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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.15 no.1 São Paulo abr. 2013

 

PSICOLOGIA CLÍNICA

 

Percepções de psicólogos da saúde em relação aos conhecimentos, às habilidades e às atitudes diante da morte

 

Health psychologists' perceptions about their knowledge, skills and attitudes regarding death

 

Percepciones de psicólogos de la salud en relación a los conocimientos, habilidades y actitudes ante la muerte

 

 

Roberta Albuquerque Ferreira; Nadielle de Paula Moura Lira; Ana Luiza Nogueira Siqueira; Elizabeth Queiroz

Universidade de Brasília, Brasília - DF - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A inserção do psicólogo na área da saúde trouxe para esse profissional uma demanda de trabalho com a morte, não diretamente atendida por sua formação. O presente estudo objetivou identificar a percepção de psicólogos que atuam em hospitais vinculados à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, quanto aos conhecimentos, às habilidades e às atitudes relacionados à morte. Participaram da pesquisa 15 psicólogos de quatro hospitais, que responderam a uma entrevista semiestruturada. Os dados foram analisados em categorias temáticas. Foram identificadas as seguintes categorias: formação para o trabalho com a morte; aspectos pessoais relacionados à morte; impacto da morte no profissional e na equipe; aspectos que acarretam desgaste físico e/ou emocional; a realidade do trabalho com a morte. O sofrimento vivenciado diante da morte de pacientes e das respostas dos familiares traz a necessidade de formação dirigida para o tema, tanto para os psicólogos quanto para os demais profissionais que compõem a equipe de saúde.

Palavras-chave: atitude diante da morte; assistência terminal; educação em saúde; relações profissional-paciente; relações profissional-família.


ABSTRACT

Psychologists insertion on hospitals brought a demand not directly supplied by professional education - working with death and dying. The purpose of this study was to identify the perception of psychologists working in hospitals linked to the Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, about their knowledge, skills and attitudes regarding the subject of death. Semi-structured interviews were made with 15 psychologists from four different hospitals. The data was then analyzed in thematic categories. The following categories were identified: professional education to work with death, the personal attitude regarding death, the impact of death on the professional and its team, matters that leads to physical and/or emotional distress and the reality of the work with death. The pain experienced beneath the patient's death and the family´s response makes necessary an educational supply that addresses to this subject - for psychologists and all health professional composing the team.

Keywords: attitude to death; terminal care; health education; professional-patient relations; professional-family relations.


RESUMEN

La integración de los psicólogos en el área de la salud ha traído a este profesional una demanda de trabajo con la muerte, no atendida directamente por su formación. Este estudio ha tenido como objetivo identificar la percepción de psicólogos que trabajan en hospitales vinculados con el Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, en relación a los conocimientos, habilidades y actitudes sobre la muerte. Quince psicólogos de cuatro hospitales respondieron una entrevista semi-estructurada. Los datos se analizaron en categorías temáticas. Se identificaron las siguientes categorías: la formación para el trabajo con la muerte, los aspectos personales relacionados con la muerte, impacto de la muerte en el profesional y en el equipo, temas que causan desgaste físico y/o emocional y la realidad del trabajo con la muerte. El sufrimiento generado por la muerte de los pacientes y por las respuestas de la familia provoca la necesidad de formación dirigida para el tema, de los psicólogos y todos los profesionales que componen el equipo de salud.

Palabras clave: actitud frente a la muerte, cuidado terminal, educación en salud, relaciones profesional-paciente, relaciones profesional-familia.


 

 

A crescente participação do psicólogo em equipes de saúde resultou no confronto direto com a morte e o morrer, já que, em sua formação profissional, há pouco contato com esses acontecimentos. A complexidade desses processos, sua inevitabilidade e os estudos da área trazem a necessidade de que sejam examinados, a fim de que pacientes e familiares não sejam afetados pela ausência de preparação para lidar com tais circunstâncias e consequente negação da morte por parte da área técnica.

