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Ciências & Cognição

versión On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.8  Rio de Janeiro ago. 2006

 

Artigo Científico

 

O princípio da autoconfrontação aplicado ao estudo da atividade de correção de redações de exame vestibular

 

The principle of the self-confrontation applied to the study of the activity of text correction of initial examination

 

 

Leandro Wallace Menegolo I, II, III; Elizabeth D.da C. W. Menegolob, IV, V e VI

ISecretaria de Estudo à Distância de Rondônia (SEED-RO), Rondônia, Brasil;
IIFaculdade de educação de Colorado do Oeste - Rondônia (FAEC-RO), Rondônia, Brasil;
IIIGrupo de Pesquisa ATELIER (FAEC-RO/ATELIER), Rondônia, Brasil;
IVSecretaria de Estado de Educação de Rondônia (SEDUC-RO), Rondônia, Brasil;
VUniversidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Rondonópolis, Mato Grosso do Sul, Brasil;
VIGrupo de Pesquisa Alfabetização e Letramento (FAEC-RO/ALFALE), Rondônia, Brasil

 

 


Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar um procedimento metodológico ao qual recorremos para constituir materiais discursivos de uma pesquisa qualitativa, que perscrutou o funcionamento da linguagem no trabalho de avaliação de textos de vestibular. Nesse sentido, efetuamos deslocamentos do princípio de autoconfrontação, presentes nos métodos de abordagem da relação linguagem-trabalho, praticados pelos grupos franceses Analyse Pluridisciplinaire des Situations de Travail e Clinique de l'Activité, que conservam esse princípio. Os resultados da execução indicam que o procedimento permitiu o delineamento dos discursos que se apresentaram no diálogo/embate entre as prescrições oferecidas por uma Instituição de Ensino Superior, o objeto-redação e um fazer historicamente constituído pelo/no avaliador. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 29-36.

Palavras-chave: linguagem; trabalho; autoconfrontação; avaliador.


Abstract

This article has for objective to present a methodological procedure which we fell back upon to constitute discursive materials of a qualitative research, which searched the operation of the language in the work of evaluating vestibular exam texts. In that sense, we made displacements of the autoconfrontation principle, presents in the methods of approaching of the relationship language-work, practiced by the French groups Analyse Pluridisciplinaire Situations des Situations de Travail (henceforth APST) and Clinique de l'Activité, that conserve that principle. The results of the execution indicate that the procedure allowed the delineation of the speeches that came in the dialogue/shock among the prescriptions offered by a higher education Institution, the object-text and a to do constituted to appraising historically. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 29-36.

Keywords: language; work; self confrontation; appraising.


 

 

Introdução

Neste artigo, abordamos aspectos do funcionamento da linguagem numa situação específica de trabalho: a avaliação de textos de vestibular. A partir de experiências pessoais que tivemos ao participar de bancas examinadoras de textos, produzimos uma pesquisa intitulada Práticas discursivas no trabalho de avaliar textos em vestibular: da atividade à constituição de sentidos, como parte integrante do projeto Atividade e discurso nos gêneros de ensino: um projeto de análise enunciativo-discursiva do trabalho de professores (008/cap-2003)1. Esse projeto foi executado no Programa de Estudos de Pós-Graduação do Mestrado em Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, associado à área de concentração dos Estudos Lingüísticos.

Para os limites deste artigo, limitamo-nos, primeiramente, a descrever o processo de entrada em campo para conhecer a situação de trabalho e produzir materiais discursivos, numa Instituição de Ensino Superior (doravante IES) pública do Estado do Paraná. Em seguida, revisamos os procedimentos de intervenção, praticados pelos grupos franceses da APST (doravante APST)2 e da Clinique de l'Activité3, que associam concepções dialógicas de linguagem a contribuições da ergonomia e da ergologia para o estudo das situações de trabalho (demanda, reformulação da demanda, entrada em campo, pesquisa de campo, procedimentos de autoconfrontação). Por fim, apresentamos uma aproximação de análise.

