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Psicologia Escolar e Educacional

versión impresa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.5 n.2 Campinas dic. 2001

 

ARTIGOS

Dificuldade de aprendizagem em escrita, memória e contradições

 

Writing learning disabilities, memory and contradiction

 

 

Adriana Regina Marques de Souza1*; Fermino Fernandes Sisto2**

*Universidade Paulista

**Universidade São Francisco

Endereço para correspondência


RESUMO

Neste estudo, investigou-se as possíveis relações entre memória e contradições, comparando-se crianças de 2a. e 3a. séries do ensino fundamental com e sem dificuldade de aprendizagem em escrita. De 200 crianças 80 foram selecionadas pelo Adape (Avaliação de dificuldades na aprendizagem da escrita), sendo 40 crianças de segunda séries e 40 crianças de terceira séries. O nível de memória dos sujeitos foi obtido através da técnica II da prova de memória de configuração serial simples e para as contradições utilizou-se a prova do cheio e do vazio. Os resultados apresentaram significância entre nível de memória e desempenho na escrita, indicando que a instabilidade do nível intermediário produziu uma maior quantidade de erros. Quanto à contradição, a possibilidade de sua resolução, na terceira série, sugeriu uma diminuição significativa de erros.

Palavras-chave: Dificuldade de aprendizagem, Desenvolvimento cognitivo, Memória, Contradição.


ABSTRACT

The possible relations among memory, contradiction and writing learning disabilities were studied in 80 second and third grades children of elementary school, comparing children with and without learning disabilities. 80 out 200 children were selected by the Adape (Writing learning disabilities Evaluation), 40 from the second grades and other 40 from the third grades. The subjects’ level of memory was assessed by the technique II of the simple serial configuration memory task and the level of contradiction by the full and empty task. The results showed significant differences between the level of memory and writing achievement, suggesting that the intermediate level instability produced more errors. In relation to the contradiction, its resolution possibilities suggested a great error diminution among the third grade children.

Key words: Learning disabilities, Cognitive development, Memory, Contradiction.


 

 

INTRODUÇÃO

A escrita iniciou-se na comunidade primitiva, demonstrando a capacidade do homem em abstrair o desenho visual do meio ambiente e dar-lhe representação gráfica. Tornou-se o registro que preserva o patrimônio cultural de uma sociedade, além de importante meio de transmissão e comunicação através dos tempos. Esse instrumento revolucionou o processo educativo, privilegiando os que tinham acesso a ele, e na história do ser humano muito fato importante não foi armazenado, perdendo-se sua memória.

A memória é importante para nossa noção de ser e para a capacidade de conceituar e adaptar-se às transações do mundo. Para a criança, a memória faz tudo isso e muito mais. Sem ela, não pode desenvolver nem mesmo conceitos básicos de realidade que de alguma forma representam o passado, de modo que interprete o presente. Em sentido mais amplo, pensando como Flavell, Miller e Miller (1999), tudo o que a criança armazenou, seu conhecimento adquirido a respeito do mundo, é memória. E num sentido mais restrito a lembrança de listas, palavras ou letras para escrever, também é memória. Tanto a memória ampla quanto a restrita influenciam a aprendizagem e melhor condição de vida.

O fracasso escolar é, sem dúvida, um dos mais graves problemas com o qual a realidade educacionalbrasileira vem convivendo há muitos anos. Sabe-se que tal situação se evidencia praticamente em todos os níveis do ensino do país, porém, ocorre com maior freqüência nos primeiros anos da escolarização. Dentre os inúmeros fatores relacionados ao fracasso escolar estão as dificuldades de aprendizagem, sério problema na nossa realidade. Em quase todas as salas de aula das escolas públicas do ensino fundamental encontram- se crianças com sintomas de dificuldades de aprendizagem em escrita, há muitos anos atingindo um grande número de alunos e, por isso, têm sido motivo de preocupação e objeto de pesquisa.

As pesquisas sobre os fatores geradores dos problemas de aprendizagem em escrita referem-se aos de ordem biológica, psicológica, pedagógica e social, tornando complexo seu estudo minucioso. A dificuldade de aprendizagem em crianças é identificada pela não reprodução de atividades anteriormente aprendidas e solicitadas sempre que necessário. As crianças que não armazenarem ou reterem as informações recebidas não serão capazes de evocar o que a atividade determina e, em decorrência, terão alta probabilidade de serem apontadas como crianças possuidoras de dificuldade de aprendizagem. Também não poderão organizar a informação com a qual estão entrando em contato, caso ela não seja retida em seu sistema cognitivo. Nessa condição de armazenar o anteriormente percebido e organizado, pode-se dizer que a memória depende da atenção e da percepção, responsáveis pela seleção do que deverá ser utilizado posteriormente, armazenado e integrado com os conhecimentos existentes.

O estudo da escrita inclui processos de planejamento das mensagens, organização textual, revisão do texto, processo de construção sintática e recuperação de elementos léxicos, com os subprocessos de recuperação de grafemas, seja por via fonológica ou indireta, seja por via ortográfica ou direta visual. Os processos motores incluídos são essenciais para a aquisição do sistema de escrita, e estão intimamente ligados ao sistema de memória. Quando Dockrell e McShane (1995) analisaram as dificuldades de aprendizagem nesse particular, preocuparam- se com os aspectos psicopedagógicos e recorreram aos estudos dos fatores de ordem cognitiva, mostrando que a memória é fator sempre presente. Mais especificamente, problemas relacionados à memorização, consolidação, retenção, rememorização e recordação da informação são freqüentes em crianças com dificuldades de aprendizagem.

Nas últimas décadas do século XIX, de acordo com Greeg (1976) e Ehrlich (1979), foram realizados os primeiros estudos experimentais ligando a memória à aprendizagem. Os trabalhos que mais se destacaram foram os de Ebbinghaus (1885), Müller e Schuman (1894) e de Müller e Pilzecker (1900). Esses estudos analisaram a aprendizagem, utilizando listas de palavras ou sílabas sucessivas destacando a primeira sílaba de cada grupo e proporcionando aos sujeitos investigados associar as primeiras aprendizagens com as demais, o que traria uma economia de tempo para a aprendizagem.

Ebbinghaus (1885) foi o primeiro estudioso a desenvolver um método sistemático para a aprendizagem de sílabas sem sentido, com palavras semelhantes, mas sem nenhum significado particular. Seu objetivo era estudar como a memória humana funciona quando utiliza materiais não aprendidos anteriormente. Mais recentemente, Ackerman e Woltz (1994), Morro (1994) e How e Courage (1998) investigaram as diferentes habilidades e características das tarefas de aprendizagem e suas motivações. Os resultados desses trabalhos trouxeram uma discussão sobre a questão de compreensão e entendimento em diferentes aprendizagens relacionadas com a memória.

Valendo-se do pressuposto de que a memória está ligada à aprendizagem, Swanson (1993), Macinnis (1995), Montgoery (1996) e How e Courage (1998) estudaram a memória, relacionando-a à aprendizagem e às suas dificuldades. Os resultados revelaram que os sujeitos com dificuldade no processo de memória apresentavam dificuldades em aprender. Por sua vez, os estudos de Torgesen (1991), Swanson & Trahan (1992), Short (1993), Mauer (1996), Isaki (1997) assinalaram que crianças com dificuldades de aprendizagem têm dificuldade em lembrar, colocar em ordem e processar informações e estratégias de aprendizagem.

O armazenamento na memória de trabalho, de acordo com Banddeley e Hitch (1974); Banddeley (1986); Blake e cols. (1994), Dockrell e McShane (1995), Smith (1995); Cowan (1996); Magila (1997), serve para processar informações em um nível superior. Capaz de solucionar alguns problemas relativos à compreensão da linguagem, aprendizagem e raciocínio, diferencia-se da memória de curto prazo por utilizar as informações recebidas e controlar a entrada no sistema. A memória de longo prazo, de acordo com Banddeley (1986), é relativamente permanente, cabendo a ela monitorar os estímulos nos registros sensoriais e providenciar espaço para as informações que provêm da memória de curto prazo, necessárias para aprendizagem.

