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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versión On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.15 no.1 Belo Horizonte ene./jun. 2022
https://doi.org/10.36298/gerais202215e17495
ARTIGOS
Temperamento infantil e envolvimento parental: um estudo com famílias de crianças de 4 a 6 anos
Child temperament and parental involvement: a study with families of 4-to-6-year-old children
Lauren Beltrão GomesI; Beatriz SchmidtII; Carina Nunes BossardiIII; Simone Dill Azeredo BolzeIV; Marc BigrasV; Mauro Luís VieiraVI; Maria Aparecida CrepaldiVII
IUniversidade Regional de Blumenau, Blumenau, Brasil. E-mail: lbgomes@furb.br. (orcid.org/0000-0002-6708-8081)
IIUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil. E-mail: psi.beatriz@gmail.com. (orcid.org/0000-0003-2907-2297)
IIIUniversidade do Vale do Itajaí, Itajaí. E-mail: carinabossard@yahoo.com.br. (orcid.org/0000-0003-3542-501X)
IVFamiliare Instituto Sistêmico, Florianópolis, Brasil. E-mail: simoneazeredo@yahoo.com.br. (orcid.org/0000-0002-8715-8913)
VUniversité du Québec à Montréal, Montréal, Canadá. E-mail: bigras.marc@uqam.ca. (orcid.org/0000-0003-3952-7240)
VIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: maurolvieira@gmail.com. (orcid.org/0000-0003-0541-4133)
VIIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. E-mail: maria.crepaldi@gmail.com. (orcid.org/0000-0002-5892-7330)
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo investigar relações entre temperamento infantil e envolvimento parental, em famílias formadas por mãe, pai e ao menos uma criança com idade entre 4 e 6 anos. Os participantes foram 150 mães e 150 pais (N = 300), que responderam a instrumentos para avaliação do temperamento infantil e do envolvimento parental. As análises estatísticas revelaram correlações entre o temperamento e o envolvimento. No entanto, algumas dimensões do temperamento e do envolvimento que se correlacionaram foram diferentes para mãe e pai, sugerindo que as interações dessas variáveis podem ser influenciadas pelo gênero parental. Foram discutidas implicações do temperamento infantil e do envolvimento parental no desenvolvimento individual dos membros da família e nas interações familiares.
Abstract
Palavras-chave: envolvimento; temperamento; relações familiares; relações pai-criança.
ABSTRACT
The current study aimed at investigating relationships between child temperament and parental involvement in families formed by mother, father, and at least one child aged 4 to 6 years. The participants were 150 mothers and 150 fathers (N = 300) who responded to instruments for child temperament and parental involvement assessment. Statistical analysis revealed correlations between temperament and involvement. Nonetheless, some dimensions of temperament and involvement that were correlated were different for mother and father, which suggests that interactions of these variables may be influenced by the parents' gender. We discussed implications in of the child temperament and the parental involvement in the individual development of family members and in family interactions.
Keywords: involvement; temperament; family relations; parent-child relations.
As características do temperamento da criança e as condições do ambiente onde ela está inserida se associam a efeitos sobre o desenvolvimento, influenciando trajetórias de vida, na medida em que aumentam ou diminuem os riscos para psicopatologias (Crawford, Schrock & Woodruff-Borden, 2011; Gracioli & Linhares, 2014; Willoughby, Stifter & Gottfredson, 2015). Nesse sentido, pesquisadores da área de Psicologia do Desenvolvimento têm investigado as interações do temperamento infantil com as variáveis ambientais, posto que tais interações se relacionam a desfechos adaptativos ou desadaptativos (Lengua et al., 2015; Rothbart, 2004; Schmidt, Bolze, Vieira & Crepaldi, 2018). Embora relativamente estável, o temperamento é passível de transformação ao longo do ciclo vital (Rothbart & Bates, 2006), sendo influenciado tanto por aspectos intrapsíquicos quanto inter-relacionais (Casalin, Luyten, Vliegen & Meurs, 2012).
Assim, características do contexto familiar, incluindo a sensibilidade e a responsividade parental, podem influenciar o temperamento da criança (Bridgett et al., 2011). Essas interações também podem ocorrer no sentido inverso; por exemplo, o temperamento da criança pode influenciar os comportamentos parentais, desempenhando um importante papel nas práticas de cuidado e no envolvimento da mãe e do pai com a criança (Planalp, Braungart‐Rieker, Lickenbrock & Zentall, 2013). Pesquisas realizadas em diferentes países têm evidenciado as relações entre o temperamento infantil e o envolvimento parental (ex., Espanha: Ato, Galián & Fernández-Vilar, 2015; Estados Unidos: Padilla & Ryan, 2019; Israel: Kulik & Sadeh, 2015), sendo esse também o foco de investigação do presente estudo. Para tanto, considera-se uma amostra composta por famílias brasileiras com crianças entre 4 e 6 anos de idade.
