SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número14La escolarización de los inmigrantes brasileños jóvenes: problemas y perspectivasLa integración de inmigrantes brasileñas en Roma: conquistas y dificultades índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Imaginário

versión impresa ISSN 1413-666X

Imaginario v.13 n.14 São Paulo jun. 2007

 

 

 

Mulheres transnacionais

 

Transnational Women

 

Mujeres transnacionales

 

 

Loreley Garcia*

Universidade Federal da Paraíba

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo discute as conclusões de pesquisa realizada com brasileiras emigrantes utilizando-se da metodologia de história de vida, narrativa oral e blogs, com intenção de destacar o papel do gênero na migração transnacional. O foco da reflexão são as identidades transnacionais, a produção de respostas transculturais; aponta a discussão sobre a viabilidade de construção de uma cidadania para além das fronteiras territoriais, de caráter cultural, flexível, múltipla consoante com a circulação interidentitária que o processo de globalização gerou e adequada aos deslocamentos do século XXI.

Palavras-chave: Migrações transnacionais, Gênero, Identidade, Cidadania.


ABSTRACT

This article discusses the conclusions of a research carried out with Brazilian emigrant women using life histories, oral narratives and blogs as a methodology, with a view to emphasizing the gender’s role in transnational migration. The focus of the reflection is the transnational identities, the production of transcultural responses; it points the discussion about the viability of building a citizenship across territorial borders, with a cultural, flexible character, according to the inter-identity circulation imposed by the globalization process and suitable to the displacements of the XXI century.

Keywords: Transnational migrations, Gender, Identity, Citizenship.


RESUMEN

Este artículo discute las conclusiones de una investigación realizada con brasileñas emigrantes utilizando metodología de historia de vida, narrativa oral y blogs, con intención de destacar el papel del género en la emigración transnacional. El foco de la reflexión son las identidades transnacionales, la producción de respuestas transculturales; señala la discusión sobre la viabilidad de construcción de una ciudadanía más allá de las fronteras territoriales, de carácter cultural, flexible, múltipla consonante con la circulación interidentitaria que el proceso de globalización generó y adecuada a los desplazamientos del siglo XXI.

Palabras clave: Migraciones transnacionales, Género, Identidad, Ciudadanía.


 

 

A viagem é um agente transformador em potencial. Viajar abre a possibilidade para uma visão mais acurada do mundo, descobertas subjetivas que nascem no contato com outras terras e gentes. Trata-se de refletir sobre a pessoa que nos tornamos quando estamos viajando, interagindo com novos lugares e culturas. Como o ambiente age sobre nós? E quando decidimos ficar, qual parte de nós sobrevive? Qual nos abandona? Até que ponto esquecemos quem fomos? As narrativas das emigrantes revelam a migração como uma forma de obter liberdade de circulação e autonomia das repressões e amarras comunitárias e familiares.

Se a experiência da migração é um dilaceramento também é, ao mesmo tempo, promessa do absolutamente novo: oportunidades, possibilidades, construção de um futuro sem a mediação do passado. Viver a condição de estrangeiro é uma experiência múltipla. A forma como o indivíduo percebe-se nessa condição, contribui para o êxito da emigração ou fracasso e o retorno.

Além do divórcio entre o indivíduo e seu mundo, a cisão atinge o ser essencial... Faz dele um exilado na sociedade e um estranho a si próprio. Sempre fomos estrangeiros num exílio metafísico que a Modernidade criou e o mundo da globalização acentuou.

Serei sempre estranho a mim mesmo... Pensamos que nos conhecemos e descobrimos um dia como sempre fomos estranhos a nossa própria vida (CAMUS, s/d).

Mas por que emigram? Porque se deixam cair na condição de eternos estranhos num mundo que não lhes pertence e nem os acolhe? Num clássico da sociologia, como Tönnies (GARCIA, 2001), a explicação estaria no fato de sermos dotados de duas vontades coexistentes e contraditórias: a Kurwille, que nos impele rumo ao desconhecido, as grandes explorações, aventuras, descobertas, invenções, ao processo criativo; e a Wesenwille, que nos prende a um destino comum ligado a comunidade da terra, língua e sangue, laços de familiaridade, tradições, o passado que nos dá uma identidade.

As experiências narradas por brasileiras que emigraram sugerem uma situação de exílio atípico, poderiam ser classificadas como exiladas da cultura. Mais que fugitivas do desemprego, da pobreza ou das parcas oportunidades, exprimem um desejo de se desvencilhar de uma cultura discriminatória, sexista e opressiva, na qual as oportunidades são desigualmente distribuídas, o que afeta o aspecto da sobrevivência levando a busca de maiores oportunidades de emprego e renda.