Por isso, Garcia (1995) alerta que devem ser considerados importantes para a construção da escrita os seguintes componentes: a) o sistema semântico ou memória de longo prazo dos significados das palavras, sejam faladas ou escritas, pois, partindo dos significados, serão ativados a memória das formas fonológicas das palavras ou léxico-fonológicos e o depósito de pronúncia, que estão na memória de curto prazo; b) o mecanismo de conversão de fonema e de grafema, que permitem a tradução, aplicando as regras fonológicas de uma língua concreta, de qualquer palavra, seja familiar ou não, ou pseudopalavra.

No caso de evocação da ortografia, Garcia (1995) acrescenta que os grafemas não estão traduzidos em movimentos, por isso é necessário que ocorra a seleção dos alógrafos, na memória de longo prazo, e que devem ser levados à memória de curto prazo ou operativa, para que se processe a seqüência, direção, tamanho e proporção das letras e traços a serem traduzidas em movimentos motores, perceptivos. Essa abordagem da aprendizagem em escrita permitiu também sedimentar as idéias apresentadas por Ajuriaguerra (1984,1988) e Furtado (1998) nas quais a tarefa da escrita não se resume apenas ao âmbito percepto-motor, mas é uma atividade complexa, que exige memorização, conservação, consolidação, retenção e evocação da informação interiormente recebida.

Segundo Flavell, Miller e Miller (1999), estudiosos da memória compartilham a visão de Piaget de que o armazenamento é construção e a recuperação é reconstrução. E tanto o armazenamento quanto a recuperação envolvem uma grande quantidade de preenchimento de lacunas, à medida que o indivíduo tenta alcançar uma representação da informação. Mais especificamente, há uma diferença substancial entre a memória tradicionalmente pesquisada e os trabalhos a esse respeito feitos por Piaget, que a coloca no contexto do desenvolvimento cognitivo, relacionado à estruturação de um sistema cognitivo de cunho operatório. Trata-se de uma memória no contexto da construção de uma estrutura operatória e uma reconstrução avaliada com base na operatoriedade do sistema de recordação.

No contexto da construção e reconstrução, os estudos de Piaget (1974) sobre a contradição demonstram que o homem entra em perturbações, desequilíbrio cognitivo, ou conflito, sendo incapaz de resolver determinadas questões até que as contradições envolvidas sejam superadas. A superação das contradições traz o equilíbrio necessário à resolução de situações ou problemas anteriormente difíceis de serem resolvidos. E quando superadas, o organismo alcança um equilíbrio majorado em sua estrutura e se o mesmo problema for proposto ao sujeito para ser resolvido em uma situação futura, não haverá mais contradição, ou não causará mais conflitos, como antes, para ser resolvido.

Fazendo um paralelo, as crianças nas escolas têm enfrentado inúmeras dificuldades de aprendizagens, que as levam a contradições, nem sempre superadas para aquisição de novas aprendizagens. Haveria alguma relação entre a memória de reconstrução e a contradição com as dificuldades de aprendizagem, quando as crianças se enfrentam com a aquisição da escrita em nossas escolas?

Na análise dos estudos que visam o desenvolvimento cognitivo é importante ressaltar que a pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1986) sugere que não foi possível encontrar uma explicação para a relação entre conservação e progresso na alfabetização. Em outra pesquisa, Ferreiro (1987) conclui que para que a criança chegue ao estágio final do desenvolvimento da escrita ela precisa negar os aspectos fonológicos e silábicos. Isso permite sugerir que a criança não mais se fundamenta nas afirmações que lhe são evidentes, mas precisa superar essa forma de raciocínio que tem provocado contradições no desenvolvimento da escrita. De fato, ela teria de enfrentar as afirmações e suas negações, em outros termos, lidar com as contradições.

