SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Significado de responsabilidade social de empresas para o consumidorSíndrome de burnoute caraterísticas de cargo em professores universitários índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.2 Florianópolis dic. 2004

 

ARTIGOS

 

Relacionamento interpessoal: da obra de Robert Hinde à gestão de pessoas

 

Personal relationships: from Robert Hinde's work to personnel management

 

 

Beatriz VentoriniI; Agnaldo GarciaII

IMestre em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora da Faculdade Novo Milênio, Serra, ES (biaventorini@ig.com.br)
IIDoutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Professor do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimentoda Universidade Federal do Espírito Santo (agnaldo.garda@uol.com.br)

 

 


RESUMO

Conhecimentos mais profundos sobre a dinâmica dos relacionamentos interpessoais podem ser extremamente relevantes para as organizações. Apesar de pouco explorados na área de administração, os estudos acerca do relacionamento interpessoal podem contribuir para o avanço teórico da gestão organizacional contemporânea e para a formação de profissionais de administração. O objetivo deste artigo é discutir a proposta de Robert Hinde para a organização de uma ciência do relacionamento interpessoal e sua relevância para estudos organizacionais, e tentar estabelecer pontes entre esta abordagem e a área de gestão de pessoas. Este trabalho teórico baseia-se na análise dos segmentos da obra de Hinde dedicados à organização da área de relacionamento interpessoal, de algumas obras clássicas em administração e de uma parcela da produção dos estudos organizacionais contemporãneos voltados para a discussão do relacionamento interpessoal na área de administração. Os conceitos e idéias organizados por Hinde para o estudo dos relacionamentos foram identificados e apresentados, discutindo-se conexões entre a proposta de Hinde e os estudos organizacionais contemporâneos. Sugere-se que a proposta de Hinde é extremamente útil como referencial teórico para orientar pesquisas sobre relações pessoais em administração, assim como para a formação de profissionais da área.

Palavras-chave: Hinde; relacionamento interpessoal; gestão de pessoas.


ABSTRACT

A deeper knowledge about interpersonal relationships' dynamics may be extremely useful for organizations. Although studies about interpersonal relationships are not much explored by researchers in management, they may contribute to theoretical advances in contemporary organization management and to the training of professionals in the area. This paper aims at discussing the proposai of Robert Hinde to organize a science of interpersonal relationship and its relevance for organizational studies; it attempts, also, to establish connections between Hinde's proposal and the area of personnel administration. This theoretical discussion was based on Robert Hinde's works dedicated to personal relationships, on some classic works in management science and on a parcel ofthe production ofcontemporary organizational studies. The concepts and ideas organized by Hinde as a theoretical framework for a science of relationships have been identified and presented and links between Hinde's proposal and contemporary organizational studies have been discussed. It is suggested that Hinde's proposal is extremely useful as a theoretical framework to guide research in personal relationships, in management research and also for professional training in the area.

Keywords: Hinde; personal relationships; personnel management.


 

 

1. Introdução

Uma breve incursão porperiódicos científicos internacionais na área de administração, revela a presença de investigações recentes sobre o relacionamento interpessoal nas organizações. Alguns trabalhos examinam as relações entre pessoas que ocupam cargos de liderança e seus subordinados, como Moshavl, Brown e Dodd (2003), que investigaram a consciência de ser líder e sua relação com o desempenho e as atitudes dos subordinados, ou como Krishnan (2003), que estudou as relações entre poder e liderança moral, e ainda como Bono e Judge (2003), que pesquisaram os efeitos motivacionais provocados por líderes transformadores. Outro foco de interesse concernente às relações interpessoais nas organizações são os estudos sobre cooperação e competição entre os membros de uma corporação, como investigados por Beersma, Hollenbeck., Humphrey e Moon (2003). Uma perspectiva mais geral pode ser vista em Morrison (2002), que investiga o papel de laços afetivos na rede social e sua influência na socialização de novos participantes na orgamzação. Estes exemplos mostram que o estudo de relações interpessoais para a área de administração é, claramente, uma questão contemporânea relevante.

Um dos maiores desafios para a ciência da administração é lidar adequadamente com pessoas, e seus relacionamentos, nas organizações. A gestão de pessoas tem um papel essencial na consecução, dos resultados organizacionais. Ao lidar com pessoas, lida também com a complexa rede de relacionamentos e interações existente em cada organização. A compreensão das relaçoes humanas, em uma organização, é parte indispensável, portanto, da formação de administradores, tendo em vista a construção de uma sociedade solidária e democrática. A produção científica sobre relacionamento interpessoal oferece aos profissionais de administração uma representação sistemática do processo de relacionamento, possibilitando a utilização de dados de pesquisa como base para a tomada de decisões que envolvem o comportamento interpessoal e a gestão de pessoas (Minicucci 1995). Segundo Davel e Vergara (2001), o relacionamento Interpessoal é um dos temas que mais contribui para a complexidade da atividade de gestão de pessoas.

A felicidade e o bem-estar dos participantes da organização, hoje considerados por muitos estudiosos da administração como fundamentais, representam, ao mesmo tempo, o objetivo último de um corpo integrado de conhecimentos sobre os relacionamentos (conforme Hinde, 1997). Autores contemporâneos em administração reconhecem a importância do estudo dos relacionamentos interpessoais (Davel e Vergara, 2001; Minicucci, 2001), mas em geral se limitam a indicar os gestores como responsáveis pelo desenvolvimento de um repertório de sensibilidades para lidar com pessoas e suas relaçoes. Por outro lado, relacionamentos despertam o interesse de todos os participantes de uma organização, e não apenas dos gestores. Segundo nossa perspectiva, todos os participantes da organização são responsáveis pela qualidade de seus relacionamentos.

As organizações são formadas por grupos de pessoas que trabalham de maneira estruturada, por meio de divisão de tarefas, visando atingir objetivos predeterminados que dificilmente poderiam ser alcançados por meio do esforço pessoal isolado. Como salienta Chiavenato (2002: 21), "é difícil separar as pessoas das organizações", pois "não existem fronteiras muito definidas entre o que é e o que não é uma organização". Um grande número de pessoas passa a maior parte de seu tempo diário em organizações, executando diversas atividades. Se os relacionamentos interpessoais consistem em um dos fatores fundamentais para a felicidade das pessoas (Hinde, 1997), a qualidade dos relacionamentos presentes na vida das organizações é essencial para a felicidade e o bem-estar dos indivíduos. Por outro lado, a qualidade dos relacionamentos interpessoais entre seus participantes será fundamental, também, para a continuidade da própria organização.

As organizações formam complexas teias de relaçoes interpessoais: entre seus membros e com pessoas de fora, como fornecedores, clientes, membros de instituições financeiras, do governo, entre outros. Uma maior competência para se relacionar pode melhorar o entrosamento com colegas, a qualidade do trabalho realizado, a comunicação, a cooperação, a empatia e a satisfação, além de melhorar o relacionamento na família e com amigos.

