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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.1 Florianópolis jun. 2010

 

ARTIGO

 

O trabalho de músicos de uma banda de blues sob o olhar da psicodinâmica do trabalho

 

The work of musicians of a blues band from a psychodinamics of work viewpoint

 

 

Daniela Tavares Ferreira de AssisI; Kátia Barbosa MacêdoII

IMestre em Psicologia do Trabalho e Organizacional pela PUC (GO). Rua 4, n. 24, apto 900, setor oeste, Goiânia (GO). daniela.assis@cultura.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/1719021986018191
IIPsicóloga, Psicanalista e Doutora em Psicologia Social pela PUC (SP). Professora titular e pesquisadora da PUC (GO). Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Católica de Goiás. katia.macedo@cultura.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/6558782387284931

 

 


RESUMO

O artigo apresenta dados de pesquisa que objetivou investigar a organização e condições de trabalho, as vivências de prazer e sofrimento, as estratégias de enfrentamento, a identidade profissional e os sentidos do trabalho dos componentes de uma banda de blues. Trata-se de um estudo de caso de caráter descritivo e exploratório, cujos instrumentos de pesquisa foram entrevistas semiestruturadas, realizadas com todos os cinco componentes e observação de ensaios e shows da banda. O delineamento deste estudo privilegiou os preceitos "dejourianos" como perspectiva norteadora de prazer e sofrimento. Os dados coletados foram tratados por meio da análise discursiva. Os resultados indicam o sentido do trabalho de criação vinculado à arte e construindo a identidade. Na organização e nas condições de trabalho, a divisão e execução de tarefas são realizadas informalmente e em condições que afetam a saúde dos músicos. As relações de trabalho na banda indicam convivência harmoniosa, como estratégia de enfrentamento do sofrimento, da negação e racionalização.

Palavras-chave: psicodinâmica do trabalho, música, banda e organização.


ABSTRACT

This article presents data from research that seeks to investigate the organization and conditions of work, the experiences of pleasure and suffering, coping strategies, professional identity, and the meaning of work for members of a blues band. The descriptive, exploratory case study used the semi-structured interview with the five band members, and observation of the band's rehearsals and shows. The delineation of this study favored "Dejourian" concepts as the guideline perspective of pleasure and suffering. The collected data were submitted to discourse analysis. The results show that creative artistic work is a factor for building the musician's identity. In the organization and conditions of work, the division of labor occurs in an informal way, and in conditions that can affect the musician's health. Work relations within the band are seen as harmonious, and the strategies for coping with suffering at work are denial and rationalization.

Keywords: psychodynamics of work, music, band and organization.


 

 

As relações que os trabalhadores estabelecem com o seu trabalho constituem-se em objeto de estudo claramente situado no espaço de interface dos fenômenos psíquicos e sociais, evidenciando-se que tal interface pode ser estudada a partir de várias dimensões analíticas.

Antunes (1997), baseado nas ideias marxistas, afirma que o trabalho é uma relação de dupla transformação entre o ser humano e a natureza, incluindo ai aspectos de externalidade e internalidade, subjetivos e objetivos.

Já Codo (1993) afirma que a palavra trabalho, no sentido corrente, é encontrada como sinônimo de atividade, ocupação, ofício, profissão, tarefa, distinguindo-se de lazer e aparecendo ainda como resultado de uma determinada ação. Em vários idiomas, a palavra trabalho aparece como duplo significado: ação-esforço e moléstia-fadiga. Trata-se de "um esforço humano que implica sacrifico e dor, moléstia e sofrimento, e que determina a produção ou conservação de um bem ou de uma utilidade" (Codo,1993, p. 86).

O autor define trabalho: "Chamamos processo de trabalho ao conjunto de operações realizadas por um ou vários trabalhadores, orientados para a produção de uma mercadoria ou realização de um serviço". (Codo,1993, p. 104). Assim,o trabalho é um processo estabelecido entre o homem e a natureza, mediante o qual a pessoa realiza mudanças internas e externas, produz significados e se personifica.

O trabalho como construtor de identidade e inclusão social atua sobre o sujeito, interferindo na sua vida como um todo, inclusive na relação entre saúde e doença. Em todo trabalho, há necessidade de investimento afetivo para o seu desenvolvimento. Nesse sentido, Codo e col. (2004) afirmam que o trabalhador constrói sua identidade a partir de sua relação diária com a própria vida, estabelecendo uma tríplice relação entre identidade, trabalho e relações sociais e afetivas.

Bendassolli (2004) aponta que a associação entre trabalho e identidade vem se tornando problemática e que seus sentidos foram variando ao longo do tempo, assim como o sentido que damos à nossa existência. Durante boa parte dos dois últimos séculos, o relacionamento entre o sentido que uma pessoa dava a si mesma, sua identidade e o trabalho remunerado que ela desempenhava durante a vida era fonte de relativa estabilidade e segurança. Trabalho e identidade arranjaram-se como duas realidades intrinsecamente relacionadas. Contudo, de acordo com essa perspectiva, o trabalho teria perdido sua centralidade no processo de constituição da identidade.

A psicodinâmica do trabalho parte dos estudos psicanalíticos e é importante trazer a concepção freudiana do que seria o trabalho e a arte. Freud comenta que o trabalho é fator fundamental para a inserção da pessoa na cultura e na sociedade, e que pode ser fonte tanto de sofrimento como de prazer, quando possibilita a sublimação e a satisfação de desejos. Afirma ele:

Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o individuo tão firmemente a realidade quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana. A atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for livremente escolhida, isto é, se, por meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos persistentes ou constitucionalmente reforçados. No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado pelos homens. Não se esforça em relação a ele como o fazem em relação a outras possibilidades de satisfação. Para a grande maioria das pessoas, trabalho ocorre sob a pressão da necessidade, e essa natural aversão humana ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis. (Freud, 1930, p. 99).

Para Freud, somente na arte ainda acontece que um homem, consumido por desejos, efetue algo que se assemelhe à realização desses desejos, e que o faça com um sentido lúdico, produzindo efeitos emocionais (graças à ilusão artística), como se fosse algo real.

As pessoas falam com justiça da magia da arte e comparam os artistas aos mágicos. Mas a comparação talvez seja mais significativa do que pretende ser. Não pode haver dúvida de que a arte não começou como arte por amor à arte. Ela funcionou originalmente a serviço de impulsos que estão hoje, em sua maior parte, extintos. E entre eles podemos suspeitar da presença de muitos intuitos mágicos. (Freud, 1930, p. 13).

A discussão sobre o que vem a ser arte ocupa os homens desde a Antiguidade. As formas de suas manifestações, os pontos de vista acerca do assunto e seu conceito foram se modificando ao longo da história da humanidade.

A arte, nesse sentido, consolida-se como intercâmbio entre sujeito e objeto, exigindo o diálogo do sujeito com o seu outro, processo pelo qual é possível simbolizar o mundo. Não se trata, entretanto, numa concepção "adorniana", de identidade entre ambos, mas de desestabilizar os princípios pelos quais a verdade só se revelaria na proeminência de um ou de outro (Fabiano, 2003).

Se o artista não é mais dotado de inspiração sobrenatural, e a obra de arte passa a ser vista como trabalho, arte e técnica inseparáveis, é preciso possuir habilidades específicas, manuais e racionais, para produzir uma obra de arte (pintura, escultura, música, poesias, etc.). Para Freitas (1995), na arte, o estilo nunca foi seguido à risca pelos grandes artistas, que viam nele uma forma de dar voz ao sofrimento que surdamente se faz presente no caos das contradições da vida capitalista. Essa eloquência do estilo significa mediar os antagonismos sociais historicamente sedimentados na vivência individual por meio da força da síntese dos elementos dispersos na obra de arte, na medida em que tal unidade não é simplesmente imposta, mas surge a partir deles.

A obra é o "fruto amadurecido" que se desprende do artista, e que será dado a conhecer como um ser único e autônomo, a posteriori, com o seu "desprendimento". A obra de arte é, nesse sentido, um risco, já que não há como prevê-la. E até mesmo o artista só a conhece plenamente quando ela está pronta. Todo o jogo da criação é interno e se realiza dentro de um campo de hesitação. Para Johanson (2004), a hesitação não é senão esse risco de lançar-se num movimento que não tem mais razão de seguir nessa ou naquela direção, mas que só será reencontrado depois de realizado. A liberdade é o alcance desse esforço de mudança sem garantias. O ato livre, tal como a obra de arte, é o "fruto amadurecido" que poderia não amadurecer. A criação se dá a partir dessa determinação interna, que atravessa a hesitação e faz com que a obra, no caso do artista, e nossos próprios atos, com relação a nós mesmos, nasçam, enfim. O artista toma conhecimento de sua experiência por intermédio de sua obra, e até mesmo para ele, essa experiência não será de todo revelada.

Para esses artistas, o tempo para lazer é escasso, pois, no momento de desfrutarem desse período livre, eles proporcionam lazer para as pessoas. As atividades de diversão e recreação exigem tempo e investimento, e talvez seja exatamente por esse sentido consumista que o lazer tenha perdido a sua característica essencial, tornando-se um luxo e uma obrigação para os mais abastados.

Freud (1927), em O futuro de uma ilusão, afirma que "... um tipo de satisfação é concedido aos participantes de uma unidade cultural pela arte, embora, via de regra, ela permaneça inacessível às massas, que se acham empenhadas num trabalho exaustivo, além de não terem desfrutado de qualquer educação pessoal." Como já descobrimos há muito tempo:

A arte oferece satisfações substitutas para as mais antigas e mais profundamente sentidas renúncias culturais, e, por esse motivo, ela serve, como nenhuma outra coisa, para reconciliar o homem com os sacrifícios que tem de fazer em benefício da civilização. Por outro lado, as criações da arte elevam seus sentimentos de identificação, de que toda unidade cultural carece tanto, proporcionando uma ocasião para a partilha de experiências emocionais altamente valorizadas. E quando essas criações retratam as realizações de sua cultura específica e lhe trazem à mente os ideais dela de maneira impressiva, contribuem também para sua satisfação narcísica. (Freud, 1927, p. 25).