Considerando a importância das negações construídas na superação das contradições em situação de aquisição da escrita, julgou-se oportuno um estudo para obter maiores esclarecimentos sobre tais relações. Esse contexto constitui-se em uma lacuna a ser esclarecida, colocando uma problemática diferente dos estudos comumente realizados, principalmente porque a literatura não registra estudo que relacione as contradições, do ponto de vista do funcionamento psicológico, com as dificuldades de aprendizagem da escrita. Ao lado disso, o mesmo fato ocorre com a avaliação da memória no contexto do sistema operatório. Assim, propôs buscar maiores esclarecimentos na teoria de Piaget em relação à memória, contradições e dificuldades de aprendizagem da escrita. Em termos mais específicos, o presente estudo pretendeu pesquisar as possíveis relações entre os níveis de memória e contradição e a dificuldade de aprendizagem em escrita, em crianças de 2a. e 3a séries do ensino fundamental.

 

MÉTODO

Sujeitos

A pesquisa contou com 200 crianças, de ambos os sexos, freqüentando segundas e terceiras séries, com idade entre 9 e 11 anos, incluindo o estudo piloto e treinamento pessoal. Delas, 175 foram submetidas ao Adape e 80 foram selecionadas distribuídas da seguinte forma: 40 crianças de segundas séries, sendo 20 crianças com dificuldades de aprendizagem em escrita e 20 sem dificuldades; e outras 40 crianças de terceiras séries, sendo 20 com dificuldades de aprendizagem em escrita e 20 sem dificuldades.

Essas crianças estudavam em tempo integral, um período freqüentando uma instituição, Programa de apoio, integração e desenvolvimento às crianças e aos adolescentes (Campus Unicamp, SP), e no outro período freqüentavam uma escola da rede pública de ensino.

Instrumentos, material e critérios de classificação

Para realizar a pesquisa, foi utilizado o instrumento Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (Adape), uma prova de memória e uma de contradições.

Dificuldades na Aprendizagem da Escrita (Adape)

O Adape (Sisto, 2001) contém 114 palavras e foi aplicado para identificar as dificuldades dos alunos em escrita. O meio utilizado foi o ditado, como uma forma objetiva de avaliar a dificuldade de aprendizagem em linguagem escrita de crianças do ensino fundamental, que pode ser aplicado individual ou coletivamente. Nesta pesquisa foi aplicado coletivamente. Esse instrumento possui validação de critério e suas medidas de precisão acusam 0.9789 para a prova Spearman- Brown das duas metades e 0.9892 o valor de alfa. O ditado foi corrigido por palavras e foi contado o número de erros de cada sujeito.

As crianças foram classificadas, em dois grupos, de acordo com seu desempenho na escrita. O primeiro grupo constou de 25% das crianças que tiveram pior desempenho na escrita; e o segundo grupo incluiu 25% das crianças que obtiveram melhor desempenho na escrita.

Memória

Para detectar os níveis de memória de cada sujeito foi aplicada individualmente a técnica II da prova de Memória de configuração serial simples, proposta por Piaget (1973). Na primeira sessão foi mostrada uma série de dez reguinhas em ordem decrescente e pedido para que o sujeito descrevesse o que estava vendo. Na segunda, uma semana depois da primeira, foi pedido para a criança reproduzir com gestos (indicações digitais sobre a mesa) o que tinha visto na primeira sessão e, em seguida, que fizesse um desenho dessa representação.

As crianças foram classificadas em três níveis, de acordo com o seu desempenho na evocação das palavras por meio da memória gestual e desenho da série apresentada na semana anterior. Nível I, crianças com desenho sem nenhum ordem ou com comprimentos iguais. Nível II, crianças com desenhos com pares mais ou menos iguais entre si (um grande um pequeno, um grande um pequeno, etc), ou dicotomia de conjunto (série de grandes iguais, seguidas de pequenos iguais e um grande), ou séries de ordem exata, mas com poucos elementos. Nível III, crianças com evocação da série exata, ou seja, todas réguas no sentido correto e acabado.