Ferreira, Queiroz, Lira e Siqueira (2009) realizaram um levantamento de nove instituições de ensino de psicologia com nota cinco no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2006. Procuraram, em cada currículo acadêmico, a existência de disciplinas específicas e/ou tópicos em outras disciplinas que abordassem a temática da morte e do morrer, bem como a presença ou ausência de disciplina de psicologia da saúde e sua obrigatoriedade ou não nos currículos. Foram identificadas poucas disciplinas ligadas à saúde e, mais especificamente, ao trabalho do profissional de psicologia com a morte. Até mesmo em disciplinas relacionadas à área da saúde o tema morte não está incluído em seu conteúdo programático. Isso evidencia a necessidade de que o assunto seja inserido nos currículos dos cursos de graduação de psicologia do país.

Kovács (1992) defende que a morte representa um tópico de suma importância para reflexão, sensibilização e questionamentos para o psicólogo, pois o profissional terá de lidar com essa temática nos variados campos de atuação, particularmente no contexto hospitalar, onde o confronto entre vida e morte é cotidiano. O psicólogo que deseja lidar com pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura deve ter uma boa compreensão e aceitação do processo de morrer para ser capaz de ajudar o outro a morrer. A clareza para lidar com a morte, tema que constitui um tabu na cultura ocidental, facilita seu trabalho junto à equipe e aos pacientes (Gorayeb, 2001).

Franco (2008) destaca que, por ser parte da equipe multiprofissional que atua na área de cuidados paliativos, a contribuição do psicólogo se dá em diversas atividades, a partir de preceitos advindos de uma visão biopsicossocial da saúde. Suas ações não se restringem ao paciente, mas devem incluir a família e a equipe, uma vez que esta necessita manter o equilíbrio nas suas relações e encontrar vias de comunicação que permitam a troca e o conhecimento, considerando os diferentes saberes.

Diversos autores propõem objetivos para intervenção na fase terminal (Kovács, 2003; Oliveira, Voltarelli, Santos, & Mastropietro, 2005; Souza & Boemer, 2005). De forma simplificada, os objetivos centrais de uma intervenção psicológica nessa fase são atender às necessidades emocionais da pessoa, considerando seus medos e ansiedades diante do sofrimento, da deterioração física e da iminência da morte; facilitar o processo de tomada de decisões e resolução de possíveis problemas pendentes; apoiar a família para lidar com as emoções ante a morte e a separação; apoiar a própria equipe de saúde envolvida com a atenção ao paciente terminal para que possa lidar melhor com a frustração e possíveis sentimentos de perda com a morte desse paciente; colaborar para que o tratamento oferecido à pessoa em fase terminal respeite sua dignidade e favoreça sua qualidade de vida. Tais objetivos trazem para o profissional a necessidade constante de reavaliação de seus valores, processo ainda mais difícil quando não há um embasamento teórico que suporte a prática terapêutica.

Os cursos de formação dos profissionais da área de saúde só recentemente têm criado oportunidades e condições para a discussão sobre a morte na vida humana. Muitos jovens profissionais, entre eles o psicólogo, ainda são treinados para controlar seus sentimentos e não se envolver com os pacientes (Kovács, 2003).

O despreparo decorrente de uma formação que não abarca questões ligadas à morte e ao morrer pode prejudicar o alcance de boa parte dos requisitos definidos como necessários para o encaminhamento adequado de uma intervenção. O psicólogo bem fundamentado teoricamente pode, por exemplo, contribuir no esclarecimento à equipe e aos familiares acerca da relevância da inclusão do paciente no processo de tomada de decisão relativo ao seu tratamento e na abordagem direta aos pacientes após comunicação de diagnóstico ou prognóstico. Outro aspecto da formação do futuro profissional de psicologia que merece destaque se refere ao seu relacionamento com os pacientes. É preciso identificar fatores psicossociais - e lidar com eles - que podem interferir em sua adesão e enfrentamento nos processos inerentes à morte na vida humana (Ferreira & Queiroz, 2010).

Diante disso, o presente estudo buscou identificar a percepção de psicólogos da saúde que atuavam em hospitais da rede pública do Distrito Federal, em relação aos conhecimentos, às habilidades e às atitudes relacionados à morte, e, com tal identificação, contribuir para o exame a respeito da formação do psicólogo da saúde, apontando sugestões para a capacitação desse profissional.

 

Método

Trata-se de estudo exploratório e de natureza qualitativa, realizado com psicólogos que atuavam em quatro hospitais da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, na cidade de Brasília. A amostra foi selecionada por conveniência, a partir do interesse e da disponibilidade dos profissionais que compunham as equipes das quatro instituições.

Foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturado específico para este estudo, constituído por seis tópicos: dados pessoais, formação acadêmica e atuação profissional, atividades desempenhadas no hospital, avaliações do trabalho, morte no contexto de trabalho e visão pessoal sobre a morte.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, sob o protocolo de nº 367/08. Após a aceitação, o núcleo de psicologia de cada um dos hospitais foi contatado para a apresentação da pesquisa e de seus objetivos aos possíveis participantes. Durante a exposição do projeto, coletaram-se os dados para contato com os psicólogos interessados em participar.

As entrevistas foram marcadas individualmente em horário e local de escolha dos profissionais. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram entrevistados em salas privadas dentro dos respectivos hospitais. As entrevistas duraram em média 45 minutos, variando de 23 a 84 minutos. Todas as entrevistas foram registradas em gravador de áudio digital, transcritas e submetidas à análise de conteúdo (Bardin, 2011).

Os tópicos do roteiro de entrevista foram agrupados dentro de categorias específicas, tendo sido selecionadas para análise as cinco categorias diretamente relacionadas aos objetivos do estudo. Cada uma das categorias foi dividida em subcategorias temáticas, compostas pelas verbalizações representativas do conteúdo expresso. As subcategorias foram reunidas seguindo o critério de sua recorrência e levando-se em consideração a frequência dos relatos. O Quadro 1 mostra as categorias e subcategorias, com o número total de verbalizações.

 

Discussão dos resultados

Participaram do estudo 15 psicólogos, dos quais 13 eram do sexo feminino. A idade média dos participantes era de 38 anos, variando de 27 a 58 anos. Considerando a religião, cinco entrevistados (33,3%) assinalaram adotar o espiritismo, e sete (46,6%), a religião católica. Três participantes referiram não seguir nenhuma religião.

Quanto à formação acadêmica, a análise do tempo decorrido, desde o término da graduação até o momento da coleta de dados, mostrou que a média do período de formação foi de 13 anos com variação de cinco a 28 anos. Cinco dos psicólogos entrevistados (33,3%) concluíram o curso de graduação há mais de 15 anos.

Em relação à formação em pós-graduação, sete profissionais possuíam cursos na área de saúde, sendo seis de especialização e um de mestrado. Os outros oito possuíam formação na área clínica. Quanto à frequência em eventos científicos na área da saúde, verificou-se que sete psicólogos (46,6%) relataram participar periodicamente de congressos e simpósios e também de encontros e cursos na área.

Constatou-se, ainda, que cinco psicólogos (33,3%) atuavam somente em enfermarias, quatro (26,6%) apenas no ambulatório e seis (40%) nos dois locais. Os psicólogos atuavam com as seguintes equipes: cirurgia vascular e ortopedia/trauma (1), clínica médica (1), geriatria (1), maternidade de alto risco (1), neurocirurgia (1), oncologia (2), onco-hematologia pediátrica (2), pediatria (3), queimados (1). Dois psicólogos disseram não atuar em uma especialidade exclusivamente.

A análise da caracterização da amostra evidencia um grupo majoritariamente feminino, com certa heterogeneidade relativa à idade e ao tempo de formação, e grau de especialização considerável, na área clínica ou de saúde, e, aproximadamente, metade de seus membros frequenta periodicamente eventos científicos. Nota-se que a maioria da amostra referiu fazer parte da religião católica e/ou espírita, fator que pode ter balizado suas opiniões acerca do tema abordado no presente estudo. Finalmente, considerando o contexto de atuação no hospital e a área de especialidade, é possível observar que há demandas para o trabalho dos psicólogos tanto no ambulatório quanto na enfermaria de diversas especialidades, o que demonstra a amplitude de atuação do campo.

A seguir, são descritas as cinco categorias identificadas nos relatos dos profissionais, por ordem de frequência das verbalizações:

Categoria 1: Formação para o trabalho com a morte

Das 18 verbalizações relacionadas aos conhecimentos necessários para o trabalho com a morte, nove se referiram ao conhecimento técnico que incluiria o aprendizado sobre comunicação de más notícias, estratégias de enfrentamento adotadas por pacientes, familiares e equipe diante da morte, luto e luto antecipatório, reação das pessoas a perdas e visão filosófica acerca da finitude. O estudo do luto e da temática da morte e do morrer já foi explicitado por Marwit (1997) como conhecimento importante no preparo do profissional para atuação junto a pacientes terminais.

