Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
Compartir
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versión impresa ISSN 1808-5687versión On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. vol.11 no.2 Rio de Janeiro dic. 2015
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20150016
ARTIGOS DE REVISÃO
Terapia comportamental dialética para dependentes químicos
Dialectical behavior therapy for drugs addiction tatiens
Clarice Mottola de Oliveira OppermannI; Laura Baptista LewgoyII; Renata Brasil AraujoIII
IAcadêmica do curso de Psicologia da PUCRS - (Estagiária em Psicologia na Unidade de Dependência Química do Hospital Psiquiátrico São Pedro) - Porto Alegre - RS - Brasil
IIAcadêmica de Psicologia da PUCRS - (Estagiária em Psicologia na Unidade de Dependência Química do Hospital Psiquiátrico São Pedro)
IIIDoutorado em Psicologia - (Coordenadora e Supervisora dos Programas de Dependência Química e de Terapia Cognitivo-comportamental do Hospital Psiquiátrico São Pedro)
RESUMO
O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática da utilização da terapia comportamental dialética (TCD) em dependentes químicos com transtorno da personalidade borderline (TPB). Foi realizada uma revisão sistemática nas bases de dados Medline, PsycINFO, PubMed e Scielo entre os anos de 1996 e 2016, e os descritores utilizados foram: dialectical behavior therapy, drug addiction e borderline personality disorder. Esta pesquisa demonstrou resultados positivos sobre a efetividade da TCD em pacientes dependentes químicos com TPB: a maioria dos estudos encontrou melhores taxas de abstinência, menos uso de substâncias psicoativas e melhora na regulação emocional naqueles indivíduos que fizeram essa modalidade de tratamento. No entanto, ainda são poucos os estudos e pequenas as amostras estudadas. Conclui-se que a TCD pode ser uma boa alternativa no tratamento de pacientes com TPB em comorbidade com a dependência química, a fim de diminuir as altas taxas de recaídas do uso de substâncias psicoativas e de atuar na regulação das emoções.
Palavras-chave: Terapia cognitivo-comportamental; Transtorno da personalidade borderline; Transtornos relacionados ao uso de substâncias.
ABSTRACT
This study aimed to perform a systematic review regarding the use of Dialectical Behavior Therapy (DBT) in drug addicts with Borderline Personality Disorder (BPD). A systematic review was performed in the following databases: Medline, PsycINFO, PubMed, and Scielo, between 1996 and 2016, and used the following keywords: Dialectical Behavior Therapy, Drug Addiction, and Borderline Personality Disorder. This research has shown positive results on the effectiveness of DBT in drug dependent patients with BPD: Most studies found improved abstinence rates, less psychoactive substance use, and improvement in emotional regulation in those individuals who went through this treatment method. However, there are still few studies, with a small number of samples. It is concluded that DBT can be a good alternative in the treatment of patients with BPD in comorbidity with drug addiction towards the improvement of the high relapse rates of psychoactive substance use and for acting in the regulation of emotions.
Keywords: Cognitive-behavior therapy; Borderline personality disorder; Substance-related disorder.
INTRODUÇÃO
Conforme Beck, Freeman e Davis (2004), verifica-se um alto índice de pacientes dependentes químicos com o diagnóstico de transtorno de personalidade borderline (TPB), ou, no mínimo, com traços característicos desse tipo de personalidade. Estudos epidemiológicos mostram que a prevalência de dependência de substâncias em indivíduos com TPB é bastante elevada (Bohus et al., 2000; Echeburúa, De Medina, & Aizpiri, 2005; Trull, Sher, Minks-Brown, Durbin, & Burr, 2000; Verheul, 2001). No entanto, ainda que 26 a 84% dos pacientes que estão sendo tratados para o TPB apresentem como comorbidade o transtorno por uso e abuso de substâncias, a taxa desses pacientes que está em tratamento para esta última patologia varia somente entre 5 e 65% (Trull et al., 2000).
De acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association [APA], 2014), o que caracteriza um indivíduo com TPB é um padrão instável no que se refere a relacionamentos interpessoais, autoimagem e impulsividade, que está presente em uma variedade de contextos, tendo início na idade adulta. Alguns estudos indicam que esses pacientes são mais propensos a usar estratégias de enfrentamento de esquiva, mostrando maior intolerância à angústia. Essa deficiência interfere na manutenção do comportamento alvo-dirigido, prejudicando, assim, a aprendizagem de novas competências (Bornovalova & Daughters, 2007).
A aliança terapêutica também costuma ser comprometida nos pacientes com TPB por haver mudanças frequentes em seus objetivos e valores, e por sua incapacidade de resistir a intensas influências negativas. Qualquer um desses fatores, deve-se destacar, também pode acarretar flutuações dramáticas na motivação para procurar tratamento, levando, por sua vez, à manutenção da conduta disfuncional (Gratz & Roemer, 2004; Linehan, 1993b).
Alguns dados de pesquisa sobre a efetividade da psicoterapia demonstraram que as abordagens psicodinâmicas tradicionais não resultaram em uma redução de risco de suicídio nos pacientes com TPB tratados (Turner, 1989). Por sua vez, as primeiras abordagens de terapia cognitivo-comportamental (TCC) focalizavam mais o tratamento das cognições e dos comportamentos disfuncionais, sem tratar o TPB a partir de uma formulação integrada, que abarcasse seus componentes emocionais e experienciais (Young, Klosko, & Weishaar, 2009). Conforme Dornelles e Sayago (2015), em estudos desenvolvidos por Marsha Linehan, criadora da TCD, foram observados três problemas centrais na aplicação da TCC padrão com pacientes com TPB: (1) o foco específico na mudança era percebido pelos pacientes como uma experiência invalidante; (2) os pacientes, de forma não intencional, reforçavam seus terapeutas quando estes utilizavam estratégias de tratamento não efetivas; e (3) a quantidade e a gravidade dos problemas dos pacientes tornavam impossível a aplicação da TCC padrão.
A terapia focada nos esquemas (Young et al., 2009) apresentou, inicialmente, resultados de valor limitado com os pacientes com TPB, porém, quando foram introduzidos métodos mais integrados e de duração maior, estudos de caso sugeriram que tal abordagem era mais promissora (Ball, 2007; Dimeff & Linehan, 2008; Linehan, 1993a; Linehan et al., 2002). Linehan, Armstrong, Suarez, Allmon e Heard (1991) demonstraram que, para os pacientes com TPB, um ano de TCD era superior ao tratamento usual em três índices: no número de pacientes que permanecia em tratamento, nos dias médios de hospitalização e no número de comportamentos parassuicidas nos últimos três meses de tratamento naqueles indivíduos com boa adesão.
Segundo a visão dialético-comportamental de Linehan (1993a), os pacientes com TPB são caracterizados por uma disfunção na regulação da emoção, provavelmente do temperamento, provocando uma forte reação a eventos estressantes durante um longo tempo até que as emoções retornem à sua linha de base. Entende-se a desregulação emocional como a dificuldade ou inabilidade de lidar com as experiências ou processar as emoções. A desregulação pode se manifestar tanto como intensificação excessiva quanto como desativação excessiva das emoções (Leahy, Tirch, & Napolitano, 2013). A regulação emocional inclui processos para amplificar, atenuar ou manter respostas afetivas (Axelrod, Perepletchikova, Holtzman, & Sinha, 2011). Conforme Linehan, Lynch, Hamed, Korslund e Rosenthal (2009), indivíduos com TPB são emocionalmente mais instáveis do que aqueles sem o transtorno, têm respostas mais intensas a eventos emocionalmente negativos e lembram mais de emoções com valência negativa, em comparação com as emoções neutras ou positivas.
Essas reações emocionais inadequadas e o comportamento autoprejudicial e automutilante são os principais alvos de tratamento na TCD, que se baseia na formação de estratégias sistemáticas para fortalecer a aliança terapêutica, a geração de compromisso com a mudança de comportamento, bem como a formação de habilidades para diminuir a angústia e a intolerância ao sofrimento (Linehan et al., 2002).
A TCD visa, portanto, ampliar o objetivo terapêutico para além da redução de problemas comportamentais ou da oferta de cuidados paliativos, promovendo objetivos opostos: mudança e aceitação (Dimeff & Linehan, 2008). O terapeuta assume uma postura dialética: por um lado, aceita a dor emocional (em vez de tentar mudar isso) e, por outro, procura modificar os antecedentes do estresse e a maneira pela qual o paciente lida com as próprias emoções (Linehan et al., 2009).
Pacientes com TPB costumam ter crises relacionais bastante frequentes e encontram, na utilização de substâncias psicoativas, uma forma de redução desse sofrimento (Beck et al., 2004). Eles possuem um repertório comportamental mais restrito e mal-adaptativo, utilizando estratégias inadequadas de enfrentamento no caso de se depararem com situações estressantes (Griggs & Tyrer, 1981; Nace, Davis, & Gaspari, 1991), o que aumenta o risco de recaída quanto ao uso de substâncias psicoativas (Dimaggio, Semerari, Carcione, Procacci, & Nicolò, 2006; Verheul, 2001). Além disso, pacientes com transtornos por uso de substâncias demonstraram ter maiores dificuldades de regulação emocional do que aqueles que têm apenas TPB (Darke & Ross, 1997; Darke, Ross, Williamson, & Teesson, 2005).
As diferenças são marcantes em relação ao resultado da terapia entre os dependentes químicos com e sem transtorno da personalidade. (De Jong, van den Brink, Harteveld, & van der Wielen, 1993; Verheul, 2001). A presença dessa comorbidade psiquiátrica pode dificultar a busca por ajuda profissional e desfavorece a aplicação de uma abordagem uniforme para o tratamento psicoterápico nessa clientela (Naceet al., 1991).
Estudos demonstraram que os indivíduos dependentes químicos com TPB têm maiores taxas de recaída para o uso de substâncias psicoativas, de abandono do tratamento e resultados mais pobres do que aqueles sem tal comorbidade (Bosch & Verheul, 2007; Kienast & Foerster, 2008; Zanarini, Frankenburg, Hennen, Reich, & Silk, 2005). Esses indivíduos tendem a descumprir as combinações da terapia, a não ser compromissados o suficiente com a mudança de comportamento (Miller & Tonigan, 1996; Prochaska, DiClemente, & Norcross, 1992), a ter baixa qualidade na aliança terapêutica (Bordin, 1979), e, finalmente, a não tolerar a angústia, definida como a incapacidade de persistir no comportamento dirigido ao experimentar sofrimento emocional (Bornovalova & Daughters, 2007; Brown, Lejuez, Kahler, & Strong, 2002). Melhorar esses fatores-chave é fundamental para garantir a adesão dos pacientes dependentes químicos com TPB ao tratamento, bem como para aumentar sua taxa de efetividade.
Lee, Cameron e Jenner (2015), realizando uma revisão sistemática do tratamento com pacientes dependentes químicos com TPB, verificaram que a amostra que utilizou a TCD (quatro estudos) demonstrou: 1) redução no uso de substâncias psicoativas e nos comportamentos suicidas e parassuicidas, 2) maior adesão ao tratamento e 3) melhora no funcionamento global e social. Os autores destacaram, no entanto, que há poucos estudos abordando o tratamento de pacientes com esses transtornos. Em função do grau de complexidade do tratamento de dependentes químicos com TPB e das poucas pesquisas existentes sobre o tema, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática quanto ao uso da TCD em pacientes dependentes químicos com TPB.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão sistemática nas bases de dados Medline, PsycINFO, PubMed e Scielo. Os descritores utilizados foram: "dialetical behavior therapy", "borderline personality disorder" e "drug addiction", e o período de pesquisa foi o compreendido entre 1996 e 2016. Foram pesquisados somente ensaios clínicos ou artigos que apresentassem o método de tratamento, sendo excluídos artigos que não abordassem o tratamento com a TCD para indivíduos que apresentassem a comorbidade psiquiátrica pesquisada, bem como artigos somente de revisão.
Foram consultados 27 artigos, sendo incluídos, na amostra final, seis artigos, considerando os critérios de exclusão deste estudo. Desses seis artigos, apenas um (Dimeff & Linehan, 2008) apresenta o método da TCD para a clientela pesquisada.
RESULTADOS
Para fins didáticos, os resultados foram divididos em duas partes: na primeira, a qual utilizou, em sua maioria, o artigo de Dimeff e Linehan (2008), foi apresentado o método terapêutico utilizado na TCD para dependentes químicos com TPB e, na segunda, os resultados quanto à efetividade desse tratamento.
A TCD para dependentes químicos com TPB
Para Dimeff e Linehan (2008), as metas almejadas para os indivíduos com TPB e dependentes de substâncias são:
Diminuir o abuso de substâncias, incluindo drogas ilícitas e medicamentos prescritos legalmente, tomadas de uma forma não prescrita;
Aliviar o desconforto físico associado à abstinência e/ou retirada;
Evitar oportunidades e sugestões para o abuso da substância (lugares e situações associados ao abuso de drogas);
Reduzir comportamentos que acarretem o abuso de drogas, em vez de funcionar como se o uso de drogas não pudesse ser evitado;
Reforçar socialmente comportamentos saudáveis, como fomentar o desenvolvimento de novos amigos e retomar antigas amizades;
Manter convívio social e atividades profissionais;
Procurar ambientes que suportam a abstinência.
A dialética estimula uma ação imediata e permanente em direção à abstinência, de forma a promover a mudança quanto ao uso de drogas, e, ao mesmo tempo, considera que a recaída poderá ocorrer sem que o paciente ou a terapia possam ser considerados falhos no alcance do resultado pretendido. A abordagem dialética, portanto, envolve a insistência pela abstinência total, mas sem um julgamento invalidante da recaída, incluindo técnicas para reduzir os perigos do excesso de dosagem, infecção e outras consequências adversas, o que está de acordo com a abordagem de redução de danos. Aceita, portanto, a recaída, mas sempre buscando a mudança do comportamento (Linehan et al., 1999).
O terapeuta comunica ao paciente a expectativa de abstinência na primeira sessão. Ela pode parecer fora de alcance e, nesse caso, o terapeuta incentiva o paciente a se comprometer com o tempo de abstinência que ele acha possível atingir (um dia, um mês ou apenas cinco minutos). No fim desse período, o paciente renova o compromisso para um intervalo maior. Em última análise, ele atinge, em longo prazo, a abstinência estável, reunindo sucessivos períodos livres do uso de drogas (Dimeff & Linehan, 2008).
Uma segunda estratégia de abstinência ensina, aos pacientes, a habilidade comportamental de antecipar potenciais pistas dos próximos momentos, horas e dias. Ensina, então, a preparar de forma pró-ativa respostas a situações de alto risco, que, de outro modo, poderiam pôr em perigo a abstinência. Além disso, pressiona o paciente a restringir as situações de risco para usar drogas associadas a seu antigo estilo de vida, estimulando-o, por exemplo, a obter um novo número de telefone, a contar aos amigos que abusam de drogas que interrompeu esse uso e a jogar fora objetos relacionados ao abuso de substâncias (Dimeff & Linehan, 2008).
O terapeuta orienta o paciente a fazer uma análise comportamental dos eventos que levaram ao uso de drogas, investigando tudo o que pode ser fonte de aprendizado e de aplicação para evitar futuras situações de risco de recaída. Além disso, ajuda o paciente a recuperar-se, de forma rápida, do lapso, para que o mesmo não se transforme em uma recaída (Dimeff & Linehan, 2008). Essa postura e procedimento correspondem ao paradigma de "prolapso" para aliviar o efeito da violação da abstinência (EVA) identificado por Marlatt e Donovan (2005), e, uma vez que o indivíduo tenha retomado a abstinência, o terapeuta volta para o polo oposto (absoluta abstinência). O paciente sentir-se bem e aceito com sua dificuldade pode ser particularmente importante para os indivíduos que têm TPB e dependência química, dada sua suscetibilidade à emoção desregulada e ao sentimento de abandono (Dimeff & Linehan, 2008).
Estudos de efetividade da TCD para dependentes químicos com TPB
Um estudo de Axerlod e colaboradores (2011) com mulheres dependentes químicas com TPB demonstrou uma melhora na regulação emocional daquelas mulheres que receberam tratamento com TCD, havendo diminuição da impulsividade e consequentemente, da frequência do uso da substância psicoativa. Os autores concluíram que o desenvolvimento de habilidades eficazes de regulação emocional pode ter permitido que tais participantes cessassem outros comportamentos impulsivos, como o uso de substâncias psicoativas.
Linehan e colaboradores (2002) realizaram um estudo controlado randomizado para avaliar se a TCD seria mais efetiva para as mulheres dependentes de heroína com TPB (n= 23) do que a terapia compreensiva de validação, que utilizava técnicas dos 12 passos dos Narcóticos Anônimos (grupo-controle). Além do tratamento psicossocial, os indivíduos receberam terapia com agonista opiáceo. O tratamento durou 12 meses. Quanto ao uso de drogas, os resultados foram medidos por meio de exames de urina três vezes por semana e autorrelatório. Em primeiro lugar, os resultados dos exames de urina indicaram que ambas as condições de tratamento foram eficazes na redução do uso de opiáceos em relação à linha de base. Após quatro meses de tratamento, todos os participantes tiveram uma baixa proporção de exames de urina de opiáceos positivos. Os participantes designados para TCD mantiveram as reduções no uso médio de opiáceos pelos 12 meses de tratamento ativo, enquanto aqueles atribuídos ao grupo-controle aumentaram significativamente o consumo de opiáceos durante os últimos quatro meses de tratamento. O grupo-controle manteve todos os 12 participantes durante todo o ano de tratamento, em comparação com uma taxa de retenção de 64% no grupo da TCD. E, no pós-tratamento e na avaliação de acompanhamento de 16 meses, os indivíduos em ambas as condições de tratamento mostraram reduções globais significativas no nível de psicopatologia em relação à linha de base. Um achado secundário notável foi que os participantes que fizeram a TCD foram significativamente mais precisos em seu autorrelato de uso de opiáceos do que aqueles do grupo-controle.
Um ensaio clínico randomizado foi realizado para avaliar se a TCD também seria eficaz para as mulheres dependentes de drogas com TPB, quando comparado com o tratamento usual (TU) na comunidade. Os participantes foram aleatoriamente designados para um ano de tratamento com TCD ou TU. Os indivíduos foram avaliados em 4, 8 e 12 meses, e com 16 meses de follow-up. Os indivíduos designados para TCD tiveram reduções significativamente maiores no consumo de drogas, medido por meio de entrevistas estruturadas e de exames de urina ao longo do ano de tratamento, bem como no seguimento, em comparação com os sujeitos do TU. Os pacientes que fizeram a TCD também tiveram melhor taxa de adesão ao tratamento e maiores ganhos no ajuste global e social no seguimento, do que aqueles atribuídos ao TU (Linehan et al., 1999).
Harned e colaboradores (2008) compararam a TCD com o tratamento oferecido por especialistas de psicoterapia não comportamental (TE) na redução de distúrbios de co-ocorrência de Eixo I entre os indivíduos suicidas com TPB. Mulheres com TPB e recente comportamento suicida e/ou autoagressivo repetido (n = 101) foram aleatoriamente designadas para um ano de TCD ou TE, mais um ano de avaliação de acompanhamento. Os pacientes com dependência de substâncias que fizeram a TCD atingiram mais a remissão completa, passaram mais tempo em remissão parcial, menos tempo atendendo todos os critérios de dependência e relataram mais períodos de abstinência (em dias) do que os pacientes com TE. TCD e TE não diferiram significativamente na redução de transtornos de ansiedade, alimentares ou depressivo maior.
Um ensaio clínico randomizado comparando TCD com TU em 58 pacientes com TPB do sexo feminino com (n = 31) e sem (n = 27) uso de substâncias psicoativas foi realizado por van den Bosch, Verheul, Schippers e van den Brink (2002). Eles concluíram que: 1) a TCD pode ser aplicada em pacientes com TPB com e sem comorbidade com uso de substâncias psicoativas; 2) a TCD resultou em maiores reduções de sintomas limítrofes graves do que o TU, e este efeito não foi modificado pela presença de comorbidade com uso de substâncias; e 3) a TCD não foi mais eficaz que o TU para reduzir os problemas de consumo de substâncias. Os autores propõem que, em vez de desenvolver programas de tratamento separados para pacientes com duplo diagnóstico, a TCD deve ser "multialvo". Isso significa que os terapeutas que tratam essa clientela devem ser treinados para enfrentar uma série de manifestações graves da patologia de personalidade, principalmente no que se refere ao espectro de controle de impulsos, incluindo comportamentos suicidas, parassuicidas, compulsão alimentar e uso de drogas.
CONCLUSÃO
Os pacientes com TPB têm uma disfuncionalidade na regulação emocional, levando um tempo bem maior do que as demais pessoas até que suas emoções retornem à sua linha de base. São pacientes mais impulsivos e que utilizam estratégias mal adaptativas para enfrentar situações estressantes, o que dificulta o processo psicoterápico e a aprendizagem de novas competências, aumentando o risco de recaída para o uso de substâncias.
A TCD identifica a desregulação emocional como central para a impulsividade dos indivíduos dependentes químicos com TPB, por isso propõe uma abordagem psicoterápica diferenciada e flexível para esses pacientes, sendo as estratégias personalizadas de acordo com a necessidade de cada caso. O foco principal da terapia é a validação das emoções do indivíduo, ao mesmo tempo em que são desenvolvidas habilidades para que ele possa tolerar e regular essas emoções, não precisando recorrer ao uso de substâncias psicoativas como forma de automedicação.
Em vista disso, o tratamento, de acordo com essa linha psicoterápica, é mais longo, sendo essencial um bom vínculo entre terapeuta e paciente e uma maior disponibilidade e atenção por parte do profissional. O terapeuta incentiva a redução dos comportamentos que interferem na qualidade de vida do paciente, a manutenção da abstinência e a obtenção de um padrão de vida mais funcional e estável.
Esta pesquisa demonstrou a efetividade da TCD para pacientes dependentes químicos com TPB: a maioria dos estudos encontrou melhores taxas de abstinência, menos uso de substâncias psicoativas e melhora na regulação emocional naqueles indivíduos que fizeram essa modalidade de tratamento. No entanto, deve-se salientar que ainda são poucos os estudos e pequenas as amostras estudadas nesse sentido. Conclui-se que a TCD pode ser uma boa alternativa no tratamento para pacientes com TPB em comorbidade com dependência química, a fim de diminuir as altas taxas de recaídas do uso de substâncias psicoativas e de atuar na regulação das emoções desses indivíduos, para que possam ampliar seu repertório de comportamentos e obter uma melhor qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association (APA). (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (5. ed.). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Axelrod, S. R., Perepletchikova, F., Holtzman, K., & Sinha, R. (2011). Emotion regulation and substance use frequency in women with substance dependence and borderline personality disorder receiving dialectical behavior therapy. American Journal of Psychiatry, 37(1),37-42. [ Links ]
Ball, S. A. (2007). Comparing individual therapies for personality disordered opioid dependent patients. Journal of Personal Disorders, 21(3),305-321. [ Links ]
Beck, A. T., Freeman, A., & Davis, D. D. (2004). Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Bohus, M., Haaf, B., Stiglmayr, C., Pohl, U., Bohme, R., & Linehan, M. (2000). Evaluation of inpatient dialectical-behavioral therapy for borderline personality disorder: A prospective study. Behaviour Research and Therapy, 38(9),875-887. [ Links ]
Bordin, E. S. (1979). The generalizability of the psychoanalytic concept of the working alliance. Psychology and Psychotherapy: Theory, Research and Practice, 16(3),252-260. [ Links ]
Bornovalova, M. A., & Daughters, S. B. (2007). How does dialectical behavior therapy facilitate treatment retention among individuals with comorbid borderline personality disorder and substance use disorders? Clinical Psychology Review, 27(8),923-943. [ Links ]
Bosch, L. M., & Verheul, R. (2007). Patients with addiction and personality disorder: Treatment outcomes and clinical implications. Current Opinion in Psychiatry, 20(1),67-71. [ Links ]
Brown, R. A., Lejuez, C. W., Kahler, C. W., & Strong, D. R. (2002). Distress tolerance and duration of past smoking cessation attempts. Journal of Abnormal Psychology, 111(1),180-185. [ Links ]
Darke, S., & Ross, J. (1997). Polydrug dependence and psychiatric comorbidity among heroin injectors. Drug and Alcohol Dependence, 48(2),135-141. [ Links ]
Darke, S., Ross, J., Williamson, A., & Teesson M. (2005). The impact of borderline personality disorder on 12-month outcomes for the treatment of heroin dependence. Addiction, 100(8),1121-1130. [ Links ]
De Jong, C. A., van den Brink, W., Harteveld, F. M., & van der Wielen, E. G. M. (1993). Personality disorders in alcoholics and drug addicts. Comprehensive Psychiatry, 34(2),87-94. [ Links ]
Dimaggio, G., Semerari, A., Carcione, A., Procacci, M., & Nicolò, G. (2006). Toward a model of self-pathology underlying personality disorders: Narratives, metacognition, interpersonal cycles and decision-making processes. Journal of Personality Disorders, 20(6),597-617. [ Links ]
Dimeff, L. A., & Linehan, M. M. (2008). Dialectical behavior therapy for substance abusers. Addiction Science & Clinical Practice, 4(2),39-47. [ Links ]
Dornelles, G. V., & Sayago, W. C. (2015). Terapia comportamental dialética: Princípios e bases do tratamento. In: P. L. Santos, P. J. Gouveia, & S. M. Oliveira (Orgs.), Terapias comportamentais de terceira geração: Guia para profissionais (pp. 440-473). Novo Hamburgo: Sinopsys. [ Links ]
Echeburúa, A. E., De Medina, R. B., & Aizpiri, J. (2005). Alcoholism and personality disorders: an exploratory study. Alcohol & Alcoholism, 40(4),323-326. [ Links ]
Gratz, K. L., & Roemer, L. (2004). Multidimensional assessment of emotion regulation and dysregulation: Development, factor structure, and initial validation of the difficulties in Emotion Regulation Scale. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, 26(1),41-54. [ Links ]
Griggs, S. M., & Tyrer, P. J. (1981). Personality disorder, social adjustment and treatment outcome in alcoholics. Journal of Studies on Alcohol and Drugs, 42(9),802-805. [ Links ]
Harned, M. S., Chapman, A. L., Dexter-Mazza, E. T., Murray, A., Comtois, K. A., & Linehan, M.M. (2008). Treating co-occurring Axis I disorders in recurrently suicidal women with borderline personality disorder: A 2-year randomized trial of dialectical behavior therapy versus community treatment by experts. The Journal of Consulting and Clinical Psychology, 6(6),1068-1075. [ Links ]
Kienast, T., & Foerster, J. (2008). Psychotherapy of personality disorders and concomitant substance dependence. Current Opinion Psychiatry, 21(6),619-624. [ Links ]
Leahy, L. R., Tirch D., & Napolitano, A. L. (2013). Regulação emocional em psicoterapia: Um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Lee, N. K., Cameron. J., & Jenner, L. (2015). A systematic review of interventions for co-occurring substance use and borderline personality disorders. Drug and Alcohol Review, 34(6),663-72. [ Links ]
Linehan, M. M. (1993a). Cognitive-behavioral treatment of borderline personality disorder. New York: The Guildford Press. [ Links ]
Linehan, M. M. (1993b). Skills training manual for treating borderline personality disorder. New York: Guilford Press. [ Links ]
Linehan, M. M., Armstrong, H. E., Suarez, A., Allmon, D., & Heard, H. L. (1991). Cognitive-behavioral treatment of chronically parasuicidal borderline patients. Archives of General Psychiatry, 48(12),1060-1064. [ Links ]
Linehan, M. M., Dimeff, L. A., Reynolds, S. K., Comtois, K. A., Welch, S. S., Heagerty, P., & Kivlahan, D. R. (2002). Dialectical behavior therapy versus comprehensive validation therapy plus 12-step for the treatment of opioid dependent women meeting criteria for borderline personality disorder. Drug and Alcohol Dependence, 67(1),13-26. [ Links ]
Linehan, M. M., Lynch, T. R., Hamed, M., Korslund, K. E., & Rosenthal, M. Z. (2009). Preliminary Outcome of a Randomized Controlled Trial of DBT vs. Drug Counseling for Opiate-Dependent BDP Men and Woman. New York: Association for Behavioral and Cognitive Therapies Annual Meeting. [ Links ]
Linehan, M. M., Schmidt, H. 3rd, Dimeff, L. A., Craft, J. C., Kanter, J., & Comtois, K. A. (1999). Dialectical behavior therapy for patients with borderline personality disorder and drug-dependence. American Journal on Addictions, 8(4),279-292. [ Links ]
Marlatt, G. A., & Donovan, D. M. (2005). Relapse prevention: Maintenance strategies in the treatment of relapse prevention. New York: Guilford Press. [ Links ]
Miller, W. R., & Tonigan, J. S. (1996). Assessing drinkers’ motivation for change: The Stages of Change Readiness and Treatment Eagerness Scale (SOCRATES). Psychology of Addict Behaviors, 10(2),81-89.
Nace, E. P., Davis, C. W., & Gaspari, J. P. (1991). Axis II comorbidity in substance abusers. American Journal of Psychiatry, 148(1),118-120. [ Links ]
Prochaska, J. O., DiClemente, C. C., & Norcross, J. C. (1992). In search of how people change: Applications to addictive behaviors. American Psychologist, 47(9),1102-1114. [ Links ]
Trull, T. J., Sher, K. J., Minks-Brown, C., Durbin, J., & Burr, R. (2000). Borderline personality disorder and substance use disorders: A review and integration. Clinical Psychology Review, 20(2),235-253. [ Links ]
Turner, R. M. (1989). Case study evaluations of a bio-cognitive behavioral approach for the treatment of borderline personality disorder. Behavior Therapy, 20(4),477-489. [ Links ]
van den Bosch, L. M., Verheul, R., Schippers, G. M., & van den Brink, W. (2002). Dialectical behavior therapy of borderline patients with and without substance use problems. Implementation and long-term effects. Addictive Behavior, 27(6),911-23. [ Links ]
Verheul, R. (2001). Co-morbidity of personality disorders in individuals with substance use disorders. European Psychiatry, 16(5),274-282. [ Links ]
Young, J. E., Klosko, J. S., & Weishaar, M. E. (2009). Terapia do esquema: Guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Zanarini, M. C., Frankenburg, F. R., Hennen, J., Reich, D. B., & Silk, K. R. (2005). Psychosocial functioning of borderline patients and axis II comparison subjects followed prospectively for six years. Journal of Personality Disorders, 19(1),19-29. [ Links ]
Correspondência:
Rua da Graça, 140, Jardim Floresta
Porto Alegre - Brasil
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 18 de novembro de 2014. cod. 319.
Artigo aceito em 26 de outubro de 2016.