Contradição

Para o estudo das contradições, utilizou-se a prova do cheio e do vazio, apresentada por Piaget (1974). Essa prova representa os caracteres positivos e negativos habituais em objetos familiares, como no caso do material que essa prova utiliza, qual seja, três garrafas contendo água em níveis diferentes: a primeira garrafa com água até três quartos, a segunda garrafa até a metade e a terceira com um quarto de água. O experimentador começa a prova quando o sujeito reconhece que as garrafas de água estão quase cheia, metade cheia e quase vazia.

Nessa prova os sujeitos foram classificados em três níveis com base na análise das respostas das questões da série C: C1: “será que uma garrafa pode estar ao mesmo tempo totalmente cheia e totalmente vazia?” C2: “... metade cheia e metade vazia?” C3: “... quase cheia e quase vazia?” C4: “... um pouco cheia e um pouco vazia”? C5: “... quase cheia e um pouco vazia?” C6: “... um pouco cheia e quase vazia?”.

Nível I – Pré-Operatório. O conjunto de respostas dos sujeitos neste nível parece mostrar a assimetria fundamental de termos positivos relativos ao cheio e de termos negativos que se referem ao vazio, dificultando compensações e contradições que resultam do cheio, de modo particular na pergunta chave C2 sobre as “metades“ concebidas como desiguais. Exemplo de respostas dadas pelas crianças nesse nível: “Sim, porque tem um pouco de água assim”. “Não, porque não pode estar na metade cheia e metade vazia”.

Nível II – Intermediário. Início da reversibilidade operatória, sendo normal a compreensão do cheio e do vazio nas questões mais simples como a C2 (Uma garrafa pode estar ao mesmo tempo metade cheia e metade vazia?). Nesse nível há dificuldade de êxito nas questões que se referem ao termo “quase vazia” ou “um pouco vazia”.

Nível III – Operatório. As questões são resolvidas com êxito, indicando que o sujeito tem compreensão da relação entre o positivo e o negativo.

 

PROCEDIMENTO

Foi realizado um estudo piloto em 25 crianças de 2a e 3a séries do ensino fundamental, da mesma instituição na qual a pesquisa foi realizada, a fim de treinar o experimentador para avaliar e adequar a utilização dos instrumentos.

O desenvolvimento da pesquisa, propriamente dita, constou de duas partes. Na primeira, para seleção dos sujeitos, foi aplicado o Adape. Foram classificados 80 sujeitos com e sem dificuldades de aprendizagem em linguagem escrita. Na segunda, os sujeitos selecionados passaram por mais duas etapas individuais.

Na primeira etapa, realizou-se a primeira sessão da prova de memória, com a duração de dez minutos. Na segunda etapa, após uma semana da primeira sessão, houve a segunda sessão para o término da prova de memória, com duração de quinze minutos; e a prova das contradições, com duração aproximada de 15 minutos. Na segunda sessão, a ordem das duas provas foi alternada aleatoriamente.

 

RESULTADOS

Memória

Os resultados dos estudos, obtidos pela análise de variância, envolveram os níveis de memória e desempenho na escrita, independentemente da série e depois separados por séries, com o objetivo de verificar se houve diferença significativa entre essas variáveis.

Dos 40 sujeitos da segunda série do ensino fundamental, 10% deles encontravam-se no nível 1 de memória, 62,5% dos sujeitos encontravam-se no nível 2 de memória e 27,5% dos sujeitos no nível 3. Quanto aos 40 sujeitos da terceira série do ensino fundamental, 5% dos sujeitos foram classificados no nível 1 de memória, 60% dos sujeitos no nível 2 e 35% no nível 3. Assim, verificou-se que a menor parte dos sujeitos foi classificada no nível 1, na segunda e terceira séries e a maior parte, no nível intermediário.