No encontro com outra cultura, a decisão de permanecer liga-se a possibilidade de ali poderem expressar suas individualidades e emancipar-se, resgatando a cidadania (plena?) que sua cultura original lhes recusa por serem mulheres, negras, pobres, lésbicas...

O foco desta reflexão são as identidades transnacionais, a produção de respostas transculturais; a produção de uma cidadania cultural, flexível, múltipla e a circulação interidentitária.

Se as culturas não existem em estado puro, não estão hermeticamente encerradas em si mesmas nem possuem essências claras e distintas, então as culturas pós-coloniais derivam de vários tipos de mobilidades, resultados impuros e híbridos dos variados modelos de mobilidade que tiveram impacto sobre um conteúdo original.

Além de impuras, culturas são continuamente reinventadas, refeitas a partir dos fluxos populacionais e imagens transfronteiriças com as quais partilhamos o cotidiano. A mobilidade é uma categoria central na manutenção das diversidades das culturas nas sociedades complexas (URRY, 1999).

Indo mais além, a mobilidade é parte da cultura. Se o nomadismo caracteriza sociedades desterritorializadas, o migrante também, com sua existência derruba fronteiras, elimina geografias e transita entre os mundos.

A imigração abre a oportunidade para se repensar a própria identidade, em termos das representações de raça, nacionalidade, etnicidade e diferença sexual. Viver a condição de estrangeira convida a uma releitura das experiências passadas descoladas do contexto cultural onde se realizaram. Ou se sucumbe, ou se aprende a manejar situações entre poderes assimétricos, racismo e discriminações.

A pesquisa foi desenvolvida entre 2001 e 2004 com brasileiras emigrantes nos Estados Unidos, Europa e Japão. Foram realizadas 15 entrevistas com brasileiras que vivem nos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, coletadas histórias de vida das informantes e, posteriormente, compiladas informações sobre o cotidiano das estrangeiras por meio de seus diários eletrônicos. Essa idéia foi de uma das informantes, uma jornalista que atualizava os amigos com esse instrumento.

O blog foi a opção encontrada para acompanhar a vida das informantes no Brasil. Por meio dele continuava em contato com o desenrolar da vida das mulheres. Os blogs são usados para destacar a singularidade das experiências, a despeito das semelhanças implicadas nos deslocamentos. O blog, em verdade, desvela a intimidade na rede mundial, publiciza o privado. O blog é uma invenção típica da passagem da sociedade de massas, na qual as pessoas são anônimas, para a sociedade em redes – marcada pela busca de identidades, recorrendo a inúmeras modalidades que a tecnologia faculta. Uma delas é o blog. Com ele é possível narrar, depurar, denunciar, desabafar e saber que haverá sempre alguém disposto a conhecer dores e sonhos, talvez até identificar-se com eles.

Com o uso dos diários eletrônicos, tivemos acesso às narrativas de 10 mulheres que não havíamos entrevistado, vivendo na Noruega, Japão, Finlândia, Canadá e Holanda, mas que se dispuseram a escrever suas histórias de vida e participar da pesquisa.

Todas as informantes são brasileiras (apenas uma nasceu no Panamá, viveu e cresceu no Brasil), partilharam da cultura brasileira. A maioria vem de São Paulo, algumas do Rio de Janeiro e da região Nordeste. Saíram do Brasil para viver nos Estados Unidos, Alemanha, Noruega, Inglaterra, Finlândia, Canadá, Japão, Holanda. Exceto uma, que vive um drama com a justiça americana pela custódia da filha, tendo um histórico de abuso no casamento; nenhuma declarou desejo de retornar ao Brasil. Se a intenção inicial era o retorno, essa premissa perdeu-se no meio do caminho e deixou de fazer parte das projeções dessas mulheres.

Várias gerações foram contempladas: a faixa etária varia entre 17 e 60 anos, o que nos possibilita fazer uma clara leitura da história do país interpenetrando as histórias pessoais. Assim, resgatamos na história de uma exilada e na da irmã de um preso político o custo psicológico de uma geração que viveu sob ditadura militar.

A opção da migração está intimamente vinculada ao momento histórico do país. Se as migrantes da década de 70 fugiram da repressão ditatorial, as dos anos 90 e do século XXI deixam para trás um país que não lhes dá oportunidades, no qual a vida é violenta e em que se sentem discriminadas; vão em busca de oportunidades e de culturas mais arejadas e tolerantes. Sonho ou realidade, narram o que encontraram.

A maioria das mulheres é de classe média. A variação não é significativa, de alta classe média a média baixa. Quase todas optaram inicialmente por estudar, trabalhar, acompanhar a família, casar ou simplesmente aventurar-se a viver em outro país.