Cinco psicólogos destacaram a importância do conhecimento de espiritualidade e religiosidade para o trabalho com a morte, tendo em vista a concepção de que religião pode influenciar a adoção de determinadas estratégias de enfrentamento em pacientes e familiares. Junqueira e Kovács (2008) verificaram que o suporte de uma crença, seja religiosa ou científica, é percebido como uma maneira de superar a dificuldade de se lidar com o morrer. Ainda, segundo quatro psicólogos entrevistados, para que o profissional lide bem com a perda de seus pacientes, é necessário que ele identifique a forma como lida com as mortes que vivencia e com a própria ideia de finitude.

Quando abordados sobre o momento adequado para inclusão da referida temática, quatro profissionais sugeriram o período de final do curso, enquanto dois referiram que esse tema deveria ser frequentemente discutido. Quatro psicólogos defende-ram a criação de uma disciplina específica, dos quais três consideram que tal matéria deveria ser obrigatória. Outros quatro manifestaram a opinião de que essa temática fosse contemplada especialmente na disciplina de psicologia da saúde ou de psicologia hospitalar. Além disso, quatro profissionais posicionaram-se favoráveis à criação de tópicos específicos dentro de outras disciplinas.

No que diz respeito à avaliação do preparo técnico para lidar com a morte, sete psicólogos se consideraram preparados, dos quais quatro atribuíam tal conhecimento à experiência prática. Um entrevistado relatou ter obtido tal preparo pela busca de embasamento teórico, e outro indicou que, apesar de se perceber capacitado para o trabalho com a morte, não considerava a tarefa fácil. Em contrapartida, quatro profissionais não se avaliavam preparados para essa atividade. Quatro participantes manifestaram dificuldades para avaliar o próprio preparo e até mesmo questionaram se isso era possível.

Tonetto e Rech (2001, como citado em Junqueira & Kovács, 2008), em uma pesquisa com psicólogos que atuavam com pacientes em fase terminal, verificaram que o preparo deve favorecer um bom nível de autoconhecimento, constante autoavaliação de aspectos emocionais, boa tolerância à frustração e ao inacabado, saber lidar com o afeto, conhecimento teórico e contínuo aperfeiçoamento.

Quando solicitados para avaliar a formação acadêmica, oito entrevistados acreditavam que foi escassa ou muito insuficiente para as demandas da atuação. Dentre eles, quatro participantes relataram a necessidade de obter qualificação além da oferecida pela graduação. Três entrevistados afirmaram que a academia apenas norteia a formação, sendo a prática a maior responsável pela qualificação do profissional. Apenas dois psicólogos avaliaram a formação como satisfatória. Os dados obtidos corroboram os de Junqueira e Kovács (2008) com alunos do curso de psicologia, que evidenciaram a defasagem na grade curricular do curso. Em função dessa lacuna, o aluno acaba se tornando responsável pela busca de informação sobre a morte, elaborando suas perdas significativas ou procurando participar de algum curso fora do âmbito da universidade.

Apenas três psicólogos consideraram relevante a inclusão da temática morte no currículo de graduação. Para dois deles, a pertinência do estudo da morte está condicionada à escolha da área de atuação. Essa questão é controversa se considerarmos que outro psicólogo questionou se seria pertinente abordar tal assunto, em virtude do caráter emocionalmente oneroso associado a esse tema.

Categoria 2: Aspectos pessoais relacionados à morte

Houve diversidade nos comportamentos citados quanto à vivência do processo de morte e morrer: trabalhar o processo de luto na psicoterapia (N = 5); buscar filmes e livros que abordem o tema (N = 5); desabafar verbalmente ou por escrito (N = 4); conversar com profissionais mais experientes e/ou buscar supervisão (N = 3); fazer orações (N = 2); procurar experiências de vida intensas e significativas (N = 2); estar em contato com os familiares enlutados (N = 2); selecionar as lembranças boas e os aspectos positivos da pessoa perdida (N = 2).