Independentemente das séries, as crianças do nível 1 em memória obtiveram média de 25,43 de erros, em relação ao desempenho na escrita e desvio padrão de 27,16; enquanto o grupo que se encontrava no nível 2 apresentou média de erros no ditado de 47,50 e desvio padrão de 40,80; já o grupo de sujeitos do nível 3 em memória apresentou 37,89 de média de erros no ditado e 36,96 de desvio padrão. Dessa forma, observou-se a tendência das crianças de nível 2 em memória a apresentarem mais erros na escrita, seguidas das crianças do nível 3. Essas diferenças entre níveis de memória e desempenho na escrita apresentaram significância estatística (F=4,4424, p=,015).

Com o objetivo de estudar a relação entre os níveis de memória e desempenho na escrita em crianças de segundas séries do ensino fundamental, verificou-se que as crianças classificadas no nível 1 apresentaram média de erros na escrita de 41,75 e desvio padrão de 25,32; as crianças classificadas no nível 2, média de erros de 50,32 e desvio padrão de 44,43; e as crianças do nível 3 apresentaram média de 27,36 e desvio padrão de 30,66. Assim, foram as crianças do nível 2 de memória que representaram o maior número de erros e, desta feita, as crianças do nível 3 realizaram o menor número de erros no ditado. No entanto, os resultados estatísticos (F= 1,271, p=0,292) indicaram que o nível de memória não foi fator diferenciador para o desempenho na escrita na segunda série do ensino fundamental. Embora a média de erros das crianças de nível 3 seja menor que a dos outros dois níveis, podese dizer que, no geral, as diferenças podem ser atribuídas ao acaso.

Nas terceiras séries, os dados mostraram que as crianças classificadas no nível 1 em memória apresentaram média de erros na escrita de 3,67 e desvio padrão de 2,89; enquanto as crianças do nível 2 apresentaram média de 44,43 com desvio padrão de 37,20; e as crianças do nível 3 apresentaram média de 19,43 e desvio padrão de 18,24. Considerando esses resultados, observou-se que as crianças do nível 1 e 3 em memória apresentaram media de erros na escrita inferior ao das crianças que se encontram no nível 2 de memória, nível de oscilação e transição de memória, como na segunda série. Entretanto, as de nível 1, na terceira série, foram as que tiveram a menor quantidade de erros, diferentemente das crianças da segunda série. Os resultados da análise de variância indicaram que essas diferenças não podem ser atribuídas ao acaso, pois são significativas (F=4,341,p=0,021).

Sintetizando os dados apresentados, pode-se afirmar que as médias de erros de escrita para cada nível de memória, na segunda série, apresentaram diferenças que não foram significativas, mas as diferenças foram significativas na terceira série e independentemente das séries estudadas, com uma nítida tendência das crianças de nível intermediário a apresentarem maior número de erros no ditado.

Contradições

A análise dos dados foi feita por análise de variância, considerando os níveis de contradição e desempenho na escrita, independentemente da série e depois separados por série.

Os dados das classificações dos sujeitos de segunda e terceira séries conjuntamente indicaram que 70% deles estavam no nível 1, o que implica condutas das mais elementares ante as contradições; 16,5% tiveram condutas do nível 2 das contradições; e 13,5% já haviam superado as contradições, pois suas condutas puderam ser classificadas no nível 3. Por sua vez, dos 40 sujeitos da segunda série do ensino fundamental, 75% estavam no nível 1 das contradições, 7,5% no nível 2 e 12,5% foram classificados no nível 3. E, finalmente, dos 40 sujeitos da terceira série, 65% deles achavam-se no nível 1 das contradições, 25% no nível 2 e 2,75% no nível 3. Com base nesses dados, pôde-se observar pequenas diferenças entre ambas as séries.