 

Contextualização da pesquisa: a entrada em campo

A entrada em campo se deu com a formulação de uma demanda latente4, por meio da apresentação de um projeto de pesquisa a uma IES, em janeiro de 2004, no Estado do Paraná e de natureza estadual. A pesquisa foi aceita pelos dirigentes da Instituição, pela Comissão de Vestibular e pelos membros da banca, sob a garantia do anonimato,

 

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DA REDAÇÃO:

A redação será avaliada observando-se os seguintes critérios:

CONTEÚDO

  • fidelidade ao assunto proposto;
  • criatividade e originalidade na apresentação das idéias;
  • estabelecimento de relações semânticas.
  • ESTRUTURA

  • adequação da linguagem (norma);
  • correção gramatical;
  • estética;
  • estabelecimento de relações lingüístico-textuais.
  • A questão determinada pela IES para ser redigida na prova de redação foi: Redija um texto, em qualquer tipologia ou gênero, a partir da leitura do ditado popular: 'Quem decide pode errar; quem não decide, já errou'.

    Para orientar o trabalho apreciativo, havia uma lista de critérios que o avaliador deveria aplicar nos textos, atribuindo-lhe duas notas: uma para o Conteúdo e outra para a Estrutura.

     

    Autoconfrontação: na busca pelas dimensões não-evidentes da atividade

    Os procedimentos de intervenção em situações de trabalho, praticados pelos grupos franceses da APST e da Clinique de l'Activité, associam concepções dialógicas de linguagem a contribuições da ergonomia e da ergologia para o estudo das situações de trabalho (demanda, reformulação da demanda, entrada em campo, pesquisa de campo, procedimentos de autoconfrontação). Esses grupos desenvolveram procedimentos nos quais o trabalhador é confrontado ao seu trabalho, possibilitando uma análise minuciosa da atividade e fazendo do princípio da confrontação um caminho para auxiliar nas complexas análises das situações de trabalho.

    Nesse sentido, segundo Vieira (2004: 215), acredita-se que "a resposta aos problemas do trabalho ... reside na 'pessoa' do trabalhador", enquanto ser indissociável do coletivo no qual atua, e não num sujeito individualista, tomando decisões dependentes, exclusivamente, de sua subjetividade avaliativa.

    A autoconfrontação simples e cruzada

    Para alcançar o desenvolvimento de uma atividade laborial, a APST e a Clinique de l'Activité oferecem, ao pesquisador, um dispositivo chamado Experiência em Autoconfrontação Cruzada, lançado pelo lingüista Daniel Faïta, em 1997. Trata-se de um método de análise da atividade que utiliza a imagem como apoio principal de observações, para criar um quadro que possibilite a um coletivo de trabalho ter sua experiência profissional desenvolvida, por meio de uma prática de co-análise. Conforme Clot e colaboradores (2000: 03-04), é necessário compreender para transformar, pois a compreensão possibilita circunscrever o alcance do agir no trabalho.

    Faïta e Vieira (2003) fazem a proposição de um guia mínimo de condução de pesquisa, composto de cinco fases:

    • O filme.
    • A autoconfrontação simples.
    • A autoconfrontação cruzada.
    • Retorno ao meio de trabalho.
    • Apropriação diferenciada do objeto pela equipe de pesquisa.

    Na primeira fase, para a produção de um material em vídeo, é necessária a observação das situações e dos meios profissionais por um período longo e a constituição de um grupo de análise para participar do procedimento de co-análise.

    Na segunda, num processo interativo, pesquisador e protagonista se reúnem numa sala e assistem à seqüência filmada e editada pelo pesquisador. Nesse momento, cabe ao protagonista da atividade emitir comentários, a partir do autoconfronto que ele estabelece com as imagens do seu fazer.

    Na terceira, reúnem-se, num outro momento, o pesquisador, o protagonista que teve seus comentários filmados e mais um membro do coletivo. Este último trabalhador assiste às imagens e comentários produzidos por seu colega, na segunda fase (a autoconfrontação simples), podendo emitir comentários, o que configura o autoconfronto cruzado.

    Na quarta, ocorre a devolução ao meio de trabalho de um objeto autônomo em relação às fases de produção, ao qual podem ser dados variados destinos, como o suporte de trocas consecutivas e formação continuada.

    Na última fase, a das análises, ocorre a apropriação diferenciada do objeto pela equipe de pesquisa. Ela é diferenciada porque são formadas equipes multidisciplinares para olhar um fenômeno que se desenvolve no trabalho. Tem-se, então, o objeto mirado em vários ângulos, revisitando os materiais produzidos nas fases anteriores.

    O método do sósia

    O Método do Sósia, desenvolvido por Yves Clot, em 1997, é baseado numa metodologia de autoconfrontação praticada na Itália, nos anos 70, por Oddone e colaboradores, junto aos operários da FIAT. Trata-se de um procedimento executado num grupo de trabalhadores, para os quais o pesquisador solicita a um deles, no primeiro encontro, que descreva uma jornada ou um segmento de sua atividade profissional, a partir da instrução: "Amanhã eu devo substituir você no seu trabalho: diga-me o que eu devo fazer para que nenhuma pessoa perceba a substituição...". Scheller (1999: 06) comenta que, na variação proposta por Clot, a atenção do pesquisador devia levar à condução de uma narração concentrada nos detalhes da atividade e em como o trabalhador (na narração que fazia ao responder à instrução) tenta adaptar as tarefas prescritas, estimulando o entrevistado a ficar muito atento e não deixar lugares implícitos de descrição. Clot (2001) assegura ter retido os mesmos critérios de delimitação de uma situação de trabalho, na modificação que propôs, para facilitar a focalização da experimentação sobre os detalhes do trabalho, assim como fez o psicólogo italiano.

    Para orientar o pesquisador na condução do procedimento, a narração dos trabalhadores devia se concentrar em quatro eixos, propostos por Clot (2001):

    • Relatos acerca da tarefa como tal.
    • Relatos acerca das relações entre os indivíduos no coletivo de trabalho.
    • Relatos sobre as relações hierárquicas.
    • Relatos sobre as organizações formais e informais do mundo do trabalho.

     

    O deslocamento pela adoção de outra tecnologia

    Na IES em que empreendemos nossa pesquisa, não nos foi autorizada a produção de imagens. Para tanto, desenvolvemos um procedimento de construção de materiais discursivos, apoiando-se nas gravações em áudio para futura audição do pesquisador e do protagonista da atividade, mantendo o princípio de promoção da autoconfrontação, aplicado ao estudo da atividade de correção de redações de exame vestibular.

    Este deslocamento exigiu a mobilização de um recurso comumente não adotado pelos grupos franceses: a verbalização oral da atividade, no qual tivemos de estimular o avaliador a dizer o seu fazer. Então, cada avaliador foi, individualmente, levado para uma sala, à parte, transportando, consigo, a redação que estava na vez de ser avaliada. Nessa sala, o protagonista da atividade recebia uma instrução: ler o texto, em voz alta, e, concomitantemente, verbalizar os comentários sobre os trechos textuais que achasse necessário. No final da leitura, ele tinha de dizer qual era o valor que atribuiria ao texto.

    Para execução desse procedimento, elaboramos um roteiro planejado de interação homogeneizada, no qual transmitíamos a mesma instrução. O roteiro estava organizado nas seguintes etapas:

    (1) Invitação: perguntar se o avaliador poderia nos acompanhar até uma sala, à parte, no instante em que ele começaria a avaliação de um determinado texto.

    (2) Instrução: pronunciar a instrução.

    (3) Explanação: explicar a instrução a ser executada.

    (4) Verificação: questionar o protagonista quanto ao entendimento da instrução.

    (5) Retirada: desejar uma boa realização de trabalho e retirar-se da sala, deixando o gravador ligado e sob o comando do avaliador. Quando terminasse, ele deveria desligar o aparelho e retornar à sua sala de trabalho.