A morte é referida por seis psicólogos como uma etapa de um processo de continuidade para além da morte, como o início de outra vida ou de uma vida eterna. Cinco profissionais concebiam a morte como o fim da vida. Três participantes manifestaram dúvidas quanto à própria conceituação de morte, enquanto dois psicólogos analisaram a morte com naturalidade, como algo necessário.

Seis entrevistados afirmaram ter algum tipo de medo em relação à morte, entre eles o medo de morrer lentamente, dependendo de cuidados; morrer com dor; morrer cedo demais ou sem realizações. De oito entrevistados que declararam não ter medo da morte, um afirmou temer a morte de terceiros, e outro considerou o impacto de sua morte nos familiares.

É importante frisar que o conteúdo dessa categoria corrobora a ideia de Gorayeb (2001) de que a excelência no trabalho com a morte pressupõe a identificação de crenças dos profissionais sobre o processo de morrer. Tais concepções assinalam também as condições diante das quais o profissional será capaz de se relacionar empaticamente com pacientes, familiares e a equipe.

Categoria 3: Impacto da morte no profissional e na equipe

Em relação às reações da equipe multiprofissional diante da morte de um paciente, foi possível observar, nas verbalizações da subcategoria (N = 22), que, em razão da dificuldade da equipe para lidar com a morte, os profissionais entrevistados são, muitas vezes, requeridos a informar o óbito à família, a lidar com as suas emoções e a dar soluções para os problemas que a equipe encontra na relação com os familiares, tarefas que não são de sua exclusiva responsabilidade. O psicólogo, dessa forma, tem sido solicitado a intervir em casos nos quais a equipe não se sente preparada ou habilitada para atuar. Para os entrevistados, os psicólogos são convocados não necessariamente para dar suporte, mas para resolver uma dificuldade da equipe por não compreender que determinadas reações do paciente e da família diante da morte são esperadas.

Vinte verbalizações indicaram fatores que influenciam o modo como os psicólogos reagem emocionalmente à morte de seus pacientes: a relação constituída com o paciente, a identificação com a história de vida deste, o que o paciente representava para os familiares, o tempo de acompanhamento, o tipo de morte (se prevista ou súbita) e a sua própria concepção de morte. Para Franco (2003 como citado em Silva, 2009), é comum que o profissional de saúde estabeleça uma relação diferenciada com determinados pacientes. A autora alerta que, dependendo da natureza do vínculo formado, a reação do psicólogo à morte dos pacientes pode ser acompanhada de uma resposta de luto que pode causar muito sofrimento.

Os profissionais entrevistados mencionaram sentir tristeza diante da morte do paciente, devido à perda deste e ao sofrimento vivido por seus familiares, mas também alívio por verem que o sofrimento do paciente cessou junto com sua morte. Além disso, referiram sentimentos de impotência, inconformismo e revolta, o que denuncia a importância de um preparo emocional para lidar com a morte.

Acompanhar o sofrimento vivido pelo grupo familiar gera dor, compaixão, angústia e incômodo em nove profissionais, cujas verbalizações abarcam a subcategoria "Reação do psicólogo diante do sofrimento da família". Foi mencionada a dificuldade em separar os próprios sentimentos das emoções manifestadas pelos familiares. Em relação a tal fato, Silva (2009) destaca que as reações dos profissionais podem se assemelhar às dos próprios pacientes e das famílias destes, gerando um acúmulo que torna desafiador o oferecimento de suporte no momento de luto.

Para os psicólogos entrevistados, é importante não se envolver excessivamente com o sofrimento dos familiares a fim de se proteger de uma situação que evoca intensas emoções e para garantir um cuidado que corresponda às necessidades de todas as pessoas envolvidas. Segundo eles, essa atitude não significa uma desumanização das relações, nem um descaso com a dor das famílias. Contudo, Kovács (2003) assegura que essa postura pode comprometer a atuação profissional.

Categoria 4: Aspectos que acarretam desgaste físico e/ou emocional

O principal aspecto destacado pelos profissionais como causador de desgaste referiu-se às condições do ambiente físico e relacional do ambiente de trabalho: a falta de recursos físicos e de estruturação das atividades (N = 8), a carência de recursos humanos (N = 3), o excesso de demandas e de burocracia no serviço público (N = 2). Tais dados revelam problemas estruturais relacionados ao sistema público de saúde brasileiro, os quais comprometem a qualidade do serviço prestado à população e repercutem na qualidade de vida desses profissionais.

