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Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.6 México mayo 2006

 

PSICOLOGÍA JURÍDICA Y CRIMINALIDAD

 

Violência e criminalidade: as razões e as lógicas das instituições de pseudo cuidado

 

 

Hélio R. Braunstein

Universidade de São Paulo - Brasil

 

 


RESUMO

No contexto brasileiro, e latino americano, as políticas públicas penais perpassam muitas vezes a invisibilidade da sociedade civil; existe um movimento coletivo de silenciamento frente às discussões sobre tais políticas relacionadas às agências e aparatos estatais de controle e repressão, as quais denomino como as Instituições das técnicas de controle, exclusão, dominação e ou Pseudo cuidado, baseando-me em Michel Foucault e Hannah Arendt. Tal ênfase recai sobretudo na análise teórica e vivência profissional em Instituições penais (Prisões). Referente ao silenciamento, significa dizer que tais diretrizes de políticas públicas, estabelecem-se em campos e esferas restritas, frequentemente desencadeados por contextos emergenciais e pontuais relacionados às razões e lógicas punitivas, reprodutoras e legitimadoras de violência : moralizadora, religiosa, jurídica, economicista, tecnicista e totalitária, em que o temor frente ao aumento e intensificação do contra-poder ou da criminalidade é geralmente o estopim de tais mobilizações descontínuas.


ABSTRACT

In the Brazilian context, and Latin American, the criminal public politics passed many times like a invisible theme of the civil society ; a collective movement of silentment exists front to the quarrels on such politics related to the agencies and state apparatuses of control and repression, which I call as the "Institutions of the techniques of control, exclusion, domination and or Pseudo well-taken care of, basing me in Michel Foucault and Hannah Arendt. Such emphasis over all falls again into the theoretical analysis and professional experience in criminal Institutions (Arrests). Referring to the silence, it means to say that such lines of direction of public politics, establish in fields and restricted spheres, frequent unchained for emergence and prompt contexts related to the reasons and punitive, reproductive logics and legislators of violence: religious, legal, economicist, tecnicist and totalitarian, where the fear front to the increase and intensification of the against-power or crime is generally the starting of such dislocated mobilizations.


RESUMEN

En el contexto brasileño, y el latín americano, la política público criminal el son muchas veces invisibles de la sociedad civil; en un movimiento colectivo del silencio frente a las peleas en tales políticas relacionadas con las agencias y los aparatos del estado del control y de la represión, de los cuales llamo como las "instituciones de las técnicas del control, exclusión, dominación y o pseudo cuidado, basándome en Michel Foucault y Hannah Arendt. Tal énfasis sobre todo baja en el análisis teórico y la experiencia profesional en las instituciones criminales (detenciones). Refiriendo al silencio, significa decir que tales líneas de la dirección de la política pública, establecen en campos y esferas restrictas, frecuente echas en contextos prontos relacionados con las razones y las lógicas punitivas, reproductivas y afirmadoras de la violencia : religiosa, legal, economicista, tecnicista y moralizadora totalitaria, donde está generalmente como el "starting” de tales movilizaciones discontinuos frente del miedo del aumento y la intensificación del contra-poder o el crimen.


 

 

"Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é de maneira comum confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em sí mesma fracassou."

(Hannah Arendt , Entre o passado e o futuro, p. 129)

 

Instituição de Pseudo – Cuidado , um processo reflexivo de revisão conceitual sobre o conceito de Instituição total como referência à Instituição prisional:

Durante a reflexão sobre meu Projeto de pesquisa "Mulher encarcerada : A sombra da Santa", foi considerado inicialmente a possibilidade da utilização do conceito de GOFFMAN, E. "InstituiçãoTotal" como referência à Instituição ou contextualização prisional; contudo como o próprio Autor define em seu clássico livro "Manicômios, prisões e conventos " logo na introdução, existem a caracterização de cinco "agrupamentos” : as penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra e concentração fazem parte do mesmo agrupamento caracterizado como sendo : " um tipo de Instituição total organizado para proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem estar das pessoas assim isoladas não constitui o problema imediato. "(p.17) , junto com esta caracterização GOFFMAN engloba outros quatro agrupamentos considerando neste mesmo conceito: asilos, orfanatos, manicômios, hospitais, quartéis, navios, escolas internas, grandes mansões, mosteiros e conventos, ou seja, a meu ver para o desenvolvimento deste trabalho, julguei o espectro proposto para o desenvolvimento de minha pesquisa demasiadamente amplo, apesar de classicamente em inúmeros estudos e pesquisas posteriores à GOFFMAN, as prisões venham sendo teoricamente e academicamente conceituadas como "Instituições totais”.

