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versión impresa ISSN 1806-2490
Vínculo v.6 n.1 São Paulo jun. 2009
ARTIGOS
A construção de uma identidade para o adulto maduro a partir da subjetividade do imaginário social
The construction of an identity for the mature adult from the subjectivity of the social imaginary
La construcción de una identidad para el adulto maduro a partir de la subjetividad del imaginario social
Carlos Alberto M. Barros
RESUMO
Este texto busca refletir sobre a construção da identidade do adulto maduro inserido no imaginário social dentro da complexidade do ser humano na concepção biopsicossocial e ambiental. É descrito o fenômeno do medo de engordar tão comum nas pessoas como expressão do resultado de um conjunto de fatores e não somente do peso numérico na balança. Enfatizado a necessidade de compreender globalmente a pessoa acometida de um transtorno e não de partes isoladas.
Palavras-chave: Representação Social, Adulto Maduro, Medo de engordar.
ABSTRACT
This text reflects about the construction of the mature adult identity added in a social imaginary inside the complexity of the human being on the biopsychosocial and environmentalconception. It’s described the fear of getting fat phenomenon, so common among the people as the expression of the result of a set of factors and not only the weight on the balance. Emphasizingthe need of a global understanding of the person involved with a disorder and not only isolated parts.
Keywords: Social Representation, Mature Adult, Fear of getting fat.
RESUMEN
Este texto intenta reflejar sobre la construcción de la identidad del adulto maduro, inserido en el imaginario social dentro de la complejidad del ser humano en la concepción biopsicosocial y ambiental. El fenómeno del medo de engordar es tan común en las personas, como expresión del resultado de un conjunto de factores y no solamente del peso numérico en la báscula. Enfatizando la necesidad de entender globalmente la persona acometida por un trastorno y no solo de partes aisladas.
Palabras clave: Representación Social, Adulto Maduro, Temor de engordar.
É sempre um desafio oferecido dissertar sobre essa complexa temática dentro das diferentes vertentes do pensamento médico, psicológico evolutivo e social, com vinculações na personalidade e ancorado no meio ambiente, onde está inserido o adulto maduro.
O título quer dizer um conjunto de atividades necessárias para se construir a identidade do adulto maduro, é o estado do que não muda, do que fica sempre igual dentro da concepção do que existe na mente pensante criado pelo que se imagina como tal. Ao desenvolvimento humano foi associada a noção de que todo indivíduo passa por um processo dividido em etapas que se distinguem, sobretudo, pelo acúmulo de capacidades e habilidades, que atingem seu apogeu na idade adulta.
De maneira elementar, no processo do ciclo vital, foi vinculado que a criança foi associada com brincadeiras, inocência e dependência; o adolescente, com transformações no corpo, crises existenciais e sexualidade; o adulto, com produtividade, trabalho, estabilidade; e, por fim, o idoso, com sabedoria e experiência.
Ao abordar o tema do ciclo vital é obrigatório concatená-los aos estudos ericksonianos do desenvolvimento do ego. O sétimo estágio do desenvolvimento é a generatividade versus estagnação que ocorre aproximadamente dos 40 aos 60 anos. A generatividade é a preocupação em criar e proteger a própria prole e todas as gerações e as instituições sociais. Nesse estágio a pessoa adquire a virtude do cuidado. É importante que através do comportamento generativo, a pessoa seja apta de passar adiante conhecimentos e habilidades, obtendo, assim, satisfação em ter conquistado um papel com autoridade e responsabilidade (ERIKSON, 1998).
Essa característica do ser adulto assegura-lhe o papel de tutor, do responsável pelos seus descendentes e, portanto, de referência para as outras fases do ciclo vital. Assim, a adultez oportuniza um momento de aludir para a avaliação das diversas etapas da vida. Pode-se inferir que o desenvolvimento humano tem sido compreendido pelos educadores como um processo marcado pela vida adulta, então essa etapa da vida tem uma grande importância.
Pode-se destacar que o ser humano é entendido dentro de uma concepção biológica, psicológica, social e ambiental levando em consideração os marcadores da qualidade de vida: o trabalho, a vida familiar, o ambiente social e a vida sexual, preconizado pela Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, 2007). Esses diferentes fatores levam a uma complexidade na abordagem da pessoa. É necessário buscar nas distintas Ciências do Comportamento Humano sua compreensão e ajuda aos diferentes profissionais.
Uma das teorias da Psicologia Social é a da representação social. Representações sociais são teorias sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas, levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio, ações que, sem dúvida, modificam os dois. Podemos dizer que a Psicologia Social mostra que fatos presentes na vida da pessoa acabam por ressignificar o passado e, conseqüentemente, modificar o presente (Moscovici, 1978; Jodelet, 1989; Almeida & Cunha, 2003).
