Em seguida, inicia sua explicação sobre método de projetos dizendo que "pretende-se, antes de mais nada, transplantar para a escola o aspecto mais característico da vida prática, que é o traçar, em maior ou menos escala, um plano e realizá-lo". (Campos, 1932, p. 166)
Referindo-se a Kilpatrick8, Campos (1932) explica que um ato de valor na nossa vida é sempre um "ato propositado", e afirma: "ora, se pretendemos identificar a educação e a vida nada melhor do que usarmos na escola os processos da vida". (p.166)
Além do fim previamente estabelecido, o desenvolvimento do método de projeto implica "que o trabalho se realize em condições naturais, isto é, como na vida real" (Campos, 1932, p. 167), e, para que isso aconteça, há uma condição primordial que deve ser satisfeita:
Que o projeto nasça de uma necessidade sentida pelos alunos, necessidade que lhes despertará o interesse pelo trabalho, dando-lhes gosto por ele, fazendo-os integrar-se em seu verdadeiro sentido e servindo-lhes ao mesmo tempo de guia para o plano de execução que hajam de traçar. (...). Um trabalho que se entregue aos alunos sem que eles o peçam ou desejem ou um trabalho que se lhes dê a executar por um plano já traçado, será um estudo, será um trabalho manual ou industrial, mas nunca será um projeto. E assim vemos que o 'método ' se identifica perfeitamente com a chamada escola ativa, pois permite à criança a prática da ação solicitada espontaneamente pelo seu próprio espírito, ação que se realiza mediante as determinações de um impulso íntimo, de um trabalho mental interior. (Campos, 1932, p. 167-168)
A conformidade com a escola ativa se dá justamente pelos projetos envolverem, permanentemente, a atividade da criança, seja através de trabalhos manuais, seja por meio de trabalhos intelectuais, ao longo de todo trabalho: "a instrução vem em conseqüência do próprio trabalho realizado ou da busca de elementos para efetuá-lo" (Campos, 1932, p. 126). Neste aspecto, Campos (1932) ressalta que a disciplina dos alunos decorre naturalmente:
Não é pouco importante, aqui, a questão de disciplina. Na escola nova esta se faz naturalmente. A criança gosta do que está fazendo. Interessa-se profundamente, quer chegar a determinado resultado e aplica-se a obtê-lo. Não é preciso, pois, que lhe chamem a atenção, não é necessário que o impeçam de conversar, não é necessário contrariá-la, de modo algum. Presa ao trabalho, ela não se pode tornar elemento de perturbação ou de indisciplina. (p. 126)
Por se propor a desenvolver uma educação ativa, a disciplina escolar torna-se alvo de muitas explicações no que tange aos discursos sobre métodos de ensino. As alunas da Escola de Professores estudavam tal questão nas aulas de psicologia educacional e, inclusive, realizavam inquéritos para apurar este problema na Escola Primária do Instituto (Cf. Inquérito sobre disciplina, s/data). Nos períodos de Prática de Ensino, havia preocupação em averiguar a disciplina dos alunos tanto nos questionários preenchidos pelas professorandas, quanto nos inquéritos respondidos pelas diretoras de escolas onde as professorandas realizaram Direção de Ensino. A disciplina dos alunos, portanto, tornava-se um elemento fundamental para o bom desenvolvimento das novas propostas da escola ativa, solicitando, inclusive, uma nova organização dos espaços escolares:
Hoje que a escola se ocupa integralmente da criança, o edifício escolar não pode mais consistir, exclusivamente, em salas de aula. Tão importante é que a criança estude como que brinque, salte e corra, desenvolvendo o físico, sem o que não terá o intelecto que é para desejar. (...). Essa necessidade de espaço é ainda aquecida pela instalação de bibliotecas, museus e auditórios, imprescindíveis na escola. (Campos, 1932, p. 145-146)
E, pela necessidade constante de atividade da criança, Campos (1932, p. 142-143) justifica uma nova organização das classes e do mobiliário escolar:
O respeito pela atividade da criança e a conseqüente brandura de disciplina trazem novo aspecto às questões de organização de classe, onde, como já vimos, os alunos não são obrigados a permanecer sentados e quase imóveis, mas, ao contrário, levantam-se, andam e mudam de lugar e de posição, conforme a necessidade que sentem, mesmo porque a isso os leva naturalmente o trabalho que estão executando. (...). Assim, por exemplo, as antigas carteiras vão evoluindo no sentido de tipos mais cômodos e mais práticos (...). Se a classe tem mesas, estas se dispõem de maneiras variadas, encostadas umas às outras, em grupos ou isoladas.
Por fim, cabe-nos destacar a relação do método de projetos com o estudo de matérias integradas. Segundo Campos (1932), "quanto à associação de matérias não é esta inteiramente indispensável ao 'método ', visto que se podem realizar projetos até mesmo com o fim de estudar determinada ordem de assuntos em particular" (p. 173). No entanto, ressalta que:
Quando pretendemos realizar alguma coisa na vida prática precisamos não de um ramo de conhecimento isolado, mas de uma série de conhecimentos (...). Ora quando realizamos o projeto, fazemo-lo à semelhança desses problemas que se nos apresentam na vida real. E neles, à medida que as necessidades de realização aparecem, aparecem correlatamente as necessidades de conhecimento. Tais conhecimentos, correlativos das necessidades de ação, não vêm destacados uns dos outros (...). E, pois, temos naturalmente de fazer o estudo de matérias relacionadas mediante suas afinidades, afinidades estas reveladas pelas próprias necessidades de realização do projeto. (Campos, 1932, p. 173-174)
Dessa maneira, a execução do projeto pode tornar-se, também, um centro de interesse, "em torno do qual se vem agrupar uma série de conhecimentos condicionados pelas necessidades de realização" (Campos, 1932, p. 175), visando, sempre, o ensino por situações de vida real que devem ser executadas naturalmente.
Aqui vale destacar a recorrência do "tornar natural" a aprendizagem do aluno e, concomitantemente, das atividades realizadas "naturalmente" na prática docente, como elemento necessário para a constituição de uma nova cultura pedagógica. Segundo Viñao Frago (1998) e Chartier (2002), as práticas escolares se mostram através da rotina, pois são modos de agir que se instalam nas ações cotidianas, de modo não reflexivo. É nesse aspecto que reside a tentativa de interferência na constituição de uma nova cultura pedagógica na formação de professores primários do Instituto de Educação: a Prática de Ensino, enquanto saber institucionalizado na Escola de Professores, não permite o automatismo das professoras e professorandas ao instituir a Escola Primária como escola de experimentação e pesquisa, ao mesmo tempo que busca naturalizar determinadas ações através de micro-intervenções na produção de olhares, gestos, pensamentos e sentimentos julgados pertinentes a uma dada prática docente inserida numa cultura pedagógica específica. A prática pedagógica prescrita introduz elementos novos à prática construída pela rotina. São elementos da cultura escolar instalados no tempo longo das banalizações. É o que veremos nas práticas descritas pelas professoras Helena Mandroni e Nair Freire.
Conteúdos, métodos, alunos
Lançarei mão de dois artigos da revista Arquivos do Instituto de Educação, publicados em 1936, para buscarmos compreender como a nova cultura pedagógica deveria apresentar-se em funcionamento em relação à prática docente. Os artigos são "Como ensinei a ler uma classe 'forte ' selecionada pelos Testes ABC", escrito por Helena Mandroni e submetido para publicação em março de 1935, e "Como ensinei a ler a uma classe 'fraca ' selecionada pelos Testes ABC", escrito por Nair Vianna Freire e submetido para publicação em janeiro de 1935, ambas professoras da Escola Primária do Instituto e professoras assistentes da seção de Prática de Ensino da Escola de Professores. Vale mencionar que, apesar dos artigos terem como eixo a organização das classes seletivas, buscarei ressaltar os processos de trabalho descritos por Helena Mandroni e Nair Freire, tendo como foco a articulação dos conteúdos das matérias com os métodos de ensino e a concepção de aluno que fundamenta as práticas das professoras9.
Mandroni (1936) inicia a descrição do aspecto geral das turmas da seguinte maneira:
A simples inspeção por um olhar, dos grupos de crianças de uma e outra turma bastaria para concluir: esta é a classe fraca, aquela é a forte. O físico o denunciava: na primeira, crianças mal nutridas, abatidas, algumas excessivamente tímidas ou apáticas, outras excitadas; na outra, crianças mais normalmente nutridas, alegres, vivazes, mais capazes de ouvir e de atender (p. 240).