Desta forma, com extrema dificuldade e necessidade, busquei uma caracterização e uma contextualização mais específica, e de menor amplitude, talvez mais adaptável enquanto utilização metodológica ao recorte de pesquisa proposto e relacionado ao conceito de "cuidar” ou "cuidado”, termo aliás utilizado por GOFFMAN quando define os "agrupamentos” que constituem as diversas formas de Instituições totais (p.16-17).

Assim a necessidade de um conceito mais adaptável à análise e contexto da instituição total Prisional, partiu de uma conjunção de uma releitura do próprio GOFFMAN, e de Michel Foucault dentro de um referencial de análise discursiva, inter-cruzando os conceitos de "cuidado " e "ética ", assim surgindo a idéia de denominar tais Instituições, espaços, como Instituição de Pseudo Cuidado.

Portanto conceituo e entendo que Instituições de Pseudo cuidado são: estruturas físicas e ou simbólicas que atendem às supostas necessidades legitimadas de garantia de "proteção da comunidade contra perigos intencionais” conforme GOFFMAN ou de cuidado da comunidade conforme o discurso explicitado (aparente ou superficial), e de pseudo cuidado a medida que baixo a análise da lógica discursiva tais estruturas objetivam a meu ver a "neutralização dos efeitos de contra-poder” conforme Roberto Machado, e de exclusão conforme WACQUANT.

Tais estruturas tendem a ser cristalizadas e rígidas dentro de sua própria lógica em relação ao papel que exercem e atividade fim (atribuição legitimada pelo poder do Estado e pelo imaginário repressor da sociedade civil).

Tem fundamentalmente como finalidade exercer a dominação, o controle e o manejo das demandas humanas individuais e coletivas a serem reclusas ou efetivamente excluídas. Neste conceito é importante a idéia de que a dominação e o controle, referem-se a uma forma de manejo técnico e racional da reclusão e exclusão, neste contexto específico das demandas rotuladas judicialmente, tecnicamente, cientificamente e moralmente como "criminosas”, "transgressoras”, infratoras” e patologizadas, diagnosticadas e rotuladas como perigosas, imprevisíveis ou impulsivas.

Outro aspecto importante deste conceito, é que o referencial de cuidado, proteção ou pseudo- cuidado é dinâmico, hora aplicando-se enquanto lógica discursiva contemporânea à comunidade pelo discurso de Estado, hora à população institucionalizada, carcerária, prisional atendida (reclusa e excluída). Sendo este aspecto a meu ver de grande relevância, e que justifica em grande parte a necessidade da inserção da análise discursiva sobre o conceito de "instituição total” proposto por GOFFMAN, onde o cuidado ou proteção se referia exclusivamente, e explicitamente a comunidade quando considerado o contexto da instituição prisional.

Atualmente existe a meu ver, uma prática discursiva que busca enquanto política pública ou "discurso estatal penal”, de não transparência, ou elucidação dos mecanismos de controle, dominação e exclusão, e que conforme BOURDIEU, P e WACQUANT, L., são "vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de uma presumível falta de pertinência - é um produto de um imperialismo apropriadamente simbólico...” (p.1). E neste aspecto deve-se considerar a de que com os avanços das leis internacionais de proteção à vida e aos direitos humanos, existem nítidos mecanismos de camuflagem do cotidiano, da práxis e das estruturas penitenciárias, principalmente das brasileiras no sentido de vender uma imagem de adequação e legalidade frente a estes tratados.

 

Sobre as razões e as lógicas das Instituições de Pseudo cuidado.

No contexto brasileiro como em outros inúmeros contextos, as políticas públicas penais perpassam a invisibilidade da sociedade civil. Existe um movimento coletivo de silenciamento frente às discussões das políticas públicas que se referem às agências, e aos aparatos estatais de controle e repressão, entre os quais nesta reflexão denominarei como as "instituições das técnicas de controle e ou Pseudo cuidado", na qual a ênfase aquí recai sobretudo às Instituições penais ( prisões ).

Quanto ao silenciamento, significa dizer que no máximo as discussões se estabelecem em campos e dimensões restritas da esfera pública, e frequentemente motivados por contextos emergênciais, de segurança, morais, jurídicos, em que o temor frente ao aumento da violência é em geral o desencadeador de mobilizações e preocupações no sentido de controle e prevenção da criminalidade .

A tônica destes fluxos e refluxos de mobilizações e discussões, acontecem numa esfera superficial, pontual e sobretudo dentro de diversos referenciais lógicos, ideológicos e racionais, esboçando o posicionamento e convicções de seus protagonistas, responsáveis em grande proporção por articulações nos âmbitos governamentais, e não governamentais. E este é justamente o ponto de análise crítica deste trabalho.

 

Das razões totalitárias gerais, e da lógica economicista do materialismo capitalista:

Fundamentado no princípio de que não é pelo trabalho (labor) que o homem se realiza no mundo, ou se dignifica, mas sim com "palavras e atos "é que o homem se insere no mundo humano, parafraseando o pensamento de Hannah Arendt em seu livro "A condição humana". Considero que este é o diferencial mais importante no sentido fundante dos conceitos de liberdade, poder, racionalidade, autoridade e violência, pois nesta reflexão Hannah Arendt concluí que : "A liberação da necessidade (do trabalho) não se confunde com liberdade, pois a liberdade exige um espaço próprio que é o espaço da ação e da palavra " ( paráfrase ), continuando... "liberdade não é portanto a concepção moderna e privada da não interferência do isolamento ou da privacidade, mas liberdade se constitui sobretudo publicamente dentro de um espaço plural, igual enquanto direito e democrático" ( paráfrase interpretada ).

Ou seja parte-se do pressuposto da consideração e valorização de duas vertentes da condição humana : a primeira, que corresponde ao "homo faber " enquanto "evolução” , ou aprimoramento técnico, e do conhecimento (saber) materialista da condição de "animal laborans”, associada ao processo biológico humano; e a segunda vertente, que se refere ao "animal rationale ", ao "bios politikos".

A partir daí é importante verificar que existe uma correlação quase que imediata e universalizada entre exclusão das atividades laborais (trabalho) e aumento da criminalidade, e isto verifica-se nos discursos dos mais diversos segmentos na esfera pública e privada principalmente quando relacionamos à alguns dados estatísticos que supostamente confirmam tal hipótese (desemprego leva ao aumento da criminalidade). Dados como:

- A grande maioria da população carcerária é constituída por homens (gênero masculino) e que se situam numa faixa etária considerada como economicamente ativa.

- A grande maioria de autores de delitos de maior gravidade e vitimados por mortes violentas são jovens e adultos entre 18 e 30 anos de idade e do sexo masculino.

Frente a esta tendência, relaciona-se também em vários discursos um modo de masculinidade como um elemento importante do imaginário daquele que exerce o papel de provedor material de uma família, e que socialmente e culturalmente se vê pressionado diante de uma situação de desemprego ou subemprego, aderindo supostamente à prática delituosa como opção alternativa ou possível de sobrevivência.

Outro aspecto, é que esta população compreende o imaginário de uma população economicamente ativa e como não tendo sido absorvido pela economia formal, e não ingressando no mercado de trabalho se torna potencialmente mais vulnerável e supostamente mais susceptível ao engajamento e apelos da criminalidade.

Além disto existem inúmeras narrativas auto-biográficas de pessoas encarceradas que descrevem de forma auto justificativa enfocando e apontando uma inter-relação etiológica criminal, entre falta de oportunidade de trabalho ou emprego e sua suposta adesão à criminalidade, como alternativa contingente de sobrevivência, o que reforça ainda mais a tese economicista desta relação imediata entre desemprego e aumento da criminalidade, ou susceptibilidade à criminalidade pela falta de trabalho.

Creio que a partir destas considerações, faço um convite no sentido da ampliação do nosso olhar além deste ponto fixo (economicista materialista capitalista), buscando um olhar que nos possibilite incluir nesta lógica, de maneira crítica e ampliada os conceitos de autonomia, heteronomia, identidade e construção do si mesmo (self), dentro de um contexto político e interativo segundo o entendimento de Hannah Arendt, ‘’pós – moderno’’ ou como já vem sendo mencionado "hiper- moderno" (pretensamente a meu ver) , capitalista, tecnicista, massificado, totalitário, nacionalista, em que a lógica se dá enquanto economização, quantificação, otimização, e utilitarismo em todos os aspectos enquanto valor paradigmático superlativo frente a outros valores.

Desta forma vou tentar criticamente superar minha própria permeabilidade e enredamento existencial cognitivo dentro deste sistema lógico, e que sem dúvida hermeneuticamente falando reverte num forte impedimento que impossibilita descrever este outro olhar, um olhar além deste ponto fixo do paradigma do sistema lógico econômico, do "homo faber" e do "animal laborans", como imperativos cognitivos, este esforço, talvez seja uma ‘’pretensa’’ intenção de explicitar um ‘’saber sujeitado’’ conforme FOUCAULT, um olhar transcedente sobre a sujeição dos imperativos totalitários, que nos deixam na opacidade de compreender-mos, de interpretar-mos e de ser-mos capazes de pensar sobre aquilo que nos é inteligível, nebuloso, camuflado ou inaudito, e que internalizado, ou seja num movimento intersubjetivo, mas que individualizado, se caracteriza como um impedimento intrínseco, incapacitante e amedrontador, pois o desconhecido atemoriza, impõe – se enquanto enigma sobre a própria existência e frente a imprevisibilidade e a impossibilidade de controle, o que exige certamente um esforço de transcendência crítica, e superação sobre si mesmo, para um outro, numa concepção Arendtiana de mundo, no sentido de revelação possível sobre o "saber sujeitado" de que pela pluralidade da palavra, do nascimento, do pensar se é potencialmente possuidor.

Apropriar-se de um "saber sujeitado”, é deixar de ser "sujeito sujeitado", e assumir uma identidade e configuração de ser livremente pensante, do "bios – politikos", a meu ver de acordo com ARENDT, um mecanismo de defesa de si mesmo de resistência (self defense), frente ao processo de impedimento cognitivo-existêncial ao que chamarei de totalitarização do Eu, ou seja a possibilidade de resistência frente aos imperativos cognitivos totalitários (de "masssificação” conforme ARENDT e de "sujeição” conforme FOUCALT), que nos situam enquanto "seres sujeitados ", que nos impõe uma auto- imagem valorativa materialista, consumista e uma percepção de si mesmo objetalizada e desumanizada, em oposição à uma concepção que potencialmente nos diferencia eticamente e politicamente enquanto "animal rationale", ou de valorização daquilo que é ou deveria ser essencialmente subjetivo ou imaterial.

Portanto não se trata aquí de comprovar empiricamente, quantitativamente, ou de forma explicativa conclusiva, universalizante, as bases etiológicas dos atos de violência e criminalidade, relacionados às questões econômicas, e laborais; mas sim de refletir na implicação desta estrutura lógica, ou sistema lógico econômicista, enquanto normatização totaliária da construção do imaginário, e da cognição, e seus reflexos nas produções intelectuais, nos saberes, nas condutas, individuais e coletivas, nas esferas públicas e privadas . Significa refletir sobre como esta construção explicativa totalitária, normatiza e legitima a existência das Instituições de controle e das técnicas e práticas de pseudo cuidado?

Historicamente dentro de uma lógica totalitária capitalista, o ser humano submetido à sua condição humana de "homo faber” e "animal laborans", exercem e exerceram um papel fundamental, enquanto elementos que viabilizaram e viabilizam a subsistência, a produção de artefatos, o consumo, e dentro disto, a base dos próprios avanços tecnológicos, e da evolução técnica, incluindo os aparatos e artefactos bélicos. Ao "homo – faber" se vincula, a atribuição produtiva, tecnicista, científicista positivista, mecanicista, disciplinadora, e ao "animal laborans", os excluídos, escravizados, considerados "sub raça", e que frenquentemente são os institucionalizados, criminogenizados, psiquiatrizados, ameaçadores, o que lhes confere a atribuição social de objetos de legitimação do discurso e da lógica da necessidade da existência dos aparatos, das práticas e das Instituições de controle, e Pseudo cuidado.

Em ambas posições, a condição humana se vê destituida de participação política, e portanto estamos falando de pessoas contingencialmente pacificadas, vulneráveis às práticas e aos aparatos de dominação, tanto os legitimados da violência atribuído às supostas ações de proteção social, de garantia da ordem, da segurança, e do bem comum, na esfera do âmbito público, estatal (das políticas públicas), quanto dos não legitimados, denominados como criminalidade e transgressões geralmente atribuído às paixões , às patologias, às imoralidades, e às característica endógenas, individuais e privadas.

Desta forma é importante refletir que; se a violência se relaciona com o poder, então estamos prontos a admitir a lógica totalitária, e aceitar que às práticas, os aparatos e artefatos de violência são necessários para a manutenção do poder, e esta é a reflexão de Michel Foucault, mas frente a uma conceituação semântica de poder enquanto dominação, ou poder tirânico.

Assim somente o "saber sujeitado " conforme FOUCAULT seria capaz de desvincular poder e violência conforme o fez Hannah Arendt, somente o "saber sujeitado” poderia elucidar que "poder” : " é a capacidade humana para agir em conjunto "(p.24), e que " é a desintegração do poder que enseja a violência " e que portanto "a violência pode destruir o poder, mas é incapaz de criá-lo (p.31) ARENDT no livro "Da violência".

Após e a partir desta reflexão, me remeto à minha condição de sujeito sujeitado, numa tentativa como mencionei de elucidação frente a minha própria experiência e prática institucional, enquanto Psicólogo atuando no sistema prisional paulista, ou seja na condição de um agente institucional (técnico trabalhador), portanto um olhar de "sí mesmo” inserido numa estrutura Institucional brasileira que congrega multidões de pessoas encarceradas, e que também se situam como sujeitos sujeitados, na maioria das vezes vitimados pela lógica totalitária, que os impede desta percepção sobre sí mesmo enquanto sujeito sujeitado.

Assim é possível considerar duas categorias possíveis produzidas a partir da condição do saber sujeitado no contexto prisional : a primeira categoria que envolvem as pessoas encarceradas ou não que possuem ou desenvolvem a consciência de sua sujeição e que pelo pensar, e pela participação ou partilhamento deste pensar e escuta plural, produzem um saber sujeitado crítico sobre sua prória condição e do outro, um saber político gerador de poder e não violência; a segunda categoria seria daquelas pessoas encarceradas ou não (agentes institucionais ) que não tem consciência sobre a sua própria sujeição, e que portanto produzem atitudes, descrevem narrativas centradas em sua própria lógica e individualidade, e que portanto se tornam incapazes de construir e partilhar um saber sujeitado crítico, revolucionário, questionador no sentido político , e que não esteja relacionado à lógica que vincula "poder tirânico”, dominação e violência.

Desta forma eticamente considero fundamental a reflexão sobre nossa contemporaniedade, em que a lógica econômica totalitária capitalista nos impõe e nos torna susceptíveis ao consumo de supérfluos, a valorização de sí, exclusivamente ou prioritariamente pelo trabalho, pela capacidade de competir, e que implicitamente se nos revela enquanto lógica fóbica e de vulnerabilidade frente à necessidade exclusiva de sobrevivência, uma lógica que normaliza, banaliza a violência enquanto estrutura de dominação, e que nos soa incansavelmente nas retóricas eletrônicas e virtuais ( mídia ) como : poder político institucional do estado, do governo, da democracia, da justiça e dos ideais liberais.

As contradições entre o imáginário totalitário, fóbico do risco do desemprego, e a valorização e dignificação pelo trabalho, e pela auto-satisfação monetarizada, reflete na vulnerabilidade invisivel, inominável, amedrontadora da criminalidade famélica, e que em termos irônicos ou sórdidos graciosamente alimenta a justificativa e legitimidade, do discurso paternalista dos aparatos de dominação, repressão e controle, as Instituições das técnicas de pseudo cuidado.

A idéia de que o homem se realiza pelo trabalho, possibilitou a evolução e as lutas pela democratização dos meios de produção pela classe trabalhadora. Contudo de forma correspondente alimentou a lógica totalitária capitalista.

Verifica-se que desde a década de 80 conforme WACQUANT, a técnica sobre a dominação da classe trabalhadora através do encarceramento, e da estratégia de manejo do excedente da força de trabalho, dos excluídos, pessoas buscando trabalho, desempregados, apresentou um grau de eficiência invejável, quanto aos aprimoramentos dos aparatos e Instituições de controle, dominação e pseudo cuidado, ou seja do uso da violência legitimada pelo papel do Estado.