A abordagem teórico-conceitual de Mary Rothbart, amplamente utilizada em pesquisas recentes (Casalin et al., 2012; Cassiano & Linhares, 2015), propõe um modelo psicobiológico do temperamento, compreendendo-o em uma perspectiva desenvolvimental (Rothbart & Bates, 2006). Assim, avalia o temperamento em diferentes fases do ciclo de vida e considera suas transformações ao longo do tempo (Gomes, 2015). O temperamento é conceituado como um conjunto de características individuais relativamente estáveis, com base constitucional na reatividade e na autorregulação, observadas nos domínios da emocionalidade, atividade motora e atenção, influenciadas ao longo do tempo pela hereditariedade, maturação e experiência (Rothbart, 2004).
De acordo com o modelo de Rothbart (2004), três fatores compõem o temperamento: extroversão, atinente a nível de atividade, prazer de alta intensidade, impulsividade e baixa timidez; afeto negativo, referente à raiva, desconforto, tristeza, medo e baixa capacidade de se acalmar; e controle com esforço, que inclui focalização de atenção, controle inibitório, prazer de baixa intensidade e sensibilidade perceptual. O surgimento do temperamento acontece parcialmente na primeira infância, ao passo que sua expressão total se dá na idade pré-escolar (Cosentino-Rocha & Linhares, 2013). Além disso, o temperamento desempenha um papel relevante na formação da personalidade, de modo que suas diferenças individuais expressam a constituição mais precoce da personalidade; juntos, temperamento e experiência irão compor a personalidade, incluindo concepções da criança sobre si mesma, sobre os outros e sobre o mundo, bem como seus valores, suas atitudes e suas estratégias de enfrentamento (Rothbart, 2007).
A partir da compreensão do caráter dinâmico do temperamento, evidenciam-se relações entre temperamento infantil e variáveis ligadas aos cuidados maternos e paternos (Jaffe, Gullone & Hughes, 2010; Padilla & Ryan, 2019; Putnam, Sanson & Rothbart, 2002). Uma vez que mãe e pai são figuras importantes na vida da criança, é necessário caracterizar o que se entende por envolvimento parental. Esse conceito tem sido definido de acordo com a estrutura conceitual de Michael Lamb e colegas, proposta originalmente para o envolvimento paterno (Brown, McBride, Bost & Shin, 2011; Kotila, Schoppe-Sullivan & Kamp Dush, 2013). De acordo com Lamb, Pleck, Charnov e Levine (1985), o envolvimento pode ser compreendido em termos de três componentes: interação, que diz respeito ao contato direto com a criança; disponibilidade, no sentido de se manter acessível à criança; e responsabilidade, concernente à garantia de cuidados e recursos à criança. O termo engajamento paterno vem sendo utilizado como sinônimo de envolvimento paterno (Bossardi et al., 2019) e definido como a participação e a preocupação contínua do pai, biológico ou substituto, acerca do desenvolvimento e do bem-estar físico e psicológico da criança (Dubeau, Devault & Paquette, 2009).
Os estudos sobre envolvimento têm sua origem focada no pai em função das mudanças, sobretudo a partir da década de 1970, nas configurações e na dinâmica das famílias, alavancadas por transformações sociais e econômicas em países industrializados (Vieira et al., 2014). Com isso, observou-se uma tendência de redefinição nas atribuições e responsabilidades maternas e paternas (Schmidt, Schoppe-Sullivan, Frizzo & Piccinini, 2019), com destaque à maior convergência das atividades que mães e pais realizam com relação aos filhos (Palkovitz, Trask, & Adamsons, 2014). Esse cenário de transformações motivou acadêmicos a investigar características do envolvimento do pai com os filhos, visto que tradicionalmente um maior número de pesquisas enfocou interações mãe-criança. A partir do aprofundamento da compreensão das interações pai-criança, o estudo das especificidades dos envolvimentos materno e paterno passou a ser foco de interesse (Dubeau et al., 2009).
Evidências empíricas sugerem que o envolvimento parental pode influenciar o temperamento dos filhos, da mesma forma que o temperamento dos filhos também pode influenciar o envolvimento parental. Por exemplo, quando os pais são mais responsivos, próximos e afetuosos, há uma tendência de a criança expressar menos afeto negativo (Padilla & Ryan, 2019; Putnam et al., 2002). Por outro lado, mãe e pai parecem se envolver mais com crianças cujo temperamento é fácil (Ato et al., 2015; Mehall, Spinrad, Eisenberg & Gaertner, 2009), ou seja, que apresentam funcionamento biológico regular, pouca intensidade nas reações, respostas positivas frente a novos estímulos, adaptabilidade rápida a situações novas e humor predominantemente positivo (Kulik & Sadeh, 2015).
Não obstante, outras evidências apontam maior envolvimento, sobretudo paterno, quando a criança apresenta temperamento difícil (Brown et al., 2011), isto é, quando exibe irregularidade nas funções biológicas, adaptabilidade lenta ou inadaptabilidade às mudanças, tendência a se afastar e expressões intensas de humor, geralmente negativas (Kulik & Sadeh, 2015). Nessa perspectiva, embora mãe e pai devam ser corresponsáveis pelos cuidados à criança, independentemente das características individuais desta, é possível que a tendência de maior envolvimento do pai quando a criança apresenta temperamento difícil se dê no sentido de colaborar mais ativamente com a mãe - comumente cuidadora primária -, em função dos desafios enfrentados pelas famílias nesses casos (Schmidt, Gomes et al., 2019).