Independentemente da série, as crianças do nível 1 em contradição tiveram média de erros de 44,29 na escrita e desvio padrão de 38,01; enquanto o grupo que se encontrava no nível 2 apresentou média de 26,00 e desvio padrão de 29,47; e o grupo de sujeitos do nível 3 teve 19,36 de média de erros na escrita e 31,83 de desvio padrão. Constatou-se nessas médias uma tendência de crianças com condutas mais elementares para enfrentar as contradições a apresentar maior número de erros na escrita e das crianças que resolvem as contradições, menor número de erros. Apesar disso, esses dados não são significativos estatisticamente (F=3,256, p=0,053).

As crianças de segunda série, classificadas no nível 1 em contradição, apresentaram média de erros na escrita de 46,70, com desvio padrão de 39,15; as crianças do nível 2 tiveram média de erros de 45,33 com desvio padrão de 59,77; e as do nível 3, uma média de erros de 27,00 na escrita e 38,61 de desvio padrão. Assim, as crianças do nível 3 de contradição foram as que apresentaram o menor número de erros, seguidos do nível 2 e, por fim, as do nível 1, ainda que entre esses dois últimos níveis a diferença tenha sido pequena. No entanto, o resultado da análise de variância (F= 0,678, p= 0,514) indicou que os níveis de contradição não diferenciaram significativamente as crianças por erros de escrita na segunda série do ensino fundamental. Embora a média de erros das crianças de nível 3 seja menor que a dos outros dois níveis, pode-se dizer no geral que as diferenças podem ser atribuídas ao acaso.

Na terceira série, as crianças do nível 1 de contradição apresentaram média de erros na escrita de 41,50 com o desvio padrão de 37,22; as do nível 2 mostraram uma média de 20,20 e desvio padrão de 14,22; e as crianças do nível 3, média de 6,00 e desvio padrão de 33,18. Por essas médias, constatou-se que quanto mais elementar as condutas para enfrentamento das contradições, maior o número de erros na escrita, ao mesmo tempo em que quanto mais evoluídas as condutas de enfrentamento das contradições, menor o número de erros na escrita. A análise de variância indicou que essas diferenças são estatisticamente significativas (F= 3,256, p=0,050).

Em suma, pode-se afirmar que houve diferença significativa estatisticamente entre contradição e desempenho na escrita apenas nas crianças da terceira série do ensino fundamental. Ainda que as tendências dos dados fossem similares também com crianças de se gundas séries e independentemente de séries, estatisticamente puderam ser atribuídas ao acaso. A tendência dos dados indicou que conforme as crianças vão superando as contradições, seu desempenho na escrita também vai melhorando.

 

CONCLUSÃO

A memória tem se apresentado como necessária à aprendizagem da escrita, até mesmo porque para escrever é necessário que em algum momento passado o sujeito tenha armazenado informações, grafemas, fonemas, a serem evocados quando a escrita é solicitada. E com uma certa regularidade, a literatura tem indicado que as crianças com dificuldades de aprendizagem apresentam um certo rebaixamento da memória (Griffin, 1991; Torgesen, 1991; Swanson e Trahan, 1992; Short, 1993; Swanson, 1993; Macinnis, 1995; Mauer, 1996; Isaki, 1997; How & Courage, 1998).

Neste estudo, os níveis de memória foram aferidos com base na teoria de Piaget, que apresenta um diferencial por ser averiguada com base em situações relacionadas a estruturas cognitivas de cunho operatório, ou seja, estar associada ao desenvolvimento de estruturas lógicas do pensamento. Pensando na memória como construção, Piaget (1973) defende que a memória de evocação está diretamente relacionada com a capacidade de reconstrução: no caso da escrita, para que a criança utilize e evoque o que fora anteriormente aprendido, reorganizando-o para escrever, ela necessita de uma boa capacidade de memorização, evocar corretamente as informações necessárias e recombiná-las até que seu vocabulário esteja automatizado, o que não é o caso da criança em processo de aquisição do instrumental da escrita, objeto deste estudo.