    Nos limites deste artigo, apresentamos a transcrição do material produzido por um avaliador, a quem vamos chamar de AV01. A redação a ele submetida para avaliação era de número 1.187, de um candidato pleiteando uma vaga no curso de Letras:

    "Quem decide, pode errar, quem não decide, já errou.
    Muitas decisões são feitas sem analisar, causando várias conseqüências. Um erro pode trazer conquistas para um objetivo tão almejado por muitas pessoas. Inicialmente a busca por novos horizontes e conquistas muitas vezes se perdem com os erros, em que mostrados por falta de total inexperiência ou de confiança em si próprio. Muito se discute em escolas, pois neste recinto acontecem várias indecisões, como que profissão seguir no futuro em que muitos têm medo de errar.
    É necessário frisar também que muitas decisões ocorreram vários erros, e com isso tiveram a simplicidade de admitir, buscando aprender e ensinar com seus erros cometidos no momento errado.
    Portanto, muitas decisões são feitas sem confiança em si mesmo, mais é preciso frisar que os erros é a conseqüência de um aprendizado novo, pois não obter decisões corretas ou incertas não saberá analisar seus objetivos."

    Na busca pelos efeitos de sentido produzidos durante a execução do trabalho apreciativo do AV01, formatamos o material discursivo, produzido no procedimento de leitura e gravação, em uma tabela (número 1), constituído de três colunas. Na primeira, enumeramos as falas do avaliador na ordem em que elas ocorreram. Na segunda, recortamos os trechos da redação que foram lidos por esse trabalhador. Na terceira, reproduzimos os comentários desse protagonista sobre os trechos que ele acabara de ler.

    No

    TRECHOS DA REDAÇÃO

    (lidos pelo AV01)

    O QUE AV01 COMENTOU

    (sobre o trecho da redação)

    1

    quem decide, pode errar, quem não decide já errou...

    Muitas decisões são feitas sem analizar, causando várias conseqüências...

    O candidato não coloca, neste enunciado, um sujeito. Ele apenas enuncia, sem dizer quem vai ser seu interlocutor.

    2

    um erro pode trazer conquistas para um objetivo tão almejado por muitas pessoas...

    Quando ele coloca "um erro pode trazer conquistas para um objetivo tão desejado por muitas pessoas", ele deixa o seu ponto de vista vago, sem concluir o que seja esse "objetivo tão desejado". Neste primeiro parágrafo, ele comete um erro de ortografia na palavra "analizar" e não conclui o parágrafo adequadamente. No segundo parágrafo, ele o candidato inicia com a palavra "inicialmente"

    3

    Inicialmente, a busca por novos horizontes e conquistas muitas vezes se perdem com os erros...

    Não coloca quem fará esta busca e quem é este sujeito.

    4

    ...em que mostrados por falta de total inexperiência ou de confiança em si próprio. Muito[s]...

    Não. Seria "muito".

    5

    ...se discute em escolas pois nesse recinto acontecem várias indecisões, como que profissão seguir no futuro em que muitos tem medo de errar.

    O segundo parágrafo, ele não faz uma argumentação convincente. Apenas faz um relato e que não chega a convencer o seu interlocutor. Também não tem um interlocutor certo. Ainda no segundo parágrafo, não existe uma coerência entre o exórdio do texto com relação à argumentação. O terceiro parágrafo, ele enuncia:

    6

    ... como que profissão seguir no futuro em que muitos tem medo de errar.

    (este trecho redacional não foi lido pelo avaliador)

    7

    É necessário frisar também que muitas decisões ocorreram vários erros...

    Fica também, é, sem saber, que decisões são essas e por que ele coloca isso.

    8

    ... e com isso tiveram a simplicidade de admitir, buscando apreender e ensinar com seus erros cometidos no momento errado.

    Ora, não existe nenhuma coerência dentro do texto, porque não se sabe do que está falando. Ele finaliza a redação dizendo:

    9

    portanto muitas decisões são feitas sem confiança em si mesmo.

    Mas, "confiança em si mesmo", quem é esse "em si mesmo"?

    10

    Mais é preciso...

    É "mas é preciso" não "mais". Ele soma.

    11

    ...é preciso frisar que os erros é a conseqüência...

    Não faz nenhuma concordância, porque ele diz que "os erros é a conseqüência, de um aprendizado novo, pois não obter decisões corretas ou incertas não saberá realizar seus objetivos"...

    12

    ... de um aprendizado novo, pois não obter decisões corretas ou incertas não saberá analizar seus objetivos.

    (este trecho redacional não foi lido pelo avaliador)

    13

    O tempo todo, o candidato não coloca um sujeito determinado ou não dá para saber de quem está falando. Fala o tempo todo de decisões, mas não sabemos quem as tomou ou quem as vai tomar. Portanto, é texto que não tem coerência, um texto que traz idéias esparsas, vagas e que merece um repensar sobre ele. Sendo assim, a minha nota, no conteúdo, é 4,0. Na estrutura, é 4,0. E uso, como critério, a primeira leitura, é uma avaliação no gabarito e coloco sempre a avaliação a lápis. Eu farei uma outra leitura para ver se não posso cometer alguma injustiça com o candidato. Sendo assim, este candidato, ele estará concorrendo com os demais com uma pontuação razoável. Obrigado.

    Tabela 1: Transcrição dos materiais fornecidos por AV01.

     

    Numa aproximação de análise, recortamos o fenômeno da negação, acoplado ao de campo semântico. Nos comentários elaborados pelo AV01, a negação aparece sempre testificando determinadas ausências. Elas são construídas pela forma adverbial não e em relações estabelecidas pela preposição sem. Ambas colocam em cena um discurso avaliativo, marcando a ausência de uma característica no enunciado proveniente do texto do vestibulando em relação ao lugar de onde fala o avaliador, isto é, do conjunto de critérios fornecidos pela IES para regular a atividade avaliativa.

    Quando os comentários do AV01 respondem ao critério 2.1.3, estabelecimento de relações semânticas, o avaliador recorre à negação para marcar, no texto ou em fragmentos dele, a ausência de relacionamento lógico com o mundo extra-textual, isto é, o seu contexto, conforme demonstram os exemplos a seguir:

    "Ele apenas enuncia sem dizer quem vai ser seu 'interlocutor'.
    O segundo parágrafo, ele não faz uma 'argumentação convincente'.
    ... e [não se sabe] por que ele coloca isso.
    ... porque não se sabe do que está falando."
    [grifos do Autor]

    É perceptível, nos ditos pelo AV01, a necessidade de construir uma enunciação mais elaborada para responder ao estabelecimento de relações de semânticas. Não se chega a eles por uma remissão a um elemento da superfície textual, e sim, é preciso correlacionar este elemento co-textual com um outro, numa relação que ele estabelece extra-textualmente, no nível pragmático da comunicação.

    Observando o restante do material, vamos assinalar a ocorrência desse fenômeno associado à marcação de ausências ancoradas em outros critérios. O de números 2.2.4, estabelecimento de relações lingüístico-textuais, está estruturado no relacionamento entre termos intra-textuais, isto é, ao co-texto verbal, presente no plano do enunciado da redação. Em Maingueneau (2000: 40), definimos que co-texto se refere ao espaço que limita o meio propriamente verbal, seja materializado em escrita ou em oralidade. Sugere esse lingüista, em caso de necessidades mais específicas, adotar os termos co-texto verbal para distinguir do co-texto não verbal. Segundo mostram os comentários do AV01, que respondem a esse critério e atestam a ausência de relação entre termos do plano do enunciado. Eis alguns exemplos:

    "... ele deixa seu ponto de vista vago.
    e não conclui o parágrafo adequadamente.
    ... não existe uma coerência entre o exórdio do texto com relação à argumentação.
    fica também sem saber que decisões são essas.
    Ele [mais] soma."

    E quando os comentários do AV01 respondem ao critério 2.2.2 (Correção gramatical), a negação aparece atestando, em fragmentos do texto do vestibulando, a identificação de erro ortográfico e problema de concordância. Os enunciados estão organizados tomando-se como ponto de sustentação argumentativa a conformidade com a norma culta, a da Gramática Normativa. Eis alguns exemplos:

    "O candidato não coloca neste enunciado um sujeito.
    Eacute; 'mas é preciso'. Não 'mais'.
    Não faz nenhuma concordância, porque ele diz que 'os erros é a conseqüência de um aprendizado novo, pois não obter decisões corretas ou incertas não saberá realizar seus objetivos.'"

     

    Considerações Finais

    A adaptação proporcionou o delineamento dos discursos que se apresentaram no diálogo/embate entre as prescrições oferecidas pela IES, o objeto-texto e o fazer historicamente constituído do protagonista da atividade, ou seja, a adaptação trouxe, à tona, parte dos discursos interiores que intervieram no agir do avaliador, no instante da avaliação, para o estudo de como esses discursos poderiam ser determinantes na constituição da nota. Propiciou, também, a auto-reflexão sobre o fazer e sobre o saber-fazer dos protagonistas, participantes do procedimento, possibilitando o desenvolvimento da atividade real, gerado pela situação autoconfrontativa.

    Como todo métier se constitui da história pessoal e coletiva de cada um e todo trabalho se alimenta do dinâmico debate entre normas antecedentes e renormalização parcial, os critérios avaliativos têm a tendência de avaliar (dar nota) para a falta (a ausência de um critério apreciativo) muito mais do que valorizar a presença, fazendo com que o avaliador incorpore esta falta e a constitua no critério-do-fazer avaliativo.

    A ação de atestar ausências faz com que a negação desempenhe uma função básica no discurso avaliativo, quando qualquer critério é evocado para responder a um enunciado proveniente de um redator: a de desqualificar o texto do redator.

     

    Referências bibliográficas

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    Maingueneau, D. (2000). Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: UFMG.         [ Links ]

    Sant'Anna, V.L.A. (2004). O trabalho em notícias sobre o mercosul: heterogeneidade enunciativa e noção de objetividade. São Paulo: Editora EDUC.         [ Links ]

    Scheller, L. (1999). Narrer le travail: por une méthodologie de l'élaboration subjective de l'expérience de travail. Un exemple: La méthode du sosie. 1999. 75 f. Mémoire em vue (D.E.A. de psychologie clinique et psychanalytique) - Université Paris V, Paris.

    Vieira, M.A.M. (2003). Autoconfrontação em clínica da atividade: metodologias de análise dialógica de situações de trabalho. Intercâmbio: uma publicação de pesquisas em lingüística aplicada. Vol. XII (pp. 259-271). São Paulo: EDUC.

    Vieira, M.A.M. (2004). Autoconfrontação e análise da atividade. Em: Figueiredo, M. et al. (Orgs.). Labirintos do trabalho: interrogações e olhares sobre o trabalho vivo. (pp. 214-237). Rio de Janeiro: DP&A,

     

     

    Notas

    L.W. Menegolo
    Endereço para contato: Av. Beira Rio, 4.444, centro, Vilhena, RO 78995-000, Brasil.
    E-mail para correspondência: leandromenegolo@yahoo.com.br.

    E.D.C.W. Menegolo
    E-mail para correspondência: elizabethmenegolo@yahoo.com.br.

     

     

    (1) O projeto é coordenado pelo Prof. Dr. Marcos Antonio Moura Vieira, da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT .

    (2) De acordo com Sant'Anna (2004: 28), o grupo APST constituiu-se no Departamento de Filosofia da Université de Provence (Aix-Marseille I), nos anos 80, a partir da união do filósofo Yves Schwartz, do lingüista Daniel Faïta e do sociólogo Bernard Vuillon. Em setembro de 1998, o grupo fundou um departamento próprio: o Departamento de Ergologia.

    (3) O grupo Clinique de l'Activité é uma equipe formada no Laboratoire de Psychologie du Travail et de l'Action du CNAM de Paris. Dedica-se à pesquisa da competência da ação sobre o trabalho em cooperação com os que trabalham. O grupo atua em resposta às demandas oriundas da iniciativa pública ou privada (nas quais irá intervir) e entendendo que tais intervenções constituem uma problemática a ser perscrutada num meio científico organizado.

    (4) Demanda latente é uma proposta de pesquisa, formulada pelo pesquisador, para estudar um fenômeno. Um outro tipo de demanda denomina-se formal. Nessa, o pesquisador é contratado para perscrutar um fenômeno apresentado por uma empresa contratante (Vieira, 2003, documento de trabalho).