O presente estudo parte da proposta de Robert Hinde para a sistematização da área de relacionamento interpessoal, e busca aplicar alguns dos elementos de seu arcabouço conceitual ao relacionamento nas organizações, fazendo referências à posição de alguns autores brasileiros contemporâneas da área de administração. Pretende-se discutir alguns elos possíveis entre estas tendências contemporâneas e a proposta de Hinde. Tal esforço se justifica, do ponto de vista da ciência dos relacionamentos, por uma tentativa de aproximação com os estudos organizacionais. Tradicionalmente, a ciência do relacionamento interpessoal tem se voltado para as relações "universais", como aquela entre pais e filhos, relacionamentos românticos e entre amigos. É mister, contudo, investigar a maneira pela qual as pessoas se relacionam nas organizações, para se atingir um conhecimento mais amplo sobre as relações humanas em sua totalidade. Do ponto de vista da gestão de pessoas, uma aproximação com a ciência dos relacionamentos pode contribuir para um aprofundamento da compreensão da complexa teia de relações interpessoais que constituem as organizações.

 

2. Robert Hinde e a construção de uma ciência do relacionamento

Apesar de, tradicionalmente, a investigação das relações interpessoais ser incluída como uma sub-área da Psicologia Social, a área tem recebido contribuições de diversas disciplinas diferentes, como a Sociologia e a Antropologia, entre outras. Os estudos sobre o relacionamento interpessoal são recentes: a maioria das publicações data dos últimos trinta anos. O principal periódico sobre o tema tem pouco mais de vinte anos, e a principal sociedade internacional é feito da fusão de duas sociedades anteriores, há poucos anos. Como ocorre em outras áreas da Psicologia Social, o estudo dos relacionamentos carece de teorias explicativas mais abrangentes. Uma breve consulta ao Journal of Social and Personal Relationships,por exemplo, o periódico científico internacional mais citado na área de relações interpessoais, revela que o mundo das organizações é pouco investigado desta perspectiva.

Historicamente, alguns autores podem ser destacados por sua contribuição ao estudo das relações interpessoais, como Heider (1970), originalmente publicado em 1958; Bowlby (1990), originalmente publicado em 1969; Duck (1998), originalmente publicado em 1986; Hinde (1979, 1987 e 1997), entre outros. A relevância da obra de Robert Hinde, para este ensaio, é devida à sua tentativa de sistematização desta área de pesquisa. A construção de uma ciência dos relacionamentos é um alvo legítimo a ser perseguido.

Robert Hinde iniciou a sua carreira acadêmica como zoólogo, tendo participado da fase áurea da Etologia, nos anos 60 e 70. A sua atuação como etólogo, e seu contato com Nikolas Tinbergen, Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, de 1973, deixaram algumas marcas em sua obra que revelam a influência de atitudes orientadoras da Etologia. A própria tentativa de sistematização da área, coordenando as inúmeras contribuições de algumas décadas, é possivelmente um reflexo da forma de pensar do etólogo, preocupado com a descrição, a sistematização dos conhecimentos obtidos e a construção teórica.

Hinde procurou sistematizar os conhecimentos produzidos sobre o relacionamento interpessoal durante três décadas (Hinde, 1979, 1987 e 1997). Além de seu caráter de organização da área, a obra de Hinde ainda traz propostas de integração de uma ciência do relacionamento, com ênfase em alguns pontos, como a adoção da teoria de sistemas, a consideração de relações dialéticas entre os diferentes níveis de organização, e a consideração de fatores ambientais e sócio-culturais.

A Psicologia Organizacional, por outro lado, lida não apenas com a questão do relacionamento, mas também com outros aspectos, como motivação, afetividade, subjetividade, entre outros. Quanto ao relacionamento, geralmente trata de aspectos particulares, que interessam à organização, como as relações de liderança, ou relações entre membros da organização. De forma geral, a ciência do relacionamento interpessoal tem se desenvolvido com base em investigações, em sua maioria, fora das organizações.

Este artigo busca ampliar o diálogo entre essas duas áreas de investigação, os estudos sobre relacionamento interpessoal e os estudos organizacionais. Nos parágrafos seguintes, são discutidas algumas implicações, para os estudos organizacionais, de alguns conceitos básicos propostos por Hinde (1997) acerca do relacionamento interpessoal.

2.1 Semelhança e Diferença

Similaridades e diferenças pessoais podem ter efeitos, positivos ou negativos, no relacionamento interpessoal e na vida da organização. As similaridades podem se referir ao comportamento, à personalidade, às percepções (do mundo e dos relacionamentos), às habilidades, aos cargos ocupados e às atividades desempenhadas. Tais semelhanças facilitam a comunicação, melhoram os resultados do trabalho em equipe, possibilitam uma melhor percepção do outro, diminuem os conflitos de opinião e aumentam a satisfação com o relacionamento. Por outro lado, similaridades de objetivos profissionais, por exemplo, podem gerar competição por recursos, cargos, posições, reconhecimento ou status,ou conflitos quanto à distribuição de poder.

As diferenças pessoais, por sua vez, possibilitam a satisfação de necessidades complementares (Hinde, 1997). No contexto das organizações, o fato de cada funcionário possuir habilidades e objetivos específicos é uma necessidade. As diferenças são positivas ao estimularem o intercâmbio de idéias e o confronto de diferentes perspectivas. No trabalho em equipe, a colaboração de habilidades e conhecimentos diferentes traz efeitos benéficos para as pessoas e para a organização. Contudo, as diferenças pessoais podem dificultar a comunicação, a percepção adequada do outro, e dar lugar a conflitos de opinião.

2.2 Reciprocidade e Complementaridade

Enquanto a reciprocidade nos relacionamentos se caracteriza pela apresentação de comportamentos similares pelos participantes, simultaneamente ou de forma alternada, a complementaridade referese à apresentação de comportamentos diferentes que, contudo, se completam (Hinde, 1997). Um relacionamento raramente se apresenta como exclusivamente recíproco ou complementar. Nem a reciprocidade, nem a complementaridade são determinantes para a atração, o desenvolvimento e a manutenção dos relacionamentos.

A reciprocidade de comportamentos pode incentivar a cooperação, por vezes considerada como um dos objetivos essenciais das organizações (Chiavenato, 2000). A reciprocidade mostra-se positiva para a organização, por exemplo, no caso da manifestação de comportamentos amistosos que eliciam, no parceiro, respostas também amistosas. O mesmo ocorre na troca de conhecimentos e informações. Um dos percalços gerados pela reciprocidade, todavia, é quando esta atinge comportamentos hostis, gerando uma escalada de retaliações ou de comportamentos agressivos.

A complementaridade também pode ser benéfica ou prejudicial para a vida organizacional. Interações de natureza complementar, como ensinar e aprender, planejar e executar, atender e ser atendido, exigem ações diferenciadas por parte dos envolvidos e são indispensáveis para o funcionamento de uma organização. A complementaridade, contudo, pode ser prejudicial ao provocar excesso de dependência, de comportamentos de dominância e submissão, ou tornar funções como planejar e executar estanques.