As brasileiras revelam, na maioria absoluta, que refizeram a autoimagem e conquistaram uma auto-estima que não detinham originalmente. Não estamos sugerindo que a emigração comporte em si mesma a condição para emancipação, mas detectamos que a emigração é uma vivência que abre a possibilidade de questionar valores, crenças e tradições no sentido de transcendê-las e construir o próprio destino. Aqui o indivíduo está entre sociedades, sua condição de elegibilidade se amplia.

O objetivo da pesquisa não foi, em nenhum momento, questionar a percepção que as estrangeiras têm sobre si mesmas ou sua condição – se real ou fictícia. Nosso interesse foi apresentar a narrativa, a trajetória, as motivações que levaram essas pessoas a migrarem e o que as compele a persistirem vivendo na condição de estrangeiras.

Ainda que, de fato, muitas delas tenham vivido experiências amargas de racismo e discriminação, o que mais ressaltam, como razão para permanecerem no exterior, é o fato de terem aprendido a se perceber de outra maneira, absorvendo outro papel sexual. Nessa trilha acabaram por adquirir maior auto-estima. Encontramos este aprendizado nas falas:

Pandora

“aprendi que um dia você precisa stand up for your rights”.

Deméter

“Não fui criada para ser líder, mas dona de casa... A dor de perder minha filha, vê-la sofrendo, me transformou. Descobri que eu podia fazer a diferença na minha vida e tinha força para mudar a vida de outras mulheres, gente camponesa, vinda do Vietnã, Tailândia, Filipinas, que vão ao Centro de Imigrantes onde trabalho.”

Perséfone

“Em verdade, sempre me senti estrangeira onde quer que eu fosse. Quando me dei conta que gostava de mulheres, comecei a me achar bonita, eu não me arrumava para os homens.

Há misoginia na cultura, sou uma mulher que diz o que pensa, e não percebi que no Brasil isso não é algo admirável como aqui (EUA). Mulheres devem ser caladas, meigas, dóceis, mulheres fortes não são bem-vindas.

A luta pelos direitos como lésbica me ajudou a me ver como mulher com poder e decisão.”

Atenas

“Aprendi que sem acesso para participar das altas atividades não há democracia. Hoje participo da elite e ganho mais que 95% da população americana. Foi “isto” que o Brasil jogou no lixo não me dando qualquer oportunidade.

Não aceito a submissão, descobri que ter poder é legal e estou no controle da minha própria vida. No Brasil o poder é visto com algo sujo e abusivo... Mas posso ter o poder de ajudar os que sabem usar as oportunidades como eu usei as minhas.”

O processo de desidentidade é uma via de mão dupla, o próprio estrangeiro já não se reconhece mais e a sociedade hospedeira lhe atribui uma nova identidade, um rótulo no qual, muitas vezes, ele não se reconhece. Assim, os brasileiros tornam-se hispânicos, as mulheres, sambistas e os homens, malandros, criminosos ou terroristas.

Ser estrangeiro implica a manutenção de uma identidade em aberto, sem fixidez, sempre prestes a ser negociada na próxima esquina, em todo momento de fricção intercultural. Vive-se no limite.

No caminho da desconstrução da identidade original e na reconstrução da identidade plural, múltipla e transnacional, haveria uma mutável configuração identitária, sem a rigidez daquela identidade introjetada na infância e, muitas vezes, carregada como um fardo pela vida afora.

Estrangeira num mundo hostil ou acolhedor, ajustada ou excluída, nos diferentes degraus da hierarquia social, vive experiências intransferíveis que permitem, nessa dinâmica, que se construa uma identidade paradoxal e dual.

Deméter

“Sou ativa na defesa da mulher imigrante... Serviços para mulher imigrante quase não existem, você não tem dinheiro, não tem família, nem amigos, não fala a língua, é discriminada pela religião, cor, origem, você não passa de um ET no sistema jurídico americano. O sistema é abusivo com as mulheres imigrantes. Enquanto o sistema nos vir como um bando de mulheres de cor, imigrantes que só querem vir pra cá obter um green card, não iremos muito longe.”

Atenas

“Ser estrangeiro é ser diferente, desigual. Dependendo da cultura o estrangeiro é bem vindo, uma excentricidade, um exótico, uma curiosidade. Não me considero mais brasileira, mas sou diferente, o que é ponto de interesse... O custo psicológico de ser diferente significa que você não faz parte do grupo, não há sensação de pertencimento, é condição da vida de imigrante aceitar ser diferente para sempre.

No Brasil sou estrangeira, não faço parte da cultura brasileira, desde pequena eu era diferente.

Tenho uma relação complexa com o Brasil, relação de ressentimento com um país que não me permitiu desabrochar como pessoa. Direitos e privilégios que se tem por origem, cria uma dualidade nos direitos e na cidadania, não respeito uma sociedade que tolera esta atitude.