Acompanhar o sofrimento do paciente e de sua família adiciona intensidade ao desgaste do profissional, visto que sua atuação pressupõe o manejo do vínculo estabelecido entre os envolvidos, inclusive a equipe (N = 5). Para quatro psicólogos entrevistados, lidar com pacientes com doenças graves e com possibilidades terapêuticas reduzidas produz um sentimento de impotência e acarreta desgaste emocional e físico.

Embora indicado por apenas um profissional, outro aspecto identificado como gerador de estresse foi a desarticulação entre os membros da equipe e a dificuldade de implementar de fato um trabalho interdisciplinar, em virtude do desconhecimento por parte dos profissionais de saúde dos papéis e das tarefas de cada membro, especialmente dos psicólogos. Franco (2008) destaca a importância da atuação do profissional de psicologia como mediador, promovendo a troca de saberes entre as diferentes áreas da equipe. Não foi evidenciado relato de experiências que privilegiem o trabalho em equipe. Nesse sentido, é importante que seja estimulado o contato entre os seus membros a partir da apresentação dos objetivos de atuação da psicologia nesse contexto.

Categoria 5: A realidade do trabalho com a morte

Quanto às possibilidades de intervenção do profissional ante a morte, cinco psicólogos ressaltaram o trabalho de preparação para a morte, incluindo o luto antecipatório de pacientes e familiares. O apoio para resolução de conflitos (N = 1) e a postura de "estar ao lado" do paciente e de sua família, disponibilizando o tempo necessário (N = 2), também foram citados como possibilidades de atuação nesse contexto.

Destaque também foi dado, por dois psicólogos, à importância do acolhimento, da sensibilidade e da empatia. Lidar com a morte exige dos profissionais habilidades não meramente técnicas, mas também interpessoais. É importante que o paciente se sinta apoiado e compreendido, aspecto da formação do futuro profissional de psicologia de difícil execução (Ferreira & Queiroz, 2010).

Para sete psicólogos, é primordial que a equipe discuta condutas para o paciente fora de possibilidades terapêuticas de cura. Contudo, vale ressaltar que o significado da morte para cada profissional e os seus sentimentos em relação a esse tema também devem ser incluídos nesse tipo de discussão. Assim, recomenda-se a realização de grupos de discussão nos locais de trabalho dos profissionais entrevistados não só entre os psicólogos, como também entre todos os membros da equipe (Hoffmann, 1993; Kovács, 2003; Oliveira, Brêtas, & Yamaguti, 2007).

O tema da morte suscita uma das angústias existenciais mais intensas, envolvendo em graus variados todos os seres humanos. Em decorrência da sensibilidade humana a esse tema, é imprescindível estar atento para que, no vínculo com o paciente, o profissional não evoque ainda mais angústia sem promover uma resiliência proporcional.

Quanto à formação de psicólogos para o trabalho com a morte, faz-se necessária a inclusão do tema nos currículos de graduação, com enfoque de aspectos não só teóricos e práticos, mas também para o desenvolvimento de habilidades e competências interpessoais. Os dados revelaram que a vivência da morte provoca desgaste, uma vez que o sofrimento dos pacientes e familiares se reflete na vida dos próprios profissionais que se afligem não apenas com a inevitabilidade da morte, mas também com seu despreparo para lidar com essa demanda.

Embora o objeto desta pesquisa tenha sido o trabalho do psicólogo, sugere-se que os profissionais de saúde, em especial aqueles que têm contato frequente com a morte, obtenham algum acompanhamento, seja em supervisão, grupos organizados pelas instituições ou apoio psicoterapêutico individual, para que tenham a oportunidade de trabalhar suas angústias e as emoções advindas dos vínculos estabelecidos com pacientes e familiares. O trabalho preventivo deve ser priorizado, e não a reparação de danos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Elizabeth Queiroz
Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia
Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul
Brasília - DF - Brasil. CEP: 70910-000
E-mail: bethqueiroz@unb.br

Submissão: 4/3/2011
Aceitação: 20/09/2012