A personalidade é o modo como a pessoa pensa, sente e age para consigo, as demais pessoas e o mundo que o cerca numa permanente interação. Esse indivíduo tem uma identidade, uma marca que pode ser definida como um desenvolvimento crescente de autonomia, gerado pela socialização e garantida pela individualização. A identidade é a condição de ser o mesmo, o similar em toda relação. É o caráter de persistir essencialmente imodificável, não impedindo as inevitáveis influências sociais e ambientais. Agora, ao incluir a idéia do imaginário social - o que a sociedade espera da pessoa e como ela se imagina dentro deste contexto - pode-se questionar se atingirá essas expectativas.
A complexidade e a imprevisibilidade parecem ser características inerentes ao ser humano, em sua essência. Os seres humanos sentem, pensam e agem de acordo com uma força instintiva muito bem assinalada por Freud (1920), especialmente em seu conhecido conceito de compulsão a repetição: padrões saudáveis e muitas vezes danosos sendo repetidos causando muitas vezes imensos transtornos no modo de viver.
Quando uma pessoa com sofrimento emocional senta na poltrona ou deita no divã de um psicoterapeuta e começa o seu relato com uma conjunção no condicional expressando reflexividade: Se. Inicia dizendo, “se eu tivesse feito, se eu tivesse adotado, se eu tivesse amado, se eu tivesse perdoado”. Qual o sentimento contratransferencial que geralmente ocorre? Esmorecimento? Sensação de incapacidade? Esse “sofredor” tem ainda tempo para fazer, reconstruir, ou somente para expiar suas culpas?
Nesse momento da consulta médica-psicológica surge a singularidade da pessoa, mas ela será compreendida dentro de diferentes vertentes. Interessante é que só podemos compreender as emoções, sentimentos, e não propriamente explicar essa subjetividade. Parafraseando Dilthey (1988), explicamos a natureza, mas compreendemos o homem. O “explicar o fenômeno” é das Ciências Exatas e não das Humanas.
Outro tema importante e de muito interesse é uma expressão fenomenológica que preocupa as pessoas em diferentes fases do ciclo vital - o medo de engordar. No contexto da representação social da saúde, atualmente identifica-se a ocorrência de transtornos alimentares em indivíduos nas diferentes idades. Muitos homens adultos manifestam, de forma subliminar, uma preocupação excessiva com a forma física e a massa corporal, buscando fantasiosamente soluções em atividades físicas excessivas e uso de anabolizantes, criando uma verdadeira adição ao exercício em academias de ginástica (CAMPAGNA & SOUZA, 2006).
Em uma pesquisa realizada na Austrália (O’Dea & Abraham, 2002) com 93 universitários que nunca procuraram tratamento especializado, foi encontrado: 3% compulsões alimentares, 3% vômitos auto-induzidos, 2% bulimia nervosa, 8% distúrbios da prática de exercícios. Destes, 9-12% estavam insatisfeitos com a forma física, metade achava que exercício é importante para a auto-estima, e 34% ficavam angustiados quando não praticavam exercícios.
No ser humano, a alimentação, além de necessidade básica vital, adquire uma série de significados psicológicos conscientes e inconscientes e expressões sociais. O comportamento alimentar do homem é, e sempre foi, mutável. Varia ao longo do ciclo vital - cada fase do desenvolvimento requerendo um tipo diferenciado de alimentação - no decorrer da história da espécie, das alterações climáticas, das diversas geografias, dos diferentes hábitos, e renovadas aquisições humanas. No padrão alimentar de um povo e de uma época, pode-se, portanto, distinguir fatores sócio-culturais, simbólicos, econômicos e pessoais, bem como aspectos ligados tanto à prevenção e cura de doenças quanto à deflagração de enfermidades (BARROS, 2000).
As influências sócio-culturais que incidem sobre o comportamento alimentar têm as mais diferentes gêneses. O consumo de determinados alimentos, por exemplo, adquire conotações marcadamente sociais. Aparentemente, ninguém está contente com o seu corpo. Cada vez mais se fortalece uma preocupação em termos do medo de engordar, principalmente em mulheres jovens, a qual se perpetua pela vida adulta madura. O que isso pode representar? Uma busca da saúde ou a expressão de uma doença? Psicopatologia? Exigência do ambiente social? Nesse contexto deve-se atentar ao medo, um sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo, real ou imaginário, de uma ameaça. O medo do peso corporal aumentado na balança tem seu correspondente na cabeça. Que medos? O medo intenso de aumentar de peso e a percepção distorcida do corpo com uma forte influência do meio social e ambiental.
Os medos conduzem a um constante aumento na insatisfação com a imagem corporal, levando, cada vez mais, ao desencadeamento de transtornos alimentares. A imagem corporal é a percepção tridimensional que todos têm de si mesmos e que, sem dúvida, é fundamentalmente alterada pelo transtorno e também leva a perpetuá-lo. A imagem corporal não é somente o espaço ocupado pela pessoa, mas tudo que se origina no corpo ou que dele emana como a voz, a respiração e os odores. Também inclui determinados objetos que caracterizam e identificam uma pessoa: pastas, bolsas, quarda-chuvas, óculos, adornos, bengalas, etc.
O medo de engordar traz uma preocupação excessiva pelo corpo ou por algumas de suas partes, e pode chegar a ser altamente perturbador, causar grande transtorno emocional e intervir na vida diária. Pequenos defeitos são percebidos de modo exagerado. A pessoa os vê como maiores, mais intensos ou mais desviados do que são na realidade. Está magra e se vê gorda, está gorda e se vê magra e recebe grande influência dos comentários das outras pessoas e do que a sociedade valoriza (BARROS, 1996a).
O medo de engordar é questão nuclear nos transtornos alimentares: Anorexia Nervosa; Bulimia Nervosa e o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica. Estes transtornos alimentares expressam uma forma arcaica de enfrentar a vida. É uma história sem palavras, tendo o corpo como palco, o ato de comer como cenário: restringindo deliberadamente a ingestão alimentar ou exagerando com o ataque de comer. O corpo fala e fala especialmente daqueles sentimentos que ainda não puderam ser expressos com o simbolismo das palavras, então padece o corpo com o medo de engordar, a docilização do corpo e os mecanismos evitativos para não engordar (BARROS, 1996a, 1996b)
Os transtornos alimentares são os que mais recebem influência do meio sócio-ambiental e interferem no seu modo de vida e de se relacionar com as pessoas. O corpo feminino magro é encarado nas sociedades ocidentais como símbolo de beleza, sucesso, saúde e autocontrole. O ideal da magreza feminina está se transformando numa verdadeira obsessão epidêmica - a corpolatria. Agora também é uma preocupação do gênero masculino e que não fica mais restrito à idade jovem. Já é do conhecimento popular que o peso corporal aumentado predispõe doenças, mantém ou agrava disfunções.
Nas descrições das pacientes acometidas de Anorexia Nervosa encontramos o seu corpo como uma caixa de ressonância, cenário dos dramas íntimos com as respectivas fantasias inconscientes. Por detrás desta muralha encontra-se uma jovem assustada, solitária, com um profundo sentimento de desvalorização e impotência para lidar com a sua vida. A Anorexia Nervosa expressa a patologia dos vínculos simbióticos, uma falta de autonomia e individualidade, incapacidade de separação de suas mães, intensa e mútua dependência mãe-filha, com pais omissos e percebidos como desvalorizados. Está instalada a fome de amor e não de comida. Nota-se, aqui, a importância de um adulto maduro saudável, o qual pode levar aos filhos essa perpetuação. Muitas vezes, o adulto maduro teve insatisfação corporal em etapas anteriores e as marcas ficaram com outras roupagens.
O medo de engordar não está necessariamente vinculado a qualquer patologia. Pode decorrer de uma insatisfação natural com o corpo que a “mãe natureza” proporcionou e a pessoa deseja modificar através dos meios adequados, como as efetivas correções pela cirurgia plástica. No caso de ser expressão de um transtorno alimentar, não se deve restringir sua compreensão ao fenômeno em si. O medo de engordar é muito mais que o medo medido na balança. Faz parte de um sistema emocional que afeta todos os aspectos da vida, reais e fantasiosos. A pessoa tem uma representação social e está inserida dentro de um contexto sócio-familiar amplo. É necessário, em psicoterapia, buscar traduzir essa expressão arcaica pela trajetória do medo de engordar e o conseqüente ato de comer bizarro. É a busca de um idioma que permita o diálogo, com possibilidades de mudanças pela via da palavra - restituindo a capacidade de verbalizar sua trama psicológica conflitiva ao invés de utilizar o alimento como uma baderna caracterizando a patologia dos orifícios.
Por fim, salienta-se que a Associação Mundial de Psiquiatria, na década de 90 elaborou um projeto de Diretrizes Internacionais para Avaliação Diagnóstica, o IGDA (Associação Mundial de Psiquiatria, 2004), dando uma importância ao processo diagnóstico que envolva conhecimentos, habilidades e atitudes que requeiram os talentos e aspirações científicas, humanísticas e éticas. O diagnóstico descreve toda a condição clínica do paciente de uma maneira útil para um tratamento efetivo e para a promoção de saúde. Conseqüentemente, também é um conceito fundamental para o treinamento e pesquisa clínicos. O diagnóstico é mais do que apenas identificar uma doença (diagnóstico nosológico) e é mais do que distinguir uma doença de outra (diagnóstico diferencial); na verdade, o diagnóstico consiste no entendimento amplo do que se passa na mente e no corpo da pessoa que se apresenta aos cuidados de saúde. Este entendimento deve ser considerado no contexto histórico e cultural de cada indivíduo em seu ciclo vital, visando à restauração e a promoção de saúde, funcionamento e qualidade de vida.
Quem sabe, a representação social da vida adulta madura, como a fase de referência do devir humano com os encargos da produtividade, do trabalho, da estabilidade, da responsabilidade e da maturidade deveria ser permeada da assertiva de Cyro Martins (2000): “não se preocupe, se ocupe”.
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Endereço para correspondência
E-mail: dr.barros@carlosbarros.com.br
Recebido em: 13.12.2008
Aceito em: 29.01.2009