FOUCAULT no livro "Em defesa da sociedade", descreveu tal prática "política" como: "A política é a continuação da guerra por outro meios", vendo-se que FOUCAULT entende neste contexto, poder como dominação, e poder tirânico, existe aquí um distanciamento de uma concepção "Arendtiana” que dissocia ou separa a política da violência, e a concebe ( a política ) como a condição do diálogo entre iguais enquanto direito e distintos enquanto ação e palavra, conceito que envolve respeito as diferenças e a valorização da pluralidade como algo necessário aos avanços, adequações e contextualizações do poder . Desta forma pode-se dizer que, enquanto FOUCAULT aponta criticamente a lógica totalitária, ARENDT aponta um possível caminho de reconstrução frente à violência e a criminalidade.

Atualmente convivemos no sistema penal com as concepções das tecnologias de encarceramento, das prisões Super max (Prisões Robôs ou Unidades de Tecnocorreções) nos E.U.A, e no Brasil e mais especificamente no estado de São Paulo, tal concepção equivale aos atuais RDDs (Unidades de regime disciplinar diferenciados) e mais precariamente aos CDPs (Centros de detenção provisórios), e que em comum apresentam-se como evoluções, acúmulo de saber sobre as técnicas totalitárias de dominação e aqui entenda-se englobadas as testagens, informações, registros e experimentos dos campos de concentração nazistas, campos de tortura, e do histórico sobre o próprio processo de repressão às rebeliões de presos ocorridas, e que portanto continuam atuais conforme mencionou Erving Goffman enquanto espaços, ou processos de "mortificação do Eu".

Outro aspecto importante, se refere aos altos investimentos que tem sido empregados nestas unidades de tecnocorreções, investimentos este considerados supostamente necessários, frente ao crescimento sem precedentes da "massa carcerária". Alguns dados numéricos (quantitativos) demonstram tal investimento e suposta necessidade:

nos E.U.A , em 31 / 12 / 2001 " quase 2 milhões de prisioneiros estavam a ser mantidos nas prisões federais, estaduais, e cárceres locais , um índice que corresponde a mais de 450% da média entre 1925 e 1974 ( no ano 2000 o índice era de 478 encarcerados por 100 mil habitantes, e no período entre 1925 e 1974 o índice médio é de 106 encarcerados por 100 mil habitantes ) ; - "entre 1982 e 1997 as despesas com punições aumentaram uns colossais 381%, os custos policiais saltaram 204% e os desembolsos para funções judiciais expandiram-se 267%. – o desperdício ( grifo meu ) com o sistema de justiça criminal nos E.U.A aproximou-se dos 130 milhões em 1997 ", "o total de população adulta agora ( 2003 ) sob controle correcional ultrapassa os 6,6 milhões (seis milhões e seiscentas mil pessoas )" ( VOGEL, 2003).

No Brasil segundo dados dos diversos departamentos e organizações, são estimados gastos médios de 45 bilhões de reais com gastos públicos (investimentos governamentais) com segurança; 90 bilhões de reais com segurança privada (investimentos civis); apesar deste volume de investimento, estima-se que no Brasil ocorrem aproximadamente 12% dos homicídios praticados no mundo.

Diante de tais dados numéricos verifica-se o volume de gastos com segurança interna, e se agregar-mos a estes dados os investimentos com as guerras ( segurança externa ), fica ainda mais nítido como o controle e a dominação se situam dentro de uma lógica economicista, vinculada a recursos financeiros.

Portanto concluindo; a lógica economicista nesta reflexão, se fundamenta numa crítica que busca elucidar a dinâmica entre : homem – trabalho – valor de sí - violência e poder, e que em sua evolução nos traz o contexto contemporâneo permeado de contradições frente as pretensões humanas de previsibilidade, controle, estabilidade e auto – satisfação. O totalitarismo conforme ARENDT, se consolida portanto como estrutura política de poder tirânico, em que o "sujeito sujeitado” à totalitarização do Eu, adere neste contexto, à lógica econômica capitalista totalitária, e existêncialmente inserido, não se percebe seduzido, contingenciado, massificado, determinado, permeado em seu cotidiano pelo consumo, pelo trabalho, pelo que é material, a vida privada não indica a importância da vida pública, política, da pluralidade e desta forma a caracterização da totalitarização do Eu se estabelece cada vez com maior intensidade normatizando, indiferencializando, equalizando e massificando as diferenças, alteridades, silenciando e disciplinando as indignações e críticas, excluindo e encarcerando, e assim este sistema se retroalimenta e se aperfeiçoa, dentro das experiências de dominação e utilização da violência, vinculado ao imaginário totalitarizado à respeito do que vem a ser poder.

 

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