Por outro lado, embora o pai seja tão capaz quanto a mãe de interagir com a criança de modo sensível e responsivo, a mãe tende a ser mais afetiva, e é menos provável que ela se desvincule da criança, o que também pode se associar à diferença na forma com que o temperamento infantil afeta o envolvimento materno e paterno, sendo o pai mais susceptível a se afastar da criança com temperamento difícil (Padilla & Ryan, 2019). Ademais, o tempo de interação também pode influenciar as relações entre temperamento infantil e envolvimento parental; como a mãe tende a interagir por períodos de tempo mais prolongados com a criança, é possível que ela perceba o temperamento infantil de forma diferente do pai (Casalin et al., 2012), ou ainda que a qualidade do envolvimento materno tenha mais oportunidades para ser influenciada pelo temperamento infantil em comparação à qualidade do envolvimento paterno (Padilla & Ryan, 2019).
Porém, há ainda estudos que não revelam relação significativa entre temperamento e envolvimento (ex., Monteiro et al., 2010). Assim, ressalta-se a possibilidade de essa relação ser mais complexa e não-linear, mediada por outros fatores, tais como o gênero da criança (Chaplin, Cole & Zahn-Waxler, 2005) e a conjugalidade (Mehall et al., 2009). A diversidade das evidências empíricas nessa área foi recentemente destacada em um estudo de revisão sistemática da literatura, no qual Schmidt, Gomes et al. (2019) analisaram artigos publicados em periódicos científicos indexados, entre os anos de 2007 e 2016. Na maior parte dos estudos que compuseram o corpus de análise foram encontradas correlações entre temperamento e envolvimento, embora, por vezes, as dimensões correlacionadas fossem diferentes para mãe e pai. Essas diferenças em termos do gênero parental parecem se associar principalmente aos distintos papéis e comportamentos maternos e paternos na interação com as crianças (ex., tradicionalmente, a mãe costuma se envolver mais em cuidados básicos e o pai costuma se envolver mais em brincadeiras).
Em linhas gerais, nessa revisão sistemática houve predomínio de estudos que revelaram maior envolvimento parental, quanto mais fácil o temperamento da criança. Ainda assim, os 13 artigos analisados evidenciaram resultados diversificados sobre a relação entre temperamento infantil e envolvimento parental, o que pode ter ocorrido em função da variedade de objetivos, características dos participantes, instrumentos aplicados e análises estatísticas realizadas, sugerindo a necessidade de novas pesquisas sobre a temática. Além disso, embora bases de dados nacionais e internacionais tenham sido incluídas nas fontes de busca, nenhum estudo realizado com amostras brasileiras foi obtido, o que revela a importância de pesquisas sobre a temática no contexto nacional. No mesmo sentido, como na maioria dos estudos revisados o temperamento de crianças de 0 a 3 anos foi foco de análise, destacou-se a relevância de pesquisas envolvendo crianças com mais idade (Schmidt, Gomes et al., 2019).
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi investigar a relação entre o temperamento infantil e o envolvimento parental, em famílias formadas por mãe, pai e ao menos uma criança com idade entre 4 e 6 anos. Para além das lacunas identificadas na literatura, o presente estudo busca oferecer subsídios ao aprimoramento de intervenções, a partir do aprofundamento da compreensão das relações familiares e do desenvolvimento infantil.
Método
Participantes e Contexto
Participaram do estudo 150 mães e 150 pais (N = 300) que constituíam famílias formadas por mãe, pai e ao menos uma criança entre 4 e 6 anos de idade, compondo uma amostra populacional por conveniência1. Foram incluídos na amostra apenas mães e pais, biológicos ou não, que haviam completado 18 anos quando do nascimento da criança focal e estavam coabitando há pelo menos um ano quando os dados foram coletados. O recrutamento dos participantes ocorreu por meio de 28 instituições de Educação Infantil (públicas e privadas), localizadas em quatro cidades litorâneas de um estado do Sul do Brasil. A coleta de dados foi realizada entre os anos de 2010 e 2012.
A amostra foi composta majoritariamente por famílias nucleares, com pais biológicos de todos os filhos (85%). Em média, essas famílias tinham dois filhos (M = 1,91; DP = 0,93). No que diz respeito à criança focal, em particular, 53% eram meninas e 47% eram meninos. Dessas crianças, 39% tinham 4 anos, 47% tinham 5 anos, e 14% tinham 6 anos completos, no momento em que os dados foram coletados.
A média de idade das mães era de 33 anos (M = 32,90; DP = 6,31) e a média de idade dos pais era de 36 anos (M = 36,10; DP = 7,70). O nível de escolaridade das mães e dos pais foi variado. Para as mães, os níveis mais frequentemente referidos foram ensino médio completo (42%), ensino superior completo (31%) e ensino fundamental completo (13%). Para os pais, os níveis mais frequentemente referidos foram ensino médio completo (42%), ensino superior completo (21%) e ensino fundamental incompleto (19%). Com relação às atividades laborais, 82% das mães e 92% dos pais estavam inseridos no mercado de trabalho. A renda mensal média das famílias era de R$ 3.185,54 (DP = 2.027,13). Considerando o Critério de Classificação Econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2013), com base no levantamento socioeconômico de 2011 para renda mensal, essas famílias poderiam ser caracterizadas como classes B2 (41%), C1 (25%) e B1 ou superior (24%).