A revista Arquivos do Instituto de Educação publicava, juntamente com os artigos, fotografias ilustrativas sobre o dia-a-dia das escolas do Instituto. Através dessas imagens, podemos, de fato, distinguir as classes forte e fraca pela "simples inspeção por um olhar", como ressalta Mandroni (1936, p. 240). Na classe forte, laçarotes enfeitam os cabelos das meninas, os uniformes estão impecáveis, as crianças são robustas, há uma aparente uniformidade etária das crianças e estão todas atentas à fotografia; ao passo que, na classe fraca, de início chama a atenção o desalinho dos uniformes - quando estão presentes - e a dispersão das crianças. A diferença na altura das crianças denuncia, também, a diferença em suas idades. Em relação à faixa etária, Helena Mandroni destaca haver, em sua classe forte, crianças entre 7 e 7 anos e meio; enquanto Nair Freire aponta a presença de crianças entre 6 anos e meio e 10 anos.
Vale destacar que os Arquivos do Instituto de Educação funcionavam como um veículo de propaganda dos trabalhos realizados em todas as Escolas do Instituto de Educação do Rio de Janeiro. E, ao contrário das imagens das classes forte e fraca, nas demais, os alunos aparecem sempre em atividade, através de fotografias que buscam transparecer o ambiente ativo das Escolas. A imagem estática das classes forte e fraca, portanto, evidencia uma intencionalidade em dar visibilidade às diferentes constituições das turmas, e, ao publicar estas imagens, além de divulgarem a realização do trabalho com classes seletivas, os Arquivos também davam visibilidade às classes mistas para meninas e meninos de uma maneira mais discreta e natural, uma vez que, o que se encontrava em primeiro plano na fotografia era a desigualdade das classes seletivas, e, como fundo, a co-educação, enfatizada pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932/2009).
Por descrever sua classe forte como seletiva, e não homogênea10, Mandroni (1936, p. 242) ressalta que a primeira tarefa a realizar fora "analisar o perfil da turma, como um todo", estudando, igualmente, "o psicograma relativo a cada aluno", pois havia diferenças sensíveis entre seus alunos, que pediam uma diferenciação entre os exercícios a realizar e a motivação a incitar. Pelas diferenças existentes, Mandroni (1936) traçou dois objetivos:
a) o de propor exercícios que motivassem e fizessem aprender a leitura e a escrita; b) o de conservar os alunos, tanto quanto possível, num nível homogêneo de aprendizagem, embora devessem existir, ainda assim, diferenças individuais muito sensíveis. (p. 242)
Para desenvolver a escrita com sua turma forte, Mandroni estabeleceu uma maneira de verificar o nível de aprendizagem dos alunos ao longo do ano: no dia 16 de cada mês, repetia com sua turma a mesma frase modelo para o exercício de escrita e guardava os trabalhos dos alunos. Segundo sua análise, em apenas um mês, a situação da escrita dos alunos era outra, especialmente por uma atividade por ela proposta para desenvolvimento da capacidade motora dos movimentos finos:
A incapacidade de coordenação dos movimentos finos ou delicados da escrita encontrou solução nos exercícios sistemáticos de caligrafia muscular, em que o ritmo, marcado por meio de cânticos e frases adaptadas a uma situação interessante, despertava o gosto pelo trabalho.(...). Tão grande foi o prazer que sentiram as crianças, que para esses exercícios elas próprias arranjavam histórias e até cânticos. (Mandroni, 1936, p. 242-243)
Para o ensino da leitura, Mandroni (1936, p. 243) ressalta que "qualquer processo para o ensino da leitura poderia ser ensaiado, na turma, desde que houvesse boa motivação", e complementa, explicando de que motivação ela está tratando: "a motivação não é só o despertar a curiosidade ou o interesse momentâneo. É mais do que isso, a implantação de um 'propósito ' claramente entendido e desejado". A partir desta concepção, utilizou o processo de sentenciação para o ensino da leitura e, considerando o grande interesse que um brinquedo desperta numa criança, sugeriu o desenvolvimento do projeto "organização de um bazar".
Com esse projeto, as palavras foram reconhecidas com naturalidade através da apresentação de frases sugeridas pelos alunos no quadro. Em uma determinada etapa do ensino, Mandroni (1936, p. 244) ressalta ter que "limitar um pouco a liberdade da turma no construir as sentenças, guiando-a, sem que percebesse, para o fim particular que eu desejava, enquadrado no propósito geral da turma".
Já com a leitura mais avançada, foram utilizados jogos que contribuíram para o desembaraço da turma, o que levou à entrega do primeiro livro de leitura para a turma forte, dois meses depois de iniciadas as aulas. Segundo Mandroni (1936), "o livro, no entanto, tornou-se o interesse permanente da turma, e dele surgiram todos os exercícios de linguagem, cálculo, conhecimentos, desenho e trabalho manuais" (p. 244). Prosseguindo sua explanação, Mandroni (1936) ressalta: "vários livros de histórias ganhara a turma, no dia da entrega da cartilha, razão porque surgiu a idéia da construção de uma estante, para a arrumação desse material" (p. 244). E assim, tinha origem o segundo projeto da turma - o Projeto Estante -, proposto pelos próprios alunos. Vejamos como Mandroni (1936) descreve o desenvolvimento do projeto:
Mais do que o primeiro, deu ensejo a um ambiente de vida real; foi um projeto que interessou não apenas os alunos de nossa turma, mas aos das várias turmas da Escola. Os próprios pais das crianças interessaram-se pelo trabalho, curiosos de ver a estante que tanto lhes falavam, em casa, os filhos... A atividade construtora repercutiu em casa de um menino, que fez para si próprio, uma estante igual à da classe. Foi trabalho que durou cerca de três meses e que deu ensejo a aprendizagens muito interessantes. Os mais tímidos deixaram de o ser: já tinham iniciativa. (...). De massa foram modelados alguns animais e jarrinhas para enfeitá-la. Não foi esquecido um fichário, feito de uma caixa de papelão envernizado, para que as crianças desde logo se habituassem à boa ordem do manejo dos livros...Os livros foram adquiridos, muitos pela turma, outros presenteados pelos colegas e professoras. Outros ainda feitos por eles próprios, com histórias recortadas de jornais e revistas ilustradas, coladas em folhas de cartolina, sob a forma de álbuns. Ao ser inaugurada a estante, festivamente, em agosto, contava com 66 volumes. Ao terminar o ano letivo, 98. (p. 245)
Em agosto, a turma já lia com desembaraço. Através de testes de leitura oral aplicados pelas professorandas da Escola de Professores durante os estudos da seção de Matérias de Ensino, verificou-se uma boa velocidade de leitura pelos alunos, o que permitiu o início de seu treino intensivo. Mandroni (1936) destaca ainda o interesse das crianças nos exercícios de leitura oral e silenciosa, sempre realizados através de projetos e unidades de trabalho. Estes criaram a possibilidade dos alunos desenvolverem as atividades sem grande dificuldade, o que tornou a disciplina da turma "tão natural, que não houve necessidade de qualquer preocupação com ela" (Mandroni, 1936, p. 246). Mandroni (1936, p. 246) atribui os resultados obtidos à seleção de alunos pelos testes ABC:
A comparação dos resultados da aprendizagem, com a turma fraca ou com a turma média, demonstrou, em qualquer parte do ano, que o progresso de nossos alunos era maior, não pelo tipo do ensino ou qualidades especiais da professora, mas pelas condições dos alunos selecionados.
Nair Freire (1936) também atribui os resultados obtidos com sua classe fraca à seleção de alunos pelos testes ABC - "a classe, que tivemos, serviu como exemplo típico do que os testes ABC convêm, como uma prova preliminar, 'que vem permitir, desde logo, uma triagem para exames especiais, mais acurados '" (p. 264) -, terminando seu artigo com uma frase do livro de Lourenço Filho. Vejamos como se deu o processo de trabalho de Freire com sua classe fraca.
Freire descreve que, logo que as aulas se iniciaram, procurou apurar suas observações, através de verificação das capacidades das crianças. Segundo Freire (1936), estas "tinham dificuldade de reconhecimento, pouca capacidade de resistência à fadiga, dificuldade de memorizar nomes, debilidade de atenção, desinteresse pelo trabalho" (p. 248). Sua primeira observação sobre o desenvolvimento da turma ao longo do ano foi em relação ao interesse: este, que no início das aulas se mostrava apenas momentaneamente, ao longo do primeiro trimestre "foi-se modificando, a ponto das crianças não se esquecerem mais de qualquer coisa prometida" (Freire, 1936, p. 248). Este fato acontecera com toda a turma, com exceção de alguns alunos mais difíceis que perturbavam a classe.
Após relato sobre o comportamento de várias crianças "difíceis", Freire diz ter começado os exercícios de escrita logo no primeiro dia de aula. A narrativa de Freire, ao contrário de Mandroni, que descrevia os processos de ensino de uma maneira sempre geral, é recheada de casos específicos de alunos, demonstrando o tratamento concedido a cada caso.
