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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas
versión On-line ISSN 1806-6976
SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.3 n.1 Ribeirão Preto ago. 2007
ARTIGO ORIGINAL
As manifestações de sofrimento mental mais freqüentes na comunidade
Las manifestacones de sufrimiento mental más frecuentes en la comunidad
The most frequent manifestations of mental suffering in the community
Ruy Laurenti
Professor Emérito, Professor Titular Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Brasil.
RESUMO
Apresenta-se um panorama da freqüência de transtornos mentais e comportamentais na população do Brasil, do Estado e do município de São Paulo, tendo como base os dados de mortalidade e morbidade do ano 2002. Entre o número de óbitos, destacam-se os transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas (F10-F19), com 77,26% das causas de morte no Brasil; 59,11% no Estado e 53,38% no município. Quanto às internações, predominam os transtornos incluídos no grupamento Esquizofrenias, transtornos esquizotípicos e delirantes (F20-F29), com 52,72, 43,77 e 44,65% do total de transtornos mentais, respectivamente, no Brasil, Estado e município de São Paulo; seguido do mesmo grupamento responsável pelos óbitos. Tais dados dão idéia do cenário, pois somente inquéritos, bem conduzidos, podem evidenciar a prevalência, e o Brasil carece de estudos dessa natureza, assim os dados secundários de mortalidade e morbidade são uma alternativa, como balizadores da situação e para implementar políticas públicas.
Palavras-chave: Transtornos mentais, Transtornos do comportamento social, Mortalidade, Morbidade.
RESUMEN
Se presenta un panorama de la frecuencia de trastornos mentales y comportamentales en la población de Brasil, del Estado y del Municipio de São Paulo, basado en los datos de mortalidad y morbilidad del año de 2002. Entre el número de óbitos, se destacan los trastornos mentales y comportamentales debido al uso de sustancias psicoactivas (F10-F19) con el 77,26% de las causas de muerte en Brasil; 59,11% en el Estado y 53,38% en el Municipio. Respecto a las internaciones, predominan los trastornos incluidos en el grupo Esquizofrenias, trastornos esquizotípicos y delirantes (F20-F29), con el 52,72%, 43,77% y 44,65% del total de trastornos mentales, respectivamente, en Brasil, Estado y Municipio de São Paulo; seguido del mismo grupo responsable por los óbitos. Tales datos dan una idea del escenario, ya que solamente investigaciones bien conducidas pueden evidenciar la prevalencia, y en Brasil faltan estudios de ese tipo. Así, los datos secundarios de mortalidad y morbilidad son una alternativa, como balizadores de la situación y para implementar políticas públicas.
Palabras clave: Trastornos mentales y comportamentales, Mortalidad, Morbilidad.
ABSTRACT
A panorama is presented of the most frequent mental and behavioral disorders in the population of São Paulo, the state of São Paulo and in the Brazilian population. The database used includes mortality and morbidity from 2002. Among the number of deaths, mental and behavioral disorders due to the use of psychoactive substances are the most frequent causes (F10-F19), with 77.26% of deaths in Brazil; 59.11% in the State and 53.38% in the city of São Paulo. Regarding hospitalizations, the predominant mental disorders are grouped in Schizophrenia, schizotypal and delirious disorders (F20-F29), with 52.72%, 43.77% and 44.65% from the total of mental disorders, respectively in Brazil, State and City of São Paulo; followed by the same group responsible for deaths. These data only provide a dimension of the scenario, because only well conducted research can evidence the prevalence. Brazil lacks studies of such nature and secondary data on mortality and morbidity are an alternative, functioning as a guide for the situation and for the implementation of public policies.
Keywords: Mental and behavioral disorders, Mortality, Morbidity.
INTRODUÇÃO
Para se conhecer as mais freqüentes manifestações de sofrimento mental em populações é preciso traduzi-las em diagnósticos, no caso, diagnósticos de transtornos ou perturbações mentais, e quantificá-los ou mensurá-los.
Para qualquer agravo à saúde essa quantificação tem sido feita, tradicionalmente, pelos dados de mortalidade e pelos de morbidade. No caso dos transtornos mentais (TM) há algumas dificuldades nessa quantificação pelas próprias características desses agravos e a necessidade de haver uniformização terminológica para o diagnóstico, sem a qual é difícil avaliar a freqüência e compará-las em populações distintas. Sobre essa questão, no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais(DSM-IV)(1) comenta-se que a necessidade de classificação das perturbações mentais tornou-se clara há muito tempo, mas não havia acordo sobre quais delas deveriam ser consideradas e qual o método ótimo para sua sistematização, pois havia divergências na ênfase dada quanto à fenomenologia, à etiologia e à evolução na definição de suas características. Assim, alguns sistemas incluíam poucas categorias de diagnósticos e outros incluíam muitas e, além disso, os vários sistemas para caracterizar as perturbações mentais diferiam no que respeita aos seus principais objetivos, seja para uso em contexto clínico, de investigação ou para produção de estatísticas. Esse último aspecto - estatísticas - é o que interessa, no nosso caso, quanto à quantificação do sofrimento mental na população.
A uniformização terminológica das perturbações ou transtornos mentais, para finalidades estatísticas, foi conseguida quando a OMS assumiu a responsabilidade pelas revisões decenais da Classificação Internacional de Doenças e Causas de Morte, em 1948, publicando a 6ª Revisão, CID-6, em 1950, na qual estava incluído, pela primeira vez, um capítulo sobre os transtornos mentais, sob o título Doenças Mentais, Psiconeuroses e Perturbações da Personalidade. Esse título permaneceu na CID-7, sendo que na CID-8 passou a denominar-se Transtornos Mentais.
Grande avanço, pode-se considerar, ocorreu na CID-9, que passou a ter, para cada categoria e subcategoria dos transtornos mentais um verbete, isto é, um glossário, o qual foi elaborado após consulta a especialistas de vários países e teve a finalidade de definir o significado de cada categoria, ou seja, dos diagnósticos.
Está em vigor, atualmente, a CID-10 ou 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde e o Capítulo-V é o que apresenta os Transtornos Mentais e Comportamentais, mantendo, para cada categoria, o glossário específico. A CID-10 foi posta em uso nos primeiros anos da década de 90 do século XX(2).
A CID é usada internacionalmente para finalidades estatísticas de apresentação das causas de morte ou causas (diagnósticos) de internações ou motivos de consultas, estando incluídos, portanto, os transtornos mentais.
Para alguns aspectos estatísticos em morbidade, mas principalmente para uso clínico, existe o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, atualmente na sua 4ª atualização (DSM-IV) e que mantém relação com a CID-10 ao apresentar os códigos dessa.
A freqüência dos transtornos mentais e comportamentais na população
A freqüência de qualquer agravo à saúde na população, quer como causa de morte quer como causa de internação, ou motivo de consulta, é conhecida pelas chamadas estatísticas de mortalidade e as de morbidade. Nessas últimas, deve-se incluir também os dados obtidos em inquéritos populacionais.
a Mortalidade pelos transtornos mentais
As estatísticas de mortalidade refletem muito pouco sobre a freqüência dos TM na população, visto que, diferentemente de outros agravos à saúde como as doenças infecciosas e parasitárias, as doenças dos aparelho circulatório, respiratório, digestivo etc., bem como as neoplasias e as causas externas, os TM são pouco freqüentes como causas de morte.
John Graunt, o primeiro a publicar estatísticas de mortalidade, em 1662, no caso, para Londres, comentava em seu trabalho, Natural and Political Observations made upon the Bills of Mortality(3), que havia mortes devido a uma doença e mortes com uma doença e, nesses últimos casos citava os lunáticos. Assim, pela sua descrição, havia mortes de lunáticos, mas devido a outras causas e não devidas à lunatice. Entretanto, reconhecia que poderiam ser causas de morte. De fato, na listagem de causas de morte onde apresentava 83 categorias ou diagnósticos aparecia na categoria 44, Lunatique, e aparecia também as categorias 23 Excessive Drinking (bebedor excessivo) e 32 Grief (desgosto).
As estatísticas de causa de morte são apresentadas, atualmente, segundo a CID-10(4), na qual o capítulo V corresponde à classificação dos TM que são dispostos segundo onze agrupamentos como mostrado na Tabela 1:
Algumas observações precisam ser feitas quanto ao uso da CID-10 para os TM como causas de morte. Assim, na categoria F10, que se refere aos Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, o alcoolismo poderá ser informado como causa de fibrose e cirrose hepática, ou de uma insuficiência hepática, levando à morte. Nesses casos, o óbito será classificado como K70 - Doença alcoólica do fígado, e não como F10, isto é, não estará incluído no capítulo V.
Outra observação diz respeito ao código (categoria) F17 Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso do fumo. Está se tornando relativamente freqüente a ocorrência de mortes por doença isquêmica do coração, neoplasia maligna de pulmão e doenças crônicas das vias aéreas, particularmente a doença pulmonar obstrutiva crônica e o enfisema pulmonar, onde, nesses casos, o médico informa como sendo devidas a uso excessivo de fumo, tabagista inveterado e outros sinônimos. Entretanto, as mortes são classificadas nessas causas e não como F17. Portanto, nas estatísticas de mortalidade pelos TM, esses poderão estar submensurados pela não inclusão de casos de alcoolismo e tabagismo.
O Brasil dispõe de bom sistema de informações em mortalidade, conhecido como SIM, cujo fluxo, desde a emissão da Declaração de Óbito pelo médico até a elaboração de estatísticas, está muito bem estabelecido. A cobertura do SIM vem aumentando, admitindo-se que entre 85 e 90% dos óbitos estão incluídos no SIM e, quanto à qualidade da informação, vários estudos têm mostrado que vem melhorando bastante.
Para o ano 2002, o número de óbitos totais e por TM no Brasil, no Estado e município de São Paulo, estão apresentados na Tabela 2.
Não atinge 1% a proporção de óbitos por TM no Brasil, no Estado e município de São Paulo. Apenas para comparação, o principal grupo de causas de morte, nesses três locais, corresponde às doenças cardiovasculares, respectivamente, 27,21, 29,79 e 32,17%.
Quanto aos agrupamentos de diagnósticos de TM responsáveis por óbitos, a Tabela 3 apresenta-os para o Brasil, Estado e município de São Paulo.
Os Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa (F10 F19) são responsáveis por 77,26% dos TM como causa de morte no Brasil e, respectivamente, 59,11 e 53,38%, no Estado e no município de São Paulo. Nesse agrupamento se incluem os TM devidos ao uso de álcool, opiáceos, canabinóides, sedativos, hipnóticos, cocaína, outros estimulantes e alucinógenos, e também aqueles devido ao uso de fumo. Essas proporções não incluem os casos de uso de álcool e do fumo quando complicados por lesões orgânicas como cirrose hepática ou complicações pulmonares, conforme já foi comentado antes.
O segundo agrupamento de diagnósticos de TM corresponde aos Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos (F00-F09) que, no município de São Paulo, foram responsáveis por 43,75% dos TM como causa de morte. No Brasil e Estado de São Paulo os valores foram, respectivamente, 16,11 e 34,71%. Nesse agrupamento se incluem, entre outros, as demências, principalmente aquelas de origem vascular.
Os dois agrupamentos, F00-F09 e F10-F19, em conjunto, são responsáveis por mais de 93% dos TM como causas de morte, chegando, no município de São Paulo, a 97,13%.
Embora os dados de mortalidade não espelhem a freqüência dos TM na população, ou espelhem bem menos do que ocorre com outras causas, servem, até certo ponto, para indicar prioridades ou a importância de alguns deles como causas de morte. Aqui valem os comentários feitos por John Graunt, em 1662, a respeito dos TM, que ele chamou de lunáticos: há morte de indivíduos com esse diagnóstico sem que, entretanto, eles sejam a causa de morte. É o que chamou de morrer devido a uma doença e morrer com uma doença.
Ao descrever ou analisar informações sobre mortalidade, é preciso ficar atento à qualidade dos dados nos quais se baseiam essas informações. No caso dos TM, docentes do Departamento de Epidemiologia da FSP/USP fizeram uma avaliação baseando-se em um estudo sobre mortes de mulheres de 10 a 49 anos nas capitais de Estados do Brasil(5). Com base nesse estudo, foi possível avaliar a qualidade e a quantidade de dados sobre TM, as quais estão mostradas neste artigo, porém, o trabalho sob esse ponto de vista não foi ainda publicado.
Na amostra de 7332 casos de óbitos de mulheres de 10 a 49 anos, residentes nas capitais de Estados do Brasil, verificou-se que os TM constituíram o grupo de causas de morte em que houve o maior ganho de informação em função da metodologia da pesquisa. Foi possível verificar que os 33 casos de morte, assim considerados nos atestados originais, tornaram-se 70 após investigação. Apesar de os números não serem elevados, o ganho de informação foi de 120% (razão igual a 2,12).
Como causa básica, os transtornos mentais mais freqüentes foram aqueles devidos ao uso de álcool (37,1%), sendo que, com relação às drogas, somente os opiáceos representaram 4,2% e as múltiplas drogas, 7,1%. Como causa associada ao óbito, os transtornos mentais foram citados na Parte I da DO em 2,4% dos casos (156), sendo importante referir que, também aqui, houve preponderância do uso de álcool. Quanto às citações na Parte II da DO, isso ocorreu em 10,4% das mortes, e o uso do fumo e o uso do álcool foram os de freqüência mais alta.
É importante salientar que, quando a causa da morte foi o suicídio, em número não desprezível de vezes, verificou-se a existência de depressão associada.
b Morbidade hospitalar pelos transtornos mentais
Ainda que no Brasil tenha sido implantada uma política visando a redução das internações pelos TM, essas ainda oferecem um bom diagnóstico da situação. Numericamente, são bem maiores do que os casos de morte e é lícito julgar que qualitativamente as informações seriam melhores.
Na Tabela 4 que se segue, são apresentadas as internações pelos TM para o Brasil, Estado e município de São Paulo.
Comparando-se as Tabelas 2 (mortalidade) e a Tabela 4 (morbidade hospitalar) pode-se verificar que o número de casos de internações por TM é muito maior do que aquele referente à mortalidade. Por outro lado, enquanto que a proporção (%) de mortes por TM em relação ao total de óbitos não chegava a 1%, no caso das internações por TM, em relação ao total, as proporções foram bem maiores, chegando a 9,58% no Estado de São Paulo. Pode existir superenumeração nos casos de internações, visto que um mesmo caso, portanto, o mesmo diagnóstico, às vezes é internado mais de uma vez no ano.
A Tabela 5, a seguir, apresenta as internações segundo os agrupamentos diagnósticos.
Os TM mais freqüentes quanto às internações foram aqueles incluídos no agrupamento Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes (F20-F29). Esses casos foram responsáveis por 52,72, 43,77 e 44,65% do total de internações por TM, respectivamente, no Brasil, Estado e município de São Paulo. Nos casos de morte, esse agrupamento esteve muito pouco representado (Tabela 3), respectivamente, 1,95, 1,59 e 0,45%.
Segue-se a esse agrupamento as internações pelos Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa (F10-F19) (18,86, 16,93 e 19,86%) e, em seguida, os Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos (F00-F09) (12,84, 16,79 e 14,20%). Esses dois agrupamentos de TM foram as principais causas de morte (Tabela 3).
Os Transtornos do humor (afetivos) (F30-F39) formam o quarto grupo de diagnósticos mais freqüentes como causas de internações dentre os TM (7,75, 7,10 e 17,10%). Nesse agrupamento, incluem-se os episódios maníacos, o transtorno afetivo bipolar, os transtornos depressivos entre outros. Como se verifica na Tabela 5, esses diagnósticos, no município de São Paulo, foram responsáveis por 17,10% do total de internações por TM, bem maior do que o observado para o Brasil e o Estado de São Paulo.
Embora se saiba que as internações por TM representam tão somente uma parcela do total dos casos existentes, os dados referentes a elas podem servir para alguns tipos de estudos epidemiológicos e constituem, por outro lado, excelente subsídio para a programação e gestão da saúde mental da população.
c Inquéritos populacionais
A prevalência de TM na população somente pode ser conhecida por meio de inquéritos populacionais, os quais utilizam instrumental apropriado que é aplicado, geralmente, numa amostra representativa de uma determinada população ou estrato populacional.
Os dados de mortalidade e os de internação (morbidade) podem dar uma certa idéia do que está ocorrendo. Entretanto, somente os inquéritos bem conduzidos podem mostrar qual a prevalência.
No Brasil, poucos inquéritos sobre prevalência dos TM foram realizados, como comentam alguns autores(6) ao apresentarem os resultados de um inquérito populacional, realizado pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSP e pelo Departamento de Epidemiologia da FSP-USP com abrangência de duas áreas (subdistritos) de São Paulo, Jardim América e Vila Madalena, correspondendo a 28 169 domicílios e população de 91 276 habitantes, para o ano de 1995. A amostra incluiu somente os indivíduos de 18 anos e mais, e a área de estudo consistiu, predominantemente, de famílias de nível sócioeconômico médio e alto, ainda que nas áreas existissem cortiços e favelas. O diagnóstico psiquiátrico baseou-se em entrevistas individuais e o instrumento foi a versão para o português do Composite International Diagnostic Interview que permitiu formular diagnósticos durante toda a vida da pessoa, bem como nos 12 meses e 1 mês anteriores à visita, e assim, calcular as respectivas prevalências. Os diagnósticos foram classificados segundo a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Os resultados mostraram que, aproximadamente, 46% da amostra apresentou, no mínimo, um transtorno mental durante sua vida, isto é, quase 1 em cada 2 entrevistados. Verificou-se, também, que 26,8% tiveram um episódio no ano precedente e 22,2% no mês anterior à entrevista. O transtorno mais comum foi a dependência de nicotina, com 25% do total da amostra durante toda a vida. Excluindo essa dependência, 33% da amostra apresentou, no mínimo, um transtorno mental durante a vida, sendo os episódios depressivos os mais comuns em qualquer dos três períodos. Seguiu-se, como os mais comuns, durante toda a vida, os transtornos somatoformes (6%), a dependência de álcool (5,5%) e a fobia simples (4,8%)(6).