Nos três estudos feitos, por séries ou independentemente delas, sempre foram as crianças de nível intermediário em memória de reconstrução de um esquema operatório as que apresentaram maior número de erros no instrumento utilizado para avaliar o desempenho na escrita. É possível interpretar que a instabilidade que caracteriza o nível intermediário pode ser observada em uma maior produção de erros na escrita de crianças que estão adquirindo o sistema de escrita.

A presença ou ausência desse tipo de memória, a seu turno, parece estar relacionada a um menor número de erros ainda que de formas diferentes. Assim, para as crianças de segunda série, sua presença (nível 3) está vinculada a uma produção semelhante de erros em relação aos outros níveis (não houve diferença significativa estatisticamente), enquanto na terceira série e independentemente da série sua presença (nível 3) está vinculada a uma maior produção de erros e sua ausência (nível 1) a uma menor produção de erros.

Por esses dados, pode-se interpretar que as crianças com memória de reconstrução de uma seqüência logicamente organizada (nível 3) apresentam uma maior produção de erros na escrita, se comparadas com as crianças sem indícios dessa memória (nível 1). O que ressalta nesses dados é a sugestão de que a escrita por meio de um ditado está menos relacionada à reconstrução de uma seqüência lógica, mas que uma reconstrução em um nível intermediário é pior ainda.

As formas de enfrentamento de contradições não têm sido verificadas, ou pelo menos a literatura não tem registrado esse tipo de estudo. Quando superadas as contradições, os sujeitos são capazes de realizar reversibilidades, identidade e compensações entre as afirmações e negações, entre as regras e exceções. Ainda que a tendência encontrada seja comum às crianças nos três estudos feitos, quais sejam, as crianças de segunda série, as de terceira e independentemente de séries, apenas na terceira série os dados indicaram significação estatística. A tendência sugere uma diminuição de erros conforme o sujeito resolve melhor as contradições. Assim, essa forma de raciocínio talvez também esteja possibilitando a construção da escrita de forma mais adequada.

Para a aquisição da escrita é preciso construir e utilizar-se de um pensamento flexível capaz de reverter e agrupar situações, adequando-se à não linearidade, característica dos mecanismos para transformar os fonemas em grafemas, quando não há regularidade na relação fonema-grafema. Em termos da contradição, é necessário que a criança possa aceitar que um mesmo som pode ser representado de maneiras diferentes, mas que é constante na mesma palavra (da mesma forma que aceita que uma garrafa pode estar meio cheia e meio vazia ao mesmo tempo, ou um pouco cheia e muito vazia).

As crianças, independentemente de terem ou não dificuldades de aprendizagem, podem apresentar defasagens em relação a aspectos cognitivos, o que impossibilitaria a realização correta das tarefas, pois o sistema cognitivo do sujeito é responsável em processar e organizar as informações para posteriormente utilizá-las com êxito na execução de tarefas. As contradições são provocadas e superadas em interação com o meio. Desse modo, as crianças antes mesmo de entrarem na escola, confrontam-se com a realidade e esforçam-se para compreender a linguagem escrita, como um sujeito ativo no processo e construção da escrita e o ambiente escolar devem contribuir para uma melhor construção.

As contradições ocorrem no raciocínio, possibilitando a relação entre os conhecimentos adquiridos. Assim, se a capacidade de recuperar informações estiver com flutuações, e se o sujeito não superar suas contradições, ele não fará uso de um raciocínio flexível, capaz de fazer antecipações e atingir novos estágios de equilíbrio em relação aos conhecimentos adquiridos. Essa configuração cognitiva pode significar dificuldade de aprendizagem.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
R. Cyrenia Arruda Camargo – 560. Parque São Quirino.
Campinas, SP. Cep: 13088-560.
e-mail: adrianareginasouza@bol.com.br

Recebido em: 16/10/2001
Revisado em: 12/12/2001
Aprovado em: 22/02/2002

 

 

1 Mestre em Educação pela UNICAMP e Docente da UNIP.
2 Livre Docente da UNICAMP e Docente da Universidade São Francisco.