Freire (1936) relata que, antes do ensino da leitura ser desenvolvido com seus alunos, outras questões haviam de ser corrigidas para que pudesse alcançar os objetivos traçados para a turma:
Se as condições iniciais de maturidade e saúde eram más, e se o objetivo final era ensinar a ler, escrever e contar, o objetivo imediato devia ser: dar tratamento médico, desenvolver a capacidade motora, ministrar exercícios corretivos para melhoria das demais condições para a aprendizagem. Sem dúvida, as más condições de saúde eram a causa, senão a única, a maior, das deficiências encontradas. (p. 251)
Com auxílio da diretora da Escola Primária, Freire estabeleceu como primeiro passo oferecer aos alunos um rigoroso tratamento de saúde e alimentação. No entanto, para que eles desenvolvessem atenção e interesse pelo trabalho escolar e a chamada atitude normal para o convívio social, o tratamento pedagógico também era indispensável. Segundo Freire (1936), a criação dos hábitos sociais "não deveriam ser inculcados, isoladamente, mas sim, fazendo parte da própria adaptação dos alunos ao novo meio, aos problemas da vida escolar real" (p. 251). O ajustamento dos alunos ao meio escolar foi obtido de acordo com a necessidade de cada um.
Pela dificuldade em lidar com a turma fraca, Freire contava com uma constante colaboração não só da Diretora da Escola Primária, Orminda Marques, mas também do Diretor do Instituto de Educação, Lourenço Filho. Freire relata que logo nos primeiros dias de aula propôs à turma um exercício sob a forma de jogo, fato que deixou a turma por demais agitada e fora de controle. Com a ajuda dos dois diretores, pôde perceber que sua turma era uma exceção em relação às classes fracas: os testes ABC, em geral, indicavam a 'imaturidade ' dos alunos relacionada à apatia. A classe fraca de Freire, no entanto, agregava condições diversas à 'imaturidade '. Dessa maneira, Freire (1936) passa a trabalhar com sua turma buscando "usar a calma aliada à energia, buscar a solicitude e fundi-la ao prestígio que, naturalmente, todo professor pode adquirir sobre seus alunos" (p.252). Aqui podemos destacar Freire utilizando a metodologia de ensino enfatizada por Campos (1932): o interesse do aluno aliado à disciplina escolar.
A turma vinha desenvolvendo, desde o início das aulas, por sugestão de Freire (1936), o Projeto construção de uma Casa. Esse projeto, aliado à melhoria dos alunos em relação às condições de saúde e alimentação, e também "com muito trabalho educativo, paciência e firmeza, com atenção especial às particularidades de cada criança" (Freire, 1936, p. 254) trouxe à classe melhores hábitos em relação às atitudes, disciplina e respeito. Apenas um único aluno não teria conseguido se adaptar, resistindo a todos os meios empregados, concluindo Nair Freire que tal aluno necessitava de condições educativas especiais, fora do regime escolar comum.
A aprendizagem de escrita da turma "fraca" iniciou-se com a caligrafia muscular. Neste momento, Freire (1936) procurava, também, instigar as crianças a se interessarem pelo Projeto Casa, até que, um dia, o interesse naturalmente surgiu:
Por acaso, o momento chegou, quando a turma visitava os peixinhos do repuxo do pátio central do Instituto, visita que já me pediam insistentemente, desde o primeiro dia de aula. No fundo do aquário, há umas pedras superpostas, formando verdadeiras grutas, onde os peixes se abrigam. As crianças chamaram a isso - casa dos peixes. De volta à sala, insinuei:
- Os peixes daqui são muitos, mas não têm uma casa.
Ficaram a me olhar.
- Vocês não têm, na escola, casa para brincar. Querem uma?
Muitas quiseram. Algumas não. Indagando do local, um lembrou o pátio, outro o terreno do recreio, um terceiro a varanda. Os demais, ou nada disseram ou seguiram essas mesmas sugestões. Quanto apresentei a idéia de pô-la na sala, manifestaram-se contrários. Indagando, eu soube que julgavam não caber dentro da sala! Uma das crianças havia desejado (e todas a imitaram) uma casa do tamanho da do porteiro do Instituto, dizendo que o pai mandaria fazê-la. Custei a convencê-los de que a casa devesse ser menor. Afinal, concordaram, conquanto que fosse 'mais alta do que o quadro-negro, para a professora poder entrar '. (Freire, 1936, p. 255-256)
Esse exemplo ilustra a abordagem da professora com os alunos: a partir de um interesse demonstrado pelos alunos, há um direcionamento, sutil e sem imposições, feito pela professora para execução de um projeto específico para aprendizagem de leitura, escrita e cálculo. O objetivo pedagógico é traçado de antemão pela professora, que instiga a motivação dos alunos para alcançá-lo.
A mudança para uma sala maior fora necessária, pois o diretor do Instituto autorizara - e apoiara - a construção de uma casa em que os alunos pudessem entrar. A proposta de Freire era que os alunos trabalhassem na construção da casa por dois meses, de modo a iniciar, "incidentalmente", as noções de leitura. Como a casa era grande, foi colocada na sala de aula uma grande armação de madeira, de modo que os alunos pudessem completar as partes que faltavam. Novamente a iniciativa teve que ser estimulada por Freire (1936), que, finalmente, iniciou o ensino da leitura, seguido do ensino dos algarismos e de aritmética:
Induzi o batimento de palmas para marcar os tempos em que se pronuncia a palavra casa. Não erraram, pois era fácil essa noção. Escrevi, então, a palavra a giz de cores e ficaram sabendo que na primeira 'palminha ' se diz ca e na segunda sa. Ensinei também a escrever o número 1 para marcar a primeira palavra aprendida. No dia imediato, a mesma palavra e o algarismo 2 para marcar quantas palmas batiam quando dissessem casa. Começaram também nesse dia, a construção, marcando, no papelão, o contorno das janelas e porta, para cortá-lo e pregá-lo. Dia a dia, foram aprendendo outras palavras e recordando as primeiras. Fui-me animando, então, pois as crianças se entusiasmavam realmente com o que faziam. Assim, por meio de cartazes e, depois, jogos, fez-se o aprendizado das palavras matrizes: porta, janela, parede, telhado, à medida que iam construindo a casa. Ao mesmo tempo, iam aprendendo a grafar os algarismos para marcar o número de palavras e batimentos de palmas. (p. 257)
Aos poucos, a turma aprendeu palavras variadas, seguidas de frases e a casa foi ficando cheia de cartazes. Assim, Freire (1936) descreve detalhadamente o trabalho com os alunos, dando especial destaque aos processos de ensino desenvolvidos com aqueles com maior dificuldade.
Segundo Freire (1936), a sua turma fraca, inicialmente com tantas dificuldades de ordens diversas, apresentava um bom desenvolvimento. Sua explicação consistia em que "a aprendizagem, motivada assim por um projeto vivido pelas crianças, entusiasmava-as e ia dando bastante resultado" (p. 259). Aos poucos, mais da metade da turma havia desenvolvido, com prazer, a escrita, pois o projeto realizado envolvera o interesse de todos.
Freire considera apreciáveis os resultados obtidos com sua classe fraca, que contou também com a colaboração das alunas da Escola de Professores do IERJ durante os períodos da Prática de Ensino. O projeto Casa, apesar de não ter sido finalizado pelos alunos, concorreu para o aprendizado necessário e para que os alunos desenvolvessem gosto pela leitura. Freire deve este resultado ao tratamento médico e pedagógico dispensados aos alunos no início das aulas, à seleção dos alunos pelos testes ABC e à aplicação dos projetos, "que deram resultados além de toda expectativa". (Freire, 1936, p. 264)
Quando resgatei os artigos de Mandroni (1936) e de Freire (1936), o fiz tendo em vista compreender de que maneira a nova cultura pedagógica - que o Instituto de Educação se propunha a constituir e a difundir - estava presente na prática das professoras da Escola Primária do Instituto e, conseqüentemente, na formação das professorandas que ali obtinham experiência de prática de ensino. É certo que as autoras dos artigos não são quaisquer professoras da Escola Primária, pois trabalhavam como assistentes da seção de Prática de Ensino da Escola de Professores; temos que considerar, também, que os relatos de experiência das duas professoras foram publicados na revista responsável pela divulgação dos trabalhos do Instituto de Educação, trazendo em seus discursos a marca da intencionalidade do veículo que faz os artigos circularem. Os artigos e suas práticas descritas, no entanto, recheiam o imaginário do que sejam as práticas pedagógicas "mais avançadas", produzindo uma certa cultura sobre o fazer docente. Além disso, o processo de diferenciação da Escola Primária do Instituto em relação às demais escolas primárias do Distrito Federal impôs às professoras daquela Escola um processo seletivo para ingresso na Escola, uma carga horária maior que incluía reuniões técnicas, uma exigência de estudos, pesquisas e organização de material didático e a freqüência obrigatória nos cursos indicados pelo Diretor do Instituto de Educação (cf. Decreto nº 4.759, 03 de maio, 1934). Dificilmente as demais professoras da Escola Primária do Instituto estariam alheias aos processos de ensino ali apregoados.
Dentre várias questões que surgem nas aulas de Mandroni e de Freire, chamam a atenção os métodos de trabalho. Mas, devemos estar atentos, pois não são apenas os métodos que compõem as aulas das professoras: há uma articulação estreita entre os conteúdos trabalhados e os métodos utilizados, que têm como base uma determinada concepção sobre o aluno. Essa concepção - visível aos olhos de um espectador, pelo destaque que recebe nas análises das situações de classes - envolve noções específicas sobre aprendizagem e desenvolvimento, que requerem, mais especificamente, conhecimentos da psicologia, cuidadosamente estudados na Escola de Professores através das disciplinas Psicologia Educacional, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia Diferencial e Psicologia Geral11.
Escola Primária, reformadora social
As práticas pedagógicas institucionalizadas no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, no período de 1932 a 1938, configuram-se no terreno de conformação de modelos pedagógicos instaurados nas reformas do ensino que vinham se desenvolvendo em vários Estados brasileiros. Nesse sentido, tratava-se de uma proposta que, no bojo da difusão da pedagogia da escola nova, estabelecia deslocamentos discursivos que a erigiam como uma inovação em relação às propostas pedagógicas em curso. O IERJ, desta maneira, emerge no espaço de construção de um novo modelo pedagógico buscando prover um "espírito sadio" aos professores para que o levassem para as escolas primárias e uma "cultura profissional" que os instrumentalizasse numa cultura básica necessária para a compreensão do mundo pela ciência.
Inserida no conjunto das escolas primárias municipais, a Escola Primária do IERJ exercia uma nova função social que é oficializada no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: "reformadora social, por excelência". Esse novo funcionamento, no entanto, já estava presente nas escolas primárias do Distrito Federal na reforma do ensino empreendida por Fernando de Azevedo, sendo reiterada na reforma de Anísio Teixeira. Aí temos uma dupla função que compõe a Escola Primária do Instituto: no terreno das disputas educacionais do período, esta escola, inserida num Instituto de Educação onde a formação de professores primários se realizava em nível superior, dava visibilidade nacional à reforma do ensino realizada no Distrito Federal, ao mesmo tempo em que servia de fonte de inspiração às professorandas da Escola de Professores, pela sua função como local de realização da Prática de Ensino.
A seção de Prática de Ensino da Escola de Professores, estreitamente articulada à seção de Matérias de Ensino, constituía nas professorandas uma capacidade de reflexão sobre a "teoria perfeita e a prática imediatamente possível" (Lourenço Filho, 1934a, s/p.), com ênfase na articulação entre os conteúdos das matérias, os métodos de ensino e a concepção de aluno. Nesta articulação, Lourenço Filho ressalta a importância de considerar o "sujeito da aprendizagem" mais relevante que o "objeto de ensino". Resgatando a concepção de programa que enfatiza que os meios educacionais devem se realizar pelo interesse da criança, sendo os fins claramente direcionados a uma determinada intenção social a atingir na vida adulta, o conteúdo exerce uma importante função educativa, mas apenas quando o ensino se processa ativamente através do interesse do aluno e de processos de ensino que se desenvolvam através de atividades pautadas em situações de vida real. Dessa maneira, o método privilegiado na Escola Primária do Instituto de Educação era o método de projetos que, propiciando o aprendizado ativo através de estudos de matérias integradas, já traçavam de antemão a finalidade a ser alcançada com o desenrolar do projeto que, em geral, era proposto pelos próprios alunos. Métodos, conteúdos e uma dada concepção de aluno baseada nos saberes psicológicos agem, portanto, como três elementos táticos articulados a uma estratégia global de construção de uma nova cultura pedagógica no professorado.
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Endereço para correspondência:
Karina Pereira Pinto
Universidade Estadual de Santa Cruz, Departamento de Filosofia e Ciências Humanas
Campus Soane Nazaré de Andrade. Rodovia Ilhéus, Km 16 Itabuna, Salobrinho
Ilheus, Bahia. CEP: 45662-000
E-mail: karinappinto@bol.com.br
Enviado em Abril de 2009
Revisado em Maio de 2010
Aceite final em Junho de 2010
Publicado em Agosto de 2010
1 Lopes (2003) ressalta uma medida estratégica de Anísio Teixeira que visava unir o lançamento do Manifesto à criação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro: "Poucos dias antes da assinatura do decreto [de criação do Instituto de Educação] pelo prefeito Pedro Ernesto, Anísio em breve carta ao interventor, solicitara demissão do cargo que ocupava, em virtude de faltar-lhe 'a autonomia técnica e administrativa de que necessitava e que lhe fora assegurada ', razão pela qual 'após relutância ' resolvera aceitar o convite para dirigir a Instrução Pública municipal. Esta comunicação, datada de 15 de março, portanto, quatro dias antes de ser publicado o referido decreto, constitui-se como um indício de que se tratava de uma estratégia política desenvolvida por Anísio junto à administração do Distrito Federal, tendo em vista as resistências e oposições ao seu trabalho, bem como a urgência de colocar em prática seu plano de ação, não apenas pela proximidade do início do novo período letivo, mas talvez para fazê-lo coincidir com a deflagração do Manifesto, que a essa altura já estava pronto" (p. 45-46). Sobre o Manifesto dos Pioneiros ver Xavier (2002).