O inquérito permitiu avaliar os diagnósticos segundo sexo, idade, estado marital, condição sócioeconômica, anos de escolaridade, condição de emprego, classe social e usos de serviços.
A Tabela 6 apresenta os resultados do inquérito para alguns transtornos mentais.
Para a maioria dos diagnósticos verificou-se que a prevalência foi maior no sexo feminino e, daqueles diagnósticos selecionados para aparecer na Tabela 6, apenas as dependências de álcool, de drogas e de nicotina foram maiores no sexo masculino. Para alguns diagnósticos, a diferença a favor do sexo feminino foi marcante como a ansiedade /transtorno depressivo.
Outro inquérito realizado em uma área urbana no norte do Estado de Minas Gerais, e que procurou medir a prevalência de TM em idosos, mostrou valor de 29,3% e os autores, comparando com outros estudos (inquéritos), comentam que a prevalência encontrada foi alta e está associada com múltiplas doenças, incapacidades e pobreza(7).
COMENTÁRIOS FINAIS
Considerando as evidências do sofrimento mental na saúde da população, o conhecimento da magnitude do sofrimento mental na população é antigo desafio em epidemiologia, em Saúde Pública e, nessa, especificamente em Saúde Mental.
Como medir?
Aqui fala-se sobre as estatísticas de mortalidade, as de morbidade (internações) e aquelas derivadas dos inquéritos. Esses últimos, na realidade, são os mais adequados para avaliar a prevalência dos TM na população, quer a geral, quer estratos populacionais específicos.
Sabe-se que os inquéritos não são fáceis de serem realizados e, deve-se destacar, são muito caros e é difícil, ou mesmo quase impossível, realizá-los para o país como um todo e mesmo para os Estados.
Os dados secundários de mortalidade e morbidade, que são rotineiros, ficam como alternativas. Não dão a prevalência, entretanto, podem servir como balizador da situação e servem para vários tipos de estudos epidemiológicos e, principalmente, para usos em administração de serviços de saúde.
O desafio bastante velho é como melhorar a qualidade da informação e, muito importante, melhorar a quantidade desses dados. Isso vale, principalmente, nos casos de óbitos onde nem sempre o médico declara no atestado a existência de um TM, quer como causa básica, quer como causa associada. Assim, seria muito importante discutir esse assunto com os médicos e, principalmente, com os estudantes de medicina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 American Phychiatric Association DSM. IV. Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais. 4ª edição (versão ao português). Lisboa: CLIMEPSI EDITORES; 1996. [ Links ]
2 Andrade L, Walters EE, Gentil V, Laurenti R. Prevalence of ICD-10 mental disorders in a catchment area in the city of São Paulo. Braz Soc Phychiatry Psychiatr Epidemiol. 2002;37:316-25. [ Links ]
3 Ministério da Saúde(BR). Divisão Nacional de Saúde Mental. Relatório Final da I Conferência Nacional de Saúde Mental. Rio de Janeiro; 1987. [ Links ]
4 Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima Revisão. São Paulo: OMS, EDUSP; 1995. [ Links ]
5 Greenwood M. Medical statistics From Graunt to Farr. Cambridge: University Press; 1948. [ Links ]
6 Laurenti R, Mello Jorge MHP, Gotlieb SLD. A mortalidade materna nas capitais brasileiras: algumas características e estimativas de um fator de ajuste. Rev Bras Epidemiol 2004; 7(4): 449-60. [ Links ]
7 Maia LC, Durante MAS, Ramos LR.Prevalência de transtornos mentais em área urbana no norte de Minas Gerais. Rev Saúde Pública 2004; 38 (5): 650-6. [ Links ]
Endereço para correspondência
Ruy Laurenti
E-mail: laurenti@usp.br
Recebido: 10/05/2007
Aprovado: 26/07/2007