2.3 Conflito

O conflito está presente em virtualmente todos os relacionamentos. Porém, ele nem sempre é destrutivo. Em muitos casos, dependendo da situação, da personalidade ou do próprio relacionamento, ele pode ser construtivo (Hinde, 1997).

Na área da administração, diversos autores têm discutido o conflito e suas implicações para as organizações (e.g. Davel e Vergara, 2001; Chiavenato, 2000; Minicucci, 2001). O conflito é definido como a existência, real ou suposta, de opiniões, comportamentos ou interesses antagônicos que podem entrar em choque. Indica a existência de forças vitais e dinâmicas que se chocam. A sua ausência é considerada como o resultado momentâneo de acomodação, apatia e estagnação (Chiavenato, 2002). O conflito construtivo estimula a negociação e a transformação. Em sua forma destrutiva, provoca desgaste nos relacionamentos.

Conflitos nos relacionamentos podem ser desencadeados pelo confronto de tendências divergentes, como entre a necessidade de autonomia e a de conexão com outras pessoas, entre o desejo de auto-exposição e o de privacidade, ou entre a expectativa de previsibilidade e a busca de novidade. Nas organizações, os conflitos afetam o bem-estar e a satisfação dos participantes.

Uma das principais fontes de conflito nas organizações reside nas inovações dos métodos e processos de trabalho que atingem "sempre, mais ou menos profundamente, as estruturas sociais, ( ... ) as normas e as regras" (Alter, 2001, apudDavel e Vergara 2001: 63). Como reação à inovação, surge a resistência à mudança, desencadeando um conflito entre os responsáveis pela novidade e os defensores da ordem estabelecida, ou entre posicionamentos diversos diante da mudança. A adequação da percepção do outro, a confiança, índices elevados de compromisso, auto-exposição e intimidade, além da qualidade da comunicação, são elementos facilitadores para a negociação do conflito. Neste caso, o conflito pode ter conseqüências construtivas, com o fortalecimento da confiança. O fracasso no enfrentamento dos conflitos, contudo, é uma causa constante de insatisfação com o relacionamento, provocando o enfraquecimento de laços afetivos, a perda de confiança e percepção distorcida do parceiro. A natureza construtiva ou destrutiva do conflito e sua resolução dependem, entre outras coisas, de características pessoais e do relacionamento. A compatibilidade de interesses, a existência de laços de amizade e de habilidades de persuasão, por exemplo, podem facilitar a negociação. Fatores situacionais e outros relacionamentos, além da atribuição de causa e culpa pela disputa e a percepção da incompatibilidade de interesses, também afetam o conflito e sua resolução.

Conflitos pessoais nas organizações decorrem ainda da disputa porrecursos, como dinheiro, materiais, espaço fisico e equipamentos, ou mesmo a atenção de um funcionário específico (Chiavenato, 2002). Estas são questões delicadas e merecem atenção para se evitar efeitos negativos sobre o relacionamento dos envolvidos.

A interdependência de atividades representa outra fonte de conflitos (Chiavenato, 2002). Os indivíduos, em uma organização, dependem, uns dos outros para desempenhar as suas atividades. Se a não realização de uma atividade, por parte de um funcionário, impede a realização da tarefa de outro, está criada uma situação conflituosa. Quanto maior for a interdependência, maiores serão os riscos de conflito.

O conflito entre a necessidade de autonomia e a de conexão com outras pessoas (Hinde, 1997) também merece atenção no ambiente organizacional. Seja por motivos profissionais ou pessoais, os indivíduos buscam manter uma rede de relacionamentos sociais, ao mesmo tempo em que desejam ser auto-suficientes. Esse tipo de conflito entre colegas de equipe ocorre diante de objetivos parcialmente incompatíveis, como desejar sobressair-se e ser reconhecido e, ao mesmo tempo, relacionar-se bem com os colegas, trabalhar em conjunto e sentir-se membro da equipe. Este é considerado como um dos "paradoxos da gestão contemporânea".

Nas relações entre chefe e subordinado, os conflitos geralmente provocam reações de supressão, por parte do primeiro, e de apatia, por parte do último. Nestes casos, a existência ou não de interações informais, o grau de intimidade, compromisso, confiança e de compatibilidade de interesses, além da qualidade da comunicação, são de suma importância para a sua superação. O poder formal e o estilo de liderança utilizado também são relevantes para a resolução dos conflitos. O estilo de liderança não é determinado pelo chefe, mas é influenciado por características da personalidade do líder e do subordinado, por características situacionais e por outras características do relacionamento (Vergara, 2003). A natureza da liderança é dinâmica e dependerá de muitos fatores.

O conflito de interesses pode afetar negativamente um relacionamento, mas este também pode conduzir ao diálogo e ao fortalecimento dos laços entre as pessoas. Instrumentos para medir a distância entre os participantes de um relacionamento, como aquele desenvolvido por Hess (2003), organizado em torno de dois grupos de táticas de distanciamento (hostilidade e afastamento), podem ser úteis para verificar os resultados de conflitos sobre os relacionamentos. Estes podem gerar um féedbacknegativo, implicando em adaptações suaves nas características do relacionamento, permitindo a sua continuidade sem grandes transformações, ou um feedbackpositivo, provocando transformações abruptas no relacionamento, podendo produzir conflitos cada vez maiores e, possivelmente, irreversíveis.

2.4 Poder

Um indivíduo tem poder sobre o outro na medida em que, variando o seu próprio comportamento, ele consegue afetar o comportamento do outro (Thibaut e Kelley, 1959, apudHinde, 1997). O poder é uma propriedade do relacionamento, e não dos indivíduos. O poder, em um relacionamento, raramente é absoluto: é limitado pela habilidade dos participantes, e envolve a influência de um sobre as ações do outro. Geralmente, cada parceiro detém o poder em determinados contextos.

No contexto organizacional, pode-se identificar diversos tipos de situação em que o poder afeta os relacionamentos (Davel e Vergara, 2001; Vergara, 2003). A seguir, são discutidas relações de poder e suas implicações para os relacionamentos e para a vida organizacional, com base na classificação de tipos de poder, de French e Raven (1959, apudHinde, 1997).

O primeiro tipo de poder envolve recompensa e punição, comum nos relacionamentos entre chefe e subordinado. No caso de recompensas lícitas, a distribuição de poder tende a ser mantida, e o relacionamento tende a ser afetado positivamente, com aumento no grau de confiança e de compromisso. Já o uso de poder coercitivo, ou punitivo, tende a afetar o relacionamento negativamente, ao desencadear retaliação através da insubordinação, ameaça de demissão, faltas, atrasos e até sabotagens (Chiavenato, 2002). Mesmo que a distribuição de podervolte a se equilibrar, após a utilização de formas coercitivas de poder, o relacionamento, normalmente, será afetado negativamente. O resultado depende do tipo de poder envolvido e do relacionamento, de características pessoais, e de outros fatores situacionais. Um tipo especial de recompensa ilícita utilizada como fonte de poder é o suborno, que pode, de certa forma, reequilibrar a balança de poder, pois o indivíduo controlado terá um certo poder sobre quem o controla.