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico. Composto por questões que abordam, entre outros dados, composição familiar, idade, escolaridade e renda mensal dos membros da família. Esse instrumento foi desenvolvido especificamente para a pesquisa mais ampla da qual o presente estudo é derivado, tendo sido aplicado exclusivamente às mães.
Children's Behavior Questionnaire (CBQ). Trata-se de um questionário para avaliar o temperamento infantil, o qual foi desenvolvido nos Estados Unidos por Putnam e Rothbart (2006) para ser respondido por cuidadores de crianças com idade entre 3 e 7 anos. O CBQ é um dos instrumentos componentes do Mary Rothbart's Temperament Questionnaires, que avaliam o temperamento ao longo do ciclo de vida. Neste estudo, utilizou-se a versão mais curta do CBQ (Very Short Form - VSF), composta por 36 itens divididos em três subescalas: extroversão (dimensões nível de atividade, prazer de alta intensidade, impulsividade e timidez), afeto negativo (dimensões raiva, desconforto, tristeza, medo e capacidade de se acalmar) e controle com esforço (dimensões focalização da atenção, controle inibitório, prazer de baixa intensidade e sensibilidade perceptual). A escala de respostas varia de 1 (totalmente falsa para a criança) a 7 (totalmente verdadeira para a criança), além do item não se aplica (NA), a ser selecionado quando a criança focal não é observada na situação descrita. O CBQ apresenta versão em português (Brasil) adaptada por Klein, Putnam e Linhares (2009). No presente estudo, mães e pais responderam ao CBQ e os alphas de Cronbach foram os seguintes: extroversão, α = 0,54; afeto negativo, α = 0,70; e, controle com esforço, α = 0,64. Não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre as médias dos três fatores respondidos por mães e pais, sugerindo concordância quanto ao temperamento dos filhos, como também observado por Putnam e Rothbart (2006). Dessa forma, na análise de dados, optou-se por utilizar uma média única para cada dimensão do instrumento, agrupando respostas maternas e paternas.
Questionnaire d'Engagement Paternal (QEP). Tal instrumento possibilita a caracterização do envolvimento materno e paterno, tendo sido desenvolvido no Canadá por Paquette, Bolté, Turcotte, Dubeau e Bouchard (2000). O QEP é composto por 56 itens que formam sete dimensões: abertura ao mundo (incentivar a criança a explorar o ambiente), cuidados básicos (oferecer cuidados essenciais à sobrevivência da criança, tais como alimentação e higiene), disciplina (corrigir comportamentos e repreender a criança), evocações (pensar, lembrar ou falar da criança na sua ausência), jogos físicos (interagir com a criança por meio de brincadeiras e gestos), suporte emocional (tranquilizar e acalmar a criança por meio de palavras e gestos) e tarefas de casa2 (realizar atividades domésticas, tais como fazer compras, preparar as refeições e limpar a casa). O QEP é composto por duas escalas para avaliar com que frequência mãe e pai realizam determinadas atividades com seus filhos: uma escala de frequência relativa de seis pontos (nunca, uma vez por mês, duas ou três vezes por mês, uma vez por semana, várias vezes por semana e todos os dias) e outra de frequência absoluta de cinco pontos (nunca, de vez em quando, regularmente, quase sempre e sempre). O QEP passou pelos procedimentos de adaptação transcultural e evidências de validade para o Brasil, envolvendo tradução, retrotradução, validação semântica e empírica (Bossardi et al., 2019). O alpha de Cronbach obtido no presente estudo foi de 0,88.
Procedimento de Coleta e Análise de Dados
Mães e pais responderam individualmente aos questionários em seus domicílios, os quais foram aplicados em forma de entrevistas. A coleta de dados foi realizada por estudantes de graduação e pós-graduação em Psicologia, integrantes da equipe de pesquisa do [sigla do projeto de pesquisa omitida, para evitar identificação de autoria], os quais receberam treinamento para aplicação dos instrumentos. Os resultados foram tabulados e submetidos a análises no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 18. A análise dos dados foi realizada por meio de estatísticas descritivas (i.e., distribuição de frequência e porcentagem, bem como média e desvio-padrão) e estatísticas inferenciais paramétricas (i.e., teste t para diferenças entre grupos e teste r para relacionamento entre variáveis).
Considerações Éticas
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade [informação omitida, para evitar identificação de autoria] (Registro nº omitido). Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram orientados quanto à participação voluntária e possibilidade de desistência a qualquer tempo.
Resultados
Inicialmente serão apresentados os resultados referentes ao temperamento infantil e ao envolvimento parental, separadamente. Após, serão apresentadas as análises de correlação entre o temperamento infantil e o envolvimento parental.
No que diz respeito ao temperamento infantil, a média geral das subescalas do CBQ para as 150 crianças foi 5,59 (DP = 0,72) em controle com esforço, 4,98 (DP = 0,89) em afeto negativo e 4,72 (DP = 0,74) em extroversão. Dado que a escala de respostas do CBQ varia de 1 a 7, a média do fator controle com esforço se mostrou particularmente alta na amostra investigada. A Tabela 1 apresenta as médias dos fatores do temperamento em função do sexo da criança, bem como as diferenças entre médias para meninas e meninos, segundo as respostas de mães e pais ao CBQ.
De acordo com o teste t, as crianças do sexo feminino manifestaram significativamente mais afeto negativo do que as do sexo masculino. Não houve diferenças significativas, de acordo com o sexo, nos fatores controle com esforço e extroversão. Ademais, nas análises de correlação entre a idade e o temperamento das crianças, identificou-se correlação significativa apenas para o fator controle com esforço (r = 0,19; p < 0,05), sugerindo que quanto maior a idade da criança, mais controle com esforço ela apresenta.
Com relação ao envolvimento parental, agrupando-se todas as dimensões do QEP e sem diferenciar mãe e pai, obteve-se média geral de 4,06 (DP = 0,47), em uma escala de respostas que varia de 1 a 5 pontos. As médias por dimensões foram as seguintes: 4,57 (DP = 0,49) em suporte emocional; 4,37 (DP = 0,62) em disciplina; 4,17 (DP = 0,74) em evocações; 4,10 (DP = 0,86) em cuidados básicos; 3,52 (DP = 0,71) em tarefas de casa; 3,51 (DP = 0,65) em abertura ao mundo; e, 3,21 (DP = 0,80) em jogos físicos. As análises não revelaram diferenças significativas no envolvimento parental com filhos biológicos e não biológicos. Na Tabela 2, é possível verificar as médias do envolvimento materno e paterno, bem como as diferenças entre as médias obtidas para a mãe e o pai, segundo as respostas ao QEP.
Quanto ao envolvimento parental, o teste t revelou diferenças significativas entre a mãe e o pai em todas as dimensões do QEP, bem como no escore total do instrumento. Assim, a mãe se mostrou significativamente mais envolvida, em comparação ao pai, de forma geral e também em todas as dimensões, exceto em jogos físicos, na qual o pai esteve significativamente mais envolvido. Nas análises de correlação entre a idade das crianças e o envolvimento parental, constatou-se correlação significativa para os cuidados básicos reportados pela mãe (r = -0,24; p < 0,05) e pelo pai (r = -0,20; p < 0,05), bem como para o escore total de envolvimento (QEP geral), com base nas respostas paternas (r = -0,18; p < 0,05). Portanto, quanto maior a idade da criança, menor o envolvimento em cuidados básicos, prestados tanto pela mãe quanto pelo pai, e menor o envolvimento geral do pai.
A Tabela 3 apresenta as correlações estatisticamente significativas entre o temperamento infantil e o envolvimento parental. Como se pode notar, o controle com esforço e o afeto negativo se mostraram relacionados a um maior número de fatores do envolvimento parental, em comparação à extroversão. Foram encontradas correlações positivas entre o controle com esforço da criança e a abertura ao mundo referida por mãe e pai, bem como evocações, suporte emocional e envolvimento geral reportados pelo pai. Por outro lado, os resultados indicaram correlações negativas entre o afeto negativo da criança e a abertura ao mundo e o envolvimento geral da mãe, bem como as tarefas de casa relatadas pelo pai. Além disso, houve correlação positiva entre a extroversão da criança e as evocações da mãe.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo investigar a relação entre o temperamento infantil e o envolvimento parental, em famílias formadas por mãe, pai e ao menos uma criança com idade entre 4 e 6 anos. Por meio das análises estatísticas realizadas, constataram-se correlações entre o temperamento das crianças e o envolvimento das mães e dos pais. Em particular, destaca-se que quanto maior o controle com esforço da criança, mais abertura ao mundo mãe e pai referiram realizar, bem como mais evocações, suporte emocional e envolvimento geral o pai indicava apresentar. Por outro lado, quanto maior o afeto negativo da criança, menos abertura ao mundo e envolvimento geral a mãe parecia apresentar, bem como menos tarefas de casa o pai referia realizar. Além disso, quanto maior a extroversão da criança, mais evocações reportou a mãe.
Alguns dos fatores do temperamento e do envolvimento que se correlacionaram foram diferentes para mãe e pai, sugerindo que as interações dessas variáveis são influenciadas pelo gênero parental. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que, como mulheres e homens têm experiências singulares na família e na sociedade e, por conseguinte, interagem de maneiras distintas com os filhos (Palkovitz et al., 2014), tanto em termos de quantidade (ex., tempo em contato direto) quanto de qualidade (ex., sensibilidade e afetividade), a relação entre o temperamento e o envolvimento também pode se mostrar diferente para a mãe e para o pai (Padilla & Ryan, 2019; Schmidt, Gomes et al., 2019).
De maneira geral, as correlações entre o controle com esforço e o envolvimento se alinham à perspectiva de que crianças que expressam maiores níveis de regulação emocional e comportamental estão mais propensas a contar com parentalidade mais positiva (Mehall et al., 2009), o que no presente estudo se revelou por meio das dimensões abertura ao mundo para a mãe e o pai, bem como evocações, suporte emocional e envolvimento geral para o pai. Além disso, pais cujos filhos apresentam maiores índices de controle com esforço na infância tendem a experienciar a rotina de cuidados parentais como mais prazerosa e menos estressante (Mehall et al., 2009), de modo que a parentalidade pode ser facilitada quando a criança é mais fácil de acalmar, adaptável e sociável (Padilla & Ryan, 2019; Putnam et al., 2002). Por outro lado, o cuidado parental apoiador e sensível contribui para o desenvolvimento de estratégias funcionais de regulação emocional, independentemente das disposições temperamentais da criança (Jaffe et al., 2010). Assim, os comportamentos parentais, desde fases bastante iniciais da infância, favorecem as manifestações de controle com esforço (Bridgett et al., 2011), o que contribui para que a criança aprenda a enfrentar situações ansiogênicas de forma mais adaptativa, bem como apresente melhores resultados desenvolvimentais nos âmbitos afetivo e social (Gomes, 2015).
No presente estudo, quanto maior a idade da criança, mais a mãe e o pai reportaram controle com esforço, ou seja, focalização de atenção, controle inibitório, prazer de baixa intensidade e sensibilidade perceptual. Esse achado corrobora a literatura, pois é esperado que tal fator do temperamento fique mais sofisticado e organizado à proporção que a criança se desenvolve (Rothbart, 2004). Assim, tal como constatado no presente estudo, crianças ao final da idade pré-escolar tendem a apresentar maior controle com esforço em comparação a crianças menores, sobretudo porque o aumento mais acentuado nesse fator do temperamento ocorre dos 3 aos 6 anos de idade (Lengua et al., 2015). Ademais, entre os fatores do temperamento, o controle com esforço se constitui no que aparece mais tardiamente no desenvolvimento, já que o afeto negativo e a extroversão podem ser observados com clareza desde os primeiros meses de vida, por meio de reações de raiva ou do sorriso, por exemplo (Rothbart, 2007).
No que diz respeito ao fator afeto negativo, as análises revelaram correlações negativas com a abertura ao mundo e o envolvimento geral para a mãe, bem como com as tarefas de casa para o pai, sugerindo que as reações de raiva, desconforto, tristeza, medo e baixa capacidade de se acalmar da criança parecem inibir o envolvimento parental. Dado que o afeto negativo envolve um padrão de reatividade motora, afetiva e sensorial que pode incluir respostas de evitação, movimentos corporais e expressões faciais negativas, além de inibição à aproximação (Crawford et al., 2011), parece esperado que seja mais desafiador para a mãe incentivar a criança a explorar o ambiente e a experienciar situações novas ou mesmo se envolver de forma global nos cuidados com a criança. Nesse sentido, estudos prévios revelaram que o envolvimento tende a ser maior quanto mais fácil é o temperamento da criança (Ato et al., 2015; Kulik & Sadeh, 2015).
Similarmente, a tendência de a mãe convocar mais o pai a se envolver nos cuidados diretos à criança com temperamento difícil, conforme sugerido no estudo de Brown et al. (2011), pode ter relação com a menor participação do pai em tarefas de casa quando a criança apresenta afeto negativo, tal como revelado no presente estudo. Nesse sentido, é possível que a demanda materna de maior envolvimento paterno com a criança tenha contribuído para que o pai se sentisse menos impelido a realizar atividades domésticas (ex., fazer compras, preparar as refeições e limpar a casa). Essa possibilidade encontra amparo, sobretudo, na perspectiva de que atividades domésticas podem ser vistas como secundárias em comparação a tarefas de cuidado à criança (Schmidt, Schoppe-Sullivan et al., 2019), particularmente ao se considerarem os desafios de lidar com uma criança com temperamento difícil. Entretanto, é possível que não necessariamente a demanda materna se concretize em um maior envolvimento paterno com a criança, uma vez que o único fator do envolvimento paterno que se relacionou significativamente ao afeto negativo foi o referente às tarefas de casa, sendo essa correlação negativa, conforme indicado anteriormente.
Nessa direção, destaca-se que a mãe se mostrou significativamente mais envolvida do que o pai, de forma geral e também em todas as dimensões do QEP, com exceção na de jogos físicos, na qual o pai esteve mais envolvido. Estudos prévios realizados em diferentes países têm revelado diferenças no envolvimento em função do gênero parental, sendo que comumente a mãe se mostra mais envolvida do que o pai em famílias com crianças (Casalin et al. 2012; Kotila et al., 2013; Madalozzo & Blofield, 2017). Essas inequidades costumam ser ainda mais acentuadas em sociedades com menor igualdade de gênero, como o Brasil (Schmidt, Schoppe-Sullivan et al., 2019), país onde os dados ora analisados foram coletados. Ademais, a revisão de literatura realizada por Lamb e Lewis (2010) mostrou que os pais são mais propensos a brincar e a interagir fisicamente com as crianças, em comparação às mães. Como brincadeiras e interações físicas tendem a produzir respostas positivas nas crianças, não é surpreendente que os filhos queiram interagir dessa forma com os pais, quando têm essa oportunidade (Lamb & Lewis, 2010). Esse circuito de feedback positivo produzido durante brincadeiras e interações físicas entre a criança e o pai (Schmidt, Schoppe-Sullivan et al., 2019), inclusive, pode ter reforçado a maneira como a mãe e o pai organizavam a rotina doméstica e se relacionavam com a criança, influenciando as atividades e o modo como cada um se envolvia com a criança nas famílias participantes do presente estudo.
Ainda no que diz respeito ao envolvimento parental, as análises revelaram que quanto maior a idade da criança, menores os cuidados básicos reportados pela mãe e pelo pai, bem como menor o envolvimento geral para o pai. Esses achados também vão ao encontro da literatura sobre a temática, pois à medida que as crianças crescem, tendem a demandar menos cuidados diretos e contenção física, ao passo que mais interação e orientação verbal; logo, os comportamentos parentais frequentemente se ajustam às habilidades e às necessidades da criança, ao longo do seu desenvolvimento (Schmidt, Schoppe-Sullivan et al., 2019). Portanto, no decorrer dos anos, uma maior independência da criança em atividades relativas à alimentação e à higiene, por exemplo, tende a gerar uma diminuição do envolvimento em cuidados básicos (Bossardi, 2015). Associando essa perspectiva às expectativas quanto a papéis de gênero presentes na sociedade brasileira, em que as mães ainda são consideradas as principais responsáveis pelos cuidados aos filhos (Madalozzo & Blofield, 2017), parece esperado que o envolvimento geral tenha diminuído significativamente para o pai ao longo do tempo, embora não para a mãe. Assim, é possível que esse aumento da independência da criança venha a impactar, em termos gerais, primeiramente o envolvimento paterno, o que pode ter sido representado pelo menor escore geral do QEP para o pai, quanto maior a idade da criança.
Ainda com relação ao afeto negativo, as respostas de mães e pais ao CBQ sugeriram escores mais altos para meninas nesse fator do temperamento, em comparação a meninos. Em revisão sistemática para avaliar o efeito do temperamento e do gênero no desenvolvimento, estudos analisados por Cosentino-Rocha e Linhares (2013) revelaram que meninas tendem a apresentar maiores níveis de medo em comparação aos meninos. Nessa mesma direção, de acordo com Chaplin et al. (2005), diferenças de gênero na expressão emocional vêm sendo identificadas em crianças pré-escolares, de forma que meninas são mais propensas a expressar tristeza e menos propensas a expressar raiva. Contudo, há de se considerar o viés dos estereótipos de gênero na forma como mãe e pai (a) lidam com a criança no dia a dia e (b) relatam características do desenvolvimento infantil em respostas a instrumentos de medida. Nesse sentido, é comum estereotipar meninas como expressando mais reações de medo e tristeza, bem como menos reações de raiva, em comparação a meninos (Schmidt et al., 2018). Inclusive, isso pode influenciar o modo como mãe e pai lidam com a criança em função do gênero e, por conseguinte, o processo de desenvolvimento infantil, pois pressões sociais tendem a fazer com que meninas e meninos sejam orientados para assumir diferentes papéis ao longo da vida (Chaplin et al., 2005). Assim, na criação dos filhos, mães e pais podem encorajar ou reforçar comportamentos aceitos socialmente, levando-se em conta estereótipos de gênero. Ademais, tais estereótipos também podem influenciar respostas dos cuidadores a instrumentos que avaliam aspectos do desenvolvimento infantil, como é o caso do CBQ, aumentando a tendência de relatos enviesados pela desejabilidade social (Schmidt et al., 2018).
O fator extroversão do temperamento esteve positivamente correlacionado ao fator evocações do envolvimento, conforme o relato das mães. Dessa forma, quanto maior a impulsividade, o prazer de alta intensidade, o nível de atividade, bem como quanto menor a timidez infantil, mais a mãe referiu lembrar, pensar ou falar sobre a criança em sua ausência. Esse achado remete à possibilidade de a mãe se preocupar mais com a criança quando identifica nela características relacionadas a tal fator do temperamento. Estudos têm revelado que altos níveis de extroversão, sobretudo em associação a baixos níveis de controle com esforço, relacionam-se a desfechos desadaptativos, tais como conflitos nas relações interpessoais, problemas externalizantes ou rejeição por pares (Dollar & Stifter, 2012; Rothbart & Bates, 2006). Portanto, maiores níveis de estresse parental são esperados nesses casos (Gomes, 2015), o que pode tornar a mãe mais propensa a conversar sobre a criança com pessoas próximas, ou mesmo com profissionais das áreas de saúde ou educação, bem como a refletir com maior frequência sobre comportamentos que a criança apresenta.
Considerações Finais
Os resultados deste estudo revelaram correlações entre o temperamento infantil e o envolvimento parental, ainda que alguns dos fatores que se correlacionaram tenham sido diferentes para a mãe e o pai. Conforme discutido previamente, esses resultados são de certa forma similares aos obtidos em pesquisas realizadas em outros países ocidentais, embora aspectos culturais que variam entre sociedades (tais como papéis de gênero e o que é esperado das crianças em termos comportamentais e de habilidades sociais) possam permear o temperamento e o envolvimento, bem como a relação entre eles. Entende-se que o presente estudo contribui com a literatura, ao indicar a complexidade da relação entre esses fenômenos psicológicos que permeiam as interações familiares, cujo foco de interesse é recente e cujos resultados ainda se mostram inconsistentes (Schmidt, Gomes et al., 2019).
Do ponto de vista metodológico, entre os pontos fortes, destacam-se inicialmente as características da amostra: famílias brasileiras, com filhos entre 4 e 6 anos. Além da escassez de estudos sobre a temática no Brasil, inclusive no contexto internacional, pesquisas sobre temperamento e envolvimento vêm sendo realizadas principalmente junto a famílias com crianças de até 3 anos de idade (Schmidt, Gomes et al., 2019). Ademais, pesquisas sobre o temperamento infantil, em particular, têm contado especialmente com a participação da mãe, em detrimento do pai (Gracioli & Linhares, 2014; Padilla & Ryan, 2019). Não obstante, no presente estudo, tanto a mãe quanto o pai responderam ao CBQ, o que confere maior robustez à medida de temperamento infantil, a qual foi realizada com base nas percepções de dois diferentes informantes. Adicionalmente, mãe e pai também foram considerados na medida de envolvimento. Algumas pesquisas prévias sobre temperamento e envolvimento investigaram, especificamente, o envolvimento paterno (ex., Kulik & Sadeh, 2015; Planalp & Braungart-Rieker, 2016). Dado que mãe e pai se envolvem de maneiras diferentes com a criança, investigar características do envolvimento de ambos e a relação entre temperamento e envolvimento se mostra importante, sobretudo em termos de intervenções para favorecer as interações mãe-criança e pai-criança, o desenvolvimento infantil, o ajustamento parental e as relações familiares como um todo.
No que diz respeito às limitações, em função do delineamento transversal, não foi possível inferir relações de causa e efeito. Além disso, em linhas gerais, as correlações reveladas se mostraram relativamente fracas, o que impossibilitou análises estatísticas mais complexas, como a análise de regressão. Dessa forma, ressalta-se que os resultados derivados deste estudo devem ser interpretados com parcimônia. Outro aspecto a ser considerado é a amostra relativamente pequena (N = 300, perfazendo 150 mães e 150 pais das mesmas famílias) e compreendida exclusivamente em um estado brasileiro.
Portanto, sugere-se que pesquisas futuras investiguem o temperamento infantil e o envolvimento parental em amostras maiores e também provenientes de outras regiões do país. Por meio da ampliação da amostra, é possível que análises estatísticas mais sofisticadas sejam realizadas e, por conseguinte, resultados mais consistentes sejam obtidos. Além disso, recomenda-se a realização de estudos longitudinais, com o objetivo de investigar se as relações entre o temperamento infantil e o envolvimento parental variam ao longo do desenvolvimento da criança. Face à complexidade desses fenômenos, sugere-se também a realização de pesquisas qualitativas, buscando analisar concepções mais subjetivas e significados atribuídos por mães e pais sobre o temperamento dos filhos e sobre a forma como eles se envolvem com as crianças, uma vez que dados quantitativos nem sempre conseguem captar adequadamente algumas sutilezas envolvidas nesses aspectos. Embora relatos de mães e pais sejam importantes medidas para caracterizar o temperamento de crianças, a observação direta dos membros da família também pode trazer informações adicionais sobre os seus comportamentos. Outra variável a ser explorada em pesquisas futuras é a personalidade dos cuidadores, ou seja, se a maneira como eles interagem com as crianças pode estar relacionada aos estilos de ser. Do mesmo modo, destaca-se a importância de estudos com outras configurações familiares, tais como casais homoafetivos e seus filhos.
Os resultados encontrados nesse estudo podem se somar às evidências já disponíveis na literatura sobre a temática, oferecendo subsídios para a formulação de intervenções que visem à oferta de apoio e orientação. Essa estratégia tem como objetivo sensibilizar mães e pais a compreender as diferenças individuais de temperamento e a manejá-las. Essas intervenções podem ser importantes, ainda, no sentido de reduzir o estresse e aumentar a sensibilidade parental, favorecendo a desenvolvimento individual (i.e., mãe, pai e criança) e familiar. Além disso, evidencia-se a necessidade de pesquisas sobre variáveis que influenciam o envolvimento parental. Já que o temperamento da criança tem sido apresentado como dinâmico em decorrência da interação com fatores internos e externos ao longo do desenvolvimento infantil, as relações familiares precisam ser mais amplamente exploradas, sobretudo no que se refere à relação entre a parentalidade e os fatores de regulação e autorregulação emocional, bem como o desenvolvimento de competências socioemocionais da criança.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela concessão de bolsas de mestrado e doutorado no Brasil, bem como doutorado sanduíche no exterior. Os autores também agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsas de pós-doutorado no Brasil e produtividade em pesquisa.
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Recebido em: 13/1/2019
Aprovado em: 25/11/2019
1 O presente estudo se insere no âmbito de uma pesquisa mais abrangente, intitulada "[título e sigla do projeto omitidos, para evitar identificação de autoria]". Essa pesquisa foi desenvolvida por meio de parceria entre uma instituição brasileira, a Universidade [informação omitida], e duas canadenses, a Universidade [informação omitida] e a Universidade [informação omitida]. No presente estudo, apenas dados da amostra brasileira foram apresentados.
2 Por orientação dos autores do instrumento, a dimensão tarefas de casa não foi incluída no cálculo do escore geral do instrumento por se tratar de uma dimensão acrescida após o processo de validação do QEP, sendo analisada, portanto, apenas como um fator individual.