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Psicologia Escolar e Educacional
versión impresa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.7 n.1 Campinas jun. 2003
HISTÓRIA
Entrevista com a Profa. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza
Entrevistadora: Profa. Dra. Elenita Tanamachi
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA é docente do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É membro da equipe técnica do Serviço de Psicologia Escolar e mais recentemente coordena o Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar USP/UNESP - Bauru. Participa da Diretoria da ABRAPEE e é psicóloga conselheira do Conselho Federal de Psicologia. Desde 1978 atua na área educacional, organizando pelo menos duas publicações na área “Psicologia Escolar: em busca de novos rumos” juntamente com a psicóloga Adriana Marcondes Machado e “Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos” com as Profas. Dras Elenita Tanamachi e Marisa Rocha ambas editadas pela Casa do Psicólogo Editora. Por sua atuação na área de Psicologia Escolar, convidamos para ser a nossa entrevistada deste número da Revista Psicologia Escolar e Educacional.
Tanamachi: Como ocorreu sua aproximação com a Psicologia Escolar?
Souza: Minha aproximação com a área de educação teve início no curso de Psicologia da Universidade de São Paulo, quando, em 1976, cursei as disciplinas Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem I e II, ministradas pela Profas. Dra. Maria Helena Souza Patto e Marlene Guirado. Nesse mesmo ano, passei a lecionar no Ensino Fundamental e pude, pela primeira vez, analisar a escola a partir das discussões que versavam na área naquele momento. Para entender melhor a escola e a docência, cursei ainda as disciplinas de Licenciatura na Faculdade de Educação da USP, que eram optativas, e continuei na docência no Ensino Médio como professora da disciplina “Psicologia da Educação” em Curso de Habilitação para o Magistério na E.E. Fernão Dias Paes, em São Paulo. Embora tivesse deixado minha cidade, Santos, para me tornar psicóloga clínica, verificava, a cada dia, que a área de Educação era a que de fato fazia sentido atuar como psicóloga. Continuei no magistério e em 1985 regressei à Universidade de São Paulo, agora enquanto psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar, exercendo, de fato e pela primeira vez, a função de psicóloga escolar. Passei a trabalhar com uma equipe de jovens psicólogas Adriana Marcondes Machado, Cintia Copit Freller, Silvia Helena Vieira Cruz, Beatriz de Paula Souza e Ana Maria Curto Rodrigues. Coordenadas pela Profa. Maria Helena Souza Patto nosso projeto de trabalho era o de pensar uma outra forma de atuação em psicologia escolar que levasse em conta as críticas feitas naquele momento ao modelo adaptacionista de atuação psicológica na área educacional bem como as críticas à teoria da carência cultural enquanto explicação para os baixos índices de rendimento escolar.
Tanamachi: Como se deu sua formação profissional na área?
Souza: Creio que a formação profissional nunca termina, a cada dia estamos nos formando, questionando nosso olhar, nossas crenças. Mas do ponto de vista da trajetória na área, considero que minha formação se deu principalmente no trabalho realizado nas escolas (como docente e como psicóloga escolar), no grupo de trabalho do Serviço de Psicologia Escolar e no curso de Pós- Graduação em Psicologia Escolar. Estar na Universidade foi fundamental pois pudemos ler os trabalhos de Maria Helena Souza Patto, as produções acadêmicas na área, conhecer mais profundamente os autores da Psicologia Institucional, participar dos primeiro debates sobre o Construtivismo, acompanhar as políticas educacionais, fazer pesquisa, ler pesquisas.... Participar desse grupo de trabalho, das reuniões semanais de discussão da equipe, repensar o estágio supervisionado oferecido aos alunos de graduação, ler, estudar, compartilhar a efervescência da Universidade em tempos de redemocratização política e, principalmente, conhecer as escolas públicas da região próxima à USP foram fundamentais para minha formação nesta área de atuação. Realizei minha formação em nível de Pós-graduação no IPUSP sob a orientação da Profa. Maria Helena Patto, nos níveis de Mestrado e Doutorado, aprofundando minha formação área da pesquisa educacional.
Tanamachi: Fale sobre as experiências mais significativas nesses anos de trabalho na área de Psicologia Escolar.
Souza: São muitas as experiências significativas, mas principalmente destaco o trabalho em grupo no Serviço de Psicologia Escolar e as discussões visando implementar uma proposta de atuação psicológica centrada na crítica ao modelo adaptacionista de Psicologia Escolar e compreendendo a queixa escolar no âmbito das relações institucionais que a produzem. Foi em 1987 que escrevemos nosso primeiro texto, explicitando um pouco mais nossa crítica sobre as explicações relativas ao baixo rendimento das crianças nas séries iniciais, indicando alguns caminhos para a atuação profissional em psicologia, intitulado “A questão do rendimento escolar: subsídios para uma nova reflexão”, publicado na Revista da Faculdade de Educação em 1989. E desse momento em diante, consideramos fundamental centrar nossas ações em três frentes: discutir nossa prática profissional à luz de referenciais críticos em psicologia e em educação, ampliar nossa formação acadêmica em nível de pós-graduação e divulgar nossas reflexões sobre a área para educadores e psicólogos. Durante os últimos quinze anos temos também trabalhado junto à formação continuada de professores da rede estadual paulista e em cursos de formação de psicólogos e profissionais da área da saúde que recebem encaminhamentos com queixa escolar. O convívio com a rede escolar nos levou a discutir profundamente a situação de escolarização de crianças e adolescentes que freqüentam as classes especiais para deficientes mentais leves na rede estadual paulista, fazendo com que nos aproximássemos do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e iniciássemos um grupo de trabalho e discussão questionando a avaliação psicológica e propondo alternativas para a avaliação da queixa escolar.