Adquiri uma série de atitudes e valores que nos EUA são consideradas típicas de imigrantes novos, a work ethic.”

Métis

“Vivendo na Alemanha há 30 anos, sempre mantive vínculos com o Brasil. Quando a ditadura caiu, o retorno já não era mais uma opção.

Ser estrangeira é não partilhar os códigos da cultura na qual se vive.

Mesmo rejeitando, acaba-se assumindo valores da sociedade na qual se vive.”

Santos (1993) afirma que identidades culturais não são rígidas ou imutáveis, mas resultado transitório e fugaz de processos de identificações, mesmo as identidades aparentemente sólidas, como

homem, mulher, país africano, latino, europeu escondem negociação de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidade em constantes processos de transformação (SANTOS, 1993, p. 13).

A epistemologia do pós-estruturalismo e a Teoria Queer, autores como Foucault e Derrida, fornecem uma poderosa perspectiva analítica, na medida que rejeitam o caráter fixo e permanente da oposição binária masculino/feminino, destacando a historização e a desconstrução das relações sociais de gênero, com enfoque privilegiado na diferença sexual enquanto construção cultural hierárquica e não como um fato natural.

Em Bauman (1999), o nomadismo é colocado como uma alternativa ontológica descartada pela sociologia. Ocorre que, as pessoas ao se deslocarem, levam consigo todo um universo simbólico que contamina as culturas em fricção. Isso nos permite dizer que as culturas também viajam. A globalização tornou a mobilidade parte do tecido social no qual se redefinem as experiências do individuo.

Também para Castells (1997), o fluxo migratório é um elemento central da vida na sociedade da informação. Considera que a base epistemológica da sociedade tradicional é frágil e incapaz de interpretar a realidade movente do nomadismo.

Dalia Kandiyoti (2003) repensou os estudos sobre migrações para compreender em profundidade o impacto dos deslocamentos. Ela parte do conceito de transnacionalismo, uma migração que permite aos imigrantes estabelecer pontes entre as sociedades de origem e destino e construir espaços além das fronteiras geográficas, culturais e políticas.

As abordagens tradicionais focalizavam a ruptura entre a origem e o destino, os modelos de assimilação e aculturação. A migração era tida como movimento unidirecional entre dois espaços autônomos com pequena superposição e circularidade entre si. Na nova perspectiva, estuda-se a continuidade entre os espaços, em vez da desconexão.

Os migrantes do mundo globalizado não partilham das mesmas carências de seus antecessores. Pouco sobrou do emigrante do século XIX, para quem a terra natal acaba por tornar-se pálido sonho, um mundo distante do qual se tem notícias escritas em cartas amassadas e fotos esmaecidas. Hoje há múltiplas possibilidades, que vão desde passagens aéreas promocionais (ônibus voadores), fácil remessa de dinheiro, os cartões telefônicos, serviço courier, TV a cabo e Internet; instrumentos transnacionais mantenedores dos vínculos.

Até a década de 80, poderíamos afirmar que viver no exterior implicava em ruptura quase definitiva, cortes drásticos com a sociedade de origem. Viver na Europa ou EUA na década de 80 significava ansiar por uma revista Veja, que chegava sempre com atraso; cartas e pessoas que chegavam do Brasil eram um presente do qual se extraia o máximo. Nos anos 70, era ainda pior: os exilados e banidos sequer eram gratos nas dependências consulares, tinham cartas e fitas devassadas... A pátria fora arrancada.

Ao afirmarmos que os migrantes do século XXI não padecem dos mesmos males, quero ressaltar que há um continuum entre a sociedade de origem e a de destino gerado justamente pela tecnologia. Isso nos permite falar em transnacionalismo. Se nos anos 80, um telefonema internacional era um luxo reservado ao Natal, hoje se pode através da Internet e seus recursos conversar com Bangladesh diariamente por pouco ou até nada além do preço de uma conexão. Hoje, viver no exterior não implica sequer em deixar de assistir ao Jornal Nacional pela Globo Sat e manter-se em dia com os personagens novelescos. É como se o país ali estivesse, ao alcance da mão.

O migrante transnacional está em casa aqui e lá, apto a negociar na multiplicidade dos mundos pelos quais circula.

Kandiyoti (2003) observa que, apesar dos avanços da perspectiva transnacionalista, essa teoria negligencia a identidade transnacional de gênero, que é colocada como tema transversal. A idéia do continuum tem implicações na constituição da identidade sem fronteiras e no sentimento de pertença, o gênero seria um dos balizadores desse processo.

A transnacionalidade é transgressora ao recusar o Estado-nação como a fronteira política e cultural estabelecida, desafia as restrições da geografia, da soberania e da cidadania nacional.

O nômade arcaico reaparece na mobilidade transnacional, mas não comporta os contextos diferenciados nem as dificuldades de movimento dos sujeitos e grupos limitados por classe, gênero, etnias, raças, idades. Falta confrontar e renegociar as estruturas discriminatórias racistas e sexistas.

A categoria gênero é imprescindível para se entender as migrações e as identidades de pertença, um desafio posto para o transnacionalismo. Kandiyoti (2003) observou que a identidade da mulher, como sujeito transnacional, não se completa no interior das fronteiras da definição “patriarcal” de pertencimento. Gênero expõe a fratura existente na suposta continuidade entre comunidade e cultura. Entender gênero como processo e forma de perpetuar as diferenças sociais contribui para desconstrução da naturalização da diferença entre os sexos (HONDAGNEU-SOTELLO, 1994).

Os Estudos de Gênero investigam a construção das relações hierarquizadas, as formas de articulação do poder em determinados momentos sócio-históricos, as brechas da estrutura em que vicejam espaços alternativos de expressão. Como em Lauretis (1994), o sujeito do feminismo é um ser histórico produzido no interior das relações sociais que atua em espaço ambíguo, exterior ao quadro das representações tradicionais. São espaços sociais ou discursivos marginais, ocupam as entrelinhas na produção de novas formas de organização das mulheres, um caleidoscópio que congrega de acadêmicas às Pussy Power, de teólogas a anarcopunk – feministas.

Novos conceitos conferem flexibilidade à diferença, se reorganizam para responder ao novo quadro epistemológico dentro do cenário de estruturas moventes, de hibridização cultural, de identidades múltiplas e mutáveis e fronteiras entre os gêneros flutuantes e oscilantes.

Para Pessar e Mahler (2001), gênero é a primeira modelagem da vida humana, define o que é masculino e feminino, cindindo as atividades humanas. As pessoas são socializadas vendo as diferenças de gênero não como arbítrio cultural, com variações na história e na geografia, mas como causas naturais, biológicas ou até espirituais, portanto, inevitáveis e imutáveis

As principais áreas da vida – incluindo sexualidade, família, educação, economia, e Estado – são organizadas de acordo com os princípios de gênero e entrelaçam-se com conflitos de interesses e hierarquias de poder e privilégio (GLENN, 1999, p. 5).

Em Pessar e Mahler (2001), os estudos sobre migrações incorporam o gênero para além do papel passivo de acompanhantes, um bias que ocorria até recentemente. Hondagneu-Sotello (1994) revela que a migração mexicana nos EUA é organizada por gênero. Trata- se de perceber as sutilezas no interior das relações de gênero, que facilitam ou constrangem homens e mulheres no processo migratório.

As autoras incluem a categoria gênero na análise transnacional, desenvolvendo o conceito de “geografias gendradas de poder”. Geografia porque gênero opera simultaneamente nos múltiplos espaços do território transnacional, em que ideologias e relações de gênero são reafirmadas ou reconfiguradas.

A geografia gendrada de poder é uma estrutura de análise da ação social a partir das posições ocupadas dentro das hierarquias do poder. Quando gênero é encarado como relação e não mais variável, podemos examinar processos, como a construção e a negociação dos Estados circunscritos por fronteiras.

Gênero, raça, etnicidade, nacionalidade, classe e sexualidade dão forma e disciplinam os modos de pensar e agir, uma ação circunscrita no interior das hierarquias que não construímos. As autoras revelam que o gênero constrange as opções viáveis para o indivíduo ou grupo, determina quem fica e quem vai, como, onde, quando e por quê. Desse modo, capturam o modo pelo qual a alocação social na estrutura hierárquica influencia a processos de mobilidade.

A proposta é entender identidade de gênero no campo transnacional, articulado a outras estruturas de diferença. As relações transnacionais podem reforçar a política sexista pré-existente, embora se considerem outros elementos, como a redefinição da divisão sexual do trabalho, uma vez que as mulheres assumem funções tradicionalmente masculinas, os homens que migram sozinhos realizam tarefas domésticas e ajudam a esposa quando elas chegam. Observou-se que quando as famílias migram unidas, as mulheres preservem o papel de gênero, mesmo trabalhando fora de casa (HONDAGNEU-SOTELLO 1994, ONG 1993).

Em Sassen (2000) são destacadas as facilidades que estimulam a migração de mulheres para os países do primeiro mundo. Elas seriam membros do novo proletariado global. A idéia é que os novos sujeitos no capitalismo global seriam mulheres, pessoas não brancas, residentes do Terceiro Mundo. A autora forjou os conceitos de “contra-geografias da globalização” e “feminização da sobrevivência”.

Sassen (2000) descreve a cidade global como um novo cenário em que se desenrolam os variados aspectos do mundo globalizado. Funciona como um microcosmo reproduzindo as ações e relações globalizadas que aqui acontecem, ganham forma e vida. Nesse novo cenário, as mulheres são as personagens-chave das transformações sociais. Elas constituem grande parte dos trabalhadores urbanos, muitas são negras, pessoas de cor ou imigrantes. Cidades globais são centros de serviços especializados, operações financeiras, lugares de produção estratégica dos setores econômicos dominantes e administração dos processos políticos e econômicos. A vida urbana e a intensificação da carga de trabalho criam um vasto campo de trabalho para as mulheres imigrantes em todas as cidades globais do mundo.

Nessa contradição entre exploração e resistência, existiriam possibilidades de autonomia e empoderamento das mulheres profissionais ou não. As relações econômicas entre os sexos são refeitas, tendendo a alterar hierarquias e papéis sexuais.

São as mulheres as principais usuárias dos serviços públicos e sociais entre os migrantes; são elas que constroem canais de acesso às instituições públicas, mesmo estando em situação ilegal. Participação nas instituições e trabalho regular garante a inserção na sociedade envolvente aumentando a autonomia pessoal e independência das migrantes. Elas seriam as intermediárias entre a nova sociedade e a comunidade de migrantes.

Ainda em Sassen (2000), na cidade global também nasce um novo tipo de ação política, marcada pela combinação das demandas locais com as mundiais, unindo diversos tipos de pessoas e esforços. “A rede transfronteiriça é um espaço onde se formam as contra-geografias de globalização que enfrentam as formas dominantes da economia global” (SASSEN, 2000, p. 4).

Pesquisas realizadas nas últimas décadas (Sales, 1999, Assis, 2003; Martes, 1998; Brigagão, 2002) demonstram que o fluxo de brasileiros em direção ao exterior deixou de ser o movimento esporádico, que caracterizava a emigração até os anos 80, para tomar proporções de fluxo migratório demograficamente significativo. A presença feminina na migração já não se liga à reunificação familiar, mas a um projeto individual.

No caso das brasileiras emigrantes, Assis (2003) constata que, embora a maioria migre em grupos familiares, também migram sozinhas. Os motivos que levam à migração vão desde a ausência de oportunidades profissionais, fuga das discriminações ou a busca de um ambiente diversificado com maiores oportunidades de sucesso financeiro e casamento.

A inserção da categoria gênero na análise dos fluxos migratórios permite abordar os indivíduos como se fossem “elos” de ligação, nós e fios que compõem as redes sociais fundamentais nos primeiros momentos da emigração, funcionando como pontos de apoio e solidariedade que garantem os laços com o país e a cultura de origem.

Brigagão (2002) observou que homens e mulheres têm diferentes formas de lidar com os conflitos, desafios e questões quando estão num novo país. Migrar implica no abandono do universo seguro da casa para encarar o desconhecido, a nova língua, cultura, comportamentos, lidar com o inesperado e viver um processo de aprendizagem permanente. As mulheres lidam muito melhor com os sentimentos de rejeição e estranhamento, com a idéia de pedir ajuda, especialmente quando ainda não dominam o idioma. Os homens sempre relatavam essas experiências como sendo humilhantes e frustrantes, talvez porque no Brasil não participassem de um grupo discriminado, não estando habituados a viver e ser vistos como criatura frágil e desamparada, signo da condição do estrangeiro do Terceiro Mundo na grande metrópole.

Há demanda de mão-de-obra feminina para tarefas “domésticas”, limpeza e cuidado com crianças e idosos. O aspecto negativo desse tipo de tarefa é o isolamento que pode dificultar a integração da migrante na sociedade. Outro aspecto destacado da migração feminina é a situação de extrema vulnerabilidade na qual esse grupo está colocado.

Elas ficam expostas a maior marginalização, submetidas a uma discriminação mais aguda devido ao sexo, lugar de origem e classe social. Culturalmente forjadas para perceber a subordinação como natural e inevitável, a situação de migrante pode tornar-se dramática. A vida de muitas mulheres migrantes ocorre no espaço da exclusão, desagregação e solidão.

O comércio de sexo com mulheres do Terceiro Mundo cria e reforça ligações e fluxos transnacionais, operando nas entranhas do sistema de produção, circulação e representação cultural. As jovens mulheres do Terceiro Mundo, geralmente não brancas, são vendidas como mercadoria para atender as fantasias masculinas nos países ricos, ávidos por belezas escuras, ardentes e submissas (PESSAR; MAHLER, 2001). As brancas tampouco escapam; após a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da URSS, um forte contingente de mulheres jovens eslavas afluiu para o Ocidente.

Mulheres que vivem em sociedades fortemente hierarquizadas e sexistas sonham escapar dos limites e da falta de oportunidades, muitas vezes, com um parceiro na Europa ou nos EUA. Essas fantasias de conexão social por gênero, nação, raças divididas criam pontes que favorecem os homens brancos do Primeiro Mundo.

Se o migrante está em situação dupla de insegurança devido ao status de migrante e ilegal, as mulheres estão expostas a uma situação de tripla insegurança por causa da questão de gênero havendo um risco ainda maior de exploração (HOGO, 1994).

Material de farta denuncia, a indústria do sexo opera em escala mundial sob impunidade quase absoluta. O que sustenta o tráfico humano são as desigualdades de sexo, raça, classe e cor. Em termos econômicos, há forte demanda de corpos femininos para a indústria sexual e vasta oferta de mulheres sem direitos e oportunidades de educação e progresso econômico. A pobreza e as desigualdades sexuais criam um caudal de “recrutas” para esse comércio insólito.

A prostituição é tradicionalmente vista em função do apetite sexual masculino, mas também pode ser entendida como a mais pura expressão da misoginia e(ou) do racismo.

Segundo Lipszyc (2005), os fluxos migratórios seguem o novo padrão de acumulação de capital, que exclui enormes massas de população. Nos séculos XIX e XX, a Europa excluiu e forçou milhões de pessoas a emigrar. Hoje, o sistema global exclui e expulsa milhões de pessoas dos outros continentes. A diferença é que, no passado havia território planetário a ser ocupado. Agora, não há, isso recrudesce situações de racismo, xenofobia e discriminação.

A manipulação do discurso contra o terrorismo cria um ambiente de repudio à diferença, o acirramento do racismo, xenofobia, abrindo as portas à intolerância. Retorna-se ao discurso da exclusão, num momento em que o ritmo da globalização impõe uma intensa circulação de pessoas pelo planeta.

A globalização aproximou e apartou os diferentes. As migrações disseminam culturas, idéias e práticas. Espalham pelo mundo aquilo que estava restrito a uma região enclausurada. O multiculturalismo, a globalização e a fricção entre os povos são fenômenos crescentes e irreversíveis.

O trânsito entre fronteiras seria potencialmente subversivo porque cria sujeitos coletivos desterritorializados; em confronto com o Estado, o poder das multidões sem lugar ou tempo fixo, é internalizado pelo indivíduo e pode ser usado contra a Ordem Global (NEGRI; HARDT, 2000).

A idéia de identidade no mundo globalizado tem um aspecto duplo e singular – talvez, uma característica do que serão as lutas no futuro, a amplitude das suas demandas. As políticas identitárias reivindicam direitos étnicos e raciais, nacionais e religiosos, além de eqüidade de gênero e sexualidades transversas. A identidade surge politizada em contexto transnacional, transterritorial, na luta pelo direito à identidade cultural, ao mesmo tempo em que, numa aparente contradição, cobra o direito a uma cidadania global. A síntese identitária do futuro seria uma cidadania global com as especificidades culturais resguardadas.

Escolher a migração implica assumir todos os dramas do desenraizamento, mas também abre as portas para o crescimento individual livre das amarras repressoras, as descobertas, a ressignificação de conceitos, uma ruptura com a estreiteza do provincianismo, o confronto com o preconceito e reconhecimento da diversidade, porque o mundo é maior que a minha aldeia.

Perséfone

“O Brasil é um país muito violento, é um país bárbaro com mentalidade doentia.”

Hécate

“Voltei ao Brasil nos 90, mas não agüentei ficar lá, é um país de pouca esperança para gente pobre, gente gay, gente de cor, mulheres...

Hoje sou cidadã americana, aqui tive coisas que sempre me foram negadas no Brasil: liberdade para amar quem quero, de ter trabalho, educação, dinheiro.

Do Brasil tenho ressentimento do racismo, do classismo e da homofobia. Toda vez que vou ao Brasil me sinto envergonhada. Vergonha de como crianças são maltratadas, da polícia nos parar querendo dinheiro, da sujeira, do corte de árvores, da má educação dos motoristas. Me irrito e quero voltar logo.”

Hera

“O Brasil é hoje um repositório das memórias mais íntimas, a expressão física dos prazeres perdidos na juventude e na infância, o projeto onírico de um país maravilhoso que praticamente me expeliu.

Sou estrangeira aqui, esse fato é escancarado todos os dias... Mas eu também era uma estrangeira no Brasil, e a sensação era muito pior. Aqui pelo menos a sociedade de consumo de massas é real, a estupidez é endógena, a mediocridade é autêntica, não é mero mimetismo ignorante.

Aqui, a minha estranheza com o mundo parece estar no lugar certo.”

O conceito de cidadania está ligado ao Estado-nação e à sociedade. Ele existe nos e a partir dos antagonismos entre o Estado e a Sociedade. Na ausência do cidadão, a nação perece, o Estado impera soberano, porque sua permanência prescinde da figura do cidadão. Mas qual o sentido da nação na lógica da cidadania planetária?