Investigar o trabalho, para os artistas, se constitui num campo de interesse diferenciado, uma vez que, na arte, ocorre a possibilidade de superação do sofrimento relacionado ao trabalho, de sublimação e satisfação (ainda que indireta) dos impulsos e de superação da alienação, além do autorreconhecimento do artista na obra que produz.

O interesse em pesquisar o trabalho em uma banda de blues advém das poucas publicações que abordam o tema. Algumas categorias têm despertado o interesse entre pesquisadores da psicologia, psicodinâmica e psicanálise: o trabalho do artista possibilitaria uma superação da alienação do trabalho? Via a sublimação, o artista poderia exercitar sua autonomia e se reconheceria na sua obra de arte? O trabalho com a arte levaria o trabalhador a vivenciar mais prazer do que sofrimento? E assim por diante.

Além do interesse pelo tema em si, o aumento do interesse em realizar estudos relacionados ao lazer decorre ainda de dois fatores contextuais: as políticas culturais nos países em desenvolvimento como o Brasil e o aumento de pesquisas acadêmicas que estudam o lazer.

O tema do trabalho na arte vem sendo gradativamente abordado em algumas pesquisas como as de Santos (2008), e Assis (2008). Talvez isso se deva a alguns fatores, como a ampliação do público, do mercado de bens simbólicos e da importância do setor na sociedade, que o transformou em alvo privilegiado dos pesquisadores. Esse crescimento sem precedentes da área levou a uma reorganização do mundo da cultura e das artes, implicando também redefinições das formas de gestão pública e privada nesse domínio. Os novos desafios derivados dessas mudanças - que abarcam desde a ampliação e a segmentação do público até a redefinição das fronteiras tradicionais - configuram esse universo a partir de demandas específicas do setor, que se transformaram em base de informação para as estratégias de atuação nesse campo.

A Música e a Arte

Dentre as atividades relacionadas a arte, música e criação, nota-se a presença de conteúdos artísticos desde quem cria a melodia, o ritmo e a letra, o compositor, até os que a representam, cantores e músicos, e ainda os que trabalham com eles nos bastidores. Esses profissionais têm rotinas bastante diferentes com relação aos horários de trabalho, alimentação e vida social.

No senso comum, há representações sociais ligadas à imagem de músicos, com estereótipos que associam a sua imagem ao uso de drogas e álcool, o que os torna muitas vezes estigmatizados ou marginalizados pela sociedade, além da veiculação da ideia de que arte não é trabalho.

De um lado, eles são vistos como ídolos, e, de outro, são trabalhadores que não dispõem de garantias trabalhistas (até pelo fato de a maioria ser profissional liberal ou autônomo). Sofrem ainda preconceitos relacionados ao fato de que muitas pessoas não reconhecem o artista como profissional, o que os leva a passar dificuldades financeiras, afetivas e sociais. Em geral, é comum que os artistas tenham um emprego que garanta sua manutenção e exerçam a atividade artística como uma segunda fonte de renda. Assim, para trabalhar com a arte, muitas vezes, o artista se desdobra, cumprindo uma dupla jornada de trabalho, vivendo entre a busca do "feijão" e do "sonho".

O trabalho realizado por artistas vincula-se a representações ligadas a uma imagem de prazer, satisfação do público e do próprio artista, que transmite essa imagem, pois dela muitas vezes sobrevive. Assim, procura-se descortinar o que está por trás dessa imagem, tendo em vista que o trabalho do músico exige de cada pessoa envolvida uma carga psíquica intensa, com várias horas de ensaio, um relacionamento interpessoal que muitas vezes inclui conflitos e um investimento financeiro sem retorno garantido. Enfim, trata-se de aspectos subjetivos que merecem uma investigação mais aprofundada.

Há um sentimento, tanto no artista como em quem frui a arte, de que o artista não cria, mas revela uma realidade. O mundo que o artista cria é produzido de outra forma, pois, ao criar, ele se liberta ou expressa a luta constante com a ansiedade relativa ao resultado final de seu esforço (Segal, 1993). No mito popular, o artista é um sonhador que ignora realidades; na verdade, ele não é um sonhador, mas um artesão supremo. O artista não está distante da realidade, mas busca expressar sua verdade psíquica. Ele aspira a localizar seu conflito e resolvê-lo em sua criação. Portanto, a intenção do artista é despertar, no público, uma resposta emocional diante de sua obra, e isso funciona como um fator que o leva a criar.

Ao produzir a música, os músicos articulam o som e o silêncio numa estrutura temporal própria e única. Preocupado em definir esse tipo de atividade, Araújo (1998) observou que, para começar, o conceito de tempo, amparado numa visão evolucionista, precisa ser superado. É necessário, conforme esse autor, levar em consideração o tempo qualitativo, quando nos referimos à música. O tempo qualitativo seria aquele no qual a consciência é capaz de, concomitantemente, permear o presente, o passado e projeções futuras. Maheirie (2003) afirmou que a música é uma linguagem reflexivo-afetiva, capaz de construir sentidos coletivos e singulares, e o processo de criação musical deve ser compreendido sempre como um produto histórico e social, completamente inserido no contexto no qual se ocorre. Assim, a música pode ser vista como uma prática determinada, situada num contexto específico, mas sempre relacionando seu tempo a expressões passadas, presentes e futuras.

