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Ciências & Cognição
versión On-line ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro abr. 2010
Revisão
Ambientes virtuais de aprendizagem na educação física: uma revisão sobre a utilização de Exergames
Virtual learning environments in physical education: a review of the use of Exergames
César Augusto Otero Vaghetti; Silvia Silva da Costa Botelho
Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
Ambientes virtuais de aprendizagem estão se difundindo nas diversas áreas do conhecimento e as chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação estão proporcionando novas formas de ensino e aprendizagem. Games, por exemplo, estão sendo usados para trabalhar habilidades cognitivas, atenção visual, memória e resolução de problemas em crianças. Recentemente, devido à possibilidade de utilização, com baixo custo, de tecnologias de percepção e atuação, surge uma nova classe de games denominada Exergame, exercício e game, proporcionando ao usuário o desenvolvimento de habilidades sensoriais e motoras propiciado por mecanismos de realidade virtual. Esta pesquisa bibliográfica teve como objetivo estabelecer um panorama geral sobre o contexto atual dos Exergames, apresentando os games que existem no mercado, suas características, aplicações e possibilidades de uso na Educação Física. As pesquisas encontradas foram classificadas em três grupos: aspectos fisiológicos; aspectos psicológicos e reabilitação, conforme a utilização de cada game. Exergames podem ser utilizados como ambientes virtuais de aprendizagem de novos movimentos, gestos desportivos ou simplesmente como ferramenta para aumentar o gasto calórico; sua utilização está relacionada ao entretenimento e a formas alternativas de exercício físico e sua inclusão ou não no ambiente escolar limita-se à capacitação dos professores para utilização da ferramenta em questão. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 076-088.
Palavras-chave: exergame; ambiente virtual de aprendizagem; educação física.
Abstract
Virtual learning environments are becoming popular in various areas of knowledge, where information and communication technologies are providing new ways of teaching and learning. Games, for example, are being used to improve cognitive, visual attention, memory, and problem solving skills in children. Recently, with the increase of accessibility of low cost technology in the areas of perception and action, comes a new class of games called Exergames. Through exercise and games, this virtual reality is providing the user with the opportunity to develop a variety of motor skills and sensory abilities. The research reveals that Exergames are categorized into three groups of purpose and usage: physiological, psychological, and rehabilitation. Exergames can also function as virtual learning environments for new movements and gestures, or for sports, such as in tools to increase caloric expenditure. They are also related to entertainment and alternative forms of exercise. Their inclusion in the school environment is limited to teacher training for the use of these tools. This literature review provides an examination of the current context of Exergames, including, recognizing games that are currently available on the market, and identifying features and applications that are being utilized in the area of Physical Education. © Cien. Cogn. 2010; Vol. 15 (1): 076-088.
Keywords: exergame; virtual learning environment; physical education.
Introdução
Ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) estão se disseminando nas diversas áreas do conhecimento. A presença das chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na Educação está proporcionando novas formas de ensino e aprendizagem, de onde surgem novas maneiras de veicular e acessar um grande volume de informação e conhecimento (Caparróz e Lopes, 2008).
As iniciativas para inclusão de TICs na Educação, em nível de Brasil, segundo Almeida (2008), restringem-se a propostas de inserção nas escolas dos dispositivos tecnológicos caracterizados pela conexão à internet e mobilidade, o que potencializa a criação da cultura tecnológica na escola e a inclusão digital da comunidade, numa perspectiva de emancipação social, aspecto essencial para a diminuição das desigualdades e o desenvolvimento sustentável. AVA, conforme Almeida (2003), são sistemas computacionais disponíveis na internet que permitem integrar diferentes mídias, linguagens e recursos; apresentar informações; desenvolver interações; produzir e socializar produções, independentemente do tempo e do espaço de cada participante. Com a disseminação da rede mundial de computadores, a educação ganha novas perspectivas. Nesse contexto, AVA estão sendo utilizados para o ensino a distancia, teleconferências e eventos científicos (Tarouco e colaboradores, 2006).
A realidade virtual surgiu a partir de 1950, com os simuladores de voo para testes; entretanto, a potencialidade desse instrumento para o treinamento, segundo Rosenblum e colaboradores (1995), expandiu a aplicação da tecnologia para as diversas áreas, como Medicina, Engenharia, Arquitetura, Psicologia e Educação. A interface da realidade virtual é a tecnologia responsável por esse conjunto de ferramentas utilizadas na educação, pois é capaz de proporcionar uma maior interação com o usuário, na qual a possibilidade de visualizar ambientes diversos juntamente com outros órgãos do sentido, como audição e tato, aumenta a sensibilidade do usuário. Portanto, não se trata de uma simples adaptação às novas tecnologias: o acoplamento com os computadores deve ser entendido pelos devires cognitivos que podem ser produzidos, como o desenvolvimento do pensamento estratégico, do raciocínio e da percepção (Kastrup, 2004).
Games, por exemplo, estão sendo usados como AVA para trabalhar habilidades cognitivas, atenção visual, memória e resolução de problemas em crianças (De Lisie e Wolford, 2002). Os jogos educativos se baseiam no interesse pelo lúdico, independentemente da faixa-etária, e podem promover ambientes de aprendizagem atraentes, constituindo-se em um recurso interessante para o estímulo e desenvolvimento integral do aluno (Falkembach, 2006). Assim, surgem diferentes modalidades de jogos digitais capazes de desenvolver diferentes habilidades: jogos de estratégia associados ao desenvolvimento cognitivo de processos de tomada de decisão e jogos para desenvolver o pensamento lógico (Oblinger, 2004). Como exemplo, destacam-se o Simon (memória), Laranja Calculadora (Matemática), Train Game (formas geométricas), Alphabetical Wack a Mole (linguagem), Pyramid (pensamento estratégico), Multilingual 2 Color (escrita) e Move World (Ciências e Geografia).
Recentemente, devido à possibilidade de utilização, com baixo custo, de tecnologias de percepção e atuação, surge uma nova classe de games denominada Exergame (EXG). Esta proporciona ao usuário, além das habilidades citadas anteriormente, o desenvolvimento de habilidades sensoriais e motoras, graças à possibilidade de emulação perceptiva e de atuação, propiciada por mecanismos de realidade virtual e tecnologias de rastreio e atuação. Alguns exemplos atualmente disponíveis no mercado são o Nintendo Wii, XBOX e Play Station (http://www.nintendo.com/wii; http://www.xbox.com/en-US/ e http://www.us.playstation.com/).
Os EXG são uma nova ferramenta educacional para as Ciências da Saúde, especialmente para a Educação Física, visto que o movimento humano é característica fundamental nesses tipos de games. Alguns autores, como Parizkova e Chin (2003) e Sothern (2004), apontam vários aspectos educacionais nos games; contudo, classificam os games tradicionais como atividades sedentárias. Em comparação com os EXG, o aspecto lúdico do jogo e a fascinação da realidade virtual estão contribuindo para o crescente sucesso de tais jogos. Dados empíricos revelam que professores de Educação Física e Fisioterapeutas têm utilizado EXG nas aulas e em trabalhos de reabilitação. Algumas escolas nos EUA adotaram o uso desses games nas aulas de Educação Física, pois é uma atividade que proporciona gasto calórico e entretenimento. Na área da Fisioterapia, para muitos trabalhos de controle do movimento e equilíbrio, os mesmos também têm sido utilizados. A possibilidade de utilizar o movimento humano como parte integrante do jogo cria um ambiente favorável para o ensino-aprendizagem, estabelecendo-se como potencial ferramenta didático-pedagógica a ser investigada pela comunidade científica (Papastergiou, 2009).
Esta pesquisa, portanto, teve como objetivo estabelecer um panorama geral sobre o contexto atual dos EXG, encontrado na literatura, apresentando os games existentes no mercado, suas características, aplicações e possibilidades de uso como AVA na Educação Física.
Jogos e games
O jogo é discutido por Huizinga (2005), no livro Homo Ludens, obra de grande importância na área da Filosofia, publicada pela primeira vez em 1938, onde relata que as realizações na ciência, na poesia, na guerra, nas leis e nas artes são nutridas pelo instinto do jogo. O autor enxerga o jogo como um elemento da cultura humana, anterior à própria cultura, visto que esta pressupõe a existência da sociedade humana.
O que leva o jogador ao jogo, contínua e repetidamente? Knijnik (2001), analisando a obra de Huizinga, mergulha no jogo em si mesmo, na sua significação, na beleza e no divertimento, e nos relata que o poder de fascinação por ele exercido não tem respostas racionais, ultrapassando a esfera da vida humana. É na própria paixão que residem as características do jogo. Dessa forma, tais questões podem, de certa forma, explicar o poder de fascinação dos jogos eletrônicos, comumente chamados de games, e também o porquê de tantos educadores virem utilizando-os no ensino de jovens e crianças. Grubel e Bez (2006) comentam que a força pedagógica dos games consiste em desenvolver habilidades e transmitir conhecimentos de forma lúdica e prazerosa.
Os jogos eletrônicos têm se tornado uma atividade ubíqua na sociedade atual. Muitos jovens os utilizam como entretenimento, nos mais variados locais: escola, ônibus, casa, praia etc. Segundo Quiroga e colaboradores (2009), muitos jogos estão sendo desenvolvidos com o objetivo de educar ou de treinar alguma habilidade humana, e envolvendo principalmente as áreas da Educação e da Computação. Dessa forma, os games fazem parte das novas tecnologias que estão sendo usadas para a criação de ambientes virtuais de aprendizagem, amplamente discutidas em Educação em Ciências. Patel e colaboradores (2009) afirmam que o uso desse ferramental possibilita a criação de softwares educativos e a aprendizagem através de simulação em ambientes de realidade virtual, nos quais as possibilidades de visualização de conteúdos se tornam ilimitadas, para todos os níveis do ensino.
Por outro lado, jogos de computador são tradicionalmente controlados por teclados, joysticks, mouses e game pads, através dos quais o usuário, sentado em frente a um monitor ou a uma televisão, interage com o jogo. Essa forma de interação, infelizmente, tem contribuído para o aparecimento de problemas de ordem músculo-esquelética e de obesidade. Games estão relacionados com as variáveis de massa corporal e atividade física. Ballard e colaboradores (2009) relacionam o excesso de jogo ao sedentarismo e à obesidade, sugerindo a redução do tempo de uso dos jogos e computadores. Em semelhante sentido, Hedley e colaboradores (2004) citam a televisão, o computador, a internet e os games como os principais fatores relacionados à obesidade infantil e ao sedentarismo nos Estados Unidos. Os mesmos fatores também são indicados por pesquisadores brasileiros como incentivadores de um estilo de vida sedentário em jovens e adolescentes (Silva e colaboradores, 2008). Outros problemas, como lesões por esforço repetitivo, crises epiléticas, distúrbios do sono e vício em gamesonline também são citados por Badinand-Hubert e colaboradores (1998) e Hsu e colaboradores (2009).
Se, por um lado, pesquisadores concluem que um estilo de vida sedentário é incentivado pelo uso de videogames, por outro, defendem que determinados aspectos educacionais podem ser trabalhados em função das características e particularidades do uso dos games. O tempo gasto por jovens e adolescentes em games, por exemplo, pode ser importante para determinar a maneira como aspectos educacionais podem ser incorporados aos jogos. Mysirlaki e colaboradores apud Paraskeva e colaboradores (2009) afirmam que jovens jogam gamesmultiplayer online cerca de 2,53 horas por dia, representando uma carga semanal extensa. A natureza do jogo atrai o jogador. Da mesma forma, na escola, o professor escolhe determinadas brincadeiras de acordo com a faixa-etária e com o conteúdo que necessita ensinar aos alunos. Assim, os jogos eletrônicos devem possuir conteúdo educacional variado, permitindo aos educadores vasta opção na escolha de métodos alternativos de ensino e aprendizagem, também conhecidos na literatura como edugames (Quiroga, 2009). Games multiusuários possuem pressupostos de colaboração e de trabalho em equipe. Zea e colaboradores (2009) destacam a importância desses jogos no desenvolvimento psicológico e social de uma criança, pois a aprendizagem durante o brincar permite descobrir habilidades, limitações, pensamento abstrato e mecanismos de convivência.
Exergames
Os avanços nas Tecnologias da Informação e Comunicação, aliados aos problemas anteriormente citados, contribuíram para o surgimento de uma classe de games desenvolvidos para a prática de atividade física. Neles, a interface é desenvolvida para utilizar o movimento humano como dados de entrada, com intenção de aumentar o gasto calórico e interatividade (Bekker e Eggen, 2008; Berkovsky e colaboradores, 2009).
São conhecidos na literatura como Exergames (EXG), que, por definição, é a combinação do exercício físico com o game, permitindo que a fascinação pelos games seja tão aproveitada quanto a prática de exercício físico, conforme afirmam Sinclair e colaboradores (2007). Esse novo tipo de interação, surgida recentemente, recebeu maior atenção de uma área da computação conhecida como Human Computer Interaction. Outros termos também são utilizados para definir o referido tipo de interação homem computador, citados por Hoysniemi (2006). São sinônimos para EXG: exertion interfaces, physically interactive game, sports interface, sports over a distance, active videogame, exergaming, exertion games, bodily interfaces e embodied interfaces.
Um exergame de grande sucesso foi o Dance Dance Revolution (DDR), criado em 1998. Segundo Hämäläinen e colaboradores (2005), sua fórmula "mágica" inclui nada mais que dança, game e música. Recentemente, em 2006, foi desenvolvido o Nintendo Wii Sports, possibilitando ao usuário ter a experiência do movimento de diversos esportes, como golfe, boxe, tênis, boliche, baseball, arco e flecha, além do Wii Fit, que permite praticar yoga, skate e snowboard. O game em estudo utiliza acelerômetros, dentro dos controles (wii remote), para mensurar os movimentos da mão do usuário em três dimensões, ampliando os aspectos de interação humana e imersão em um game (Fitz-Walter et. al., 2008). Outros games, como Eye Toy, do Play Station, também permitem essa interação e, portanto, podem ser classificados como EXG.
Uma taxonomia de EXG foi proposta por Muller e colaboradores (2008), subdividindo-os em quatro categorias: a) A primeira categorização, Exertion e Non-Exertion, envolve a interface do game. Toda interface de EXG transforma movimentos do corpo em dados de entrada, ou seja, é necessária a movimentação do joystick ou a movimentação em cima das plataformas ou tapetes para o sistema reconstruir os movimentos dos braços, pernas e de todo o corpo, diferentemente de um game convencional, no qual o sistema reconhece a movimentação apenas dos dedos no joystick; b) Competitive e Non-competitive: o primeiro relaciona-se com oponentes, que poderão ser um ou mais (multiplayer) ou o próprio computador; em Non-competitive, a noção de oponente não existe; c) Parallel e Non-parallel, em que este se relaciona com a ideia de oponente, enquanto aquele se relaciona com colaboração, ou seja, usuários jogando juntos em um mesmo time ou grupo com objetivos e tarefas em comum; d) Combat e Object caracteriza o jogo em que o usuário tenta controlar um oponente, como em uma luta, por exemplo; ao contrário de object, no qual o usuário tenta controlar um objeto.
Um aspecto importante e inerente aos games é a característica lúdica. Segundo Barbosa (1997), a ausência do aspecto lúdico influencia na motivação ou não para o game; portanto, um EXG não pode prescindir do caráter de jogo; entretanto, deve apresentar características de exertion interface, incentivando o exercício físico. Equilíbrio que deve ser considerado no design desses games.
Método
O trabalho de revisão aqui proposto foi realizado através do estudo e da análise de pesquisas em bases de dados disponíveis na internet: ERIC (Education Resources information Center, base de dados sobre Educação do governo dos EUA), IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers, organização fundada em 1884 e que possui importantes publicações na área da engenharia elétrica e de computação, informações sobre conferências internacionais), ACM (Association for Computer Machinery, uma das mais importantes bases de dados sobre computação avançada, informações sobre conferências internacionais na área), Citeseer (Scientific Literature Digital Library, base de dados sobre pesquisas em computação), PubMed (Biblioteca Digital Médica dos EUA, a principal base de dados na área das Ciências da Saúde), ISI Web of Knowledge e Science Direct (plataformas para busca de pesquisas científicas nas diversas áreas do conhecimento).
Foram investigadas também pesquisas publicadas em periódicos e trabalhos apresentados em eventos científicos; para tanto, dois sistemas de busca foram utilizados. Na primeiro, foram utilizadas as seguintes palavras e termos: (Exergame OR Exergaming OR "Exertion interfaces" OR "Active video game" OR "Nintendo Wii") e (videogame OR "Video game" OR "Active video game") AND ("Physical Education" OR "Physical Activity"). Posteriormente, verificou-se que nas referências de alguns trabalhos existiam pesquisas que não haviam sido encontradas na primeira busca, o que gerou uma nova busca, diretamente nas referências dos trabalhos.
A escolha das palavras e termos obedeceu a critérios de atualidade do tema e de frequência de utilização dessas palavras na literatura. As palavras exergame e exergaming são conceitos recentes e, portanto, foram facilmente encontradas, seguidas de "exertion interface" e "active video game". Justifica-se a escolha do buscador Nintendo Wii devido à frequência com que tais palavras aparecem nos trabalhos; grande parte dos artigos utilizados na presente pesquisa são posteriores a 2006, ano em que o Nintendo Wii foi desenvolvido. Assim, muitas pesquisas, embora não utilizem o game no método, fazem citações nas discussões ou na introdução. As expressões videogameOR "Video game" OR "Active video game" foram combinadas com "Physical Education" OR "Physical Activity" para verificar trabalhos anteriores à definição dos termos exergame e exergaming.
Como o objetivo do estudo foi verificar a utilização dos EXG na Educação Física, todas as pesquisas que utilizaram as palavras e termos descritos anteriormente e que estavam disponíveis nas bases de dados foram investigadas. Foi encontrado um número aproximado de 150 trabalhos, dos quais foram descartados 20, pois apenas citavam Nintendo Wii ou EXG nas referências. Posteriormente, mais 44 trabalhos também foram descartados, pois focavam o design de EXG ou citavam equipamentos de hardware que dão suporte a essa tecnologia, examinando novas formas de rastreamento e acelerômetros para controles. Dos 86 trabalhos restantes, 61 dão suporte às discussões nesta temática; as outras 25 pesquisas restantes foram analisadas e divididas em três grupos: aspectos fisiológicos, aspectos psicológicos e reabilitação.
Justifica-se a escolha dos grupos com base no conteúdo dos trabalhos investigados e nos objetivos do presente estudo.Verificou-se que algumas pesquisas abordaram aspectos relacionados às ciências da saúde e mensuraram variáveis fisiológicas, psicológicas e de reabilitação associadas ao uso de EXG.
Resultados: aplicação e utilização de EXG
Aspectos fisiológicos
As pesquisas classificadas no grupo "aspectos fisiológicos" investigaram o gasto calórico promovido pelos EXG, principalmente em crianças e jovens com idade escolar, promovendo um acréscimo no nível de atividade física e na frequência cardíaca em relação aos sedentários (videogames). Como exemplo desse grupo, tem-se as pesquisas de Lanningham-Foster e colaboradores (2006) e Graves e colaboradores (2007), que utilizaram, respectivamente, amostras de 25 crianças de 8 a 12 anos e 11 jovens entre 13 a 16 anos. Os mesmos resultados foram encontrados por Lanningham-Foster e colaboradores (2009), que utilizaram duas amostras de indivíduos com idades diferentes: um grupo com 22 crianças (12 anos) e outro grupo com 20 adultos (34 anos). Conforme aumenta a quantidade de musculatura envolvida no game, maior é o gasto energético. Graves e colaboradores (2008) analisaram a contribuição dos membros superiores e encontraram diferenças, estatisticamente significativas, entre EXG e videogames sedentários.
Entretanto, quando comparados ao gasto calórico diário sugerido pelo American College of Sports Medicine, as conclusões são preliminares, carecendo de investigação mais criteriosa que relacione EXG com atividades físicas e esportes utilizados em aulas ou programas de treinamento em Educação Física. Comparando o gasto energético durante a utilização de diferentes EXG, Siegel e colaboradores (2009) e Unnithan e colaboradores (2006) encontraram resultados similares para amostras diferentes: 13 adultos com idades médias de 26 anos e 22 jovens com idades entre 11 e 17 anos. Os resultados encontrados estavam acima das recomendações da ACSM para gasto calórico diário. Enquanto que Tan e colaboradores (2002) compararam os valores encontrados para gasto calórico no DDR com alguns esportes, encontraram similaridade de gasto com o tênis e valores abaixo quando comparados aos da natação. Quando o usuário permanece mais tempo jogando e avança para níveis mais elevados, o gasto calórico também aumenta. Foi o que os pesquisadores de Sell e colaboradores (2008) concluíram. Jogadores de DDR experientes gastam mais energia jogando e alcançam as recomendações do ACSM, quando comparados aos inexperientes.
EXG podem ser utilizados como ferramentas de intervenção em Educação Física, pois promovem uma melhora na aptidão física. Maddison e colaboradores (2009) afirmam que a efetividade do EXG é comprovada. Sua utilização para o emagrecimento também foi comprovada nos resultados de Mhurchu e colaboradores (2008), segundo os quais, crianças de 12 anos perderam medidas de circunferência quando comparadas com as crianças do grupo controle.
Outro aspecto importante no grupo analisado foi a ausência de pesquisas relacionadas ao desenvolvimento das capacidades físicas. Os trabalhos encontrados limitaram-se a investigar apenas aptidão aeróbia. Nenhum artigo investigou a utilização de EXG com educação especial ou utilizou uma amostra com indivíduos que apresentem algum tipo de deficiência. O campo apontado ainda permanece inexplorado.
Aspectos psicológicos
Neste grupo, as pesquisas focaram seus estudos na investigação dos aspectos psicológicos e motivacionais do usuário no jogo e os aspectos no design de EXG, que podem aumentar a motivação para o exercício físico. Algumas delas focaram a investigação na representação do usuário pelo avatar; Jin (2009) investigou 126 estudantes universitários que criaram seus avatares no Nintendo Wii. Os resultados da pesquisa indicam que usuários que criaram o avatar ideal, ou seja, baseado na representação de uma imagem perfeita, não conseguem maior interação no game, enquanto os usuários que conseguem maior imersão são os que criaram os avatares com base em suas características reais. Vasalou e Joinson (2009) investigaram 71 indivíduos com idades entre 18 e 24 anos; os pesquisadores também utilizaram o Nintendo Wii para a criação dos avatares. Os resultados indicam que avatares criados para participar de blogs possuem as características físicas, estilo de vida e aparência do usuário, ao contrário dos avatares criados para utilização em sites de relacionamento e games, nos quais as características foram acentuadas para refletir o contexto. Nos sites de relacionamento, para parecerem mais atrativos e, em games, para parecerem mais intelectualizados.
A realidade virtual dos games foi um item considerado motivador para o exercício físico: Epstein e colaboradores (2007) investigaram a interatividade em 35 crianças entre 8 e 12 anos, para os quais o DDR foi mais motivador do que a execução de movimentos de dança sozinho ou assistindo à televisão. Resultados semelhantes também foram encontrados por Marijke e colaboradores (2008), que investigaram 27 crianças em escolas primárias, acerca do uso do IDSVG (interactive dance simulationvideogame) e verificaram que os gamesmultiplayer também aumentam a motivação. A fantasia dos games está relacionada com os aspectos de desafio, nível de habilidade exigida, interação e imersão. O desafio diz respeito ao enredo do game, aos objetivos e metas do usuário: resgatar a princesa, fazer mais pontos, vencer outro adversário ou o computador. O nível de habilidade exigido está relacionado à velocidade de execução dos movimentos dos dados de entrada e aos aspectos cognitivos, como por exemplo, a movimentação do joystick e o tempo de reação do usuário em relação à exigência do game. A interação se relaciona com a capacidade do usuário de interagir com o game, saber jogar, utilizar as táticas necessárias e saber utilizar as ferramentas oferecidas, usabilidade, enquanto a imersão é a capacidade do game de levar o usuário para o mundo virtual. Dessa forma, Pasch e colaboradores (2009) verificaram que a mistura dos ingredientes mencionados resulta em um bom game, no qual o desafio e o nível de habilidade devem estar de acordo com a faixa-etária do usuário, interação e imersão com a fantasia do mesmo. Tais aspectos foram citados para o design de games, em que um nível de desafio muito elevado para determinada faixa-etária resulta em frustração, segundo os mesmos autores, enquanto um nível muito baixo resulta em desinteresse; o mesmo acontece com o nível de habilidade exigida. No que se refere ao aspecto imersão, dois tipos distintos de movimentos foram observados no gameNintendo Wii, ainda pelos mesmos pesquisadores: a competição e o gesto esportivo. Pasch e colaboradores (2009) investigaram 90 indivíduos, entre homens e mulheres, esportistas e estudantes. Os resultados indicam que, quando o desafio se relaciona com a competição, o usuário realiza os movimentos necessários para pontuação ou para vencer o adversário; ao contrário do gesto esportivo, no qual o desafio é realizar um movimento similar ao do esporte em questão.
Jogos violentos foram estudados por Markey e Scherer (2009) em 118 estudantes universitários com idades médias de 19 anos, na perspectiva de investigar o potencial de EXG violentos em acentuar o psicoticismo. Os resultados indicam que o movimento do EXG não aumenta os efeitos negativos dos jogos violentos; porém, participantes com níveis elevados de psicoticismo são mais afetados pelos games, sugerindo que indivíduos que possuem predisposição à violência podem ser incentivados pelos referidos games.
Um aspecto importante verificado nas pesquisas desse grupo foi o número de indivíduos participantes das investigações. A maioria dos trabalhos utilizou amostras grandes de indivíduos adultos, ao contrário do grupo "aspectos fisiológicos", que utilizou em sua maioria uma amostra pequena de crianças e adolescentes.
Aspectos de reabilitação
No grupo aspectos de reabilitação, também foram incluídos estudos médicos e fisioterapêuticos. As pesquisas investigaram as possibilidades e limitações da utilização de EXG para a reabilitação física. Burk e colaboradores (2009) discutiram a efetividade desses games no tratamento e na adesão do paciente à terapia. Os resultados indicam que os games têm muito a oferecer na área de reabilitação. Nela, a importância do design é fundamental para a adesão do paciente ao tratamento e para a promoção de melhorias no movimento dos segmentos corporais. Outro aspecto interessante na efetividade é a característica multiplayer de alguns games. Deutsch e colaboradores (2008) estudaram limites e possibilidades do uso de EXG para reabilitação de um paciente e verificaram que a motivação e aderência do paciente ao programa aumentaram quando o game foi utilizado por mais de um usuário, no mesmo jogo, promovendo também a interação social.
A possibilidade de realizar o tratamento de pacientes em sua própria casa também é outro aspecto que tem motivado a investigação científica. Leder e colaboradores (2008) estudaram tais possibilidades. Os resultados do estudo indicam que o Nintendo Wii é um sistema simples sob o ponto de vista da aplicabilidade e da relação custo x benefício, podendo ser utilizado em casa. O Sistema Wii Fit da Nintendo permite o tratamento, com eficiência, de disfunções motoras relacionadas ao equilíbrio, permitindo inclusive adaptação às limitações do paciente. Gil-Gómez e colaboradores (2009) desenvolveram um sistema, ainda em avaliação ergonômica e de usabilidade, que utiliza o Wii Fit, o qual permite o uso doméstico. O equilíbrio e o controle corporal também foram estudados por Betker e colaboradores (2006), que investigaram a variação do COP (Center of Pressure) durante um jogo em EXG. Os resultados indicam que o game pode ser utilizado como método de tratamento para equilíbrio e controle postural. O sistema também possui feedback, possibilitando o controle do aprendizado motor no uso doméstico. O tratamento comportamental também é evidenciado por Benveniste e colaboradores (2009), os quais investigaram a possibilidade de tratamento para pacientes com desvio comportamental através do Wii e da música. Os resultados indicam aspectos positivos e efetivos no tratamento de indivíduos com alguma disfunção comportamental, utilizando EXG.
A tendência multidisciplinar das ciências e o uso cada vez mais frequente da informática têm proporcionado avanços nas áreas tecnológicas. Na Medicina, por exemplo, a criação de ambientes virtuais de aprendizagem está tornando possível o treinamento de cirurgiões, através do uso do Nintendo Wii (Patel e colaboradores, 2009). Portanto, a utilização de EXG em reabilitação humana parece ser uma área promissora; entretanto, o pequeno número de pesquisas e os poucos estudos de casos que existem fornecem apenas informações preliminares sobre limites e possibilidades de intervenção, mas necessita de maior investigação científica. Lesões durante o uso de EXG também foram relatadas por Hirpara e Abouazza (2008), evidenciando a preocupação em relação à utilização desses games, quando na ausência de um profissional da área da saúde.
Conclusões
Os resultados encontrados na pesquisa aqui apresentada sugerem que EXG possibilitam um aumento no nível de atividade física, quando comparados aos sedentários videogames. O uso desses games promove maior gasto calórico e aumento da frequência cardíaca durante o exercício, aspectos fundamentais para a promoção da saúde e tratamento contra a obesidade. Os games estudados também podem ser utilizados como método de tratamento para equilíbrio, controle postural, reabilitação dos segmentos corporais e treinamento de cirurgiões. Alguns sistemas também possibilitam sua utilização em casa, favorecendo a portabilidade e uma boa relação custo x benefício para o usuário.
A fantasia da realidade virtual, o enredo e os desafios dos jogos são aspectos psicológicos importantes que permitem maior interação e imersão do usuário com e no game. O design de novos jogos deve levar em consideração não apenas esses aspectos como também o nível de habilidade motora exigida para a efetividade do EXG. Em relação ao uso de jogos violentos, os resultados indicam que os EXG não promovem efeitos negativos no usuário; no entanto, indivíduos com níveis elevados de psicoticismo são mais afetados pelos games, sugerindo que usuários portadores de predisposição à violência podem ser incentivados por tais games. Lesões em EXG também foram relatadas em algumas pesquisas, evidenciando a necessidade de cuidado na aplicação dessa ferramenta.
O presente estudo permitiu analisar o potencial dos EXG para utilização nas ciências da saúde. Muitas pesquisas utilizaram games já existentes no mercado, como o Nintendo Wii, o Play Station 2 e o Dance Dance Revolution, enquanto outras apresentaram o design de novos games desenvolvidos especificamente para o exercício físico. Os EXG podem ser utilizados como ambientes virtuais de aprendizagem para novos movimentos, gestos desportivos ou simplesmente como ferramenta para aumentar o gasto calórico. A utilização dos games analisados na Educação Física ainda está relacionada ao entretenimento e às formas alternativas de exercício físico. A inclusão dessa ferramenta no ambiente escolar está limitada à capacitação dos professores para sua utilização; portanto, este estudo constitui fonte de informações importantes para educadores que pretendem utilizar EXG em programas de exercício ou em aulas de Educação Física.
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Notas
C.A.O. Vaghetti
Endereço para correspondência: Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Rua Fernando Osório 511, Cassino, Rio Grande, RS 96205-090, Brasil.
E-mail para correspondência: cesarvaghetti@gmail.com.
S.S.C. Botelho
E-mail para correspondência: silviacb@furg.br.