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Psic: revista da Vetor Editora
versión impresa ISSN 1676-7314
Psic v.8 n.1 São Paulo jun. 2007
ARTIGOS
Evidência de validade de critério para o Teste de Criação de Metáforas
Criterion validity evidence for the Metaphor Creation Test
Evidencia de validez de criterio para el Teste de Criação de Metáforas
Monalisa Muniz *; Fabiano Koich Miguel **; Gleiber Couto ***; Ricardo Primi ****; Tatiana Freitas da Cunha *****; Débora Pereira Barros ******; Maria Beatriz Zanarella Cruz *******
Universidade São Francisco
RESUMO
Nesse estudo objetivou-se estudar a validade de critério para o Teste de Criação de Metáforas. Na literatura encontra-se a produção de metáforas como uma variável associada à criatividade. Hipotetizou-se que profissionais que atuam como publicitários na área de criação apresentariam idéias consideradas melhores metaforicamente e, conseqüentemente, mais criativas. Participaram do estudo oito publicitários, sendo 75% homens, com idade média de 28 anos, que compuseram o grupo critério. Um segundo grupo foi composto por 45 profissionais de diversas áreas, de ambos os sexos, sendo 67% homens e com média de idade de 34 anos. Ambos os grupos responderam ao Teste de Criação de Metáforas de forma individual. Os resultados indicaram que o grupo critério apresentou idéias de melhor qualidade e maior quantidade de metáforas, ou seja, apresentaram idéias com maior metaforicidade, o que tende a indicar maior criatividade. Assim, foi encontrada uma evidência de validade de critério para o Teste de Criação de Metáforas.
Palavras-chave: Criatividade, Teste psicométrico, Publicidade.
ABSTRACT
The aim of this study was to investigate the criterion validity for the Metaphor Creation Test. According to the literature, the creation of metaphors is a variable associated with creativity. The initial hypothesis was that professionals who work as advertisers with the creation of advertisement would present ideas with more metaphoricity, and consequently with more creativity. The criterion group was composed by eigth advertisers, 75% male, with average age of 28. A second group was formed by 45 professionals of several areas, 67% male, with average age of 34 years. Both groups answered the Metaphor Creation Test individually. The results indicated that the criterion group presented ideas with better quality and a higher quantity of metaphors, which means they presented ideas with more metaphoricity, indicating a higher level of creativity. Therefore, a criterion validity for the Metaphor Creation Test was found.
Keywords: Creativity, Psychometrical test, Advertising.
RESUMEN
En este estudio el objetivo fue estudiar la validez de criterio para el Teste de Criação de Metáforas. En la literatura se encuentra la producción de metáforas como una variable asociada a la creatividad. Fue hipótesis del estudio que profesionales que actúan como publicitarios en el área de creación presentarían ideas consideradas mejores metafóricamente y, por consiguiente, más creativas. Participaron del estudio ocho publicitarios, siendo75% hombres con promedio de edad de 28 años, que formaron el grupo criterio. Un segundo grupo fue formado por 45 profesionales de varias áreas, de ambos sexos y siendo 67% hombres y con promedio de edad de 34 años. Los dos grupos respondieron al Teste de Criação de Metáforas de forma individual. Los resultados indicaron que el grupo criterio presentó ideas de mejor calidad y una mayor cantidad de metáforas, o sea, presentaron ideas con mayor metaforicidad, lo que tiende a indicar una mayor creatividad. Así, fue encontrada una evidencia de validez de criterio para el Teste de Criação de Metáforas.
Palabras clave: Creatividad, Test psicométrico, Publicidad.
Introdução
A criatividade é uma característica inerente ao ser humano e pode manifestar-se nos mais diversos campos de ação. O interesse pelo desenvolvimento de pesquisa na área de criatividade, contudo, é relativamente recente. Em 1950, Guilford, citado por Alencar e Fleith (2003), destacou a necessidade de desenvolver mais pesquisas sobre esta dimensão complexa e importante, fazendo referência ao Psychological Abstracts, publicação americana que apresenta uma relação de estudos de Psicologia publicados em diversas revistas de vários países. Ele havia encontrado que menos de 1% de todos os livros e artigos dos 25 anos anteriores faziam referência ao tema.