O poder de informação, cada vez mais presente nas organizações, provém de conhecimentos, habilidades e informações, acessíveis a um dos participantes, e que interessam ao outro. O crescente reconhecimento da informação como um dos principais recursos à disposição das organizações aumenta a percepção do poder que a informação e o conhecimento podem oferecer a quem os "possuir". É uma das categorias mais influentes de poder à disposição dos subordinados, em relacionamentos com os seus superiores. Quanto maior for a confiança, ou o compromisso, entre os parceiros, menor, ou mais distorcida, será a percepção do poder de informação que um dos parceiros possui.

O poder legítimo advém do reconhecimento de algum tipo de poder justificado e resulta de convenções sociais, de normas formais ou da hierarquia. Nesta categoria, insere-se o poder atribuído aos clientes relativamente aos funcionários, o statusde determinados funcionários, e o poder diferenciado em função de idade, gênero ou situação de fragílidade. O poder legítimo continua sendo reconhecido fora do ambiente organizacional. Outra forma de poder, o de referência, refere-se à identificação de um indivíduo com outro, no qual um funcionário, pela admiração que dedica a outro, procura emular o seu comportamento.

Qualquer tipo de poder é relativo e depende da percepção que o controlado tem do poder do controlador. Quanto maior for a confiança no parceiro, mais distorcida será a percepção do seu poder. Outras propriedades do relacionamento, como o compromisso endógeno e a intimidade, também podem distorcer a percepção da distribuição de poder.

Altos níveis de compromisso exógeno, comuns na vida organizacional, podem servir como atenuantes temporários de alguns efeitos negativos do uso de certos tipos de poder (especialmente o de coerção) sobre os relacionamentos. Em função de fatores como a lei da oferta e da procura, baixa qualificação ou dificuldades para conseguir um novo emprego, um indivíduo pode ser forçado a continuar investindo na manutenção de um relacionamento entre chefe e subordinado, por exemplo, com possibilidades reduzidas de impor limites ao poder do chefe. Porém, quando cessarem as forças externas que atuam sobre a continuidade do relacionamento, o efeito atenuante cessará.

2.5 Auto-revelação e Privacidade

A auto-revelação (ou auto-exposição) e a privacidade referem-se aos aspectos emocionais e físicos e experiências que são comunicados ao outro. Quanto maior for o grau de autoexposição, menor será o de privacidade. As informações compartilhadas entre o sujeito e o seu parceiro podem afetar a qualidade das suas interações (Hinde, 1997). Por meio da auto-exposição, os indivíduos buscam suprir as suas necessidades de aproximação e de apoio emocional. A defesa da privacidade, por sua vez, serve como tentativa de proteção à autonomia e à individualidade (Hinde, 1997). Mais uma vez, surge o conflito entre a necessidade de envolvimento com outros e a de autonomia.

Os relacionamentos formais não necessitam de altos graus de exposição pessoal - sendo estes, mesmo, indesejáveis. Revelações pessoais podem acarretar reações que afetarão as suas próximas interações e novas revelações. Se a revelação provocar aproximação e satisfação, aumentarão as chances de futuras revelações mais abrangentes e profundas. Porém, se um dos participantes perceber o relacionamento como impróprio, pode assumir uma posição defensiva quanto à auto-exposição. Os resultados positivos da auto-exposição, no ambiente organizacional, incluem um maior grau de confiança e de intimidade entre parceiros, podendo resultar em maior satisfação com o ambiente de trabalho.

No ambiente organizacional, a auto-exposição também pode acarretar conseqüências negativas, aumentando o grau de vulnerabilidade do confidente ou levando a uma confiança excessiva no outro. Em casos extremos, pode provocar alterações abruptas na balança de poder, com conseqüências desastrosas para indivíduos, relacionamentos e a organização. A expectativa de futuras interações pode limitar o grau de exposição, para evitar tais conseqüências. Algumas revelações podem alterar a percepção dos parceiros. O confidente pode passar a ser visto de forma negativa, resultando em perda de respeito, de confiança ou de autoridade. A exposição pessoal também pode ser considerada inadequada por alguns parceiros, que podem ofender-se com a tentativa de aproximação, fisica ou afetiva, do outro. Fatores culturais e de personalidade afetam diretamente os níveis de auto-exposição em uma organização. Davel e Vergara (2001) relatam que muitos executivos, quando designados para trabalhar em outros países, apresentam dificuldade de adaptação, especialmente quanto aos estilos de relacionamentos desenvolvidos no ambiente organizacional. Os graus de aproximação, comuns aos relacionamentos naquela cultura ou organização, são fatores muito influentes nesse caso. A auto-exposição é, ainda, fonte potencial de conflitos.

Por esses e outros motivos, para manter a continuidade de relacionamentos formais (principalmente quando não há um relacionamento informal íntimo), muitos indivíduos evitam expor opiniões pessoais sobre assuntos polêmicos, íntimos ou delicados. Hinde (1997) cita o fenômeno do "estranho no trem": em um encontro com um estranho, por não haver expectativa de futuras interações (o que praticamente anula as possibilidades de se tornar vulnerável em relação ao outro indivíduo), a auto-exposição pode ocorrer rapidamente, envolvendo questões variadas, e mesmo profundas e íntimas. No ambiente organizacional, onde há interesses, ou expectativas, de manter determinados relacionamentos, há muitas questões pessoais sobre as quais não se comenta.

2.6 Percepção Interpessoal

A percepção interpessoal inclui a percepção de si mesmo, do parceiro, e do relacionamento como um todo (e suas relações), além das crenças de cada um quanto à forma como é visto pelo outro (Hinde, 1997). As relações entre essas percepções são dinâmicas, influenciando-se reciprocamente, e são cruciais para a auto-avaliação dos participantes, para a avaliação, a manutenção e o desenvolvimento do relacionamento.

A acuidade na percepção do outro é fundamental na fase inicial dos relacionamentos formais dentro de uma organização. Modificar a primeira impressão, posteriormente, pode ser uma tarefa dificil. As entrevistas de seleção de candidatos, o período de experiência de novos funcionários e o primeiro contata com os clientes, ou fornecedores, por exemplo, são de grande importância. Por outro lado, dependendo das relações de podere do compromisso (especialmente o exógeno) entre os parceiros, ou diante do interesse na manutenção do relacionamento, pode haver alterações nas percepções, ou no comportamento, como forma de reduzir a dissonância. Isso, possivelmente, aumentará a similaridade percebida entre os parceiros e a satisfação com o relacionamento.