O apelo a uma responsabilidade planetária e não localizada, até o momento, esbarra no conceito de cidadania com base nos antagonismos dos “de fora” contra os “de dentro”. A cidadania planetária extingue o compromisso com a nação, porque a ausência de inimigos é exigência para instituir a cidadania global.

Fronteiras só existem quando acreditamos nelas. Cercas e muros são erguidos para ser derrubados.

 

Bibliografia

ASSIS, G. Fazendo a América, fazendo faxina. Mimeo, Florianópolis, 2003.         [ Links ]

BAUMAN, Z. Globalização e as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.         [ Links ]

BRIGAGAO, J. O processo de construção da identidade na interface de duas culturas. Mimeo, 2002.         [ Links ]

CAMUS, Albert. O Estran-geiro. Lisboa: Editora Livros do Brasil, s/d.         [ Links ]

CASTELLS, M. The Power of Identity. Oxford: Blackwell Publishers, 1997.         [ Links ]

GARCIA, L. A comunidade da Terra. In: Revista Caos, n. 1, 2001.         [ Links ]

GLENN, E. N.The social construction and institutionalization of Gender and Race: an Integrate Framework. In: Revisioning Gender, Thousand Oaks, p. 3-43, 1999.         [ Links ]

HOGO G. An evaluation of international migration theory. In: Population and developement review, n. 20.4.         [ Links ]

HONDAGNEU-SOTELLO, P. Gendered transitions: mexicans experiences of immigrations. Berkeley: University of Califórnia Press, 1994.         [ Links ]

KANDIYOTI, D. Multiplicity and its discontents. In: Gender, n. 37, Boulder, University of Colorado, 2003.         [ Links ]

LAURETIS, T. The practice of love. Bloomington: Indiana Uni. Press, 1994.         [ Links ]

LIPSZYC, C. Xenofobia contra mujeres. Texto capturado na Internet em maio 2005, no site www.undp.org.br/unifem.         [ Links ]

MARTES, A. C. B. Imigrantes Brasileiros em Massachussets. Tese, 1998.         [ Links ] NEGRI, A & HARDT, M. Empire. Cambridge: Harvard University Press, 2000.         [ Links ]

ONG, A. Flexibile Citizenship: the cultural logics of transnationality. Durham: Duke University Press, 1999.         [ Links ]

PESSAR, P. & MAHLER S. (2001). Gender and Transnational Migration. The Center of Migration and Development: University of Princenton.         [ Links ]

SALES, T. Brasileiros longe de casa. São Paulo: Cortez, 1999.         [ Links ]

SANTOS, B. Modernidade, identidade e cultura de fronteira. In: Revista Critica de Ciências Sociais. n. 38, Coimbra, 1993.        [ Links ]

SASSEN, S. Women Burden: Counter geographies and the feminization of Survival. In: Journal of International Affairs. n. 53, 2000.        [ Links ]

_______. The Global City. Princenton: Princenton University Press, 1999.         [ Links ]

URRY, J. Mobile Cultures. Lancaster, UK: Department of Sociology Lancaster University, 1999.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: loreleygg@gmail.com

Recebido em 25/07/2006
Aceito em 19/09/2006

 

 

* UFPB - Prodema e PPGS
1 Entrevistas aplicadas por Assis em 2001 para pesquisa coordenada por Teresa Sales, que tem o objetivo de analisar as redes sociais nas cidades de origem dos fluxos de brasileiros para os EUA. Relatório final (2001). Entrevistas aplicadas por Assis em 2006 para pesquisa coordenada por ela mesma sobre a segunda geração que vive em Boston
2 Transnacionalidade faz parte de uma família de categorias classificatórias pelas quais as pessoas se localizam geográfica e politicamente (RIBEIRO, 2000, p. 95)
3
Ver SAYAD, A imigração
4
Ver PENNA, Relatos de migrantes
5 Ver SIGNORINI, Linguagem e identidade
6
Hobsbawm, na Era do Capital, 1848-1875, faz uma das mais brilhantes análises sobre as migrações que se deram nesse período, tanto as internacionais como as internas, discutindo seu caráter permanente ou temporário, o retorno migratório e a importância das migrações na formação das cidades e de novas nações e sociedades que emergiam (HOBSBAWM, 1977)
7 Folha de São Paulo, 18/08/ 2002
8
O imigrante passa a ser chamado de transnacional quando desenvolve e mantém múltiplas relações, como familiares, econômicas, sociais, organizacionais, religiosas e políticas, as quais ampliam as fronteiras, colocando em inter-relação o global e o local (SCHILLER, BASCH e BLANC-SZATON, 1992)
9 Ver tabela anexa
10
Ver tabela anexa

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons