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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versión On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.13 no.3 Florianópolis dic. 2013
Fatores favoráveis à inovação: estudo de caso em uma organização escolar
Favorable factors to innovation: a case study in a school organization
Luciana de Oliveira CampolinaI,1; Albertina Mitjáns MartínezII,2
ICentro Universitário de Brasília
IIUniversidade de Brasília
RESUMO
O presente artigo apresenta uma pesquisa sobre a inovação em uma organização escolar. A inovação foi compreendida e estudada como um conjunto de ações de implementação de novidades nos processos educativos e nas formas de gestão escolar que dependem de elementos favoráveis para o seu desenvolvimento. O estudo teve como objetivo investigar os aspectos que atuaram de forma favorecedora permitindo a emergência e o desenvolvimento do processo de inovação em uma organização escolar de ensino fundamental. Foi realizado, por meio de metodologia qualitativa, um estudo de caso em uma escola pública do município de São Paulo. Os resultados evidenciaram um conjunto de seis aspectos favoráveis à inovação, articulados à dimensão histórica do projeto, caracterizada fundamentalmente pelo histórico de participação da comunidade na escola e pela mobilização progressiva para o enfrentamento dos problemas vivenciados pela instituição. As análises destacaram que os aspectos histórico-contextuais possibilitaram a constituição de elementos subjetivos - sociais e individuais - também favoráveis para a inovação, que se traduzem pela dimensão interativa, comunicativa e motivacional dos atores escolares. Para efeitos de conclusão, foi possível considerar que, neste estudo de caso, a dimensão histórica representou o aspecto favorecedor vital para a inovação, significando a base que constituiu a dimensão subjetiva da escola implicada ao desenvolvimento positivo do projeto inovador.
Palavras-chave: Inovação, Inovação Educativa, Organização Escolar, Subjetividade.
ABSTRACT
This paper presents research about innovation in a school organization. Innovation was understood and studied as a set of actions to implement new approaches in the educational processes and in the forms of school management that depend on elements favorable to achieving its development. The study aimed to investigate the aspects that had favorable impacts allowing the occurrence and development of an innovation process in an elementary school organization. It was conducted using a qualitative methodology, through a case study in a public school in São Paulo. The results showed a set of six aspects promoting innovation, linked to the historical dimension of the project, characterized primarily by the history of community participation in the school, and by the progressive mobilization to confront the problems faced by the institution. The analyses revealed that historical-contextual aspects constituted subjective elements - social and individual - also favorable for the innovation process, that represent the interactive, communicative, and motivational dimension of those who are part of the school organization. In conclusion, it was evident in this case study that the historical dimension was crucial to the innovative process, sustaining the subjective dimension involved in the positive development of the innovation project at the school.
Keywords: Innovation, Educational Innovation, School Organization, Subjectivity.
Um dos pressupostos que afirmam a importância de inovações na Educação é que elas representam possibilidades de resgatar as instituições de problemas decorrentes do afastamento das políticas do Estado, aliadas às demandas por melhorias na qualidade do processo educacional. Sob esse ponto de vista, a inovação constitui um meio para transformar os processos educacionais e as instituições escolares.
O presente artigo trata de uma pesquisa sobre a inovação na instituição escolar, entendida como um tipo particular de inovação que relaciona-se à problemática das mudanças nas organizações educativas. A inovação educativa é concebida como a introdução de novidades que visam intencionalmente promover algum tipo de mudança e melhorias na instituição escolar (Rivas Navarro, 2000; Carbonell, 2002).
De acordo com vários autores do campo da inovação educativa, como Hernández (2000), Thurler (2001) e Farias (2006), as inovações podem se relacionar aos processos de gestão da escola, assim como à implantação de novidades nas práticas e recursos pedagógicos, tendo como foco as transformações nos processos de aprendizagem, nos currículos escolares, o uso de novos métodos de ensino e materiais didáticos.
Do ponto de vista da inovação, um critério essencial é a ideia de implementação, que pode ser diferenciada do processo criativo, destacando-se como a criação de um produto ou processo que se viabiliza em ações práticas de implantação de ideias, de difusão e adoção em um determinado contexto social. Nesse sentido, compreendendo a inovação como um conjunto de ações, é preciso também considerar que a implementação revela a existência de inúmeros aspectos que podem ser favoráveis e/ou desfavoráveis para que um processo inovador ocorra em um determinado contexto social.
É relevante enfatizar o conceito apresentado por Van de Ven e Poole (2005), que ressalta o caráter institucional e organizacional da inovação. Segundo os autores, a inovação é entendida como o desenvolvimento e a implantação de novas ideias, por pessoas que, ao longo do tempo, engajam-se em transações com outras pessoas, o que, por sua vez, ocorre dentro de uma ordem institucional. Nessa definição, ressalta-se a dimensão das organizações sociais, da administração, assim como as transações entre os indivíduos em um contexto institucional.
Alencar (1997) e Bruno-Faria (2003, 2004) assinalam o caráter intencional do processo inovador como aspecto importante, uma vez que a inovação é caracterizada como uma forma específica de mudança, gerada e produzida ao lado de processos de caráter volitivos e motivacionais (Christensen, Horn & Johnson, 2009). Considerando as organizações sociais, Bruno-Faria (2003, 2004) destaca a importância de serem compreendidos os aspectos subjetivos e ambientais que atuam na organização e que podem favorecer a emergência e a implementação de ideias criativas.
A inovação associa-se à criação e à transformação de instituições e de políticas, relacionada à dimensão social, aos processos e comportamentos humanos. Segundo a compreensão de Mirtulis (2002), é importante entender que o processo de inovação está atrelado à dimensão antropológica e "[...] avaliá-lo implica, necessariamente, analisar os significados produzidos e as transformações vividas por seus atores em termos pessoais, sociais e intelectuais." (p. 231). Na educação, a inovação está vinculada à mudança de atitudes, comportamentos, procedimentos, modos de fazer e curso da ação, incluindo, às vezes, a utilização de certos instrumentos na atividade de ensino (Carbonell, 2002). Para Christensen et al. (2009), a motivação é um catalisador essencial para as inovações de sucesso.
Contextualizando a inovação em relação ao campo educativo, vale realçar que um conjunto de teorias tem fundamentado críticas ao funcionamento da instituição escolar (Illich, 1973; Baudelot & Establet, 1987; Althusser, 2007; Bourdieu & Passeron, 2008), na qual estão presentes processos historicamente constituídos, eminentemente reprodutivos, que coexistem com processos que buscam superar tal imobilismo, como diversas tentativas inovadoras que podem ser reconhecidas.
Contudo, mesmo que algumas mudanças intencionalmente geradas possam ser identificadas em diferentes dimensões que envolvam a organização escolar e os processos pedagógicos, o modus operandi da escola tende a reproduzir concepções que reforçam, em grande medida, o seu distanciamento diante da realidade cambiante que marca a contemporaneidade. Fatores como a violência dentro da escola, o empobrecimento dos relacionamentos entre professores e alunos, a supervalorização dos conteúdos de ensino em detrimento das aprendizagens significativas e os índices de analfabetismo, fracasso e evasão escolar, que continuam a se perpetuar, são exemplos disso. É inegável que as escolas se encontrem diante de demandas para atualizarem-se e produzirem soluções diante das incertezas reveladas pela produção acelerada de conhecimentos e tecnologias, bem como para que promovam experiências educativas onde se desenvolvam novas alternativas na organização escolar e nas práticas pedagógicas.
É possível criticamente observar que a escola como organização social, com frequência, não tem favorecido a inovação educativa (Mitjáns Martínez, 1999, 2002), apresentando algumas limitações para sua ocorrência, como o próprio modus operandi da escola em sua dimensão reprodutora e as limitações do próprio sistema educacional (Campolina & Mitjáns Martínez, 2011). Em outros tipos de organização social, como as empresar, pode-se distinguir a ocorrência de muitos processos inovadores de tipo tecnológico e produtivo.Embora, em uma sociedade capitalista, os tipos de inovação em setores empresariais desse tipo possam ser questionados em relação aos seus objetivos, os incentivos para a inovação, mesmo em escolas particulares, consideradas também como empresas, parecem ser menores.
A despeito disso, é essencial destacar como as instituições escolares são, simultaneamente, organizações concretas de relacionamento entre os indivíduos que expressam características específicas e singularidades em contextos distintos. Assim, caracterizam-se por formarem uma realidade particular na qual as ações institucionais, normas e atividades que ali se realizam as constituem como espaços sociais extremamente complexos (Boto, 2003; Lima, 2003), evidenciando que a escola é uma organização social com características intrínsecas ao seu funcionamento, como um espaço de relacionamento, desenvolvimento humano e de constituição subjetiva.
Essa visão da instituição escolar apoia uma concepção de inovação que visa superar enfoques teóricos presentes na literatura, que enfatizam os aspectos técnicos e funcionalistas do processo de implementação. Representantes de estudos importantes, mas não tão atuais, sobre a inovação educativa na organização escolar, como Huberman (1973), Havelock e Huberman (1980) e Goldberg e Franco (1980), enfatizam a inovação como um processo planejado, de etapas ordenadas e sistematizadas previamente. Em relação à posição desses autores, faz-se necessário ressaltar a existência da multiplicidade de fatores que também interferem no processo inovador e na complexidade dos aspectos que possibilitam a criação e o desenvolvimento de projetos inovadores em escolas. É precisamente esta complexidade que foi estudada nesta pesquisa.
Do ponto de vista teórico, os aportes da teoria histórico-cultural da subjetividade de González Rey (1997, 1999, 2004, 2005a, 2005b, 2007, 2010) ampliam a visão sobre a inovação educativa e possibilitam compreendê-la a partir de uma perspectiva até então não explorada sobre o processo inovador.
Esta pesquisa se insere nesse cenário teórico, evidenciando a necessidade de investigar como são implementadas novidades nas escolas. Desse modo, podem ser demonstradas as possibilidades de aperfeiçoamento dos processos educacionais, explorando as condições que promovem a emergência da inovação educativa. Sob o ponto de vista das pesquisas científicas, permanece, ainda, a necessidade de investigações que explorem de forma aprofundada e contextualizada as condições que promovem a emergência deste fenômeno na escola (Campolina, 2012). Sendo assim, a presente pesquisa teve como objetivo investigar os aspectos que atuaram de forma favorecedora , permitindo a emergência e desenvolvimento do processo de inovação em uma organização escolar pública de Ensino Fundamental.
MÉTODO
A pesquisa foi realizada como estudo de caso em uma escola considerada inovadora, situada na cidade de São Paulo. A escola foi selecionada a partir do levantamento de indicadores iniciais (Hernandéz, 2005) como: índices de avaliação de desempenho externo (IDEB - Índice da Educação Básica, ano-base 2011) superiores à maioria das escolas do município, presença de vários tipos de novidades implementadas no projeto político-pedagógico (PPP) da escola, indicadores de intencionalidade na implementação das mudanças e tempo transcorrido de implantação do projeto (nove anos).
A escola é uma instituição pública municipal de Ensino Fundamental de nove anos submetida às orientações e regulamentações do sistema educativo do município. Está situada na parte oeste da cidade, em um bairro heterogêneo quanto aos níveis socioeconômicos da população. A escola reflete esta heterogeneidade, complementada pela presença de alunos que não residem no bairro e que ali estudam pela opção de suas famílias (São Paulo, 2005). Em 2011, quando a pesquisa foi realizada, a escola contava com 47 professores, uma diretora, dois assistentes de direção, dez funcionários de apoio e 663 alunos.
Em relação ao funcionamento cotidiano da escola, atuavam nas aulas e em oficinas pedagógicas, além dos professores oficialmente contratados, outros profissionais do ensino vinculados a projetos de ONGs, professores colaboradores, voluntários e estagiários, cuja quantidade dependia dos projetos e estágios desenvolvidos. A escola funcionava nos turnos matutino e vespertino para todos os anos escolares, compondo 5 horas/turno, com 30 minutos de intervalo. Os professores oficialmente tinham carga horária de trabalho na escola variando entre 21 a 25horas/aula.
Instrumentos e Procedimentos
A pesquisa foi baseada nos princípios epistemológicos e metodológicos da Epistemologia Qualitativa, elaborada por González Rey (1997, 1999, 2005c). Nesta proposta epistemológica, três princípios fundamentais orientam o processo da pesquisa empírica atrelada à construção de modelos teóricos que sejam capazes de gerar inteligibilidade sobre o fenômeno estudado. O primeiro princípio diz respeito ao conhecimento ser um processo construtivo e interpretativo, articulando representações do campo teórico e indicadores que emergem a partir de aspectos do real. Os indicadores são definidos como os significados que o pesquisador vai gerando perante certos trechos de informação (González Rey, 1999).
O segundo princípio destaca a pesquisa como processo comunicativo e dialógico, que permite a criação de um cenário interativo e o uso da multiplicidade de instrumentos como meio de produção das informações. Por fim, alicerçado no método de estudo de caso, o terceiro princípio afirma o caráter legítimo do singular como instância de produção de conhecimento.
Nesta proposta, a legitimidade dos resultados obtidos dá-se pelo valor que eles têm para a construção de um modelo teórico em desenvolvimento no curso da pesquisa. De acordo com González Rey (1999), o modelo teórico aparece como resultado da construção teórica sobre um sistema de informação empírica que se legitima pela capacidade de gerar inteligibilidade sobre o objeto de estudo. O modelo teórico é uma construção que não aplica diretamente conceitos, mas avança a partir de hipóteses no tecido de informações empíricas que, no caso em estudo, geram significados para as categorias do referencial teórico adotado.
Levando em conta tais princípios, ressalta-se que, na investigação empreendida, foi essencial a imersão do pesquisador na escola, a motivação e participação na pesquisa por parte dos professores, membros da equipe escolar, pais e alunos e, especialmente, o caráter ativo do pesquisador na construção e interpretação das informações contribuindo para o diálogo entre teoria e método.
No percurso da pesquisa, foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) Participação no cotidiano da escola, sistematizada em observações participantes durante 11 meses letivos e observação de momentos informais; 2) Análise documental do PPP, regulamentos da organização escolar, jornais de circulação interna e folhetos; 3) Sistemas conversacionais, que se dividiram entre conversações informais com diferentes atores escolares e entrevistas com participantes selecionados durante o percurso da pesquisa de campo e 4) Instrumentos escritos, como questionários abertos e redações.
Acerca dos procedimentos, é importante ressaltar que o trabalho de campo foi pautado pelas necessidades do processo de construção das informações, propiciado pela participação progressiva e contínua no contexto e pelas interações dialógicas estabelecidas com os participantes durante a pesquisa. O processo de comunicação gerado estabelece o clima social da investigação orientado para promover o envolvimento dos indivíduos, possibilitando a aparição de processos da subjetividade que caracterizam os indivíduos e o campo social (González Rey, 2010).
Consequentemente, os instrumentos foram utilizados tendo em vista o processo comunicativo constituído de modo sistemático na pesquisa. Seguindo a lógica configuracional do processo de investigação, a participação nas distintas atividades da escola permitiu um conhecimento paulatino sobre o projeto inovador. No diário de campo foi registrado um número extenso de páginas das observações realizadas sobre os conteúdos das inovações, comportamentos e interações entre os atores escolares. Esses registros foram analisados durante o curso da investigação e fizeram emergir novas perguntas, servindo de base também para a busca de novas informações nas observações subsequentes e para a elaboração dos outros instrumentos, como as dinâmicas conversacionais, contribuindo com o processo construtivo-interpretativo. Progressivamente, os instrumentos escritos (questionários e redações) e as entrevistas foram utilizados visando à criação de indicadores no processo construtivo-interpretativo. Nas entrevistas e conversações informais foram abordados temas como: a história do projeto inovador e a participação do ator na inovação, a existência de elementos facilitadores da inovação e a percepção sobre a motivação dos atores escolares que faziam parte do projeto. Em relação às questões éticas, obteve-se autorização da direção da organização escolar para a realização da pesquisa. Para o uso dos instrumentos escritos e entrevistas utilizou-se o termo de consentimento livre e esclarecido para cada participante, individualmente.
Participantes
Diferentes atores escolares da organização social participaram da pesquisa: professores, alunos, funcionários, membros da equipe escolar, coordenação, direção, pais e colaboradores do projeto inovador. Os questionários foram usados com os professores da escola (n=24), com um subconjunto de pais de alunos (n=20) e com alguns alunos (n=21) que concordaram em participar deste momento. Visando o objetivo do estudo, alguns participantes foram selecionados para a realização de entrevistas individuais, como atores significativos para a compreensão dos processos histórico-contextuais e subjetivos que ocorreram durante o processo de desenvolvimento do projeto inovador. Estes incluíram a diretora da escola (n=01), a coordenadora pedagógica (n=01), professores (n=04), membros externos e colaborados (n=03), pais e alunos (n=03).
Procedimento de análise, construção e interpretação das informações
No processo construtivo-interpretativo, as informações foram sistematizadas, produzindo diferentes indicadores sobre os aspectos favorecedores da inovação na organização escolar. Tais indicadores foram elaborados e produzidos em função do que é concretamente vivido nos espaços sociais, possibilitando a definição de hipóteses que, inter-relacionadas, definem o modelo teórico em elaboração, tal como preconizado na epistemologia adotada. As hipóteses foram legitimando-se no curso da pesquisa pelos sistemas de informação que ganharam importância e visibilidade nas construções teóricas. No tecido das informações empíricas, permitiram avançar gerando significados sobre os diferentes aspectos que atuaram na emergência e no desenvolvimento favorável da inovação. As hipóteses se articularam, configurando o modelo teórico em desenvolvimento, até chegar às construções finais apresentadas na seção de resultados.
RESULTADOS
Os resultados, advindos das análises realizadas a partir do conjunto de informações obtidas, permitiram identificar, inicialmente, inovações incrementais (Tidd, Bessant & Pavitt, 2008) que combinaram-se na geração de um projeto inovador. O processo inovador da escola revelou a existência de inovações educativas relacionadas com os seguintes aspectos: 1) Mudanças nas formas de participação dos atores escolares e na gestão escolar, tais como a ampliação das atividades no conselho da escola e a criação de assembleias de pais e alunos baseadas nos princípios de democraticidade e responsabilidade, preconizadas no PPP; 2) Novidades e mudanças implantadas no espaço físico, que sustentaram a implementação do projeto e as práticas pedagógicas, tais como a unificação das salas de aula em dois salões de estudo e a construção de uma biblioteca; 3) O surgimento de novas práticas pedagógicas, criadas como alternativas frente às novas demandas do projeto político-pedagógico da escola, como a divisão em dois ciclos (I e II), a reorganização das séries para um sistema de grupos de cinco alunos de diferentes anos escolares, a criação do trabalho de orientação ao estudo e à pesquisa, a docência combinada e os grupos de tutoria, nos quais cada professor acompanha um grupo de 20 alunos. Por fim, 4) Novidades introduzidas no currículo, caracterizadas pela criação de roteiros de aprendizagem baseados nos livros didáticos, bem como a adoção de outras formas de avaliação, como fichas de finalização de roteiros e portfólios. Portanto, vale referir que a inovação educativa no âmbito do projeto analisado contemplou a transformação de elementos distintos do contexto educativo visando promover mudanças nos processos educacionais (Rivas Navarro, 2000).
Nos resultados, ficou evidente que os fatores favorecedores se articularam de forma complementar, subsidiando a inovação. Nesse sentido, destacou-se a existência de uma dimensão histórica e contextual relacionada à gênese na inovação educativa na escola, caracterizada pelo histórico de participação da comunidade e pela mobilização crescente dos atores escolares. Também se destacou a dimensão subjetiva favorável à inovação, em que os processos subjetivos - sociais e individuais - apareceram mutuamente implicados. Os resultados foram sistematizados a partir da dimensão histórico-contextual e da dimensão subjetiva. A seguir, são apresentados alguns trechos de informação, com o objetivo de ilustrar e caracterizar os fatores identificados.
Na dimensão histórico-contextual, os seguintes aspectos atuaram como favorecedores no processo de inovação:
1) Existência de problemas no cotidiano da escola percebidos claramente pelos atores escolares: Na análise dos elementos histórico-contextuais favorecedores, foi possível identificar a gênese da mudança pretendida implicada na criação do projeto inovador. O termo "projeto" designa a gênese das ideias, entendidas como o plano inicial articulado às intenções e concepções que inauguraram e fundaram a base primordial das mudanças idealizadas para a escola. Do ponto de vista do favorecimento histórico, a origem do projeto dependeu da mobilização de alguns membros da equipe escolar, especialmente da direção e da comunidade formada por familiares dos alunos, motivados pela necessidade de responder a muitos problemas que a instituição enfrentava, como faltas excessivas dos professores e queixas constantes dos alunos em relação aos conflitos dentro da escola, tais como brigas físicas e desentendimentos verbais. As faltas dos professores prejudicavam o andamento das aulas e dos conteúdos, deixando, muitas vezes, os alunos sem aulas durante o ano letivo. A insatisfação com este cenário afetava alunos e membros da equipe escolar, como a diretora e muitos pais da comunidade (São Paulo, 2005). Essa situação pode ser caracterizada pelo trecho da entrevista com uma das mães que participou da implantação inicial do projeto.
Porque até então, o nosso lugar de queixas e discussões era o conselho da escola, era isso, o espaço de falar dessas insatisfações... A grande queixa era a falta do professor, mas também dos alunos com aulas vagas... Eram dispensados, isso incomodava demais a comunidade, os pais... Essa mudança tão radical nunca tinha aparecido, queríamos resolver a rotina da escola. (Entrevista com mãe de ex-aluno, participante do conselho na época e colaboradora do projeto).
2) Existência do histórico de participação das famílias dos alunos: No momento inicial do processo já existia um cenário de participação das famílias dos alunos em eventos culturais da escola. Em relação ao contexto macrossocial da organização escolar, enfatiza-se a conjuntura política do sistema educativo, dos governos do estado e do município, que implantaram políticas públicas no âmbito das escolas, representando, no contexto situacional, impactos positivos anteriores à gênese do projeto. Na conjuntura de forças que deram origem ao contexto específico do caso analisado, a apropriação das políticas de forma favorecedora estava relacionada à incorporação das instâncias de participação de pais/responsáveis e professores preconizadas anteriormente, como o conselho de escola e a Associação de Pais e Mestres (APM). Essas formas de participação das famílias já fomentavam o envolvimento de alguns pais em reuniões da escola. Esse trecho de entrevista, onde a diretora resgata um histórico importante do cenário anterior que envolvia a participação da comunidade na escola, combinado a outras informações, permite-nos observar os aspectos favorecedores da história pregressa vivenciada na escola.
Quando eu ia lá fazer aquela reunião a cada, sei lá, 45 dias, era uma comunidade que, de certa forma, se mobilizava para discutir, para pensar. Mas isso foi super importante, porque foram essas pessoas chamadas que vinham nas reuniões, que começaram a escutar o discurso da educação de um outro jeito. E toda essa lei, hoje, de conselho de escola, conselho deliberativo, o fim das notas e começo dos conceitos para as crianças, tudo isso, todos esses instrumentos que foram postos na prefeitura de São Paulo... O novo regimento das escolas municipais, o estatuto do magistério, que é a única categoria que tem um estatuto próprio dentro da prefeitura de São Paulo. Tudo isso... Só foi porque, de certa forma, a comunidade... A sociedade escutou um pouco e começou a vir. Lógico que era 1% da população que frequentava a escola, mas era um pessoal que veio para participar. (Entrevista com a diretora da escola).
3) Papel crescentemente ativo do conselho de escola como instância coletiva de discussão e de trabalho: Considerando o processo favorecedor que se desenvolveu na escola - de enfrentamento dos problemas no contexto situacional da organização escolar, ainda no ano anterior à implantação do projeto -, começou a ocorrer a mobilização sistemática dos grupos de pais, envolvendo parte da equipe escolar e membros da comunidade do entorno da escola. No conselho de escola, foram discutidos os problemas, especialmente sobre a falta dos professores e os conflitos entre os alunos. Após um processo de discussão envolvendo professores, direção da escola e famílias, as primeiras ideias foram desenvolvidas, como a criação de comissões. Também foram organizadas, intencionalmente, as primeiras ações que se caracterizaram pela realização de pesquisas internas sobre o número de falta dos professores e por uma revisão crítica do PPP. Essas ações possibilitaram o encaminhamento da proposta de implantação de novidades na instituição.
4) Convite da própria escola a uma assessoria externa mobilizadora de alguns dos processos já em andamento ao interior da escola: No espaço do conselho de escola, os grupos elaboraram o diagnóstico dos problemas vividos, em que o alto absenteísmo e a distância entre o preconizado pelo PPP e o realizado no cotidiano da escola foi identificado. Um novo projeto sintético, que continha uma proposta de assessoria externa para a escola, foi elaborado conjuntamente pelo grupo de pais, fortalecido pelo apoio da direção e de alguns professores. O projeto foi encaminhando pelo presidente do conselho na época, que o apresentou à pessoa que era a secretária Municipal de Educação (SME) da cidade. Após ser aprovado, foi subsidiado financeiramente com verbas da SME, vinculadas ao Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). Com o apoio concedido a esta escola, iniciou-se, em seguida, o processo de assessoramento para o grupo de professores e conselho da escola no sentido de revisar os valores e práticas educativas, cuja intenção era a elaboração de um novo projeto político-pedagógico. Neste momento, muitos professores deixaram a escola. Os professores que permaneceram optaram por integrar-se ao novo projeto, configurando um novo grupo. A implementação inicial ocorreu em 2004 como projeto piloto (para as 1ª. e 5ª. séries). Na implementação das inovações, a valorização por parte dos alunos das novidades no espaço físico impactaram positivamente, fortalecendo, assim, as bases de aceitação do projeto, fazendo crescer o apoio da comunidade. No que se refere à valorização da escola, é possível apontar o reconhecimento por uma parte da população que a escola atende e por parte dos profissionais que ali trabalham. O trecho do diário de campo registrado no primeiro mês de observação ilustra essa realidade:
Em relação ao problema das faltas dos professores, estas diminuíram consideravelmente ao longo do tempo, evidenciando que essa ocorrência é excepcional no dia a dia da escola [...]. Nas conversas informais, foi percebida uma valorização por parte dos professores no que se refere à procura pela escola para fazerem parte do projeto. As professoras do primeiro ciclo, Cláudia e Rosa, me explicaram que, mesmo sendo comum em São Paulo as pessoas buscarem trabalhar perto das suas residências ou de seus outros locais de trabalho, quando fazem outra jornada, atualmente alguns professores deslocam-se de seus bairros, muitas vezes distantes da escola, porque querem fazer parte da equipe de professores dessa escola. (Diário de campo da pesquisadora).
5) Crescente participação dos pais, professores e alunos por meio de outros dispositivos coletivos: As assembleias de pais/responsáveis e de alunos, assim como, comissões de trabalho, passaram a ser adotadas como dispositivos de participação e decisão dos processos educativos. Em termos do funcionamento organizativo da escola, foi criado um regulamento interno para possibilitar condições futuras de implementação das novidades, estabelecendo instâncias de participação, sua composição e funcionamento interno. Estas foram implantadas no segundo e terceiro ano do projeto. Segundo a análise dos indicadores favorecedores da dimensão histórica, foi necessário que as instâncias de participação e deliberação fossem divididas, visto que, no conselho de escola, havia muita discussão e muitos debates. Como a participação dos pais no conselho não tinha enfoque pedagógico, o grupo que participava contestou que o projeto político-pedagógico também deveria definir as relações entre os diferentes atores da escola (professor-estudante, professores e pais; direção e coordenação pedagógica). Com intenção de ampliar a participação democrática, foram criadas assembleias, comissões e grupos de trabalho para deliberações e busca de soluções para os problemas. Sobre a participação dos alunos e as mudanças alcançadas pela nova forma organizativa da escola, apresenta-se o trecho do diário de campo que ilustra uma das muitas dinâmicas observadas acerca das formas potencializadoras de participação dos atores escolares.
Sobre a ocorrência do problema com o uso dos armários de material que estavam sendo quebrados, depois das ações de organização dos grupos de pais que criaram as comissões de pesquisa para coletar as opiniões dos alunos, fizeram uma assembleia. Esta foi derivada de etapas de discussão e deliberação entre alunos e professores que envolveram também os grupos de tutoria. Foi observado um empenho da equipe de direção e de muitos educadores que buscaram adequar os horários e fazer mudanças de dias de atividades para viabilizar a participação dos alunos nas assembleias em ambos os turnos escolares. (Diário de campo da pesquisadora).
6) Apoio político da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e elementos do contexto, como a proximidade à Universidade de São Paulo (USP), ao Instituto Butantã e ao polo de cultura, que oportunizaram vínculos de cooperação e apoio. Dentre os aspectos favorecedores da implementação do projeto, destaca-se a continuidade do apoio institucional da SME, mesmo posteriormente, às mudanças de gestão política. Essa continuidade é uma questão que se vincula ao surgimento histórico do projeto e ao compromisso assumido com a Secretaria de que a experiência deveria ser compartilhada e visitada por pessoas interessadas no projeto da escola. Deste modo, na confluência de elementos, o apoio da Secretaria foi um fator potencializador para os encaminhamentos iniciais e para a implementação progressiva. Além disso, os vínculos de apoio e cooperação criados com a USP, Instituto Butantã e ao polo de cultura oportunizaram a realização de projetos complementares, como educação ambiental e projetos de cultura, como dança e capoeira. Estes vínculos de apoio foram incorporados às práticas pedagógicas, por meio de intervenções mais pontuais no dia a dia, como visitas ao Instituto Butantã ou à USP, ou intervenções mais frequentes por meio das atividades culturais do projeto inovador.
A construção dos indicadores sobre a dimensão histórico-contextual evidenciou também a constituição de uma dimensão subjetiva favorável à implementação, entendida a partir de processos que envolvem a subjetividade na sua dupla condição, social e individual. Na Teoria da Subjetividade assumida na pesquisa (González Rey, 1997, 2004, 2005a, 2005b, 2007, 2009, 2010), a subjetividade é, simultaneamente, a produção e organização dos processos de sentido e de significação que aparecem de diferentes formas e em diferentes níveis no sujeito, assim como, nos diferentes espaços sociais em que o sujeito atua.
A subjetividade social é compreendida como uma produção complexa que pode caracterizar os diferentes espaços sociais, como as instituições, organizações sociais e grupos. Envolve fenômenos como mitos, humor, formas habituais de pensamento, códigos morais e emocionais de relação (González Rey, 2005a, 2010). Desse modo, pode-se compreender o caráter indissociável entre a subjetividade individual e social, demonstrando que as subjetividades individuais dos atores atuam como elementos da constituição da subjetividade social.
Na dimensão subjetiva - social e individual, articulam-se diferentes elementos que atuaram de forma favorecedora no processo de inovação:
1) A subjetividade social da escola favoreceu a manutenção do processo inovador e o desenvolvimento de outras inovações incrementais, como mudanças nas práticas pedagógicas e no currículo escolar. A subjetividade social da organização escolar, implicada ao projeto inovador, constituiu-se segundo um conjunto de sete elementos que combinaram múltiplos significados e sentidos, relacionando representações, crenças e emocionalidade que caracterizam as relações sociais, como parte do cenário social. Estes elementos são descritos da seguinte forma: a) Percepção da abertura social da escola associada à emocionalidade positiva pela presença da comunidade do entorno da escola, b) Visão sobre a dinamicidade do cotidiano no âmbito do projeto inovador por parte dos atores escolares; c) Produção comunicativa flexível, que incorpora e articula as opiniões dos diversos atores escolares; d) Representação positiva da escola como espaço de novidades; e) Disponibilidade para participação e colaboração mútua entre membros da equipe escolar, pais e outros voluntários, que contribuiu para o andamento do projeto inovador; f) Produção subjetiva, que revela posicionamentos diferenciados sobre o engajamento dos professores no âmbito do projeto; e f) Aprendizagem subjetiva sobre o projeto inovador, entendida como uma produção subjetiva implicando processos de constituição de sentidos e criação de novos conhecimentos sobre o conteúdo das inovações, nos quais a emoção exerce papel gerador (Mourão & Mitjáns Martínez, 2006). Sobre este aspecto, o seguinte trecho da entrevista com o ex-presidente do conselho de escola (o mesmo que entregou o projeto inicial à Secretaria), aponta para esta qualidade da aprendizagem aliada a uma emocionalidade em processo de modificação.
Quando começamos a aplicar o projeto, ele nos ensinou muita coisa também. Quando colocamos na prática, percebemos que tinham alterações que deveriam ser feitas. Depois de um ano houve uma grande assimilação do projeto, muita coisa que implementamos, fizemos os ajustes necessários. À medida que fomos assimilando melhor o projeto, fomos construindo... O receio foi diminuindo porque, como a gente via que estava dando certo, aquele receio foi ficando para trás. (Entrevista com pai de ex-aluno, presidente do conselho de escola na época de implementação inicial do projeto).
2) As subjetividades individuais dos atores sociais significativos no âmbito do projeto inovador, caracterizadas por elementos que dinamizam e sustentam o processo : Os aspectos favorecedores da subjetividade social no âmbito do projeto inovador emergiram relacionados às subjetividades individuais de alguns atores escolares. Nas análises históricas e do contexto atual do projeto, foi possível identificar, entre os muitos atores escolares, aqueles cuja participação no processo inovador foi bastante expressiva no cenário social constituído. A partir das análises advindas das conversações dialógicas, dos instrumentos escritos foi possível aprofundar sobre as subjetividades individuais destes atores, identificando importantes elementos de ordem individual. Nesse sentido, depreendeu-se das histórias dos espaços sociais e dos protagonistas constituídos por eles (González Rey, 2005a), suas histórias pessoais e os diferentes posicionamentos acerca dos múltiplos e complexos aspectos que compõem o projeto inovador. Dentre os aspectos das subjetividades individuais dos atores escolares que destacaram-se como indivíduos importantes no favorecimento da inovação foram identificadas as subjetividades da diretora, de dois pais engajados como presidentes do conselho e de três professores atuantes no funcionamento e na organização social da escola. No âmbito das subjetividades individuais implicadas ao projeto inovador, aspectos pessoais comuns a estes atores revelaram-se como elementos importantes relacionados à história da inovação na escola, tais como: a) O papel do sujeito (González Rey, 2005a) na inovação; b) As histórias pessoais marcadas por envolvimento político em movimentos sociais e; c) A alta motivação destes professores pela docência na escola. Em suma, foi compreendido que o processo favorecedor da implantação das novidades foi progressivo, possibilitando que a equipe de professores e alunos experienciassem um período de adaptação frente às novidades, em que ambos aprenderam a trabalhar com as novidades nas práticas pedagógicas e nos currículos. A implementação baseada nos processos históricos parece ter promovido uma crescente aproximação das intenções renovadoras do projeto e das práticas efetivamente vividas pelos alunos e professores no âmbito do projeto inovador.
DISCUSSÃO
A partir da análise dos resultados, foi possível perceber que a inovação na escola emergiu em interdependência de situações históricas, caracterizadas principalmente pelo histórico de participação da comunidade local e pela mobilização crescente dos atores escolares, que assumiram um papel decisivo na trajetória do processo inovador. No histórico da inovação, como descrito anteriormente, as ideias primordiais não emergiram em um único momento, mas foram construídas e discutidas por pais e professores no percurso inicial da implementação do projeto. Portanto, diferencia-se da inovação por modismos (Ferretti, 1995), uma vez que a gênese da inovação resultou da combinação dos problemas vivenciados pela instituição e da ação protagonista de alguns atores escolares.
No processo de mobilização dos grupos, destaca-se que as ideias geradas e as providências concretas realizadas foram possibilitadas pela superação de uma postura passiva e da condição de alienação, dando lugar ao conhecimento sobre a situação crítica da escola. O grupo de pais, professores e lideranças, por parte da diretora da escola, favoreceram ações e novas formas de organização dos grupos, resultando no aumento da conscientização dos problemas e dos esforços possíveis para se pensar e empreender alternativas frente ao status quo. O conselho de escola passou a exercer uma função de grupo potencializador (Blanco, Caballero & La Corte, 2005).
Os fatores que favoreceram a inovação na organização escolar revelaram-se como inter-relacionados, articulando-se uns aos outros no processo de implementação das novidades. É possível argumentar que ocorreu um entrelaçamento de forças, de múltiplas situações e pessoas. Contrariamente a uma parte importante, porém mais antiga da literatura sobre a inovação educativa (Huberman, 1973; Havelock & Huberman, 1980; Goldberg & Franco, 1980), o processo inovador não foi caracterizado por um processo minuciosamente planejado, passo a passo, com etapas ordenadas e sistematizadas anteriormente. As novidades preconizadas pelo projeto da escola foram implementadas integrando as novidades planejadas advindas do projeto inicial e as novidades menos planejadas sistematicamente que surgiram a posteriori, tais como as relativas às práticas e ao currículo, que dependeram fortemente de uma aprendizagem por parte dos atores escolares.
É importante salientar que as forças favorecedoras internas ao âmbito da escola combinaram-se positivamente ao suporte institucional externo dado ao projeto, o que consistiu um elemento efetivamente favorável para dar início à busca de solução de problemas, debates, estudos, pesquisas e remoção de obstáculos (La Torre, 1998).
Os aspectos históricos e o jogo de forças que marcaram favoravelmente a implementação do projeto inovador reforçam a importância de lideranças (Sleegers, Van Den Berg, & Geijsel, 2000; Stevens, 2004; Newstead, Saxton, & Colby, 2008) e da coordenação de esforços que aproveitaram as ações para a mudança e a criação de diferentes recursosa fim de que fossem produzidos os resultados efetivos dos esforços coletivos. Sobre este fator, situa-se o papel da diretora e dos pais no conselho de escola.
A implementação das inovações incrementais (Tidd, Bessant & Pavitt, 2008) evidenciou também que a execução das novidades assimilou contribuições de diversas fontes, como pais, professores, direção e colaboradores externos. A partir de um conjunto de ideias e atitudes, com certo grau de intencionalidade, a inovação se concretizou em novas práticas de ensino, aprendizagem e materiais curriculares, tal como referenda Carbonell (2002).
As análises permitem afirmar que foi bastante positivo que as novidades implementadas se mantivessem na dinâmica de funcionamento da escola, mas que, progressivamente, pela própria evolução da inovação, novas demandas fossem surgindo. Destaca-se a visibilidade que o projeto foi ganhando e a valorização por parte da comunidade do entorno da escola que parece ter promovido um contexto ainda mais favorável aceitando progressivamente a inovação e mobilizando voluntários e pais de alunos de outros bairros, que passaram a buscar esta organização educativa, considerando o projeto e as avaliações informais de outros pais, alunos e professores.
Assim, a dimensão histórico-contextual do projeto inovador caracterizou-se por um conjunto de aspectos favoráveis, incluindo a formação dos professores caracterizada pela aprendizagem (Fullan & Hargreaves, 2000; Elias, 2003; Giles & Hargraeves, 2006), e pelo reconhecimento das forças da equipe escolar constituída na fase inicial do projeto.
Tendo como foco o desenvolvimento da inovação educativa e tomando como base o princípio sistêmico da teoria da complexidade desenvolvida por Morin (2002), argumenta-se que o todo é mais que a soma das partes e a organização do todo produz novas qualidades e propriedades em relação às partes isoladas. Sob este princípio, a gênese da inovação teve consequências não previsíveis a priori que evoluíram em dependência de um conjunto de elementos, culminando com a implementação das ideias inicialmente geradas, crescentemente fortalecidas pelos aspectos favorecedores do processo.
Foi possível analisar que na concepção do projeto, a inovação educativa ultrapassou os limites de iniciativas pessoais, estendendo-se para elementos de caráter social e organizacional. No momento inicial, os grupos que se mobilizaram foram os autores do projeto, motivados pelo desejo de mudança, constituindo o que se pode conceituar como um sujeito coletivo, ativo, interativo, intencional e emocional, capaz de delimitar um campo subjetivo e um campo de ação para a transformação progressiva do status quo (González Rey, 2005a, 2007).
Outro ponto que merece ser comentado é que as análises também evidenciaram que o projeto inovador caracterizou-se por ser um processo complexo, em que a intencionalidade representou fator essencial, funcionando como disparador. As ações deliberadas de implementação das mudanças por parte da direção da escola e de professores adquiriram importância crucial, posto que representaram um marco para a mobilização crescente e organizada frente aos problemas da situação vivenciada pela escola. O processo de mobilização e de participação crescente foi descrito como um momento difícil, gerando sofrimentos, incertezas e desgastes para os atores escolares, marcando o processo e a emocionalidade dos grupos no âmbito da subjetividade. Contudo, parece ter funcionado como fator medular, que manteve a inovação evoluindo positivamente. Essa intencionalidade implicava em atuar e mobilizar-se com consciência ativa sobre as mudanças e novidades. Assim, compreende-se que a busca pela resolução dos problemas parece ter funcionado como impulso inicial para estas inovações educativas (Rivas Navarro, 2000; Abramovay, 2003).
Vale explicitar que as intenções transformadoras tomadas isoladamente não garantem as mudanças necessárias para que as novidades sejam implantadas de modo imediato e definitivo. Ressalta-se que a intencionalidade foi favorável para inovar, mas foi alimentada e atualizada por transformações no sistema de crenças e representações, algo que não se altera instantaneamente, e sim por tensões e conflitos, por contradições e pela produção de alternativas, dimensão não previsível e impossível de ser controlada.
Em relação à qualidade favorável da dimensão subjetiva, os elementos que caracterizavam o cenário social da escola atuaram no aspecto das relações entre as pessoas, uma vez que modularam os relacionamentos e os modos de convivência (González Rey, 2005a, 2007, 2009). Argumenta-se que os aspectos que caracterizaram a subjetividade social tiveram papel importante na configuração e delimitação, simultaneamente, das experiências dos atores escolares. Os aspectos da subjetividade social mobilizaram positivamente os atores para novas experiências, para a troca de informações e impressões sobre diversos aspectos do cotidiano do projeto inovador. Portanto, os fatores da subjetividade, social e individual, evidenciaram-se como componentes que configuraram subjetivamente o projeto inovador, combinando-se de modo promotor para o desenvolvimento da inovação.
Destacam-se também as análises sobre as construções acerca das subjetividades individuais dos atores escolares que participaram da inovação. Reitera-se que componentes das subjetividades individuais se expressam em diferentes posicionamentos em relação ao projeto inovador, caracterizados pelo envolvimento e pela participação no projeto de variadas formas. Desse modo, os componentes das subjetividades individuais revelaram-se importantes no entrelaçamento das subjetividades individuais e da subjetividade social da escola.
Portanto, articulando as hipóteses elaboradas no processo construtivo-interpretativo, compreendem-se os fatores favoráveis da inovação, destacando que foi primeiro o histórico de participação dos atores escolares que fez emergir o espaço para a geração do caráter inovador. Ao lado das novidades implementadas, as mudanças no espaço físico foram ações práticas que tiveram papel importante tendo em vista as adaptações necessárias, cristalizando um contexto favorável. O caso estudado também indica que o contexto da instituição (a localização espacial e as políticas públicas do sistema a qual está submetida) também influenciou positivamente a inovação. Considerando a relação do projeto global e a reorganização do espaço físico, o histórico das ações por parte da direção foi essencial para garantir o suporte promotor da inovação.
Destaca-se ainda que a conjuntura dos elementos do contexto foi determinante para o favorecimento, especialmente no que se refere ao aspecto processual da inovação, incluindo os impactos e primeiros resultados vivenciados pelos atores escolares. As experiências bem-sucedidas no âmbito do projeto atuaram como elementos potencializadores, alimentando recursivamente e positivamente a inovação, motivando a criação (Christensen, Horn, & Johnson, 2009) e reorganizando a implantação de novidades e transformações posteriormente. Assim, os impactos positivos da implementação progressiva pareceram ter funcionado como recursos para gerir a inovação, implicando na articulação entre o conhecimento e o contexto, assim como os primeiros resultados verificados pelos atores diretamente envolvidos.
Desse modo, o processo global de implementação do projeto inovador, nesta organização escolar, evidenciou a criação e execução das novidades de modo progressivo. Também foi possível compreender a emergência de um contexto receptivo, que se consolidou de forma positiva para a implantação das novidades, possibilitando as mudanças que configuraram o projeto inovador. Assim, a dimensão histórico-contextual desempenhou função de sustentação para as mudanças, orientando as ações subsequentes no âmbito da inovação.
Como conclusão, argumenta-se que o aspecto histórico foi vital, constituindo-se como dimensão dominante e meritória para a promoção da inovação, na medida em que potencializou e consolidou um contexto favorável para o desenvolvimento do projeto inovador. Sob o ponto de vista da dimensão histórico-contextual, os elementos históricos configuraram primeiro a base favorável da inovação.
Finalmente, reforçando um modelo de compreensão da inovação na organização escolar que analisa a inovação e o seu favorecimento na perspectiva da subjetividade, enfatiza-se a necessidade de contínuas pesquisas que busquem aprimorar ainda mais a visão processual e complexa da inovação. Salienta-se assim, a influência do histórico e do contexto na inovação, vistos de forma integrada, bem como a articulação de seus diferentes aspectos. Muitas dessas características aparecem na literatura, contudo, ainda podem ser estudadas nas suas distintas formas de articulação. Com relação a futuras pesquisas, esses aspectos merecem atenção especial para a compreensão da inovação educativa a partir de uma perspectiva complexa.
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Recebido em:31.10.2012
Aprovado em: 16.10.2013
1 Luciana de Oliveira Campolina é professora de Psicologia do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Doutora em Educação pela Universidade de Brasília. A presente pesquisa é parte da tese de doutorado defendida no programa e foi realizada sob orientação da Profa. Dra. Albertina Mitjáns Martínez. A pesquisa contou com o apoio financeiro da CAPES.
2 Albertina Mitjáns Martínez é professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Doutora em Psicologia pela Universidade de Havana (Cuba).