Com o desenvolvimento da ciência psicológica, diversas concepções acerca deste construto surgiram, tornando a criatividade um conceito multifacetado (Moraes, 2001). Trata-se, portanto, de um fenômeno multidimensional para o qual são identificadas diversas fontes de origem, tais como o sistema cognitivo, emocional, as relações sociais e interpessoais. Não obstante a multiplicidade de abordagens teóricas, a criatividade costuma ser relacionada à produção de algo novo, que é aceito como útil ou satisfatório. Uma das principais dimensões presentes nas definições implica a emergência de um produto novo, seja uma idéia ou invenção, seja a reelaboração ou aperfeiçoamento de produtos ou idéias já existentes. Torrance, em 1965, citado por Alencar e Fleith (2003), definiu a criatividade como um processo de tornar-se sensível a problemas, deficiências e lacunas no conhecimento, identificar a dificuldade, formular hipóteses e finalmente comunicar os resultados. Segundo Alencar e Fleith (2003), é freqüente a idéia de que a pessoa é vista apenas como criativa ou não, em vez da criatividade ser percebida como uma questão de grau, ou seja, que alguns indivíduos são mais criativos e outros menos. Segundo Braghirolli, Bisi, Rizzon e Nicolletto (2000), um desempenho é considerado criativo se for, além de novo ou original, útil e representar uma solução única para um problema.
Para Lapierre e Giroux (2003), a criatividade é essencial nos negócios, especialmente no campo da alta tecnologia, em que o conhecimento é uma fonte chave. Em sua pesquisa, os autores pretenderam identificar quais fatores estavam relacionados ao potencial criativo. Para tanto, avaliaram 122 sujeitos a fim de examinar o desenvolvimento, a estrutura fatorial, a validade e a fidedignidade de um questionário que media as formas por meio das quais a criatividade é cultivada dentro de empresas de alta tecnologia. Como resultado, os autores encontraram seis fatores relacionados ao funcionamento organizacional: atmosfera de trabalho, colaboração vertical, autonomia/liberdade, respeito, alinhamento e colaboração lateral. Estes fatores foram considerados como preditores válidos e fidedignos da criatividade em organizações de alta tecnologia.
Para Ambrose (1996), as teorias da criatividade coletivamente favorecem um conhecimento rico, porém fragmentado, como base de conhecimento para pesquisa acerca do construto. O autor propõe em sua pesquisa que as investigações acerca do assunto deveriam promover uma integração de diversas teorias de diferentes disciplinas, e que o estudo da metáfora tem o potencial de amenizar essas lacunas entre os conhecimentos disponíveis.
Segundo Schaefer (1970), uma das bases da criatividade é o raciocínio metafórico. A metáfora consiste em um tipo de pensamento usado para criar outro pensamento, ou seja, para comunicar indiretamente. É típico da pessoa criativa a capacidade de observar, lidar ou propor analogias, metáforas e paradoxos, de maneira que perceba características comuns entre elementos que normalmente são considerados distantes.
Para Abrams (1971), metáforas são definidas como comparações implícitas que literalmente não têm denotação e são baseadas num ponto de semelhança entre os termos. Portanto, metáfora, entre as figuras de linguagem, é aquela em que se faz uma comparação direta entre dois ou mais objetos diferentes a partir de qualquer semelhança percebida entre eles. A relação entre a produção de metáforas e o ato criativo é considerada como um fenômeno psicológico, de maneira que a produção de metáforas tem sido utilizada para identificar indivíduos criativos (Schaefer, 1970).
Necka e Kubiak (1989) investigaram os efeitos cognitivos do treino em pensamento metafórico em 52 sujeitos do sexo masculino. Eles examinaram a relação entre o treinamento no reconhecimento de metáforas, na compreensão e na apreciação para um potencial criativo. De acordo com os resultados, a experiência metafórica deve ter mudado a estrutura das categorias cognitivas dos sujeitos, ampliando o espectro de categorias e sua abertura e tolerância a novas informações. Como resultado, eles encontraram que o treino metafórico tendeu a aumentar a criatividade dos sujeitos avaliados.
Segundo Moraes (2001), três visões teóricas dominaram a discussão acerca do conceito da metáfora e uma quarta concepção teórica representou a síntese dos conceitos. A primeira é mais tradicional e visualiza as metáforas como comparações, sendo a base destas entendida como a semelhança entre os termos que ela compartilha. Nesta visão, a metáfora é uma comparação na qual o termo (veículo) é afirmado para caracterizar, por meio de semelhança, outro termo (teor ou assunto). O assunto principal da metáfora é o teor e o assunto secundário, que caracteriza o teor, é o veículo. Por exemplo, na metáfora "a águia é um leão entre os pássaros", tem-se a águia como teor e o leão como veículo. Há dois tipos de metáfora nesta visão teórica, as de similaridade e as de proporção. Na metáfora "ele é uma raposa velha", entende-se que a similaridade entre "pessoa" e "raposa" está baseada no atributo de malícia, que é a base da analogia entre a referência "pessoa" e a palavra substituída "raposa". Já na metáfora proporcional, quatro ou mais elementos da frase são relatados proporcionalmente. No exemplo "os planetas são os elétrons do sol" tem-se a proporção dos quatro elementos, ou seja, núcleo está para os elétrons como o sol está para os planetas. O ponto comum entre eles é a relação de centralidade que um elemento compartilha com o outro.
A segunda abordagem enfoca a distinção entre os termos comparados. Segundo Tourangeau e Sternberg (1982), a visão anômala é definida pelas semelhanças não óbvias entre o teor e o veículo. Nesse sentido, essa teoria define que a metáfora é interpretada em dois estágios. Primeiramente tenta-se a leitura literal e num segundo estágio evocam-se regras para permitir a leitura da frase e a compreensão da metáfora. Na frase "as pessoas que gastam muito não têm os pés no chão", a leitura literal inicial é confusa ou até mesmo não compreensível, pois é complicado encontrar uma relação de similaridade entre "gastar muito" e "pés no chão". Assim, para compreensão da metáfora é necessário evocar regras que esclareçam a relação de similaridade entre "gastar muito" e "pés no chão".
A terceira abordagem mostra que as metáforas são interações entre os termos, ou seja, teor e veículo são dois aspectos da metáfora acentuados igualmente. Na metáfora "homens são lobos", nota-se que ambos são predadores, ou seja, transmite o sentido de competição (Tourangeau & Sternberg, 1982).
A quarta abordagem, proposta por Tourangeau e Sternberg (1982), é denominada Teoria da Interação entre Domínios, e tem como base as teorias anteriores. Esta abordagem sustenta que as metáforas correlacionam dois sistemas de conceitos de diferentes domínios semânticos. Segundo essa visão, não se deve atentar somente para duas coisas particulares, mas sim para os domínios aos quais elas pertencem. Na metáfora "homens são lobos" não se vê somente homens e lobos, mas também se vê o domínio das relações sociais humanas como análogo ao domínio dos animais. Ou seja, nota-se uma característica, como a predatória, que se aplica a um domínio (animais/lobos) sendo análoga à característica competitividade, que se aplica a outro domínio (humanos/homens). Assim, de acordo com essa concepção teórica, o conceito de analogia é importante para a construção da metáfora, contribuindo para a correlação entre sistemas de diferentes domínios semânticos.
Segundo a definição de Sternberg (1977), as analogias são tarefas que envolvem o raciocínio indutivo. Neste tipo de raciocínio, os indivíduos primeiramente devem codificar os termos recuperados na memória de longo prazo e que são atributos importantes para a resolução do problema. Num segundo passo, devem inferir as relações entre os atributos recuperados com a intenção de descobrir uma regra que relacione os dois primeiros termos e, em conseqüência, fazer o mapeamento entre o primeiro e o terceiro termos. Em seguida, essa relação encontrada deverá ser aplicada ao terceiro termo, criando uma alternativa ideal, para posteriormente ser possível comparar as alternativas com a resposta idealizada e responder. Caso o indivíduo não encontre uma alternativa, ele passará a examinar outras alternativas com o objetivo de encontrar uma mais ideal e responder (Moraes, 2001; Tourangeau e Sternberg, 1982). Um exemplo seria o modelo metafórico "X é o Y de Z", como "o camelo é o barco do deserto". Primeiramente, o examinando irá identificar e codificar os termos (camelo e barco), que são recuperados na memória de longo termo, da seguinte maneira para a solução da metáfora: camelo é um animal do deserto e barco é um objeto que se move em superfícies líquidas. Após isto, infere as relações entre os atributos recuperados, mapeando os dois campos de significados com o objetivo de descobrir uma regra que relacione os dois termos. Mesmo havendo uma distância semântica, há uma característica que lhes são similares, qual seja, ambos podem ser meios de transporte. Após esta fase, o examinando aplica a relação encontrada, criando uma alternativa condizente, compara com a resposta idealizada e responde. Caso a alternativa não seja apropriada ao modelo metafórico, o sujeito deverá procurar alternativas com o objetivo de encontrar uma mais adequada e responder.
Em relação à avaliação da criatividade, questiona-se se seria possível medir um construto tão complexo. Plucker e Runco (1998) propuseram em sua pesquisa a discussão de alguns conceitos relacionados à medida da criatividade, os avanços recentes nesse campo, bem como as futuras direções em relação à pesquisa e à prática nessa área. Segundo os autores, a perspectiva psicométrica acerca do estudo do construto é vital, pois consideráveis evidências de validade têm sido coletadas em relação a um diverso conjunto de instrumentos e técnicas de avaliação da criatividade e a melhoria resultante na qualidade dos instrumentos vem abrindo portas para várias áreas de estudo do construto.
Já Kelly (2004) apresentou estudos sobre o desenvolvimento e os parâmetros psicométricos de um instrumento de auto-relato, multidimensional, desenvolvido para a avaliação da criatividade, chamado Scale of Creative Attributes and Behavior (SCAB). Nas suas pesquisas, a autora relatou a consistência interna da escala e diz que a mesma apresentou boa validade de construto por meio da análise fatorial, indicando que a mesma mede um traço estável.
A criatividade também foi investigada por Moraes (2001) em um estudo com 166 universitários portugueses, de ambos os sexos, dos cursos de Letras, Artes e Arquitetura, procurando verificar os processos cognitivos envolvidos. Nesse trabalho, três dimensões integradoras desses processos associadas à manifestação criativa foram analisadas, a saber: o pensamento analógico, definida como um relacionamento de similaridade entre elementos não-similares; o pensamento metafórico, caracterizado pela transposição do significado de um conceito para outro; e a descoberta de problemas por insight, considerada como relevante às competências ligadas ao favorecimento da sensibilidade à informação do meio ambiente.
No que se refere à primeira dimensão, o pensamento analógico, o relacionamento entre os elementos é composto por um domínio-alvo desconhecido, um domínio-base conhecido que ajudará na explicação e uma transferência de informação do domínio-base para o domínio-alvo. A analogia "o núcleo está para os elétrons como o sol para os planetas" seria um exemplo desta primeira dimensão. O domínio-alvo pertence à física, o domínio-base pertence à geografia e a transferência está na formulação do relacionamento entre núcleo e elétrons.
No teste de pensamento metafórico de Moraes (2001), segue-se o formato "X é o Y de Z", por exemplo, "o camelo é o barco do deserto". Contudo, ao oferecer ao examinando cinco alternativas, a autora transformou uma prova de produção divergente em produção convergente, pois o indivíduo busca entre as alternativas aquela que melhor satisfaz a condição. A produção divergente implicaria em respostas diferentes e não a descoberta de uma única resposta. Assim sendo, a autora transformou sua prova de criatividade em uma prova de raciocínio.
Em âmbito nacional, o teste de criatividade de Paul Torrance, formas verbal e figural, adaptado e validado para a população brasileira, é o único disponível atualmente para avaliação desse construto. O instrumento é composto por dois sub-testes: Pensando Criativamente com Figuras e Pensando Criativamente com Palavras. Em relação à pontuação, foram consideradas variáveis como Fluência, Flexibilidade, Elaboração, Originalidade, Analogia e Metáforas. Estas variáveis foram selecionadas por serem consideradas como indicadores cognitivos (Wechsler, 2002).
No Brasil, ainda são poucas as pesquisas em criatividade que apresentam propostas de instrumentos para medi-la. Uma proposta de mensuração seria por meio das metáforas. Assim, o objetivo do presente estudo foi o de buscar evidências de validade para um instrumento que avaliasse a criatividade baseada no raciocínio metafórico. O instrumento utilizado foi o Teste de Criação de Metáforas (Primi e cols., em construção), baseado no modelo empregado por Moraes (2001), porém sem alternativas, ou seja, com a possibilidade de respostas abertas, buscando manter o pensamento divergente. Foram utilizados dois grupos, um com pessoas que trabalham com publicidade e ou outros de áreas diversas. Nesse estudo, pressupôs-se que pessoas que estão no ramo da Publicidade, principalmente os que atuam na área da criação, tenderiam a apresentar respostas mais criativas, já que este tipo de atividade exige essa capacidade.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 53 pessoas divididas em dois grupos, quais sejam, grupo critério e geral. O grupo critério foi composto por oito indivíduos que trabalham com criação em uma agência publicitária de destaque no mercado. Desse grupo, dois eram do sexo feminino e seis do sexo masculino, sendo que a idade variou de 25 a 37 anos com M=28 e DP=4. Todos do grupo critério eram graduados em Publicidade e Propaganda.
O grupo geral foi constituído por 45 participantes, abrangendo 24 administradores de empresas, sete donas-de-casa, dois professores, dois estudantes e um sujeito de cada uma das seguintes profissões: advogado, analista de sistemas, artista plástica, comerciante, médico pediátrico, músico, paisagista, professor de artes, químico e supervisor de manutenção. Com relação ao sexo, nesse grupo 30 eram do sexo feminino e 15 do masculino e a média de idade foi 34 anos com desvio padrão de 12 anos, sendo a idade mínima 14 e a máxima 58. O nível de escolaridade variou do ensino fundamental incompleto ao ensino superior completo. Ressalta-se que esse grupo não é necessariamente composto por pessoas com baixa criatividade, podendo haver sujeitos criativos.
Material
Foi utilizado nesta pesquisa o Teste de Criação de Metáforas (Primi e cols., em construção), que consiste de nove itens. Cada item é composto por uma frase com uma lacuna que deve ser utilizada para a construção de uma analogia. Um exemplo de item é "O cabide é o/a ______ da roupa". A proposta é que o sujeito crie uma relação A:B//C:D. No exemplo dado, "cabide" seria o componente A e "roupa", o componente B. Em cada item existem quatro espaços em branco para o sujeito criar uma metáfora, que seria o componente C da analogia, acompanhado de espaço para a explicação da relação e para a identificação do componente D da analogia. O sujeito é solicitado a criar idéias que mantenham a relação "A está para B, assim como C está D".
Para a correção, os protocolos foram distribuídos entre nove juízes, tomando-se o cuidado para que cada protocolo fosse corrigido por mais de um juiz. Foram analisadas quatro variáveis relacionadas ao teste, quais sejam: Metáfora, referindo-se à metaforicidade, ou seja, a pontuação atribuída para cada idéia C, variando de 0 a 3; Analogia, indicando se a relação A:B//C:D foi composta corretamente; Categorias de Metáfora, indicando quantas idéias distintas o sujeito conseguiu criar para cada item; e Categorias de Não-Metáfora, indicando quantas idéias distintas foram criadas em respostas que não preencheram os requisitos para serem consideradas metáforas.
No que diz respeito à avaliação da metaforicidade, o critério geral utilizado para julgar boas metáforas é que fossem equivalentes e remotas, isto é, preservassem uma estrutura clara de relações entre os termos e com relações distantes. Nesse sentido, foi criado um sistema de pontuação gradual conforme a descrição a seguir.
Pontuação 0
. Uma idéia C que não é metáfora. Ex.: O camelo é o meio de transporte do deserto (idéia óbvia, remoticidade zero).
. Uma idéia C que é um adjetivo de A. Ex.: O camelo é o marrom do deserto.
. Uma idéia C que represente uma associação com somente algum dos termos das idéias apresentadas (A ou B). Ex.: O camelo é o sheik do deserto.
. Uma idéia C cuja relação proposta não explicite a metáfora ou que esteja errada.
Pontuação 1
. Uma idéia C que represente uma metáfora correta, isto é, seja equivalente (r(A:B)=r(C:D)) e medianamente remota. A remoticidade foi julgada a partir da distância entre os campos semânticos da resposta C com as idéias A:B.
. Não é preciso que o D esteja correto para que o sujeito receba pontuação 1. Basta que a idéia C e a relação sejam corretas.
Pontuação 2
. Uma idéia C que atinja o critério para ser Pontuação 1 e que também possua remoticidade avançada e resposta D da analogia correta.
. Embora o critério de remoticidade possa ser baseado na originalidade da idéia (baixa freqüência de ocorrência), nesse momento a remoticidade não foi julgada pelo critério da freqüência.
Pontuação 3
. Uma idéia C que atinja o critério para ser Pontuação 2 e que, além disso, possua remoticidade muito mais avançada.
. Uma idéia que se apresente como muito mais nova e criativa que as respostas que recebem Pontuação 2 ou idéias com duas ou mais relações claras que utilizam idéias concretas e não vagas.
Um estudo de precisão entre avaliadores foi realizado com a finalidade de verificar o grau de concordância para analisar as idéias do teste de metáfora (Primi, Miguel, Muniz & Couto, em preparação). A análise foi realizada de acordo com a Teoria de Resposta ao Item (TRI) por meio do método de Rasch, utilizando-se o software WINSTEPS (Linacre, 2006). A precisão foi calculada pelo modelo da consistência interna utilizando o método de Kuder-Richardson, assumindo cada idéia como um caso e cada juiz como um item de um teste. O número de juízes avaliando cada idéia variou de quatro a nove (M=4,9), um número reduzido, o que leva a uma diminuição no coeficiente de precisão. Essa situação poderia ser comparada à aplicação de um teste contendo apenas de quatro a nove itens para a avaliação de um determinado construto. O coeficiente de fidedignidade das estimativas de metaforicidade das idéias foi de 0,67, o que indica uma precisão moderada, conforme esperado.
Procedimento
O teste foi aplicado de forma individual em apenas uma sessão de aproximadamente 40 minutos. Em relação aos participantes do grupo critério, inicialmente fez-se o contato com uma agência de publicidade e, após o consentimento desta, foram realizadas as aplicações. Todos os sujeitos da pesquisa foram voluntários e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Ressalta-se que a divisão dos grupos foi em função da atividade profissional que exerciam. O critério de inclusão para o grupo critério foi de o indivíduo atuar como publicitário e na área de criação, pois se sabe que essa atividade demanda criatividade.
Resultados e discussão
As análises foram baseadas nas idéias produzidas pelos sujeitos, de maneira que a quantidade de idéias do grupo critério foi de 235 e do grupo geral de 1222. Dessa forma, os resultados obtidos dizem respeito ao montante das idéias. Para que se pudesse investigar se havia diferença no grau de metaforicidade das idéias elaboradas por cada grupo (critério e geral) procedeu-se inicialmente uma análise por meio do método de Rasch.
Utilizou-se o parâmetro Theta, que representa o nível de habilidade dos sujeitos em cada uma das variáveis descritas a seguir. Para a variável Metáfora, o Theta representa a quantidade de acertos nos critérios que definem a qualidade da metáfora, ou seja, o grau de metaforicidade presente em cada idéia; na variável Analogia, o Theta expressa a quantidade de respostas certas na construção de analogias que pode ser interpretado como a habilidade em criar analogias corretas, referentes a cada idéia metafórica; para as variáveis de categoria, o Theta indica a quantidade de idéias diferentes consideradas metáforas e as que não foram. Outros parâmetros utilizados foram Infit e Outfit, que se referem ao ajuste dos parâmetros com o modelo de Rasch. Esses parâmetros foram utilizados para analisar as quatro variáveis do teste. Ressalta-se que nesse estudo adotou-se o valor de 1,2 para os índices de Infit e Outfit serem considerados adequados, conforme sugerido por Wright e Masters (1982). Os valores encontram-se na Tabela 1.
No que concerne aos elementos que compõem a metaforicidade de cada idéia, quais sejam, Metáfora e Analogia, a média de Theta do grupo critério é maior que a encontrada no grupo geral. Esse resultado indica uma melhor qualidade das idéias metafóricas presentes no grupo critério e uma maior capacidade de formular relações analógicas adequadas a partir da idéia proposta. Pode-se observar, ainda, que, na variável Categorias de Metáfora o valor de Theta também é maior, indicando que o grupo critério apresenta um volume de categorias de metáforas maior que o grupo geral. Já em relação às Categorias de Não-Metáfora, a média do Theta foi maior para o grupo geral, o que era esperado, uma vez que essa variável mensura o volume das idéias que não são metáforas. Com relação aos índices de ajuste Infit e Outfit, tanto o grupo criativo quanto o não-criativo apresentaram valores ajustados nos elementos de metaforicidade e nas variáveis de categoria, de acordo com Wright e Masters (1982).
Esses resultados sugerem a interpretação de que o grupo critério produziu um volume maior de idéias de categorias metafóricas diferentes e de melhor qualidade, ou seja, com maior metaforicidade, quando comparado com o grupo geral. Para verificar se as médias entre os dois grupos eram estatisticamente significativas, aplicou-se o teste-t de Student. A Tabela 2 mostra os resultados encontrados.
Os resultados demonstraram que as diferenças de médias entre os dois grupos são significativas, tanto nos elementos que compõem a metaforicidade quanto nas variáveis de categoria. Isso é um indicador de que os sujeitos alocados em ambos os grupos pertencem a populações diferentes, ou seja, os sujeitos do grupo critério pertencem a uma população diferente dos sujeitos do grupo geral. As médias mais elevadas são do grupo de criatividade, exceto a variável Categoria Não-Metáfora, o que, como na análise anterior, já era esperado.
As informações obtidas na Tabela 2 atestam a significância dos resultados encontrados na Tabela 1 e as duas análises sustentam que o Teste de Criação de Metáforas consegue distinguir pessoas criativas e não-criativas. A Figura 1 ilustra as diferenças de média dos Thetas de todas as variáveis entre os grupos.
Considerações finais
O objetivo do estudo foi buscar evidência de validade para o Teste de Criação de Metáforas (Primi e cols., em construção). Para isso, aplicou-se o teste em dois grupos, um composto por publicitários da área de criação e outro constituído por indivíduos que atuam em outras áreas. A hipótese foi a de que os indivíduos que trabalham com publicidade, mais especificamente na área da criação, apresentariam maior índice de criatividade expresso por meio da criação de metáforas, isto é, de idéias metafóricas.
Tendo em vista os resultados obtidos nas análises realizadas, pôde-se confirmar a hipótese inicialmente aventada. Todos os dados indicaram que tanto a qualidade, expressa pelo índice de metaforicidade, ou Theta da variável Metáfora, quanto a quantidade de idéias metafóricas são maiores no grupo critério. Esse resultado foi esperado desde o início, pois os indivíduos que trabalham com publicidade, mais especificamente na área da criação, têm seu trabalho intimamente associado à produção de idéias criativas. Em outras palavras, as idéias precisam ser consideradas interessantes, originais e também úteis no sentido de fazer com que as pessoas gostem e comprem os produtos por elas veiculados. As idéias por eles elaboradas são consideradas como criativas na medida de seu poder de influência em uma comunidade de consumo, avaliadas por sua capacidade de transformação de hábitos e geração de lucro.
Conforme a discussão de Plucker e Runco (1998) sobre as dificuldades para se avaliar a criatividade, pode-se dizer que os resultados visualizados nesse trabalho contribuem abrindo portas para várias áreas de estudo desse construto, mais especificamente relacionado à produção de idéias metafóricas. Outros estudos também contribuíram da mesma forma, como, por exemplo, Kelly (2004) que encontrou validade de construto por meio da análise fatorial, indicando a criatividade como um traço estável. Portanto, as pesquisas demonstraram que apesar da complexidade em sua avaliação, o construto criatividade é passível de mensuração e comprovação empírica.
Diante do exposto, pode-se concluir que a presente pesquisa contribui com uma evidência de validade a partir da relação dos resultados do teste com variáveis externas, nesse caso por meio do desempenho de grupos contrastantes. Sendo assim, o objetivo do trabalho foi atingido. No entanto, ainda são necessárias mais pesquisas para que cada vez mais sejam acumuladas evidências de validade, pois são elas que garantem, juntamente com a precisão, a confiabilidade em um teste. Para futuros trabalhos pretende-se verificar se há diferença significativa para esse teste em relação a idade e o grau de escolaridade, bem como investigar quais outros grupos de profissionais também tendem a apresentar um nível de metaforicidade maior que o grupo considerado como geral.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: mo_nascimento@yahoo.com.br
Recebido em: março/2007
Revisado em: maio/2007
Aprovado em: junho/2007
Sobre os autores:
* Monalisa Muniz, Psicóloga, Mestre e Doutoranda em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco. Bolsista FAPESP, vinculada ao Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE e Laboratório de Avaliação Psicológica em Saúde Mental - LaPSAM.
** Fabiano Koich Miguel, Psicólogo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Psicologia do Trânsito pela Universidade Cruzeiro do Sul e Mestre em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco. Pesquisador vinculado ao Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE.
*** Gleiber Couto, Psicólogo pela PUC-MG, Mestre e Doutorando em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco. Bolsista CAPES, vinculado ao Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE.
**** Ricardo Primi, Psicólogo pela PUCCAMP, Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP com parte desenvolvida na Yale University (EUA). Coordenador do Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional (LabAPE). Recebe financiamento do CNPq (produtividade em pesquisa nível 2C) e da FAPESP. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco. Presidente eleito do IBAP. Membro da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica do CFP.
***** Tatiana Freitas da Cunha, Psicóloga pela Faculdade Ruy Barbosa, Salvador-BA. Mestranda em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco. Bolsista CAPES, vinculada ao Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE.
****** Débora Pereira de Barros, Psicóloga e Mestranda em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco. Bolsista FAPESP, vinculada ao Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE.
******* Maria Beatriz Zanarella Cruz, Psicóloga e Mestranda em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia, Universidade São Francisco. Bolsista FAPESP, vinculada ao Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE.