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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versión impresa ISSN 1808-5687versión On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.17 no.1 Rio de Janeiro ene./jun. 2021

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20210006 

RELATOS DE PESQUISAS

 

Emoções positivas e resiliência na perspectiva de adolescentes com câncer

 

Positive emotions and resilience from the perspective of adolescents with cancer

 

 

Daniele Borges-de-Mello-dos-Santos; Angela Donato-Oliva

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social (UERJ) - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo investiga a relação entre dois construtos: a positividade (emoções positivas) e a resiliência na perspectiva de adolescentes com câncer.
OBJETIVOS: Mensurar emoções positivas, negativas e a resiliência dos participantes.
PARTICIPANTES: 10 adolescentes, entre 12 e 18 anos com câncer em tratamento.
INSTRUMENTOS: teste de positividade, escala de resiliência e entrevista semi- estruturada.
PROCEDIMENTO: Os participantes responderam os testes e foram entrevistados. As informações de campo foram realizadas na modalidade presencial, no intervalo de 3 meses.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: O teste de positividade mostrou um índice maior de emoções positivas do que emoções negativas. As emoções positivas mais pontuadas foram: gratidão, amor e esperança. Todos os participantes exibiram alto índice de resiliência, mas essa variável só apresentou correlação significativa com a espiritualidade.
CONCLUSÃO: Embora não tenha sido encontrada correlação direta entre emoções positivas e resiliência, ambas apresentaram uma associação alternativa, sustentada pela gratidão. Concluiu-se que para essa amostra o fortalecimento da espiritualidade, por intermédio de exercíco contínuo da gratidão, parece aumentar o bem-estar desses adolescentes e a resiliência. Isso sugere um caminho promissor para futuras investigações.

Descritores: Emoções; Resiliência Psicológica; Adolescente.


ABSTRACT

This study investigates the relationship between two constructs: positivity (positive emotions) and resilience from the perspective of adolescents with cancer.
OBJECTIVES: Measure positive and negative emotions and the participants resilience.
PARTICIPANTS: 10 adolescents, between 12 and 18 years old, with cancer undergoing treatment.
INSTRUMENTS: positivity test, resilience scale and semi structured interview.
PROCEDURE: Participants answered the tests and were interviewed. Field information was carried out in person, within a 3-month interval.
RESULTS AND DISCUSSION: The positivity test showed a higher rate of positive emotions than negative emotions. The most scored positive emotions were: gratitude, love and hope. All participants exhibited a high level of resilience, but this variable only showed a significant correlation with spirituality.
CONCLUSION: Although no direct correlation was found between positive emotions and resilience, both presented an alternative association, supported by gratitude. It was concluded that, for this sample, the strengthening of spirituality, through the continuous exercise of gratitude, seems to increase these adolescents well-being and resilience. This suggests a promising path for future investigations.

Headings: Emotions; Resilience, Psychological. Adolescent.


 

 

INTRODUÇÃO

O câncer é uma doença crônica que carrega o estigma da morte e impõe inúmeros desafios ao público jovem. Ocupa um lugar de destaque na mortalidade infanto-juvenil, perdendo apenas para situações de violência e acidentes. No intervalo etário de 5 a 19 anos, representa a primeira causa de morte por doença no país (Brasil, 2017).

O adolescente com câncer enfrenta uma dura realidade visto que os sintomas da doença são inespecíficos e sua etiologia é desconhecida, o que impede o estabelecimento de medidas preventivas e dificulta a realização de um diagnóstico prévio (Presti et al., 2012). O adolescente com câncer no Brasil lida com a escassez de serviços de tratamento especializado, dividindo a atenção da equipe de cuidado ora com o público infantil, ora com adultos (DePauw et al., 2019). Dessa forma, a especificidade das demandas dessa população tende a ser negligenciada e a equipe de saúde exibe despreparo para oferecer um acolhimento de qualidade a esse grupo (Souza & Gabarra, 2019). Salienta-se que o tratamento oferecido aos adolescentes com câncer deve abranger outras dimensões do cuidado e, portanto, exige a formação de uma equipe multidisciplinar especializada para atender as demandas específicas desse período etário (Mutti et al., 2018; Souza & Gabarra, 2019).

A adolescência naturalmente corresponde a um período peculiar do desenvolvimento humano que exige adaptações por parte do indivíduo. O adolescente precisa lidar com: mudanças corporais por conta puberdade; aumento de intensas sensações em decorrência dos hormônios e transformações cerebrais que buscam prepará-lo para um maior amadurecimento cognitivo; busca pela identidade e a necessidade de reconhecer-se enquanto sujeito; tentativa de pertencer a um grupo; busca por novidades, principalmente, no campo das relações amorosas e de amizades (Siegel, 2016). Uma adolescência associada ao adoecimento por câncer impacta significativamente no desenvolvimento do indivíduo e gera diversos obstáculos como, por exemplo, interrupção da rotina escolar, internações recorrentes, alterações físicas temporárias (queda de cabelo, uso de cadeira de rodas) ou permanentes (amputações ou mutilações). A imagem corporal também sofre alterações e pode levar ao desenvolvimento de baixa autoestima, visto que nesse período, a aparência física adquire maior destaque do que na infância (Santos et al., 2017). O recebimento do diagnóstico de câncer tende a provocar efeitos psicológicos negativos como ansiedade, incertezas quanto ao futuro, desânimo, depressão e estresse (Cazarolli et al., 2011).

Nos últimos anos, houve um crescente interesse na temática, com vistas a desvelar as nuances da experiência de adoecimento na adolescência. Inicialmente, os estudos versavam sobre o impacto negativo do câncer na juventude como os efeitos colaterais do tratamento e dificuldades emocionais (Bicalho et al., 2019). Contudo, com o advento da psicologia positiva, tornou-se cada vez mais primordial abarcar a dimensão saudável do ser humano e identificar as condições que possam conduzi-lo a desenvolver bem-estar e alcançar o florescimento (Fredrickson, 2009; Seligman, 2011). Nesse campo, houve um avanço significativo no estudo das emoções positivas e da resiliência - apontados como dois construtos relevantes no enfrentamento positivo de situações adversas (Tugade et al.,2014).

Achados sugerem uma relação entre emoções positivas e o fenômeno da resiliência. Algumas pesquisas assinalam que os afetos positivos atuam como neutralizadores dos efeitos negativos oriundos da adversidade, criando condições para que o indivíduo se adapte de forma positiva. Mediante essa perspectiva, as emoções positivas podem servir como combustível para aumentar a resiliência (Fredrickson, 2009; Tugade et al., 2014).

Dada a relevância das emoções positivas, entendidas como elementos cruciais no desenvolvimento do bem-estar (Fredrickson, 2009; Seligman, 2011) e visando ampliar o entendimento a respeito da vivência do adoecimento crônico na adolescência, o presente estudo buscou descrever as emoções positivas e a resiliência em um grupo de adolescentes brasileiros com câncer.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram, voluntariamente e com o consentimento prévio de seus responsáveis, 10 adolescentes com idade entre 12 a 18 anos (ECA, 1990) que apresentavam diagnóstico de câncer, e que estavam em tratamento ativo. Foram excluídos adolescentes com câncer em estado terminal ou que apresentassem algum agravo neurológico.

Instrumentos

Foram utilizados dois testes para mensuração das variáveis: teste de positividade (Borsa et al., 2016; Ferreira et al., 2018) e escala de resiliência (Pesce et al., 2005. Foi realizada também uma entrevista semi-estruturada.

Campo de investigação

A presente pesquisa foi realizada na Casa Ronald McDonald na cidade do Rio de Janeiro. A instituição é uma das sete unidades espalhadas pelo Brasil que recebem apoio do Instituto Ronald McDonald. A instituição recebe crianças e adolescentes em tratamento na cidade que são indicados pelas seguintes instituições: Instituto Nacional de Câncer (INCA), Hospital da Lagoa, Hospital Pedro Ernesto, Hospital do Fundão e HemoRio.

Procedimento:

A partir de uma listagem contendo os dados dos adolescentes que estavam na instituição em determinado dia era feito um contato preliminar para verificar se se enquadravam nos critérios de inclusão.

Os adolescentes que aceitaram o convite leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) juntamente com seus responsáveis contendo as principais informações sobre a pesquisa.Após a assinatura, os adolescentes realizaram os testes solicitados e participaram da entrevista semi-estruturada.

Esse estudo foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sendo aprovado pelo CAEE nº 16542719.6.0000.5282. As informações de campo foram reunidas na modalidade presencial, no intervalo de três meses.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise das emoções positivas - teste de positividade

A amostra investigada foi caracterizada pela presença maior de participantes do sexo feminino (60%). No que se refere à idade, grande parte possui mais de 15 anos (70%). Predominam indivíduos com tumores sólidos (80%). A modalidade de tratamento mais utilizada corresponde à quimioterapia (80%). De acordo com a tabela 1, nota-se uma média maior das emoções positivas em relação aos afetos negativos.

No que se refere à avaliação dos escores das emoções positivas, observa-se que todos os afetos positivos foram pontuados (figura 1), evidenciando a presença da positividade mesmo em um cenário marcado pelo adoecimento. Considerando a média de intensidade das emoções positivas (Figura 2), nota-se que a maioria dos participantes apresentou intensidade moderada, o que pode indicar uma adaptação entre as emoções positivas e a situação de adoecimento. Ressalta-se que a busca exagerada e inadequada por afetos positivos desconsiderando o contexto pode associar-se a quadros de mania e bipolaridade (Le Nguyen & Fredrickson, 2018).

 

 

Destacam-se a gratidão, a esperança e o amor, com pelo menos 70% da amostra relatando altos níveis de intensidade para estas emoções. Observa-se que a gratidão constituiu a única emoção pontuada por toda a amostra, que unanimemente demonstrou algum nível desse afeto, a despeito de estarem enfrentando uma doença grave. Nota-se, ainda, que todos os participantes apresentaram grau de gratidão entre moderadamente e extremamente, realçando a importância dessa emoção para o grupo pesquisado. Esses achados apontam a gratidão como a emoção positiva principal na população investigada.

Uma possibilidade de interpretação desse achado é o de que se sentir grato pode ter alguma relação com a resiliência no contexto de adoecimento por câncer na adolescência. Esse resultado segue a mesma direção de um estudo que associa gratidão e resiliência em adolescentes que estavam enfrentando um cenário de divórcio entre seus pais (Shabrina et al., 2020). Nessa pesquisa, a gratidão representou um papel preponderante no desenvolvimento da resiliência.

Pesquisas assinalam que algumas regiões cerebrais estimuladas com maior frequência na adolescência, como o Núcleo Accumbens e substância negra/ventral segmental, também são acionadas a partir da gratidão (Emmons, 2016; Siegel, 2016). Nesse sentido, é possível sugerir que o cérebro adolescente talvez apresente maior suscetibilidade para desenvolver ou expressar gratidão.

A gratidão favorece o relacionamento interpessoal e fortalece vínculos, suscitando o compartilhamento da apreciação dos momentos da vida (Emmons, 2016). Adolescentes mais gratos tendem a manifestar maior integração social (Allen, 2018; Hanson & Hanson, 2019). A gratidão provoca a sensação de tranquilidade, de satisfação e de necessidade atendida e também gera benefícios em múltiplos domínios: físico (revigora o sistema imunológico, produzindo sono saudável); psicológico (reduz ansiedade, depressão); social (estimula a compaixão, generosidade e perdão) (Hanson & Hanson, 2019).

Em segundo e terceiro lugar, destacam-se o amor e a esperança com pontuações aproximadas. O amor atua como emoção suprema que favorece o surgimento de todas as outras emoções positivas. Constitui laços afetivos sólidos e proporciona a perspectiva de maior direcionamento para o outro (Fredrickson, 2015). Os participantes da amostra manifestaram amor em relação aos seus familiares, amigos, e pessoas da instituição que os acolhe.

Em relação à esperança, Smith et al. (2014) salientam a importância dessa emoção em contexto de severa adversidade. A esperança sustenta e favorece o estabelecimento de sonhos e o compromisso com a vida. Atua como uma emoção crucial na manutenção e elevação do bem-estar subjetivo, principalmente, em situações de doenças consideradas incuráveis ou letais. No grupo investigado, a esperança associa-se aos sonhos e perspectivas futuras e alimenta pensamentos positivos, promovendo um enfrentamento otimista.

Análise das emoções negativas - teste de positividade

No que se refere aos escores das emoções negativas, destacam-se os afetos de estresse, medo, tristeza em pelo menos, 30% dos respondentes (figura 3). Bicalho et al. (2019) assinalam que as emoções negativas atravessam a vivência do adolescente com câncer, e aparecem em situações como: perdas cotidianas provocadas pelas alterações severas na imagem corporal, dores constantes, morte de companheiros de internação, interrupção da escola e de atividades com amigos. A despeito dessa constatação, o adolescente com câncer busca sentido para a sua enfermidade e consegue desfrutar de momentos positivos (Engvall et al., 2011). No que se refere à média de intensidade das emoções negativas, os valores exibidos tenderam a zero. Conforme demonstra a figura 4, os afetos negativos estão presentes em menor intensidade dentre o grupo investigado. Fredrickson (2009) defende que para atingir o florescimento, a proporção de emoções positivas deve ser maior do que emoções negativas. Com base nessa visão, pode-se sugerir que os adolescentes investigados caminham na direção do florescimento, a despeito de sua condição de adoecimento.

 

 

Análise da escala de resiliência

Considera-se a seguinte categorização dos escores de resiliência: 25 a 100 (baixa resiliência) e 101 a 175 (Alta Resiliência). Tomando por base as categorias mencionadas, nota-se que toda a amostra desenvolveu alta resiliência (vide figura 5), indicando resultado semelhante ao que a literatura relata. Constata-se que adolescentes com câncer apresentam maiores índices de resiliência em comparação àqueles que não possuem a enfermidade (Faccio et al., 2018; Rosenberg et al., 2014). Esse resultado parece indicar que o manejo de adolescentes com câncer envolve mais elementos positivos do que negativos apesar da experiência adversa de adoecimento. Estudos de adolescentes com câncer indicam comportamentos resilientes associados ao otimismo, esperança, fortalecimento de vínculos familiares e sociais, estabelecimento de sonhos e projetos futuros apesar das preocupações e dificuldades impostas pela enfermidade (Haase et al., 2017; Rosenberg et al., 2014).

 

 

Destaca-se, ainda, a resiliência como um elemento que atua como mediador entre o sofrimento e o alcance da qualidade de vida em adolescentes com câncer (Braga et al.,2019).

Baseando-se nessa perspectiva, o alto índice de resiliência revelado pelo grupo aqui investigado pode contribuir para que alcancem bem-estar, mesmo vivenciando um cenário difícil.

Análise das entrevistas

As entrevistas e a observação de campo geraram categorias (vide legenda na tabela 2), que foram avaliadas com base na correlação de Spearman. Os valores destacados na cor azul referem-se às relações positivas entre duas variáveis e os resultados dispostos em vermelho representam relações inversas ou negativas. As correlações na cor branca não foram consideradas significativas ao nível de significância de 5% (α=0.05).

De acordo com o correlograma (figura 6), nota-se que todos os fatores protetivos apresentaram alta correlação com os trechos positivos mencionados pelos jovens durante as entrevistas. Os fatores protetivos que mais se destacaram foram a espiritualidade, a integração social, o sentido derivado da esperança e a autotranscendência.

Nesse cenário, destacam-se as contribuições da Casa Ronald, dos hospitais de referência e da escola que fornecem suporte irrestrito a essa clientela, e de acordo com a literatura atuam como tutores de resiliência (Cyrulnik & Cabral, 2015). Favorecem o enfrentamento corajoso e geram a autotranscendência.

Observa-se que a maioria dos participantes do estudo buscou novos entendimentos sobre sua enfermidade e suas causas, culminando com o aumento da autotranscendência. Tugade et al. (2014) afirmam que criação de significado se apresenta como uma ferramenta importante no processo de enfrentamento de condições adversas. A busca pelo sentido é gerada e fortalece a espiritualidade, evidenciando uma influência mútua entre as variáveis. Desse modo, a autotranscendência, o sentido derivado da esperança e a espiritualidade apresentam relação direta entre si (Ferreira et al., 2020).

O escore de resiliência não apresentou relação significativa com nenhuma das categorias avaliadas. Contudo, observa-se que a espiritualidade aparece como a única variável com pontuação próxima de uma correlação significativa com o construto da resiliência, o que pode indicar uma possível relação entre essas duas categorias. Esse resultado vai ao encontro dos achados que abordam espiritualidade e resiliência no contexto de adoecimento por câncer na adolescência (Forouzi et al., 2017; Rosenberg et al., 2014). Nessa perspectiva, a espiritualidade consiste em uma estratégia muito utilizada pelos jovens acometidos por câncer, pois está associada à busca por sentido e abarca questões relacionadas à finitude da vida (Souza et al., 2015).

No que se refere aos afetos negativos, evidenciam-se o estresse, medo e tristeza oriundos do impacto provocados pela convivência com a enfermidade. Nesse sentido, a categoria risco relacionado aos sintomas da doença apresenta forte associação com os trechos negativos mencionados pelo grupo investigado (Engvall et al., 2011).

Um ponto que merece atenção refere-se à relação inversa entre a categoria sentido derivado da esperança e o enfrentamento defensivo, mostrando que quanto maior for a busca por sentido, menores serão as chances de o adolescente com câncer estabelecer um enfrentamento isolado e aprisionar-se às emoções negativas (Ferreira et al., 2020).

A categoria ambiência familiar exibiu relação inversa com as categorias autotranscendência e sentido derivado da esperança. Observa-se que a influência dos familiares pode não favorecer o alcance da autotranscendência por parte do adolescente. Com intuito de proteger o filho adoecido em relação a uma condição clínica delicada, os familiares tendem a infantilizá-lo. Tal atitude atua como um elemento dificultador para que o jovem se aproprie da sua experiência de adoecimento (Bicalho et al., 2019; Souza & Gabarra, 2019). A superproteção e o não esclarecimento sobre o diagnóstico e prognóstico podem interferir negativamente no estabelecimento da autotranscendência. Ademais, destaca-se que na observação de campo, enquanto os adolescentes exibiam sorrisos, seus pais apresentavam semblantes de preocupação e medo, sugerindo que talvez o adolescente apresente maior facilidade para desenvolver a resiliência do que sua família.

Cho et al. (2021) realizaram um estudo sobre florescimento em adolescentes com câncer. Os resultados apontam a autotranscendência como um dos atributos para que o jovem adoecido alcance o ápice de seu desenvolvimento, mesmo enfrentando uma enfermidade agressiva como o câncer. Nesse sentido, a pesquisa aqui desenvolvida parece corroborar com os achados mais recentes sobre a temática.

Vale mencionar que tanto os fatores protetivos e de risco, bem como as emoções positivas e negativas fazem parte de um continuum, um processo no contexto de adoecimento. A presença da resiliência e das emoções positivas no cenário não impossibilita o surgimento das dificuldades, ou da experiência de medo, insegurança e tristeza. Contudo, são recursos que podem atenuar os efeitos prejudiciais da vivência com o câncer e tendem a favorecer o florescimento e bem-estar do jovem adoecido, a despeito de toda adversidade imposta (Cho et al., 2021; Seligman, 2011; Wechsler et al., 2017).

Os resultados acima descritos geraram sugestões que podem ser utilizadas para aprimorar o acompanhamento clínico à clientela investigada. Parte-se do entendimento de que existe uma escassez de serviços especializados para atendimento do adolescente com câncer no país (Martins et al., 2018). Entende-se que quanto mais estratégias positivas de enfrentamento sejam empregadas pelos adolescentes para lidar com o câncer, maiores serão as possibilidades de adesão ao tratamento e, consequentemente, atingir a superação da enfermidade (Rosenberg et al., 2014).

Sugestão de práticas de cuidado oriundas dos resultados obtidos com o presente estudo:

(a) Exercício frequente da gratidão:

O incremento do exercício da gratidão entre o adolescente, seus familiares e equipes de saúde pode acarretar bem-estar físico, psicológico e social aos envolvidos (Allen, 2018). Sugerem-se atividades como agradecer pelas situações consideradas positivas e pelos acontecimentos entendidos como desagradáveis, promovendo uma reavaliação positiva e buscando encontrar os possíveis benefícios advindos da adversidade.

(b) Fortalecer a espiritualidade:

Buscar estabelecer práticas espirituais no cotidiano. Recomenda-se pensar em estratégias que englobem a espiritualidade em seu dia a dia. Atribuir sentido à enfermidade tende a ser relevante nesse contexto. Sinaliza-se que as demandas espirituais, não necessariamente, correspondem a alguma crença religiosa. A espiritualidade é um conceito mais amplo que abrange à busca de sentido, favorece o estabelecimento de um propósito maior e princípios existenciais (Forouzi et al., 2017).

(c) Promover um espaço de escuta e dar voz a esses jovens:

Sugere-se que os serviços de cuidado ao adolescente disponham de um espaço para ouvir seus anseios. Ademais, recomenda-se colocá-los na condição de ajudar outras pessoas e não somente de serem ajudados. Por isso, seria relevante favorecer o protagonismo e o altruísmo que emergiram naturalmente da convivência com outras pessoas em sofrimento.

Visto que os adolescentes recebem suporte de seu meio, o que contribui para o desenvolvimento da resiliência, o caminho inverso poderia ser levado em consideração. Ou seja, se o adolescente com câncer exibe alto índice de resiliência, talvez ele possa atuar na condição de tutor ou agente desse recurso, tanto para os outros jovens que chegam ao serviço, quanto para seus familiares e equipes de cuidado. Nesse sentido, promover um espaço onde o jovem possa compartilhar aprendizados, dividir experiências tende a ser benéfico (Souza & Gabarra, 2019).

Acredita-se que a prática dessas sugestões deva englobar os familiares e os profissionais de saúde inseridos no cuidado ao adolescente com câncer. Ambos sofrem impacto direto no acompanhamento ao jovem adoecido e, por vezes, conforme aponta um estudo a respeito, sentem-se despreparados para lidar com as especificidades desse grupo. (Martins et al., 2018; Souza & Gabarra, 2019).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo se propôs a explorar as emoções positivas e a resiliência no universo de adolescentes com câncer residentes no estado do Rio de Janeiro. Na amostra estudada, os resultados evidenciaram a presença das emoções positivas de forma mais expressiva do que as emoções negativas, bem como índices elevados de resiliência.

Destacaram-se como afetos positivos mais preponderantes: gratidão, amor e esperança.A gratidão evidenciou-se como a emoção mais pontuada por todos os participantes. Foram propostos exercícios que, de acordo com o observado na presente amostra, parecem contribuir para o aumento da resiliência e de sentimentos positivos. Sugere-se ainda a realização de mais estudos investigando a relação entre emoções positivas e resiliência no contexto de adoecimento crônico na adolescência.

No tocante às categorias, prevaleceram a espiritualidade, o sentido derivado da esperança e a autotranscendência, exibindo alta correlação significativa entre si. A dimensão negativa representada pelas categorias risco e enfrentamento defensivo apresentaram baixo índice de significância estatística, mostrando que os fatores protetivos exibem papel relevante no grupo investigado.

Embora não tenha sido encontrada uma correlação estatística direta entre emoções positivas e resiliência, há que se ressaltar que a amostra teve um pequeno número de participantes, o que prejudica algumas análises estatísticas. Faz sentido teórico considerar que a associação entre essas variáveis poderia ser sustentada pela gratidão, principal emoção positiva evidenciada, que apresenta forte correlação com a espiritualidade; que por sua vez, associa-se à resiliência. Nesse sentido, foi possível concluir que para essa amostra o fortalecimento da espiritualidade, por intermédio de exercíco contínuo da gratidão, parece aumentar o bem-estar desses adolescentes e a resiliência. Esse achado sugere um caminho promissor para futuras investigações.

 

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Correspondência:
Daniele Borges-de-Mello-dos-Santos
E-mail: daniele.mello2012@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 30 de Julho de 2021. cod. 231
Artigo aceito em 06 de Agosto de 2021

 

 

CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR
Daniele Borges-de-Mello-dos-Santos: Análise estatística, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Visualização
Angela Donato-Oliva: Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Visualização

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