O perfil dos músicos, segundo Tamayo e col. (1998), é caracterizado pela procura de mudança, de sensações novas e de prazer. É o polo do individualismo, da autonomia intelectual e afetiva e da abertura à mudança. De um lado, há a motivação de inovar, criar, procurar formas novas de pensar e de sentir, mesmo partindo de erros; de outro lado, existe a motivação de conservar e respeitar as tradições, as normas e os usos da sociedade. Os músicos apresentam motivações diferentes, pois lidam, no processo de criação, com atividades que exigem inovação e visam a provocar, no ouvinte, novas sensações de prazer e estímulo.

O Blues é um gênero musical maior, que inicialmente exerceu grande influência na música popular norte-americana e posteriormente em toda a música pop mundial. A esse respeito, Pellegrini (2004) esclarece:

O blues é um tipo de música que determina uma dualidade constante, nascida das dúvidas e angústias que povoavam a cabeça do negro no novo país para o qual ele fora levado. Ele retratava a ansiedade entre o ser e o não ser, entre o ter e o não ter, entre a felicidade e a tristeza, entre o amor e o ódio, entre o campo e a cidade, entre a escravidão e a liberdade, entre o negro e o branco e entre o homem e a mulher. (Pellegrine, 2004, p.86).

O blues não é um estilo de jazz, mas possui a estrutura básica do jazz. De uma forma ou de outra, o blues está presente em toda e qualquer música de jazz, tanto de uma forma explícita (quando o ouvinte que conhece o blues pode perceber claramente o seu compasso tradicional), como de uma forma implícita, por ser encontrado em uma harmonia moderna ou um estilo de vanguarda (Pellegrini,2004).

Inicialmente parte fundamental da música negra tradicional, o blues abrange diversos subgêneros que podem ser localizados histórica e geograficamente. Macêdo (2003) afirmou que o blues, nasceu com o primeiro escravo na América. Da África, os negros trouxeram sua expressão vocal básica, os hollers (gritos). Os gritos eram como uma forma de comunicação nos campos do Sul dos Estados Unidos, e muitas canções evoluíram a partir deles. Eram também ouvidos nas ruas das cidades, onde vendedores ambulantes anunciavam seus produtos ou serviços por meio de um pungente canto rítmico, e também nas estações, onde os negros anunciavam a chegada e a partida dos trens. Essa marca individual se projetou também no blues.

Para esses profissionais do mundo artístico, nem tudo são flores como se imagina, nem sempre existe o sucesso e o glamour de uma minoria. Dentre as dificuldades financeiras, soci-ais, afetivas e econômicas, há uma sobrecarga de trabalho, ainda mais se o profissional alia esse trabalho a outra atividade paralela. De tais aspectos emergem, indubitavelmente, vivências de prazer e sofrimento no trabalho.

A Abordagem Psicodinâmica do Trabalho

A Psicodinâmica do Trabalho advém de um movimento, na década de 1950, que visava a realizar pesquisas para explicar os transtornos mentais dos trabalhadores, produzidos por modelos de gestão baseados na racionalidade taylorista do trabalho, buscando promover melhorias. De acordo com Ferreira e Mendes (2003), Psicodinâmica é um termo proveniente da teoria psicanalítica, que designa o estudo dos movimentos psicoafetivos gerados pela evolução dos conflitos inter e intra-subjetivos. Ela se opõe à Metapsicologia, que estuda os processos, as estruturas e os equilíbrios das forças na esfera abstrata dos mecanismos, das instâncias ou tópicos do aparelho psíquico e da economia das pulsões. Para Dejours:

...a psicodinâmica do trabalho abre caminho para perspectivas mais amplas, que, como vemos, não abordam apenas o sofrimento, mas ainda, o prazer no trabalho: não mais somente o homem, mas o trabalho nos detalhes de sua dinâmica interna. A psicodinâmica não pode mais ser considerada como uma entre tantas outras especialidades. (Dejours, 2004, p. 53).

A psicodinâmica do trabalho tem por objeto os processos intersubjetivos que tornam possível a gestão social das interpretações dos indivíduos sobre o trabalho. Segundo Dejours (2004), que recorre à técnica da interpretação, o essencial dos problemas submetidos à análise psicodinâmica das situações de trabalho provém do desconhecimento e mesmo da inépcia quanto às dificuldades concretas com as quais os trabalhadores são confrontados, em função de fato da imperfeição irredutível da organização do trabalho.

A análise da psicodinâmica sugere que a retribuição esperada pelo indivíduo seja fundamentalmente de natureza simbólica, ou seja, reconhecimento da realidade que representa a contribuição individual, no sentido de gratidão. A construção do sentido do trabalho pode transformar o sofrimento em prazer, e essa dinâmica do reconhecimento constitui a realização pessoal no campo social, que ganha um lugar junto à construção da identidade.

Das obras da psicodinâmica do trabalho de Dejours (1992, 1994, 2004), resultaram algumas categorias que abarcam vários elementos e influenciam os indicadores do sofrimento ligado ao trabalho, tais como: organizações de trabalho, condições de trabalho, relações de trabalho, prazer e sofrimento, e estratégias de enfrentamento.

Organizações de trabalho. A organização nos locais de trabalho deveria ser elemento norteador das relações de trabalho, em função da introdução de novas tecnologias e da automação cada vez mais intensa que se observa nos setores produtivos mais modernos. Para esse autor, é inadmissível falar em qualidade do produto sem tocar na qualidade do ambiente e nas condições de trabalho, o que seria sobremaneira auxiliado pela democratização das relações sociais do trabalho ( Lacaz, 2000).

Além do desgaste do exercício do prazer no trabalho, entra-se no domínio sofrimento, quer dizer, do sofrimento patogênico, o qual surge assim que a relação do homem com a organização do trabalho é permanentemente bloqueada. Quando a tensão atinge seu apogeu, nada mais interfere a favor do reconhecimento do sofrimento entre os profissionais, nem dos vínculos entre esse sofrimento e os impasses da organização do trabalho.

Condições de trabalho. Um ambiente de trabalho é condição necessária para um bom desenvolvimento profissional. É também o lugar do hobby, do lúdico, do poético, da convivência harmoniosa entre escalões hierárquicos democraticamente embaralhados, cuja pretensa proximidade dilui as diferenças e os conflitos. Segundo Dejours (1992, p. 66) ".... são as condições de trabalho que são acusadas: os vapores, as pressões, as temperaturas, os gases tóxicos, o ruído... em resumo: as condições físicas e químicas de trabalho". As pressões psíquicas, mecânicas, químicas, físicas e biológicas do local de trabalho, cujo único alvo é o trabalhador, levam ao sofrimento e, consequentemente, às estratégias defensivas (coletivas).

Para Dejours (1992), mesmo as más condições de trabalho são, no conjunto, menos temíveis do que uma organização de trabalho rígida e imutável, pois essa situação não permite que o trabalhador faça uma adaptação do trabalho ao seu estilo de personalidade e nem ao seu estilo físico. Heloani & Capitão (2003) constataram que a qualidade de vida do trabalhador, especialmente os que vivem no terceiro mundo, vem se degradando dia após dia. Doenças até então inexistentes ou restritas a certos nichos empresariais tornaram-se acessíveis a todos. Parece até que, com o encolhimento do mercado de trabalho, as lutas dos trabalhadores restringem-se apenas à sobrevivência, não importando o preço a ser pago.

Relações de trabalho. A relação com o trabalho ou com o lugar do trabalho tende a se tornar a principal referência das pessoas, pois o sentimento de identidade social é fortemente ancorado na relação profissional.

Para Pagés (1982), o conflito intragrupo parece ser em muitos casos apenas um mecanismo de defesa, que protege os participantes. O conflito entre os participantes exerce para o grupo a mesma função de defesa que os sintomas para o neurótico. Esse autores consideram a qualidade das relações que ela propicia, como um fator a partir do qual é possível esse processo reflexivo sobre o próprio trabalho. Essa reapropriação permite aos trabalhadores a mobilização que impulsionará as mudanças necessárias para tornar o trabalho mais saudável.

Prazer e sofrimento. Segundo Ferreira & Barros (2003), as vivências de prazer e sofrimento têm sido consideradas pela Psicodinâmica do Trabalho como um construto dialético, podendo haver a preponderância de uma sobre a outra. O sofrimento constitui uma resposta da mobilização subjetiva do trabalhador a partir de sua vivência em relação ao seu trabalho. Para Brant & Minayo (2004), o sofrimento, como uma dimensão intolerável nas organizações, pactua com a linguagem que, além de representar, tem a função de criar laços discursivos entre os sujeitos e as coisas ao redor, de modo a estruturar um universo de sentido. Esses autores apontam ainda que o sofrimento tem intensidades diferentes para os participantes de uma mesma organização: o que o sofrimento é para um, não é necessariamente para outro, mesmo quando submetidos às mesmas condições ambientais adversas.

O prazer é uma vivência individual proveniente da satisfação dos desejos e necessidades do corpo-mente. Algumas características do prazer são: as relações com as pessoas ou as relações sociais de trabalho de produção de bens e serviços; a avaliação consciente de que algo vai bem; a gratificação do reconhecimento; a valorização no trabalho; a identidade e expressão da subjetividade individual; e a vivência da sublimação, que permite a descarga do investimento pulsional (Ferreira & Mendes, 2001). Outras fontes de prazer são citadas por Pagés (1987): salário, carreira, viagens, contatos e o prazer de identificar-se com o poder da organização.

Se há prazer no trabalho, esse prazer só pode advir do ganho obtido no trabalho, justamente no registro da construção da identidade e da realização de si mesmo, pois "...o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa autoriza, o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica do trabalho". (Dejours, 1994, p. 59).

Nessa direção, o prazer-sofrimento é um construto único, originado das mediações utilizadas pelos trabalhadores para manter a saúde, evitar o sofrimento e buscar alternativas para obter prazer (Ferreira & Mendes, 2001).

Estratégias de enfrentamento. Para Dejours (2004), o homem que está engajado em estratégias defensivas para lutar contra o sofrimento no trabalho não abandona seu funcionamento psíquico. Ao contrário, leva suas contrariedades mentais consigo e necessita da cooperação de seu círculo de relações mais íntimas para manter suas defesas e seu estado de funcionamento para o momento. Assim sendo, as estratégias operatórias e de mobilização cole-tiva são mais apropriadas do que a defensiva para manter os trabalhadores próximos da saúde, principalmente quando ocorre compartilhamento da estratégia operatória. Para Dejours (2004, p. 77), "...se falta reconhecimento, os indivíduos engajam-se em estratégias defensivas para evitar a doença mental, com sérias consequências para a organização do trabalho".

 

MÉTODO

Sob a perspectiva da psicodinâmica do trabalho, a metodologia utilizada foi baseada nas obras de Dejours (1992, 1994, 2004), Lancman & Heloani (2004) e Mendes (2002). Sendo assim, "do ponto de vista teórico, o dispositivo metodológico da psicodinâmica do trabalho age como uma lente de aumento que torna visível e eventualmente volta a dinamizar a gestão da organização". (Dejours, 2004, p. 93-94). A metodologia qualitativa na pesquisa edificante deixa de ser uma opção meramente técnica, associada aos objetivos da investigação, passando a alinhar-se a uma postura epistemológica específica, que consiste em um método sistemático e dialético, em que as "relações" observadas ou postuladas entre os fenômenos e as estruturas não são abordadas de maneira exclusiva por uma ou outra direção de análise. O estudo de caso foi a maneira mais indicada para estudar o assunto de forma ampla e detalhada, com enfoque qualitativo.

A técnica da análise de dados utilizada foi a Análise discursiva de Lane (1985). Após a preparação do corpus, o foco da análise discursiva é a forma como a língua é produzida e interpretada em um dado contexto. Por sua amplitude, ela pode ser trabalhada como um instrumento de pesquisa em uma variedade de áreas, não excluindo a incorporação de outras metodologias (Gaskel, Bauer & Martin, 2004).

Participantes

Todos os componentes da banda foram entrevistados individualmente, incluindo os trabalhadores do nível operacional, técnico e artístico, totalizando cinco componentes. Para preservar a identidade dos participantes, eles estão apresentados com nomes fictícios, e os dados sociodemográficos foram coletados na época das entrevistas (junho de 2006).

Instrumentos

O método de coleta de dados utilizou a entrevista semiestruturada e as observações de ensaios. As categorias para a composição do roteiro seguiram as indicadas pela psicodinâmica do trabalho: condições, organização e relações de trabalho; mobilização subjetiva, com vivências de prazer e sofrimento relacionadas ao trabalho; e estratégias de enfrentamento.

Procedimentos

O primeiro contato da pesquisadora com a banda foi em novembro de 2005, com o objetivo de fazer um convite para a participação na pesquisa. De imediato, o participante A autorizou e informou aos outros componentes, demonstrando bastante interesse no trabalho. Posteriormente, foi feito o convite aos outros e, após a autorização por escrito e aprovação no comitê de pesquisa, iniciou-se a coleta de dados. As entrevistas semiestruturadas e alguns dados foram obtidos no sítio da banda.

O período de realização das entrevistas foi de março de 2006 a julho do mesmo ano, no mesmo local e em horários pré-acordados, de forma que não prejudicasse a rotina de apresentações e de ensaios. Foi explicado o objetivo da pesquisa, como seria realizada, a forma de registro dos dados - a gravação em fitas cassete. Também foi dada a garantia do sigilo das informações obtidas, preservando-se o anonimato dos entrevistados.

 

RESULTADOS

Os resultados serão apresentados no presente artigo sob a forma de itens, visando a otimizar o espaço disponível1. Assim, cada número representa uma categoria definida a priori, e confirmadas a posteriori. Essas categorias se referem à psicodinâmica do trabalho, e todas emergiram do discurso dos participantes:

1. Condições e organização do trabalho.

2. Relações de trabalho.

3. Mobilização subjetiva, com vivências de prazer e sofrimento relacionadas ao trabalho.

4. Estratégias de enfrentamento.

Após a descrição dos dados, seguem-se a discussão e as considerações finais.

1. Condições e Organização do Trabalho

A divisão de tarefas ocorre de modo informal, tendo em vista que os três músicos se consideram "chefes da banda", de forma que todos fazem todas as tarefas, tanto relacionadas à gestão quanto à composição, representação e busca de patrocínios. Esse fator indica uma sobrecarga de trabalho, que pode ser fonte de sofrimento para eles.

Da forma como a banda se configurava na época da coleta de dados, havia uma dificuldade de os músicos se dedicarem exclusivamente a seu trabalho na banda, tendo em vista a dificuldade de patrocínios e a instabilidade típica do trabalho artístico, como já apontado por Santos (2008).

2. Relações de Trabalho

Há a valorização das relações de trabalho, respeito mútuo, consideração e cumplicidade, que são apontados pelos participantes como fatores fundamentais para a estabilidade na banda, e para suas vivências de prazer relacionadas ao trabalho.

3. Mobilização subjetiva, com vivências de prazer e sofrimento relacionadas ao trabalho

Os indicadores de prazer e sofrimento dos trabalhadores foram estabelecidos a partir das cinco categorias relacionadas à psicodinâmica do trabalho, independentemente do nível hierárquico. Considerando a teoria "dejouriana" utilizada, os participantes que proporcionam lazer têm uma dupla jornada de trabalho, escasso reconhecimento social e financeiro, e atuam à noite. Como tal, estão predispostos a apresentar sintomas gravíssimos relacionados à saúde física e mental.

O fato de trabalharem com arte representa um paradoxo. Por um lado, prazer por criar, superar a alienação, com possibilidade de fruição; por outro, sofrimento advindo dos aspectos objetivos de ser um trabalho com falta de reconhecimento, dificuldade de levantar patrocínios, etc.

4. Estratégias de Enfrentamento

As estratégias de enfrentamento mais utilizadas foram a racionalização e a negação do sofrimento, além da busca por um trabalho formal que garanta o sustento financeiro dos músicos e de suas famílias.

O sentido que esses profissionais atribuem a seu trabalho na banda se refere mais à sua identidade como músicos, artistas com possibilidade de criar e fruir.

 

DISCUSSÃO

Com base na literatura da psicodinâmica, as vivências de prazer e sofrimento foram identificadas em todos os aspectos do trabalho: as condições de trabalho, as relações de trabalho, a organização do trabalho e as estratégias de enfrentamento.

O trabalho na banda possui características comuns ao trabalho em outras atividades de lazer, referentes aos aspectos de gestão (categoria 1). Mas o que diferencia o trabalho na banda de blues é a capacidade de autonomia, reconhecimento pelo fato de ser arte.

Os músicos, sem as qualificações profissionais exigidas pelo mercado de trabalho, vivenciam situações típicas de exclusão social, como o preconceito social e a falta de reconhecimento e desvalorização do seu trabalho pela sociedade. Entretanto, esses trabalhadores, executando tarefas em atividades tidas como socialmente excludentes - as de músico, por exemplo -, nelas buscam um meio de garantir a identificação com a tarefa que executam, em busca da realização pessoal. Nesse contexto, trata-se de um tipo de trabalho para uma determinada camada da população, uma alternativa importante de sobrevivência. Viver exclusivamente da arte no Brasil ainda é incomum no mundo artístico. O preconceito social que predomina em relação à atividade musical dificulta o reconhecimento e a identidade de quem proporciona lazer e cultura para a sociedade, a qual valoriza o trabalho formal.

A vida psíquica e a saúde física e sua desestruturação repercute na saúde física e mental. No entanto, as relações entre organização do trabalho e aparelho mental dos músicos estudados pode ser favorável, em vez de conflituosa, gerando resistência contra a fadiga e a doença.

A dialética do trabalho constitui-se em um sistema tecnicamente coerente e lógico, mas com contradições evidentes no plano social e psicológico. De um lado, o trabalhador, em suas relações de trabalho, atribui um sentido às situações, porém depende das condições socioeconômicas oferecidas. Em contrapartida, as situações de trabalho modificam as percepções desse trabalhador acerca de si mesmo, dos outros e do próprio trabalho.

O trabalho dos artistas pode ser um trabalho fluido, disperso, invisível, intensificado, desregulamentado, mas, afinal de contas, é trabalho, segundo Segabinazzi (2007). A imagem mítica do artista como alguém diferente do homem comum permanece. Apesar dos esforços de alguns movimentos artísticos de valorização da ação cotidiana, o comportamento do artista contemporâneo e as relações sociais com o sistema das artes (eminentemente burguês), paradoxalmente eles possuem muitos pontos em comum com os comportamentos e relações que os artistas mantinham com as cortes. Contudo, é importante esclarecer que a imagem popular do artista como um vagabundo é apenas uma corruptela da imagem mítica, não sendo, de fato, parte da mitologia artística (Vargas, 2006).

A música insere-se no contexto social, na forma de pensar e de expressar-se por quem a estiver interpretando, por meio de instrumentos ou do canto. Os músicos da banda consideram o horário de trabalho como tempo que sobra, utilizado para os ensaios, à noite e aos finais de semana.

O artista busca transformar seu público em observadores interessados, pois pretendem despertar interesse e causar impacto. Encontrar novos meios simbólicos de fazê-lo é a essência de seu trabalho. Enfim, ele necessita de uma capacidade muito especial para enfrentar os conflitos mais profundos e encontrar expressão para eles, para traduzir o sonho em realidade. Para o artista, a obra de arte é uma dádiva duradoura e paralela ao mundo (Dimatos 1999; Vasconcelos & Kirschbaum, 2005).

O processo de criação é complexo e envolve diversos aspectos subjetivos. Os músicos enfrentam intenso estresse emocional e ainda uma dupla jornada de trabalho, o que forma uma intrincada sobrecarga que também afeta os demais trabalhadores que se dedicam a atividades destinadas ao lazer. Trata-se da estrutura dialética de uma rede cultural e artística que, em funcionamento constante, visa à reposição das energias e da autonomia em um trabalho distinto do formal e que propicia liberdade, criação, autonomia e identidade.

O trabalho artístico, no Brasil, estrutura-se em grande parte na exploração de trabalhadores que, por escolha, buscam no trabalho artístico a própria identificação, autonomia e emancipação. Entretanto, estabelece-se uma relação de exploração psíquica, nos aspectos econômicos e sociais.

Conforme foi observado nesta pesquisa, para ingressar nessa atividade artística musical, são desconsiderados alguns critérios, como a qualificação profissional, a experiência e a técnica que, geralmente são requisitos do mercado formal de trabalho, o que indica já uma diferença em relação ao acesso a esse tipo de trabalho.

O trabalho do músico é precário, desempenhado em condições inadequadas para a saúde humana, tanto por ser exercido na informalidade, o que torna o trabalhador vulnerável quanto a aspectos de regulamentação de seus direitos trabalhistas, quanto pelas condições em que o trabalho ocorre. Em outras palavras, os músicos são submetidos a riscos à saúde, em um ambiente insalubre. Outro ponto negativo é a baixa remuneração.

Os músicos sofrem os efeitos de preconceitos e desfrutam de pouco reconhecimento do papel que representam na cultura e na sociedade, embora tenham a profissão reconhecida por um sindicato. Segundo Segal (1993) e Johanson (2004), a vida artística é acompanhada de rótulos negativos, preconceitos e estigmas sociais da sociedade em relação aos artistas. Esses autores também afirmam que a imagem do músico, construída socialmente, afeta de modo negativo a formação de uma identidade profissional. Portanto, ele experimenta, dentre outros, sentimentos negativos.

Para a compreensão do reconhecimento do trabalho dos músicos, faz-se necessária a superação de um entendimento dualista entre inclusão e exclusão social e que se busque uma compreensão que abarque a dialética de inclusão e exclusão.

Nessa perspectiva, a inferência de que o músico é incluído no mercado de trabalho formal ao ter um emprego (trabalho formal) revelase contraditória, pois seu trabalho artístico é executado em condições extremamente precárias. Pode-se dizer que predomina uma inclusão perversa, em que os rendimentos suficientes para a sobrevivência não são acompanhados pela melhoria na qualidade de vida, e a relação com a sociedade é predominantemente preconceituosa e discriminada. A arte, o lazer e o trabalho são elementos vinculados, que nem sempre estão em harmonia, seja financeira, social ou afetivamente.

Quando os músicos adotam princípios de qualidade e se constituem em uma genuína banda, vislumbra-se a possibilidade de melhorar suas condições de trabalho. Os músicos, se organizados, podem desenvolver diferentes ações, com o objetivo de superar obstáculos que aparecem em uma atuação independente. Contudo, também devem ser inseridos no âmbito das políticas públicas que integram simultaneamente necessidades artísticas, sociais e culturais.

Paradoxalmente, neste trabalho, percebeu-se com clareza que a remuneração dos trabalhadores de arte e cultura é insuficiente para a garantia de uma vida digna, se vivida de forma exclusiva. Portanto, para manterem o padrão de vida razoável, os músicos devem manter uma dupla jornada de trabalho: o trabalho formal e o trabalho informal.

Como todo estudo qualitativo, deve-se ressaltar que os seus resultados se referem ao campo estudado, não podendo ser generalizados para outros grupos ou bandas. Dentre as limitações, podem-se citar os ajustes metodológicos feitos pela pesquisadora, diante da impossibilidade de se utilizar somente a metodologia proposta por Dejours, em decorrência das condições e limitações do campo, da técnica e da exigência da demanda. Pode-se sugerir a utilização da entrevista coletiva como técnica de coleta de dados, em vez da de entrevista individual, o que pode ampliar os resultados em termos coletivos, como é sugerido por Dejours (1994). Nesta pesquisa, o uso dessa técnica não foi possível em razão da indisponibilidade dos participantes.

Dentre as possibilidades de futuras pesquisas, levantadas com base neste estudo, está a de desenvolver estudos referentes às vivências de prazer e sofrimento em bandas de segmento comercial, em que se possam comparar essas vivências com bandas e outras organizações no segmento do lazer.

A principal contribuição da pesquisa apresentada foi a de colaborar para a reflexão e a discussão crítica acerca do trabalho dos artistas, mediante a análise e a discussão de suas vivências relacionadas ao trabalho na arte. Um dado que chama a atenção é o fato de que, neste estudo, pôde-se perceber que os músicos relataram predominância de vivências de prazer ao desempenharem o trabalho, apesar do sofrimento relacionado ao desgaste físico e emocional. Isso pode indicar que o poder e a força das vivências de prazer, no caso do trabalho dos artistas, podem servir para minimizar ou relativizar as vivências de sofrimento. Se assim for, o pressuposto de que o trabalho na arte poderia possibilitar uma superação da alienação e o autorreconhecimento do artista em sua obra se mostrou presente nos dados analisados.

 

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Recebido em: 01.10.2009
Aprovado em: 17.05.2010
Publicado em: 17.09.2010

 

 

1Dados completos da dissertação poderão ser pesquisados diretamente na dissertação de mestrado que os geraram. Assis, D. T. F. (2008). Trabalho em uma banda de blues: uma abordagem psicodinâmica. Dissertação de mestrado em psicologia. Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia (GO).

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