2 A análise dos Programas e Guias de Ensino e dos Programas Mínimos foi realizada em minha tese de doutorado, capítulo 4 "Sobre Programas e Matérias" (Pinto, 2006).
3 Lançado em 1932, o livro Escola Moderna teve origem numa viagem de estudos realizada por Maria dos Reis Campos aos Estados Unidos, em 1930, proporcionada pela Associação Brasileira de Educação e pelo Institute of International Education. O livro é organizado em nove capítulos: 1. Evolução da Escola Elementar; 2. Precursores e iniciadores da Escola Moderna; 3. Aspectos da psychologia infantil; 4. Principaes caracteristicas da Escola Moderna: finalidades e princípios basicos; 5. Principaes caracteristicas da Escola Moderna: organização; 6. Principaes caracteristicas da Escola Moderna: o methodo; 7. O professor; 8. Meios auxiliares do ensino; 9. A escola moderna no Brasil.
4 Os métodos apresentados por Maria dos Reis Campos no capítulo "Principaes caracteristicas da Escola Moderna: o methodo", são: I. Os centros de interesse; II. O trabalho e as actividades da vida pratica; III. O methodo de projectos; IV. Dramatizações. V. Pedagogia scientifica (methodo Montessori).
5 Aqui estaremos utilizando os termos de acordo com a utilização de Maria dos Reis Campos.
6 Ovide Decroly (1871-1932); Adolphe Ferrière (1879-1960).
7 Buscamos o que Maria dos Reis Campos considera trabalho "no sentido amplo do termo", na segunda parte do capítulo 6 de seu livro, "II. O trabalho e as actividades da vida pratica", quando o define, de maneira exemplificada, como: "A diversas especies de trabalho podem os alumnos entregar-se na escola: a) trabalhos manuaes propriamente ditos, que se expandem e continuam em trabalhos profissionaes ou de officina; b) trabalho agricola, jardinagem e criação de animaes; c) limpeza e conservação da classe e do edificio escolar; d) actividades comerciaes (cooperativas e bancos, acquisição e venda de merenda e material escolar); e) auto-governo da classe e da escola, organização e administração de associações, etc. Nos abrangidos pelas alineas a, b e c é predominante a actividade manual, podendo ser realizados individual ou collectivamente; nos demais ha larga parte intellectual e são actividades destinadas essencialmente ao desenvolvimento do espirito de cooperação e de iniciativa social" (Campos, 1932, p. 161).
8 William Heard Kilpatrick (1871-1965).
9 Na publicação dos Arquivos, o texto de Mandroni vem antes do de Freire. Ao que parece, esta ordem é intencional, pois Mandroni dedica o início de seu texto a discorrer sobre os detalhes da aplicação do teste ABC nas crianças analfabetas do primeiro ano. Em seguida, Helena divide seu artigo em várias partes, nas quais apresenta o "aspecto geral das turmas", a "definição dos objetivos", os "meios empregados para atingir esses objetivos" e, por fim, a "conclusão". O texto de Nair Freire organiza-se nas seguintes partes: "composição da turma", "casos de alunos-problema em virtude de condições de saúde", "confirmação do diagnóstico pelo comportamento observado nas primeiras semanas", "como corrigir a situação", "o tratamento corretivo das deficiências de maturidade - I mês", "início da aprendizagem da leitura e escrita - II mês", "os meses seguintes", "a escrita - resultados dos exercícios ritmados" e "conclusão".
10 A diferença entre classe seletiva e classe homogênea é analisada em minha tese de doutorado, capítulo 3 "Escola Primária, reformadora social" (Pinto, 2006).
11 As concepções de Lourenço Filho, professor-chefe da Seção de Psicologia Educacional da Escola de Professores do IERJ, sobre Psicologia e Psicologia da Aprendizagem são analisadas em minha tese de doutorado, capítulo 5 "Formar atitudes mentais, sociais e morais" (Pinto, 2006).