A percepção de características pessoais positivas nos parceiros é significativa para a fase inicial de atração interpessoal. Além da inteligência, da responsabilidade, da atratividade física, da honestidade e da extroversão (apontadas por Park e Flink, 1989, apud Hinde, 1997, como as mais influentes no ambiente organizacional), características como disciplina, organização, interesses profissionais, objetivos, habilidades de liderança e de comunicação podem ser elementos fundamentais de atratividade, no aspecto formal. Por outro lado, similaridades de interesses em relação a esportes, atividades fora do trabalho, hobbies,religião, crenças filosóficas e posicionamento político, por exemplo, influenciarão primordialmente os relacionamentos informais.

As pessoas apresentam-se de uma maneira quejulgam aceitável e como gostariam de serem vistas pelo outro (Hinde, 1997). Isso é especialmente válido para relacionamentos formais. Nos relacionamentos informais, a tendência é de apresentar uma imagem cada vez mais "realista" para o parceiro. Após a fase inicial, a satisfação aumentará se a imagem que cada parceiro tem do outro for semelhante à auto-imagem de cada um. Porém, mesmo entre parceiros formais, a longo prazo, pode ser mais satisfatório apresentar uma imagem mais realista, o que facilitará, por exemplo, a atribuição de tarefas que estejam de acordo com os reais interesses do indivíduo.

Outros elementos influem na percepção do outro e são por ele influenciados, como as relações de poder, a resolução de conflitos, a satisfação, o compromisso, a confiança e a auto-exposição. Uma percepção mais adequada, ou realista, do outro facilita dar e receber apoio emocional, a confiança e a auto-exposição. O desenvolvimento destes aspectos, por sua vez, contribui para apurar a percepção do outro. A percepção mais aguçada facilita ainda a comunicação, a resolução de conflitos e o trabalho em equipe, e pode aumentar a identificação com o outro, criando a possibilida de de reduzir problemas quanto à coordenação do trabalho.

2.7 Satisfação

A avaliação de um relacionamento (ou do parceiro) como satisfatório ou insatisfatório é fundamental para o bem-estar de cada participante e para o rumo das relações entre eles. A satisfação é influenciada por fatores pessoais e contextuais, e pode ser avaliada de maneira global ou separadamente, de acordo com cada um dos aspectos envolvidos (Hinde, 1997).

A satisfação não é somente um resultado da qualidade do relacionamento, mas também uma de suas causas. Ela gera maiores investimentos, maior confiança e auto-exposição - o que, por sua vez, resulta em maior satisfação. Essa relação dialética entre satisfação e qualidade também atinge a vida organizacional: altos níveis de satisfação elevam a qualidade do clima organizacional (Chiavenato, 2002) que, por sua vez, afeta a satisfação dos envolvidos. Na organização, a satisfação com os relacionamentos resulta em maior interesse, motivação, confiança, compromisso e colaboração, além de estimular a continuidade da relação.

A satisfação é resultado da percepção de necessidades supridas. Estas podem ser de apoio emocional, de conexão com o outro, de troca de conhecimentos e favores, de colaboração e sinergia, de produtividade e reconhecimento, entre outras. No caso dos relacionamentos entre chefe e subordinado, a natureza da distribuição de poder entre os parceiros e o estilo de liderança afetam a satisfação.

Alguns elementos, como a incompatibilidade de expectativas e de objetivos ou interesses profissionais, conflitos destrutivos, podem prejudicar a satisfação com um relacionamento. Fatores externos também influenciam, como problemas financeiros, distribuição do espaço, falta ou excesso de aproximação fisica e disputa por recursos ou cargos. Entre os efeitos negativos da insatisfação estão a frustração, o desinteresse, a apatia, agressividade e tumultos (Chiavenato, 2002), perda de confiança e afastamento - que podem distorcer negativamente a percepção do relacionamento e do parceiro.

A presença de diferentes graus de compromisso entre os parceiros pode transformar a insatisfação em fonte de conflitos construtivos ou destrutivos. A natureza do compromisso será decisiva: quando o relacionamento é imposto, ou reforçado, por fatores externos, ou motivado por sentimentos de culpa e obrigação, o nível de satisfação tende a ser menor. Quando o interesse se origina da identificação entre um parceiro com o outro, ou das atividades que o relacionamento proporciona, a satisfação tende a ser maior (Hinde, 1997). Face à lei de oferta e procura e dificuldades financeiras, grande parte dos relacionamentos dentro das organizações são mantidos em função de compromisso exógeno.

2.8 Compromisso

O grau de compromisso indica quanto cada um dos participantes aceita a idéia de que o relacionamento contin.ue indefinidamente, ou direciona o seu comportamento na tentativa de garantir a sua continuidade ou manter as suas propriedades. O compromisso pode referir-se à continuidade (independentemente de alterações nas suas propriedades), à consistência do conteúdo ou a ambas, e pode ser exógeno ou endógeno (Hinde, 1997).

Os investimentos (emocionais e de tempo) feitos nas fases iniciais dos relacionamentos resultam, geralmente, em altos graus de compromisso endógeno. Por sua vez, a lei de oferta e procura (de mão-de-obra e recursos financeiros) atua como fonte de compronnsso exógeno, especialmente para as relações formais. Tais investimentos dependem da expectativa de continuidade da relação, da percepção de compromisso por parte do parceiro e de garantias mais explícitas desse compromisso. Diferenças no nível de compromisso entre parceiros podem gerar problemas para o clima organizacional.

Alguns aspectos endógenos, como a satisfação com o relacionamento e a importância do mesmo para o indivíduo, favorecem a manutenção do compromisso. Os aspectos exógenos que favorecem o compromisso advêm da falta de alternativas atraentes e de pressões externas, como contratos formais. Pesquisas recentes, envolvendo o Modelo de Investimento de Rusbult, demonstram que a satisfação com o relacionamento, a percepção de alternativas atraentes e os investimentos feitos pelos participantes estão significativamente correlacionados com o grau de compromisso de cada participante, tanto relativamente aos parceiros quanto relativamente às relações de trabalho (Le e Agnew, 2003).

Características pessoais dos participantes, como auto-estima, independência financeira, medo de conexão com outros, desejo de autonomia, e ainda fatores situacionais, também influenciam o compromisso entre parceiros.

2.9 Características Individuais e Influências Sociais

Os relacionamentos mantêm relações dialéticas (influenciando e sendo influenciados) com outros relacionamentos, com o ambiente fisico e sócio-cultural e com características pessoais (Hinde, 1997). Estudos recentes apresentam o contexto como um conjunto de forças externas que afetam os relacionamentos (rede social, apoio social, classe econômica, valores culturais), mas estes também influenciam o contexto e as características pessoais dos participantes (Surra e Perlman, 2003).

Entre as características pessoais que influem nas relações interpessoais, podem ser apontadas as expectativas pessoais, a auto-estima, os valores religiosos e filosóficos e as habilidades de comunicação. A influência do ambiente fisico reúne aspectos como a distribuição do espaço físico, o posicionamento dos parceiros, os meios de comunicação disponíveis e, mesmo, o uso de uniformes, que indicam statuse poder do parceiro. Outras relações pessoais, como aquelas com familiares ou de amizade, também exercem influência. Vários fatores socioculturais podem ser indicados, desde a cultura organizacional, incluindo a divisão de papéis, até a cultura mais ampla. Davel e Vergara (2001) discutem as diferenças culturais e a sua influência sobre os atores organizacionais. Além dos fatores que afetam os relacionamentos em geral, como as tradições, os costumes, normas, valores, cultura, redes sociais e estrutura social da sociedade, no caso das organizações, alguns pontos devem ser acrescentados. A cultura organizacional (Chiavenato, 2002), a rede social da organização, a estrutura hierárquica, a organização informal com suas normas e valores (Davel e Vergara, 2001), os estereótipos e a categorização social reforçados pelas tradições e costumes da organização, as normas organizacionais formais e implícitas, os padrões esperados ou indesejáveis de relacionamentos e comportamento dentro da organização, entre outros, podem inibir ou estimular certas propriedades dos relacionamentos, como a comunicação, estilos de liderança, distribuição de poder, intimidade entre parceiros e outras. Afetarão também as expectativas dos indivíduos quanto à formação e ao desenvolvimento de relacionamentos, formais e informais, e os comportamentos associados às diferentes posições, cargos e papéis assumidos na organização.

2.10 Mudanças nos Relacionamentos

Não há uma distinção clara entre as diferentes fases de um relacionamento, mas é possível distinguir alguns estágios, presentes em virtualmente todos, ainda que possam apresentar variações: início, desenvolvimento, manutenção e dissolução (Hinde, 1997). Do ponto de vista das organizações, os relacionamentos formais têm início juntamente com as relações de trabalho, enquanto os informais podem pré-existir, ter início nesse momento ou mesmo nunca virem a se desenvolver. É comum, e mesmo incentivada. a contratação de novos funcionários ou clientes por indicação de funcionários mais antigos (Chiavenato, 2002). Desde as fases iniciais de contato entre o indivíduo e a organização, a atração interpessoal e a seleção de parceiros dependem da avaliação de características, como aparência, interesses, entre outras. A primeira impressão exerce um forte efeito sobre a atratividade.

A estrutura organizacional influencia a criação e o desenvolvimento de relacionamentos informais entre os participantes, mas não os determina (Chiavenato, 2000). Pertencer ao mesmo setor, ou não, pode estimular ou inibir relações informais, mas não impedilas ou forçá-las. Nas fases seguintes, pode-se esperar o fortalecimento do compromisso e da confiança entre os parceiros, a identificação entre eles com a criação de uma mini-cultura, com normas e valores compartilhados. A rede social pode fortalecer os relacionamentos por meio de apoio, reconhecimento, prestígio e pressões sociais. A satisfação advinda de uma relação estimula os indivíduos a investirem em sua manutenção. Investimentos efetuados ou pressões externas podem ter o mesmo efeito. Para que duas pessoas continuem a se relacionar, formal e informalmente, são elementos favoráveis os encontros sociais, as interações informais, a desvalorização de outras alternativas, além da existência de objetivos e interesses comuns.

A dissolução de um relacionamento pode ocorrer de forma abrupta, como na demissão, ou gradual. As pessoas podem deixar de se relacionar formalmente, o que não implica, necessariamente, que o mesmo ocorra no plano informal, ou vice-versa. Contribuem para a dissolução a insatisfação, a percepção de alternativas mais atraentes, os conflitos destrutivos, a perda de confiança, os problemas de comunicação e fatores situacionais. Todavia, investimentos já feitos, a recuperação da confiança e as influências de terceiros ou da rede social podem reverter o processo de dissolução.

 

3. Ciência do Relacionamento Interpessoal e Psicologia Organizacional - Elos

A forma como o relacionamento interpessoal vem sendo investigado, nas organizações, pode ser encontrada nos periódicos internacionais de Psicologia Organizacional. Vários dos aspectos acima discutidos estão presentes nestes estudos.

Várias publicações discutem similaridade, diferença, reciprocidade e complementaridade. Entre estas, estão pesquisas sobre diferenças de idade e seus efeitos na relação entre supervisor e subordinado (Perry, Kulik e Zhou, 1999; Finkelstein, Allen e Rhoton, 2003), sobre similaridade e complementaridade entre colegas (Tett e Murphy, 2002), sobre os efeitos da similaridade na percepção e na avaliação (Strauss, Barrick e Connerley, 2001), sobre os efeitos da similaridade com colegas e clientes no desempenho (Leonard, Levine e Joshi, 2004), sobre o papel da dissimilaridade entre supervisor e subordinado, e sua influência no local de trabalho (Duffy e Ferrier, 2003).

Outros temas, acima indicados, também são discutidos, como o conflito e a sua resolução (Smith, Hamington e Neck, 2000; Pelled, Xin e Weiss, 2001; Yang e Mossholder, 2004) e relações de poder (Garcia, 2002; Morand, 2000). A percepção interpessoal tem sido investigada ao lado de outros fatores, como a comunicação (Thorsteinson e Balzer, 1999) e a influência do relacionamento afetivo para a percepção e a avaliação do outro (Lefkowitz, 2000). Estes estudos ainda abordam as discrepâncias nas percepções no ambiente de trabalho (Becker, Ayman e Korabik, 2002) e a avaliação de chefe, colega e subordinado que, em última análise, reflete o produto de percepção (Furnham, 2002). Da mesma forma, os estudos sobre satisfação também envolvem outras dimensões, como inovação no trabalho (Janssen, 2003) e lealdade direcionada ao supervisor (Chen, 2001).

Como influências devidas a características individuais e influências sociais, podem ser citadas as influências do contexto nas trocas entre líder e membro (Cogliser e Schriesheim, 2000), os efeitos da personalidade do supervisor nas atitudes do subordinado (Smith e Canger, 2004), efeitos do estilo cognitivo sobre a troca entre líder e membro (Allinson, Armstrong e Hayes, 2001), e a influência de gênero no relacionamento patrão-empregado (Adebayo e Udebge, 2004). Entre as etapas de relacionamento, as iniciais costumam receber maior ênfase, como a afiliação ou o ajustamento de novos funcionários (Cooper-Thomas e Anderson, 2002) e as entrevistas com candidatos (Lievens e Paepe, 2004; Silvester, Anderson-Gough, Anderson e Mohamed, 2002).

Outros temas clássicos da pesquisa sobre relacionamento interpessoal são encontrados nestas publicações, como apego e saúde (Joplin, Nelson e Quick, 1999), relacionamento romântico (Foleye Powell, 1999), agressividade (Greenberge Barling, 1999; Grandey, Dickter e Sin, 2004), competição (Kahalas, 2001) e emoções (Fitness, 2000). O apoio social tem sido investigado em sua relação com a percepção interpessoal (Kennedy, Homant e Homant, 2004), com o estresse (Beehr, Jex, Stacy e Murray, 2000; Stephens e Long, 2000) e com compromisso (Stinglhamber e Vandenberghe, 2003). A confiança nas relações também é investigada (Atkinson e Butcher, 2003; Ferres, Connell e Travaglione, 2004), assim como a amizade (e.g. Markiewicz, Devine e Kausilas, 2000; Olk e Elvira, 2001).

 

4. Ciência do Relacionamento Interpessoal e Psicologia Organizacional - Metas

Todos os conceitos tomados da ciência do relacionamento proposta por Hinde, podem ser aplicados ao contexto organizacional. Dois pontos, contudo, devem ser investigados em maior profundidade: a) a necessidade de novos conceitos explicativos para o relacionamento interpessoal nas organizações, e b) a amplitude, e o alcance, das contribuições dos estudos organizacionais para a compreensão das relações humanas, em sua complexidade.

A construção de um arcabouço teórico mais amplo poderia facilitar o diálogo entre as várias disciplinas que, na atualidade, investigam as relações entre as pessoas. Uma maior cooperação é essencial para o avanço da ciência do relacionamento interpessoal, visando a compreensão do relacionamento interpessoal em sua diversidade.

 

5. Considerações finais

Uma maior aproximação entre estudos organizacionais e a ciência do relacionamento é algo benéfico para os dois lados. A ciência do relacionamento interpessoal deveria buscar uma teoria mais ampla das relações humanas (incluindo-se aí as organizações). Por outro lado, a Psicologia Organizacional poderia ampliar a compreensão das organizações a partir de contribuições do corpo teórico da emergente ciência do relacionamento. Em suma, o intercãmbio entre Psicologia Organizacional e ciência do relacionamento interpessoal é proposto como uma meta a ser buscada.

 

Referências

ADEBAYO, D. O.; UDEBGE, J. B. Gender in the boss-subordinate relationship: a Nigerian study. Journal of Organizational BehaviorHoboken, v. 25, n. 4, p. 515-525, 2004.         [ Links ]

ALLINSON, C. W.; ARMSTRONG S. J.; HAYES, J. The effects of cognitive style on leader-member exchange: A Study of manager-subordinate dyads. Journal of Occupational and Organizational Psychology,London, v. 74, n.2, p. 201-220, 2001.        [ Links ]

ATKINSON, S.; BUTCHER, D. Trust in managerial relationchip. Journal of Managerial Psychology, Bradford, v. 18, n. 4, p. 282-304, 2003.        [ Links ]

BECKER, J.; AYMAN,R.; KORABIK, K, Discrepancies insef/subordinates' perceptions of leadership behavior: leader's gender, organizational context, and leader's self-monitoring. Group and Organization Management,London v. 27, p. 226-244, 2002.        [ Links ]

BEEHR, T. A.; JEX, S.M.; STACY B. A.; MURRAY, M. H. Work stressors and coworker support as predictors of individual strain and job performance. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 21, n. 4, p. 391-405, 2000.        [ Links ]

BEERSMA. B.; HOLLENBECK, J. R.; HUMPHREY, S. E.; MOON, H. Cooperation, competition, and team performance: Toward a contingency approach. Academy of Management Journal,Malden, v. 46, n. 5, p. 572-598, 2003.         [ Links ]

BONO, J. E.; JUDGE, T. A. Self-concordance at work: Toward understanding the motivational effects of transformational leaders. Academy of Management JournalMalden, v. 46, n. 5, p. 554, 2003.        [ Links ]

BOWLBY, J. Apego: A Natureza do Vínculo.Tr. Álvaro Cabral. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 423 p.        [ Links ]

CHEN, Z. Further investigation of the outcomes of loyalty to supervisor: Job satisfaction and intention to stay. Journal of Managerial Psychology,Bradford, v. 16, n. 8, p. 650-660, 2001.        [ Links ]

Chiavenato, I. Introdução à teoria geral da administração.6ªed. São Paulo: Campus, 2000. 700p.         [ Links ]

CHIAVENATO, I. Recursos Humanos.7ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. 631 p.         [ Links ]

COGLISER, C. C.; SCHRIESHEIM C. A. Exploring work unit context and leader-member exchange: a multi-level perspective. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 21, n. 5, p. 487-511, 2000.        [ Links ]

COOPER-THOMAS, H.; ANDERSON, N. Newcomer adjustment: The relationship between organizational socialization tactics, information acquisition and attitudes. Journal of Occupational and Organizational Psychology,London, v. 75, n. 4, p. 423-437, 2002.        [ Links ]

DAVEL, E.; VERGARA, S.C. (eds.). Gestão com pessoas e subjetividade.São Paulo: Atlas, 2001. 320 p.         [ Links ]

DUCK, S. Human Relationships.3ª ed. Londres: Sage, 1998. 250 p.         [ Links ]

DUFFY, M. K.; FERRIER, W. J. Birds of a Feather...?: How supervisor-subordinate dissimilarity moderates the influence of supervisor behaviors on workplace attitudes. Group and Organization Management,London, v. 28, p. 217-248, 2003.         [ Links ]

FERRES, N.; CONNELL, A.; TRAVAGLlONE, A. Co-worker trust as a social catalyst for constructive employee attitudes. Journal of Managerial Psychology,Bradford, v. 19, n. 6, p. 608-622, 2004.        [ Links ]

FINKELSTEIN, L. M., ALLEN, T.D.; RHOTON, L. A. An examination of the role of age in mentoring relationships. Group and Organization Management,London, v. 28, p. 249-281, 2003.        [ Links ]

FITNESS, J. Anger in the workplace: an emotion script approach to anger episodes between workers and their supervisors, co-workers and subordinates. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 21, n. 2, p. 147-162, 2000.        [ Links ]

FOLEY, S.; POWELL, G. N. Not all is fair in love and work: coworkers' preferences for and responses to managerial interventions regarding workplace romances. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 20, n. 7, p. 1043-1056, 1999.        [ Links ]

FURNHAM, A. Rating a boss, a colleague and a subordinate. Journal of Managerial Psychology,Bradford, v. 17, n. 8, p. 655-671, 2002.        [ Links ]

GARCIA, S. M. Power and the illusion of transparency in negotiation. Journal of Business and Psychology,Dordrecht, v. 17, n. 1, p. 133-144, 2002.        [ Links ]

GRANDEY, A. A.; DICKTER, D. N. SIN, H. -P. The customer is not always right: customer aggression and emotion regulation of service employees. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 25, n. 3, p. 397-418, 2004.         [ Links ]

GREENBERG, L.; BARLING, J. Predicting employee aggression against coworkers, subordinates and supervisors: the roles of person behaviors and perceived workplace factors. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 20, n. 6, p. 877-913, 1999.         [ Links ]

HEIDER, F. Psicologia das Relações Interpessoais.Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 1970. 353 p.        [ Links ]

Hess, J.A. Measuring distance in personal relationships: the Relational Distance Index. Personal Relationships,Malden, v.10, n. 2, p. 197-215, 2003.         [ Links ]

HINDE, RA. Towards Understanding Relationships.Londres: Academic Press, 1979. 367 p.         [ Links ]

HINDE, RA. Individuais, Relationships and Culture: Links between Ethology and the Social Sciences.Cambridge: Cambridge University Press, 1987. 207 p.        [ Links ]

HINDE, RA Relationships: A dialectical perspective.Hove, UK: Psychology Press, 1997. 586p.         [ Links ]

JANSSEN, O. Innovative behaviour and job involvement at the price of conflict and less satisfactory relations with co-workers. Journal of Occupational and Organizational Psychology,London, v. 76, n. 3, p. 347-364, 2003.         [ Links ]

JOPLIN, J. R. W.; NELSON, D. L.; QUICK, J. C. Attachment behavior and health: relationships at work and home. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 20, n. 6, p. 783-796, 1999.        [ Links ]

KAHALAS, H. How competitiveness affects individuals and groups within organization. Journal of Organizational Behavior;Hoboken, v. 22, n. 1, p. 83-85, 2001.        [ Links ]

KENNEDY, D.B., HOMANT, R. J.; HOMANT, M. R. Perception of injustice as a predictor of support for workplace aggression. Journal of Business and Psychology,Dordrecht, v. 18, n. 3, p. 323-336, 2004.         [ Links ]

KRISHNAN, V. R.. Power and moral leadership: Role of self-other agreement. Leadership & Organization Development Journal,Bradford, v. 24, n. 5/6, p. 345, 2003.         [ Links ]

LE, B.; AGNEW, C. R Commitment and its theorized determinants: a meta-analysis of the Investment Model. Personal Relationships,Malden, v.10, n.1, p. 37-57, 2003.        [ Links ]

LEFKOWITZ, J. The role of interpersonal affective regard in supervisor performance ratings; A literature review and proposed causal model. Journal of Occupational and Organizational Psychology,London, v. 73, n. 1, p. 67-85, 2000.         [ Links ]

LEONARD, J. S.; LEVINE, D. I.; JOSHI, A. Do birds of a feather shop together? The effects on perfonnance of employees similarity with one another and with customers. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 25, n. 6, p. 731-754, 2004.         [ Links ]

LIEVENS, F.; PAEPE, A. de. An empirical investigation of interviewer-related factors that discourage the use of high structure interviews. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 25, n. 1, p. 29-46, 2004.        [ Links ]

MADZAR, S. Subordinates' information inquiry: Exploring the effect of perceived leadership style and individual differences. Journal of Occupational and Organizational Psycbology,London, v. 74, n.2, p. 221-232, 2001.        [ Links ]

MARKIEWICZ, D.; DEVINE, T.; KAUSILAS, D. Friendships of women and men at work. Journal of Managerial Psychology,Bradford, v. 15, n. 2, p. 161-184, 2000.         [ Links ]

MINICUCCI, A. Psicologia aplicada à administração.5ªed. Rio deJaneiro: Atlas, 1995. 361 p.         [ Links ]

MINICUCCI, A. Relações Humanas: psicologia das relações intelpessoais.6ªed. São Paulo: Atlas, 2001. 240p.         [ Links ]

MORAND, D. A. Language and power: an empirical analysis of linguistic strategies used in superior-subordinate communication. Journal of Organizational Behavior, Hoboken, v. 21, n. 3, p. 235-248, 2000.        [ Links ]

MORRISON, E.W. Newcomers' relationships: The role of social network ties during socialization. Academy of Management Journal,Malden, v. 45, n. 6, p. 1149, 2002.        [ Links ]

MOSHAVL, D.; BROWN, F. W.; DODD, N. G. Leader self-awareness and its relationship to subordinate attitudes and performance. Leadership & Organization Development Journal,Bradford, v. 24, n. 7/8, p. 407, 2003.         [ Links ]

OLK, P.; ELVIRA, M. Friends and strategic agents: the role of friendship and discretion in negotiating strategic alliances. Group and Organization Management,London, v. 26, p.124-164, 2001.        [ Links ]

PELLED, L. H.; XIN, K. R.; WEISS, A. M. No es como mí: Relational demography and conflict in a Mexican production facility. Journal of Occupational and Organizational Psychology,London, v. 74, n. 1, p. 63-84, 2001.         [ Links ]

PERRY, E. L.; KULIK, C. T.; ZHOU, J. A closer look at the effects of subordinate-supervisor age differences. Journal of Organizational Behavior;Hoboken, v. 20, n. 3, p. 341-357,1999.         [ Links ]

SILVESTER, J.; ANDERSON-GOUGH, F. M.; ANDERSON, N. R.; MOHAMED, A. R. Locus of control, attribution and impression management in the selection interview. Journal of Occupational and Organizational Psychology,London, v. 75, n.1, p. 59-76, 2002.         [ Links ]

SMITH, M. A.; CANGER, J. M. Effects of supervisor 'big five' personality on subordinate attitudes. Joumal of Business and Psychology,Dordrecht, v. 18, n.4, p. 465-481, 2004.        [ Links ]

SMITH, W. J.; HAMINGTON, K. V.; NECK, C.P. Resolving conflict with humor in a diversity context. Journal of Managerial Psychology,Bradford v. 15, n. 6, p. 606-625, 2000.        [ Links ]

STEPHENS, C.; LONG, N. Communication with police supervisors and peers as a buffer of work-related traumatic stress. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 21 n. 4, p. 407-424, 2000.        [ Links ]

STINGLHAMBER, F.; VANDENBERGHE, C. Organizations and supervisors as sources af support and targets of commitment: a longitudinal study. Journal of Organizational Behavior,Hoboken, v. 24, n.3, p. 251-270, 2003.        [ Links ]

STRAUSS, J. P.; BARRICK, M.R.; CONNERLEY, M. L. An investigation of personality similarity effects (relational and perceived) on peer and supervisor ratings and the role of familiarity and liking. Journal of Occupational and Organizatianal Psychology,London, v. 74, n. 5, p.637-657, 2001.        [ Links ]

SURRA, C. A.; PERLMAN, D. Introduction: the many face of contexto. Personal Relationships,Malden, v. 10, n. 3, p. 283-284, 2003.         [ Links ]

TETT, R. P.; MURPHY, P. J. Personality and situation in co-worker preference: Similarity and complementarity in worker compatibility. Journal of Business and Psychology,Dordrecht. v. 17, n. 2, p.223-243, 2002.        [ Links ]

THORSTEINSON, T. J.; BALZER, W. K. Effects of coworker information on perceptions and ratings of performance. Journal of Organizatianal BehaviorHoboken, v. 20, n. 7, p.1157-1173, 1999.         [ Links ]

VERGARA, S. C. Gestão de pessoas.3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. 213 p.         [ Links ]

YANG, J.; MOSSHOLDER, K.W. Decoupling task and relationship conflict: the role of intragroup emotional processing. Journal of Organizational Behavior.Hoboken, v. 25, n. 5, p. 589-605, 2004.         [ Links ]

 

 

Recebido: 22/04/04
Revisado: 10/12/04
Aceito: 20/12/04

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons