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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.15 no.1 Belo Horizonte ene./jun. 2022

https://doi.org/10.36298/gerais202215e17537 

ARTIGOS

 

Experiências de adolescentes com câncer em processo de tratamento

 

Experiences of adolescents with cancer undergoing treatment

 

 

Katiele SimionattoI; Carolina Schmitt ColoméII; Alberto Manuel QuintanaIII; Mikaela Aline Bade MünchenIV; Camila Peixoto FariasV; Luísa da Rosa OlesiakVI

IUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: katisimionatto@gmail.com. (orcid.org/0000-0001-7196-3611)
IIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: carolcolome@gmail.com. (orcid.org/0000-0002-2855-4940)
IIIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: albertom.quintana@gmail.com. (orcid.org/0000-0001-7356-6142)
IVUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: mikaelaaline@hotmail.com. (orcid.org/0000-0001-7610-0030)
VUniversidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil. E-mail: pfcamila@hotmail.com. (orcid.org/0000-0002-3442-5512)
VIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: luisa.drolesiak@gmail.com. (orcid.org/0000-0002-2635-2675)

 

 


RESUMO

Este trabalho, de abordagem clínico-qualitativa, apresenta os resultados de uma pesquisa que objetivou investigar os significados atribuídos por adolescentes às suas vivências de câncer no ambiente hospitalar. Os participantes foram adolescentes com idades entre 12 e 18 anos, os quais se encontravam internados em um centro de tratamento de câncer de um hospital público. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se a entrevista semidirigida. O número total de participantes, delimitado a partir de critérios de saturação, foi nove. As entrevistas foram transcritas e analisadas por meio de análise de conteúdo. As categorias emergentes foram: 1) "Acabou comigo": a notícia do diagnóstico de câncer para o adolescente; 2) "Mudou muita coisa": a ruptura do cotidiano; 3) "Me chamam de carequinha": o impacto do olhar do outro sobre o adolescente; e 4) Internação com crianças: qual o lugar do adolescente? Destaca-se a importância da atenção às necessidades psicossociais do adolescente hospitalizado.

Palavras-chave: adolescência; câncer; psicologia do adolescente.


ABSTRACT

This clinical-qualitative-approach work results from a study that aimed to investigate the meanings adolescents attributed to their experiences with cancer in the hospital context. The participants were adolescents from 12 to 18 years old admitted to a treatment center in a public hospital. A semi-directed interview was used as instrument of data collection. The total number of participants was nine, which was delimited based on saturation criteria. The interviews were fully transcribed and analyzed based on content analysis. The emergent categories were: 1. "Tore me apart": the diagnostic report of cancer on the adolescent's point of view. 2. "Much has changed": the rupture of daily life. 3. "They call me a baldy": the impact of other people's view. And 4. "Children inpatients": where is the adolescent's place? We highlight the importance of attention to the psychosocial needs of hospitalized adolescents.

Keywords: Adolescence; Cancer; Adolescent Psycology.


 

 

Atualmente, o câncer infantojuvenil é um problema de saúde pública que demanda atenção e cuidados específicos. Essa enfermidade representa a segunda maior causa de morte (3,4% do total) entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos em todas as regiões do Brasil (Brasil, 2018). Apesar disso, em torno de 70% das crianças e dos adolescentes acometidos pela doença podem ser curados se diagnosticados precocemente e se tratados em centros especializados (Brasil, 2015).

Não obstante os avanços tecnológicos em relação ao tratamento, o câncer ainda acarreta aspectos de sofrimento que tocam o corpo e as relações, por meio de angústias e mudanças na rotina de quem tem a doença e daqueles com os quais convive. Para Barbosa e Francisco (2007), o medo da doença persiste estigmatizado em nossa sociedade, pois paira, ainda hoje, a percepção de que o câncer é uma "doença maldita", uma "sentença de morte".

A partir do diagnóstico de uma doença como o câncer, a vida da pessoa muda rapidamente, contudo, no caso de adolescentes, o processo pode se tornar ainda mais singular. Isso se deve à ocorrência simultânea de dois processos complexos em suas vidas: a adolescência - caracterizada como uma fase de mudanças e considerada um momento crucial do desenvolvimento humano; e o câncer - definido como um período de intensas transformações, internações, sofrimento e terapêuticas invasivas, sendo assim considerado um momento de extrema fragilidade e uma das experiências que mais impacta o ser humano em sua existência.

Entende-se que perpassar a fase da adolescência por si só significa deparar-se com intercorrências nos âmbitos biológico, psíquico e social. Ainda que existam influências do meio cultural e do meio social nos quais o adolescente está inserido, a vivência dessa fase é um processo único, que depende das experiências de cada sujeito (Macedo, Fensterseifer & Werlang, 2012).

Nesse viés, a adolescência é caracterizada como uma transição importante da infância para a vida adulta, marcada por um conjunto de mudanças e incertezas, as quais promovem crescimento e possibilitam uma reestruturação significativa da identidade (Macedo, Azevedo & Castan, 2012). Aberastury (1983) refere que a adolescência é perpassada por lutos relacionados às modificações do corpo, de si mesmo e da relação com as figuras parentais, os quais serão elaborados no transcorrer do processo de adolescer. As mudanças biológicas desse período (puberdade) envolvem transformações em sua estrutura física, muitas vezes de forma rápida e radical, o que pode acarretar um sentimento de estranheza em relação ao próprio corpo.

Concomitantemente a isso, o adolescente passa a ressignificar a relação com as figuras parentais, podendo ocorrer um distanciamento em relação às mesmas, em função da busca por uma nova identidade e novas expectativas sociais que despertam. Nesse distanciamento, automaticamente, o adolescente vai em busca do seu grupo de iguais, a cujas regras irá se adequar, em relação à imagem, à moda, aos costumes e às preferências dos mais diversos tipos (Knobel, 1981).

As conflitivas em torno da busca por uma inserção social em grupos de iguais, por uma autonomia, bem como uma identidade, são intensificadas diante das repercussões do câncer e de seu tratamento. Estes sensibilizam a percepção que o adolescente possui de si, sendo o mesmo exposto à angústia, à dor e a questões complexas que até então, possivelmente, não eram próprias da sua vida, como o processo de enfrentar uma doença, hospitalização, bem como entrar em contato com a possibilidade de morte (Silva & Oliveira, 2019).

De acordo com Souza, Frizzo, Paiva, Bousso e Santos (2015), as internações e tratamentos aos quais o adolescente é submetido suscitam efeitos colaterais físicos, emocionais e psicossociais. As dinâmicas e rotinas do sujeito se alteram, uma vez que deixa o seu ambiente social anterior, o que implica em um distanciamento dos amigos e do lar (Silva & Oliveira, 2019). Conforme Menossi e Lima (2000), as relações interpessoais estão presentes nos fatores atenuadores e causadores do sofrimento; atenuadores, pois a convivência entre pares dentro do hospital poderia facilitar a passagem por esse processo, e causadores devido ao afastamento social, em função dos cuidados exigidos, podendo causar sensação de aprisionamento e isolamento existencial (Bigheti e Valle, 2008). Ao encontro desse entendimento, Menossi e Lima (2000) demonstram que, entre as principais causas de sofrimento de adolescentes com câncer, encontram-se a hospitalização, a restrição nas atividades cotidianas, a terapêutica agressiva e o medo da morte, bem como a alteração da autoimagem.

Leandro et al. (2018), em um estudo realizado com crianças e adolescentes com câncer em fase de internação, encontraram choro, medo, desconforto e falta de satisfação com a situação como provenientes da exposição à rotina hospitalar. Ainda, referiram abandono das atividades escolares e sociais por conta do tratamento, denotando tristeza pelo afastamento da escola e pela perda do convívio com os colegas. Nessa linha, Santos, Silva e Custódio (2017) destacam as diversas transformações que se interpõem no dia a dia do adolescente com câncer a partir do momento do diagnóstico e do início do tratamento: frequentes idas a clínicas e hospitais, sessões de quimioterapia e/ou radioterapia, afastamento da própria casa, escola e amigos, além de transformações corporais. Para os autores, tudo isso defronta os adolescentes com o sentimento de impotência e a necessidade de apoio. Assim, o adoecimento se coloca como um processo global, não se restringindo apenas a manifestações orgânicas, já que exige uma reedição identitária e uma extrema capacidade de adaptação.

Frente a esse cenário, o presente estudo teve como objetivo principal investigar os significados atribuídos por adolescentes com câncer às suas vivências no ambiente hospitalar. A pesquisa de cuidado em saúde se efetivou no intuito de desenvolver melhor compreensão e atenção, por parte dos profissionais da saúde e da sociedade em geral, aos sujeitos adolescentes acometidos por essa doença.

 

Método

Para este estudo, utilizou-se o método clínico-qualitativo, meio científico de conhecer e interpretar as significações de natureza psicológica e psicossocial que os sujeitos dão aos fenômenos do campo da saúde-doença (Turato, 2013). Como critérios de inclusão foram considerados: ser adolescente entre 12 e 18 anos, estar realizando tratamento oncológico quimioterápico, no hospital público, referência em alta complexidade da região, bem como aceitar participar voluntariamente da pesquisa, com o consentimento dos responsáveis. A escolha da faixa etária dos participantes considerou o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, (Brasil, 1990). Já os critérios de exclusão compreenderam apresentar dificuldade de entendimento que impossibilitasse a participação na pesquisa. O número de participantes foi delimitado em nove, utilizando-se o critério de saturação, ou seja, o pesquisador encerrou o número de participantes quando, após as informações adquiridas, novas entrevistas passaram a proporcionar repetições em seu conteúdo (Turato, 2013).

A leucemia linfoide aguda (LLA) apresenta-se como o diagnóstico mais prevalente em crianças e adolescentes com câncer, conforme apontam os estudos de Leandro et al. (2018) e Santos, Silva e Custódio (2017). Como se demonstrou na presente pesquisa, os adolescentes entrevistados compunham em sua maioria o quadro de LLA mencionado, encontrando-se todos em tratamento de quimioterapia. Tais participantes estavam em períodos diferentes do adoecimento, alguns no início do tratamento e outros no decorrer do mesmo, o que possibilitou uma compreensão ampla do fenômeno em suas diferentes fases.

A tabela a seguir (Tabela 1) apresenta uma breve descrição das características dos adolescentes participantes da pesquisa. A identificação dos mesmos está feita pela letra A., acompanhada pelo número referente à ordem da entrevista, pela inicial do sexo e pelo número referente à idade de cada adolescente.

 


Tabela 1 - Clique para ampliar

 

O contato com os participantes da pesquisa se deu presencialmente no ambiente hospitalar. O período da coleta de dados se sucedeu em torno de um semestre, havendo nos contatos estabelecidos com o público da pesquisa duas recusas por parte de familiares dos adolescentes. Durante o período das entrevistas, os adolescentes ficavam sozinhos com a entrevistadora, no ambiente do leito, assegurando um espaço de privacidade. O instrumento utilizado para proceder à coleta das informações dos participantes foi uma entrevista semidirigida, a qual contou com eixos norteadores (momento do diagnóstico; hospitalização; vivências durante o tratamento; vivências junto ao grupo familiar; vivências na escola, amigos, namoro). A entrevista foi gravada em áudio e, após, transcrita na íntegra.

A verificação dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2009), que busca destacar núcleos de sentido comuns aos participantes, conforme sua relevância para a compreensão da questão de pesquisa, bem como devido a sua repetição nos conteúdos das falas e vivências do fenômeno. Seguiram-se, conforme Turato (2013), os seguintes passos para a análise de conteúdo: 1°) Pré-análise, que consiste na leitura e releitura flutuante do material, não priorizando nenhum elemento a priori; 2°) Categorização, a qual se caracteriza pela classificação e agrupamento dos elementos similares, colocando-se em relevo assuntos que merecem discussão em grandes tópicos; 3°) Subcategorização, que consiste na inclusão opcional de tópicos relevantes dentro de uma grande categoria.

Pautada no método clínico-qualitativo, a pesquisa em todas as suas etapas possuiu como pilares a atitude clínica, de olhar para o sujeito que porta a angústia e refletir sobre as questões humanas, e a atitude psicanalítica, de escutar o sujeito que vivencia as problemáticas. Dessa forma, promoveram-se um acolhimento das ansiedades e sofrimentos do participante e a valorização das emoções e da dinâmica mobilizada na relação pesquisador - pesquisado. Assumiram papel de importância no estudo as observações e impressões do pesquisador, de forma a dispor atenção às reações emocionais dos participantes (Turato, 2013)

A pesquisa teve como base as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos, referente à Resolução nº 466/2012 (Brasil, 2012) e à Resolução nº 510/2016 (Brasil, 2016), do Conselho Nacional de Saúde. A coleta dos dados somente teve início após a pesquisa ser aprovada pelo Comitê de Ética da instituição, sendo apresentados os termos de consentimento com os responsáveis e assentimento com os adolescentes.

 

Resultados e discussões

A partir das entrevistas e da análise dos dados, emergiram núcleos de sentido relacionados aos objetivos do presente artigo. Buscou-se contemplar a formação de categorias por meio de temáticas acerca dos desafios na vivência do diagnóstico, das mudanças frente ao processo de adoecimento na adolescência, bem como o olhar do outro e os ambientes de socialização do adolescente.

"Acabou comigo": a notícia do diagnóstico de câncer para o adolescente

Esta categoria visa evidenciar, por meio das verbalizações dos adolescentes entrevistados, o quanto foi difícil receber o diagnóstico de câncer e inserir-se em uma realidade até então desconhecida por eles. O recebimento da notícia caracteriza-se como um fenômeno complexo, tendo em vista que os adolescentes já tem possibilidades de compreender que o câncer e o tratamento podem implicar sofrimento, mudanças e incertezas em suas vidas (Barbosa & Francisco, 2007):

A.1 M.15: um choque. Agora já me acostumei, mas no início era um choque, tá louco, até se dar por conta, tá louco.

A.8 M.15: foi bem estranho né, fiquei triste (chora).

A.5 M.17: (chorando) acabou comigo!

As falas dos participantes conversam com um estudo empírico de Bicalho, Araújo e Botti (2019) realizado com 12 adolescentes, o qual refere o diagnóstico de uma doença como o câncer como um golpe que anula o sujeito, afastando-o de seus sonhos e desejos. Em especial, o adolescente que se apresenta em uma fase de construção de si e de seus planos em prol de uma independência se vê reprimido e sem possibilidades de exercer suas vontades próprias diante da notícia da doença e do seu tratamento. Como mencionado pelos participantes do presente estudo, recém-presenciar ou rememorar o momento do diagnóstico demonstra o tom de estranheza e ruptura de si, o que demanda um tempo de elaboração e compreensão acerca dos sentimentos e significados expostos na vivência do câncer, de modo a integrar a experiência do mesmo como parte da vida. Assim, segundo as falas expostas, o sofrimento é relembrado nas suas retóricas de forma a apresentar mal-estar e uma dificuldade de atribuir sentido inicial ao trauma exposto pelo diagnóstico. Isso corresponde às contribuições do estudo de Leandro et. al (2018), que evidenciam a própria notícia da internação como causadora de uma complexidade de emoções, uma vez que se trata de um evento associado a fatores negativos e procedimentos invasivos.

A.8 M.15: foi aqui que o médico me falou mesmo o que era, e aí eu me assustei né, porque eu nunca tinha ficado doente, nunca fiquei internado, é um susto.

Ao receber o diagnóstico de câncer, o adolescente é obrigado a enfrentar a vivência de uma doença crônica, transitando de uma condição saudável para uma condição de doença, fator que altera os projetos que o adolescente vinha construindo para si mesmo e seu mundo (Iamin & Zagonel, 2011; Pimenta, 2015). Nessa lógica, a notícia do diagnóstico pode prejudicar o desenvolvimento de uma autoimagem adequada e a afirmação da identidade pessoal do adolescente, o que poderá levá-lo a perder o sentido de sua continuidade histórica e de sua perspectiva de futuro (Torres, 1999; Bicalho, Araújo & Botti, 2019). Podem-se desencadear reações devastadoras no âmbito emocional, provocando desequilíbrios e conflitos internos, além de causar sofrimento intenso, uma vez que a doença pode ser vista pelo sujeito como uma ameaça, provocando uma série de sentimentos negativos, como impotência, insegurança, desesperança, temor e apreensão (Carvalho, 2002; Leandro et. al, 2018). Estes podem ser intensificados, uma vez que o diagnóstico simboliza uma entrada em uma nova realidade, como indicam as seguintes falas:

A.1 M.15: o mais difícil é vim aqui pra fazer o tratamento.

A.4 F.12: eu vi aquele monte de pessoa deitada né, aquele monte de pessoa na maca deitado doente, daí eu me assustei.

Como mencionado por A1M15, as dificuldades se demonstram tendo em vista que há a exigência de um afastamento significativo das redes de convívio social do sujeito. Dessa maneira, a partir da comunicação da notícia e da exigência da internação, o sujeito precisa deslocar-se constantemente e por um longo período ao espaço hospitalar. Conforme indica o estudo de Bicalho, Araújo e Botti (2019), tal situação reflete a possibilidade de um isolamento social. Além disso, a nova realidade imposta ao adolescente traz o encontro com a imagem da doença e da morte real, muitas vezes no leito ao lado, com alguém com a mesma idade ou doença, o que figura o caráter assustador e amedrontador do contato com este meio (Bicalho, Araújo & Botti, 2019). Diante deste contexto, demanda-se do adolescente lidar com perdas, as quais tocam os seus planos, as suas convivências, os seus espaços sociais e a percepção de si e da finitude.

Entende-se que o diagnóstico de câncer na adolescência se coloca como um desafio em um momento marcado por mudanças próprias dessa fase do desenvolvimento. Nesse sentido, as diversas construções que estão sendo realizadas pelos adolescentes precisam ser reformuladas frente a um cenário perpassado por particularidades até então desconhecidas.

"Mudou muita coisa": a ruptura do cotidiano

Essa categoria revela, por meio das verbalizações dos participantes, as mudanças bruscas causadas pelo câncer e por seu tratamento nas suas rotinas. A reviravolta no dia a dia dos pacientes ocorre logo após o diagnóstico da doença, juntamente à internação no hospital, principalmente no que diz respeito ao afastamento e quebra do vínculo com os amigos.

A.1 M.15: o que mais incomoda que eu passava saindo e agora não dá muito, eu não parava em casa, saía, jogava bola, saía com os amigos e agora só aqui, acho que mudou muita coisa, muita coisa!

A.9 M.17: ah, eu ia na escola, trabalhava, saía de noite, eu sinto falta disso.

A.8 M.15: toda manhã eu ia pro colégio, de tarde jogava bola ou saía com os guri, essas coisas e agora é bem chato ficar aqui, deitado, sem fazer nada.

O adolescente, de modo inesperado, vê-se em um hospital, realizando exames invasivos e dolorosos, cercado por pessoas estranhas, em um ambiente hostil e diferente a ele, passando a participar, então, durante esse período, de um novo grupo social: o hospitalar. A expectativa por viver uma adolescência rodeada dos seus colegas e das suas atividades cotidianas é reprimida, uma vez que se exige a reestruturação dos dias conforme as demandas hospitalares. Diante do corte que se coloca em seu cotidiano normal e o distanciamento dos adolescentes das pessoas com as quais convivia, gera-se o sentimento de angústia, que pode levar os pacientes à desesperança em relação ao seu futuro e, até mesmo, a pensamentos sobre desistência do tratamento (Bicalho, Araújo & Botti, 2019).

A mudança de ambiente, o isolamento, o tratamento quimioterápico, os efeitos adversos dos medicamentos e os cuidados exigidos durante a internação fazem com que os adolescentes tenham de abdicar de inúmeras atividades e do convívio social com que estão acostumados (Menossi & Lima, 2000). Embora as relações sociais sejam fundamentais na constituição identitária do adolescente, durante esse período acabam se tornando bastante restritas, como pode ser observado nas falas a seguir:

A.6 F.16: amiga tinha assim de colégio, de conversa de ir lá em casa, aí depois que eu descobri a doença elas sumiram, né (faz uma expressão de tristeza), até meus primos não vão mais lá em casa, minha prima que a gente cresceu juntas [...] nunca mais me ligou, nunca mais falei com ela.

A.8 M.15: é estranho, ficar longe, eu sempre saía e a gente se via todo dia e agora eu tá aqui, né (expressão de tristeza).

Diante deste cenário, a sensação de isolamento social advinda do tratamento pode ser sentida conforme evidenciado por A6F16 como um abandono dos amigos, podendo produzir um ressentimento sobre os mesmos. Frente a um período da vida, em que é de suma importância a convivência com o outro, não possuir mais muitas possibilidades de participação em eventos e relacionamentos no ambiente externo ao hospital retrata uma frustração e sentimento de solidão ao adolescente (Bicalho, Araújo & Botti, 2019; Silva & Oliveira, 2019).

Nessa fase do desenvolvimento, essas relações são de extrema importância, pois a partir delas o sujeito constrói seu caráter, sua história e suas experiências traumáticas e significantes. Por isso, ressalta-se que o apoio social, nesse momento, pode reduzir o sofrimento psicológico do adolescente que enfrenta a doença. Parentes e amigos são fontes de apoio importantes na adaptação à doença crônica (Ritchie, 2001).

A.4 F.12: na primeira internação que eu tive eles mandaram um monte de coisa, um monte de cartão, um monte de presente, aí quando eu fui pra casa eles me mandaram uma almofada com o nome deles e uns desenhos, aí tá lá na minha cama.

Uma vez que a adolescência é, ao mesmo tempo, um fenômeno individual e social, observa-se a importância da presença e do acompanhamento dos familiares e/ou amigos. Estes vínculos podem ser anteriores à doença ou provenientes de relações construídas desde então, uma vez que foi observado nos participantes do estudo a formação de uma nova rede social com a equipe, com seus familiares e com outros pacientes (Ferreira & Garcia, 2008). Essa criação de uma rede de apoio se coloca como fundamental, uma vez que a convivência entre pares dentro do hospital pode amenizar o sofrimento emocional causado pela doença (Menossi & Lima, 2000).

É importante para os adolescentes enfermos estabelecer relações e trocas de experiências não apenas relacionadas à doença e ao tratamento, mas também a assuntos típicos dessa fase do desenvolvimento que, muitas vezes, são negligenciados no momento de adoecimento (Veiga & Leitão, 2009). As relações de troca durante o enfrentamento da doença ocorrem prioritariamente com as pessoas da equipe. Por esse motivo é preciso haver, por parte dos profissionais, o entendimento da importância dessas questões na adolescência para que possam desenvolver conversas e atividades as quais os adolescentes queiram realizar para amenizar o sofrimento decorrente desses afastamentos afetivos.

As possibilidades de continuidade, de certo modo, de uma rede de apoio e vínculo com figuras significativas ao sujeito adolescente poderiam advir por meio da inclusão das redes sociais. No entanto, como observado pelo pesquisador, tal fator é dificultado na internação, tendo em vista não haver disponibilidade de um acesso a esses meios.

Essas percepções evidenciam a importância da manutenção de relações afetivas e da comunicação com o outro para a vivência do tratamento. Por outro lado, também indicam a ruptura de alguns vínculos em função do adoecimento, que pode demonstrar o olhar estigmatizador ao adolescente com câncer.

"Me chamam de carequinha": o impacto do olhar do outro sobre o adolescente com câncer

A presente discussão visa refletir acerca da percepção dos adolescentes em relação à sua imagem e como ela é vista pelo outro. A partir disso, pondera-se sobre como os mesmos percebem o preconceito a sua (re)inclusão nos ambientes sociais.

Identificou-se, nas falas dos adolescentes, que o câncer afeta profundamente a pessoa acometida pela doença e as que fazem parte de suas relações, devido também à presença da discriminação por parte dos demais, como evidenciado por A.2 F.12.

A.2 F.12: tem umas pessoas que quando eu tô na parada de ônibus, eu tava sentada com minha mãe, daí duas guriazinhas me viram né, e daí elas começaram a passar e a rir, e eu disse mãe eu vou ficar triste se continuar assim, daí quando tava quase chegando o ônibus, elas pararam e perguntaram 'tu tem câncer'?, daí eu disse sim, daí elas: 'por isso tu é assim gordinha? Inchadinha?', daí eu disse sim porque eu tomo remédio, daí elas saíram rindo, e eu fiquei triste.

O modo como os entrevistados enfrentam o preconceito sofrido por viverem com uma doença carregada de estigmas e significados é resultado de como perceberam, avaliaram e interpretaram a situação vivida. A percepção de si é atravessada pelo olhar do outro e pelas transformações de ordem física decorrentes do tratamento, que se evidenciam conforme a visão da participante pelo estigma do inchaço. Dessa maneira, o adolescente vivencia um mal-estar físico e psíquico intenso, em uma fase em que o corpo está em evidência. Esta imagem é tocada e transformada pelo processo de tratamento. Sendo assim, marca-se uma diferença no corpo deste adolescente e a sensação desse ser outra pessoa, uma vez que socialmente pode ser encarado como um tom de estranhamento (Bicalho, Araújo & Botti, 2019).

A reação das pessoas devido à modificação da imagem do adolescente não afeta apenas a maneira de o sujeito se autoperceber, mas também a sua forma de interagir socialmente. Isso pode fazer com que o indivíduo se isole ainda mais para não ter que passar por situações constrangedoras, como pode ser observado na seguinte fala:

A.9 M.17: ah, quando eu sair daqui eu não queria ver muita gente, quero ficar mais por casa mesmo, sozinho, ficar mais com a família, incomoda a curiosidade das pessoas, sabe.

Cazarolli, Beck, Machado, Coelho e Ambrós (2011), em seu estudo, destacaram o fato de que, quando o adolescente é acometido por uma doença como o câncer e, consequentemente, pelo tratamento, precisa elaborar o luto do seu corpo saudável para dar entrada a um novo corpo - o doente -, o qual se encontra, muitas vezes, modificado pelo processo adoecimento-tratamento. Um resultado importante dessa pesquisa foi o quanto os adolescentes se preocupam com a sua imagem nesse período de desenvolvimento que, nesse momento de suas vidas, encontra-se atrelada à patologia. Pode haver um confronto intenso deles com a imagem que tinham de si mesmos antes de a doença ser diagnosticada.

Entre as diversas mudanças que afetam ao corpo, a queda do cabelo pode levar à sensação de insegurança/vulnerabilidade e à diminuição da autoestima. Em relação às pacientes do sexo feminino, Rezende (2011) apresenta que: "a alopecia (queda do cabelo) decorrente do tratamento oncológico, além da perda de características femininas, representa também para a sociedade a presença de uma enfermidade". Rezende (2011) ainda traz outros aspectos, como, por exemplo, a questão da escola, uma vez que os pacientes têm medo da reação dos colegas e do estranhamento por parte da comunidade escolar, como pode ser ilustrado pela fala da adolescente A.7 F.16:

A.7 F.16: assim tinha bastante gente preconceituosa sabe, e eu fui muitas vezes sem cabelo na escola, e olhavam pra gente com cara torta, e eu não gostava, eu pedia pra ir embora, e elas não me deixavam, e eu dizia mas rindo de mim assim eu não vou ficar, "aí mas o que que tem" a diretora dizia assim pra mim, daí eu dizia eu não quero ficar, daí eles bem dizer brigavam comigo, daí pediam pro meu pai ia lá me buscar, mas eu sofria muito na escola, com preconceito.

Uma vez que as mudanças corporais são um aspecto típico e esperado no período da adolescência, espera-se que o sujeito aceite progressivamente essas modificações, mesmo que de forma tumultuosa e conflituosa. Contudo, quando essas mudanças da puberdade são associadas às alterações corporais trazidas pelo processo de adoecimento pelo câncer, a aceitação desse novo corpo e o luto pelo corpo infantil intensificam-se, tornando-se mais difíceis. Nesse caso, é exigida, do adolescente com câncer, uma dupla elaboração psíquica no que diz respeito ao seu corpo sadio e infantil, o que reflete na sua imagem corporal.

A.4 F.12: ah, eles ficam olhando quando eu tô de máscara. Ficam olhando. Uma vez a minha tia foi no mercado comigo, daí uma guriazinha perguntou: que que é isso? Pra minha tia né, daí minha tia disse: é uma fantasia que ela tá usando, a guriazinha acreditou né (risos), lá não é comum as pessoas andarem de máscara, né.

A.2 F.12: a mãe pergunta se quero ir na escola sabe, eu até tenho vontade sabe, mas eu tenho medo que eles ficam rindo de mim, eu não gosto muito de ir, mas às vezes eu vou sabe, daí bem no começo eu chorava bastante.

Além da angústia frente aos efeitos colaterais do tratamento, também a discriminação parece afetar a entrevistada. A alopecia faz com que ela se sinta rejeitada pelos colegas, numa fase em que a formação de grupos é fundamental para a construção de sua identidade. Conforme Aberastury (1981), na construção da identidade, os adolescentes tendem a se juntar entre si, buscando uniformidade, o que traz certa segurança e estima pessoal. Nesse âmbito há uma identificação em massa e, em alguns casos, isso se decorre de uma forma tão intensa que a separação destes do grupo pode se tornar intolerável.

No entanto, para o adolescente com câncer, esse processo grupal pode não ser vivenciado ou não ser contemplado como deveria, tanto pelo tratamento e pelos longos períodos de internação, quanto porque este se mostra diferente perante o grupo, uma vez que a imagem da doença reflete algo que não está nos padrões, acarretando ao adolescente o afastamento e a rejeição do grupo de iguais.

Por isso, condições graves como o câncer trazem consigo uma série de associações simbólicas, podendo afetar profundamente a maneira como as pessoas percebem a doença e como se comportam perante os indivíduos acometidos pela mesma. A representação do câncer como um mal manifesta um sentimento de desvalorização social, de maneira que a doença não é apenas uma anormalidade biológica, mas também uma anormalidade social, levando o doente a se ver como um ser socialmente desvalorizado (Helman, 1994). Uma das adolescentes relata que gostaria de não sofrer tanto "preconceito" quando está fora do hospital.

A.7 F.16: talvez que não olhassem assim indiferente pra gente, que não tivessem tanto preconceito, porque tem gente que tem muito preconceito.

Agravando a situação, o câncer em um adolescente apresenta-se como uma contradição ao desenvolvimento normativo, tendo em vista essa fase ser reconhecida como um período de desenvolvimento psicossocial, caracterizada pela vitalidade. Conforme Lee (2001), as teorias do desenvolvimento psicológico não abordam estratégias de enfrentamento de uma doença nessa fase, o que dificulta a compreensão sobre o que significa vivenciar uma doença nesse período, acarretando, assim, maiores dificuldades de aceitação e de entendimento da sociedade.

O (não) lugar do adolescente na internação hospitalar

Neste ponto buscar-se-á a discussão da percepção do adolescente acerca da sua vivência no espaço do hospital. Por meio de observações realizadas no decorrer do desenvolvimento da pesquisa, juntamente à análise dos dados obtidos por meio das entrevistas com os adolescentes hospitalizados, verificou-se que o processo de internação se constitui como algo talvez tão difícil quanto a doença em si. O paciente adolescente, na maioria das vezes, é internado em unidades pediátricas, ficando, assim, "sem lugar", podendo sentir-se excluído e deslocado (Bessa, 2000). Tal aspecto pode ser observado na fala seguinte:

A.7 F.16: eu penso também, tô com 16 anos e ela com um aninho e pouco, eu paro e penso que eles podiam botar adolescente com adolescente, criança com criança que ficaria melhor, mas eles botam às vezes, às vezes não, daí fica difícil de conviver, né.

Desse modo, o centro de tratamento pode caracterizar-se como um espaço que não contempla as necessidades psicossociais dos adolescentes, como evidenciado no estudo. Diante de tal realidade, o adolescente hospitalizado pode se comportar, em muitos casos, de forma impaciente, questionadora, entrando em desacordo com o padrão rígido da rotina hospitalar (Volpini, 2007). Sendo assim, a sua terapêutica se constitui em um desafio ainda maior, uma vez que se torna difícil a adaptação a rotina a qual está sendo submetido:

A.7 F.16: eu fico mais no quarto, porque pra fora eles não deixam ir né, daí é só mais no quarto, às vezes assim eu vou na salinha porque a mãe pede 'aí vamo na salinha, sai um pouco do quarto' daí eu vou, se não, não!

A literatura defende que, por causa da similaridade dos sinais e sintomas do câncer na criança e no adolescente e por existir melhor suporte nas unidades pediátricas, estabeleceu-se, em alguns hospitais, que os adolescentes sejam internados em tais unidades (Martins et al. 2018; Melo, 2006). No entanto, no decorrer da hospitalização do paciente adolescente com câncer em enfermarias pediátricas, percebe-se que o jovem se sente incomodado e ocioso por estar em um espaço que não atende às peculiaridades juvenis.

Assim, a vida do adolescente em tratamento parece resumir-se a uma rotina organizada conforme os procedimentos técnicos do hospital, aos contatos invasivos da equipe de profissionais, aos cuidados de um acompanhante, que costuma ser um dos pais, e ao compartilhamento de espaços com pessoas estranhas, o que pode gerar conflitos pela falta de privacidade que existe no ambiente hospitalar.

A.7 F.16: eu tava internada com uma menina aqui, de noite não podia entrar uma enfermeira no quarto ela gritava 'ai mãe tá doendo isso, mãe dói aquilo', e daí a mãe dela tinha ido embora um final de semana e o padrasto dela veio pra ajudar a cuidar e esse padrasto não me deixou dormir, ele fazia barulho a noite inteira, roncava e fui me irritando, e pedi pras enfermeiras me trocarem de quarto.

Reflete-se então, sobre o lugar do adolescente com câncer no processo de hospitalização, pois este pode ser visto como resistente, arrogante, conflituoso, podendo até ser deixado à margem durante esse processo. No entanto, ao se lançar um olhar diferenciado a esse tipo especial de paciente, observa-se que o jovem é um ser capaz de estabelecer relações efetivas, é detentor de grande capacidade de resiliência e deve ser considerado como aquele que ocupa lugar fundamental e determinante na problemática dinâmica do adoecimento (Alves, 2009).

A falta de lugar para o adolescente com câncer em uma instituição hospitalar reflete a falta de espaço para esse jovem na sociedade em geral. É importante ressaltar que a vivência de um momento de grande desorganização psíquica caracterizada pelo adoecimento demanda um tempo e um lugar pensado para o adolescente em específico.

 

Considerações finais

Os resultados deste estudo demonstraram aspectos, sentimentos, vivências e necessidades de adolescentes com câncer no contexto hospitalar. Tendo em vista o choque causado pelo diagnóstico e o medo do tratamento por parte do adolescente, poderiam ser criados, no espaço hospitalar, dispositivos grupais, quando possível, envolvendo os adolescentes e as pessoas próximas, como amigos e familiares, com o objetivo de diminuir os efeitos causados pelo diagnóstico e pelo tratamento. Além disso, esses grupos poderiam oferecer e envolver temas em relação aos quais os adolescentes tenham interesse e que perpassem os seus questionamentos e as suas demandas, bem como trabalhem as mudanças que mais tocam essa experiência do adoecer, como o afastamento do convívio social, uma nova rotina, entre outros. É importante lembrar que o espaço hospitalar deve ser um lugar organizado de forma a acolher os adolescentes, pois a identificação entre eles no grupo, nessa fase, é muito importante.

No que se refere à ruptura do cotidiano e ao afastamento das relações sociais do adolescente, a utilização da internet poderia se tornar uma aliada para amenizar o sofrimento decorrente desses fatores. Os adolescentes poderiam ter acesso às redes sociais, por exemplo, com o intuito de amenizar a distância entre eles e os familiares e, principalmente, entre eles e os amigos, mantendo um vínculo, mesmo que virtual, com o mundo externo. No que diz respeito à vinculação com o mundo externo e à percepção do adolescente em relação a um olhar muitas vezes estigmatizador do outro, tornam-se importantes ações em escolas e diferentes espaços que visem expor o que é o câncer, em especial infantojuvenil, bem como quais as implicações do seu tratamento e os conflitos que podem perpassar o paciente, além da importância de um acolhimento.

Ademais, cabe destacar a importância de a equipe de saúde manter uma relação afetiva com esses adolescentes, para que essa ruptura se torne menos negativa. É relevante que a equipe consiga estabelecer um vínculo saudável, para que eles não se sintam tão excluídos e solitários neste espaço que não compreendem como seu e que não é pensado diretamente ao adolescente. Para isso, compete aos profissionais envolvidos entender os aspectos psíquicos comuns à adolescência, para que a exista uma relação de troca que facilite a passagem por esses dois processos intensos para os indivíduos em questão: o adolescer e o adoecer.

Ainda, acrescentando a essa temática o papel da psicologia, acredita-se que o atendimento psicológico pode ser uma ferramenta importante durante o tratamento, uma vez que, como analisado, o adolescente tende a ficar fragilizado pelas implicações decorrentes de o hospital ser considerado um lugar onde existe a presença constante da dor e de incertezas. Nesse sentido, o acompanhamento psicológico permitiria ao adolescente expressar seus sentimentos mais conflituosos acerca das suas vivências no contexto hospitalar, bem como seus medos e suas angústias, facilitando o enfrentamento da situação em que se encontra.

Sobre as repercussões da doença e o lugar que o adolescente ocupa nesse cenário, destaca-se a importância de se promoverem discussões nos hospitais sobre as políticas públicas e a rede de saúde. Dessa forma, ações seriam pensadas e direcionadas no sentido de amenizar os sentimentos de solidão, isolamento, ansiedade, medo e angústias, bem como com o intuito de melhorar a qualidade dos serviços de apoio ofertados a esse público. Desse modo, o adolescente poderia vir a vivenciar a hospitalização e as consequências da mesma de forma mais adaptativa.

Por fim, como limitação do estudo apresenta-se a compreensão da vivência de adolescentes com câncer em um recorte social especifico, por meio de um hospital público, diante de casos com diagnóstico de Leucemia Linfoide Aguda e Linfoma de Hodking, em tratamento quimioterápico. Nesse sentido, sugere-se a realização de pesquisas que abordem diferentes contextos hospitalares e locais de circulação dos adolescentes com câncer, como a escola, por exemplo, além de diferentes diagnósticos clínicos e formas de tratamento. O intuito seria aprofundar a temática e propiciar maiores subsídios aos profissionais de saúde, a fim de que possam oferecer um olhar e um cuidado adequados a esses sujeitos e às especificidades de se experenciar uma doença como o câncer nessa fase do desenvolvimento.

 

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Recebido em: 17/01/2019
Aprovado em: 20/12/2019

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