Tanamachi: Que questionamentos marcaram a partir da década de 1980 a produção de seu trabalho e do seu conhecimento sobre área?
Souza: Creio que os meus questionamentos se mesclam com os questionamentos da área de Psicologia Escolar do IPUSP. A Maria Helena inaugurou uma concepção teórico-metodológica para a área de Psicologia Escolar: uma forma de conceber a área de conhecimento em Psicologia Escolar na perspectiva históricocrítica, bem como indicando elementos para a atuação profissional em uma perspectiva crítica. Esse trabalho tem início com “Psicologia e Ideologia” e aprofunda-se com a Tese de Livre-Docência de 1987 intitulada “A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e de rebeldia”. Essa obra passou a ser a nossa referência de trabalho e a questão do fracasso escolar assumiu lugar de destaque na área educacional. São inúmeros os convites que recebemos nessa ocasião para discutir esta questão em vários eventos no Brasil, de sindicatos a universidades, de pequenos grupos a grandes platéias de educadores e psicólogos. O fracasso escolar entrou de fato na pauta das discussões acadêmicas, sindicais e políticas. A partir desse momento, o número de pesquisas no IPUSP na linha de pesquisa Psicologia Escolar/ Educacional passou a receber um número maior de pesquisadores interessados em estudar e conhecer mais profundamente o cotidiano escolar. Com o meu doutoramento em 1996, pude também ingressar na Pós- Graduação e nos últimos anos tenho orientado vários trabalhos que discutem o cotidiano escolar em uma perspectiva crítica de Psicologia Escolar. Ou seja, podemos dizer hoje que temos uma área de pesquisa em expansão, um conjunto de conhecimentos que vem se consolidando por meio do estudo e da pesquisa. Os alunos de Psicologia podem hoje contar com uma certa literatura na área que não existia há vinte anos atrás.
Tanamachi: Qual é hoje, a seu ver, concretamente a situação da Psicologia Escolar? Quais seriam as questões teórico-práticas presentes na relação entre Psicologia e Educação no momento atual?
Souza: Creio que a década de 1990 é marcada pela busca da identidade do psicólogo que atua na área educacional/ escolar. Há vários trabalhos de pesquisa discutindo essa questão. Creio que hoje começamos a delinear mais claramente não apenas o que não somos, mas sim o que somos e o que queremos. Creio que temos mais claramente delimitadas as finalidades do nosso trabalho em educação. Lutamos para produzir um conjunto de relações sociais e institucionais que constituam uma escola de qualidade social para todos. Construímos alguns elementos que constituem uma prática profissional comprometida com uma escola democrática e dentro de princípios éticos. Temos claro que o compromisso social implica em um compromisso político pela emancipação humana. Nossa atuação deve se pautar na reflexão, no questionamento das práticas educativas e psicológicas que impeçam o desenvolvimento humano. Quando a crítica feita em Psicologia e Ideologia foi apresentada, muitos psicólogos diziam que isto não era psicologia. Hoje temos claro que a crítica é um elemento fundamental do trabalho do psicólogo. Não há psicologia sem a conquista da crítica.
Tanamachi: Diante do exposto, qual seria a definição possível para a Psicologia Escolar hoje? Quem é o psicólogo escolar hoje?
Souza: A Psicologia Escolar constitui-se ainda hoje em uma área que compreende diversas abordagens teóricas. Isto é, ela é uma área da Psicologia e como tal vive internamente os mesmos dilemas da Psicologia enquanto área de conhecimento: a fragmentação em diversas perspectives teóricas. Em nosso trabalho enquanto psicólogos escolares, optamos por uma abordagem que compreende o fenômeno psicológico enquanto constituído pelos determinantes sociais e históricos de uma sociedade datada e constituída a partir de relações de exploração. O fenômeno psicológico é, portanto, um fenômeno datado, instituído e instituinte das relações sociais em uma sociedade de classes. Consideramos a escolarização como um processo vigente na sociedade atual e que precisa ser entendido na complexidade das relações sociais dessa mesma sociedade. As contradições existentes na sociedade também comparecem na escola e também comparecem na formação e atuação do profissional de psicologia. Caberia a nós explicitá-las para nós mesmos e procurar superá-las juntamente com educadores, pais e alunos. Finalizando, considero que temos muito a oferecer à escola e à educação ao constituirmos um espaço de mediação que não é pedagógico, mas que inclui o pedagógico e que considera que é possível que haja a apropriação das finalidades da educação por aqueles que têm a educação enquanto finalidade humana e social. Caberia ao psicólogo atuar nessa mediação entre o indivíduo e a educação, possibilitando a construção de uma escola mais digna e de qualidade social. E quanto mais pudermos ampliar pesquisas na área de Psicologia Escolar/Educacional e reflexões críticas sobre nossa prática profissional, mais poderemos trabalhar na direção de uma formação profissional crítica e de uma atuação na área educacional que contribuam para a construção de políticas públicas coerentes com as necessidades sociais.