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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versión On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.4 Brasília oct./dic. 2018
https://doi.org/10.17652/rpot/2018.4.15168
Relações entre interesses vocacionais e satisfação no trabalho de adultos com situação laboral ativa
Relationship between vocational interests and job satisfaction of adults with active employment status
Relaciones entre intereses vocacionales y satisfacción en el trabajo de adultos con em situación laboral activa
Leonardo de Oliveira Barros; Lucas de Francisco Carvalho; Rodolfo Augusto Matteo Ambiel
Universidade São Francisco, Campinas, São Paulo, Brasil
RESUMO
O objetivo foi verificar a relação entre interesses profissionais e satisfação com o trabalho em adultos brasileiros com situação laboral ativa e identificar as variáveis preditoras da satisfação com o trabalho e dos interesses profissionais. Participaram 249 trabalhadores, com idade média de 30,53 anos, 74,7% mulheres e 69,1% declarou ganhar até cinco salários. Utilizaram-se a Escala de Satisfação no Trabalho, 18-REST, Inventário Dimensional Clínico da Personalidade versão Triagem (IDCP-triagem) e os Marcadores de Ambientes de Trabalho e Congruência de Holland. Os resultados indicaram que as tipologias Empreendedor e Convencional correlacionaram-se positivamente com os fatores de satisfação no trabalho. O tipo Empreendedor e a renda predisseram 10% da satisfação no trabalho. As relações encontradas entre os interesses profissionais e a satisfação com o trabalho foram conclusivas para as tipologias Empreendedor e Convencional. Verificou-se que o ambiente profissional é a variável que mais impacta o tipo de interesse.
Palavras-chave: Orientação vocacional; Satisfação no trabalho, Traços de personalidade; Avaliação psicológica.
ABSTRACT
The objective was to verify the relation between professional interests and satisfaction with the work in Brazilian adults with active labor situation and to identify the variables that predict satisfaction with work and professional interests. 249 workers participated, with an average age of 30.53 years, 74.7% women and 69.1% declared to earn up to five wages. We used the Job Satisfaction Scale, 18-REST, Clinical Dimensional Personality Inventory screening version (IDCP-screening), and the Holland Workplace and Congruence Markers. The results indicated that the Entrepreneur and Conventional typologies correlated positively with the satisfaction factors at work. Entrepreneurship and income predicted 10% of job satisfaction. The relationships found between professional interests and work satisfaction were conclusive for Entrepreneur and Conventional typologies. It was verified that the professional environment is the variable that most impacts the type of interest.
Keywords: vocational guidance; Job satisfaction; Personality traits; psychological assessment.
RESUMEN
El objetivo fue verificar la relación entre intereses profesionales y satisfacción con el trabajo en adultos brasileños con situación laboral activa e identificar variables predictoras de la satisfacción con el trabajo y de los intereses profesionales. Participaron 249 trabajadores, con edad media de 30,53 años, 74,7% mujeres y 69,1% declaró ganar hasta cinco salarios. Se utilizó la Escala de Satisfacción en el Trabajo, 18-REST, Inventario Dimensional Clínico de la Personalidad versión de selección (IDCP-triagem) y Marcadores de Ambientes de Trabajo y Congruencia de Holland. Los resultados indicaron que las tipologías Emprendedor y Convencional se correlacionaron positivamente con los factores de satisfacción en el trabajo. El tipo Emprendedor y renta predisieron 10% de la satisfacción en el trabajo. Las relaciones encontradas entre los intereses profesionales y la satisfacción con el trabajo fueron concluyentes para las tipologías Emprendedor y Convencional. Se verificó que el ambiente profesional es la variable que más impacta el tipo de intereses.
Palabras claves: orientación vocacional; satisfacción en el trabajo; rasgos de personalidade; evaluación psicológica.
Na Teoria de Personalidade Vocacional e Ambientes de Trabalho de Holland, os interesses são compreendidos como expressão da personalidade e são classificados em seis tipos com características e definições próprias (Holland, 1975). O autor propõe a mesma classificação para os ambientes profissionais, a partir da qual é possível verificar as congruências e incongruências de perfil vocacional. Estão apresentadas na literatura evidências de que essa classificação é preditora de diversas variáveis do contexto de trabalho (Holland, 1996; Nye, Su, Rounds, & Drasgow, 2017; Tokar & Subich, 1997; Tranberg, Slane, & Ekeberg, 1993) e também está relacionada a fatores internos, como à capacidade adaptativa dos indivíduos (Savickas, 2012) e à personalidade (Judge & Zapata, 2015). O presente estudo enquadra-se nesse ínterim, buscando verificar a relação entre interesses profissionais e satisfação com o trabalho em adultos brasileiros com situação laboral ativa. Os próximos parágrafos discorrem sobre as conceituações teóricas e evidências empíricas que embasam o escopo deste estudo.
Com as constantes transformações no cenário do trabalho, exige-se cada vez mais que as pessoas desenvolvam habilidades de adaptação para atingir um padrão de carreira bem-sucedido (Jiang, 2017). Diante disso, nas intervenções no contexto da Orientação Profissional e de Carreira (OPC) devem ser exploradas variáveis relevantes para o desenvolvimento da trajetória profissional com o intuito de favorecer à tomada de decisão e, consequentemente, à maior adaptabilidade no âmbito do trabalho (Savickas, 2015). Na literatura são encontrados estudos com públicos distintos abordando a carreira profissional e sua relação com aspectos, tais como desempenho no trabalho (Ohme & Zacher, 2015), satisfação profissional (Chan & Mai, 2015), autoeficácia profissional (Lent, Brown, & Hackett, 1994), personalidade vocacional e interesses profissionais (Mansão & Noronha, 2011; Meireles & Primi, 2015).
Em relação aos interesses profissionais, a Teoria de Holland (1975) tem sido considerada a mais utilizada na área para explicar e avaliar o construto (Creager, 2011; Foutch, McHugh, Bertoch, & Reardon, 2014). Nessa perspectiva, os interesses são classificados em seis tipos: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional (RIASEC) (Holland, 1975). A mesma classificação é adotada para os ambientes profissionais, sendo que esses são definidos e caracterizados pela atmosfera ou situação criada pelas pessoas que o dominam e por suas respectivas influências (Holland, 1997). A partir dessas classificações é possível verificar as congruências e incongruências de perfil vocacional e predizer resultados, como desempenho, manutenção da escolha vocacional, turnover e satisfação com o trabalho (Brito & Magalhães, 2017; Holland, 1996; Nye et al., 2017; Nye, Prasad, Bradburn, & Elizondo, 2018; Tokar & Subich, 1997; Tranberg et al.,1993; Wille, Tracey, Feys & De Fruyt, 2014).
Quanto à satisfação com o trabalho, trata da atitude que determina como os indivíduos se sentem em relação aos seus trabalhos, seja no contexto geral ou em aspectos mais específicos (relações e remunerações, por exemplo). Em suma, refere-se ao quanto as pessoas gostam do trabalho (Spector, 2005). A satisfação influencia a escolha profissional, a competividade, a produtividade e o potencial de crescimento do trabalhador dentro da empresa (Millán, Hessels, Thurik, & Aguado, 2013). Ao mesmo tempo em que é influenciadora de comportamentos no ambiente de trabalho, também é influenciada pela relação dos interesses e ambientes profissionais e por outras variáveis, como contexto laboral e cultural, renda, tipo e tempo de trabalho e traços de personalidade.
Quanto ao nível de satisfação, a literatura aponta que indivíduos autônomos são mais satisfeitos do que aqueles que são empregados (Millán et al., 2013), pessoas mais velhas apresentam maior satisfação quando comparadas com pessoas mais jovens (Krumm, Grube, & Hertel, 2013) e que quanto menor o tempo no exercício da função, maior o grau de insatisfação (Martinez, Paraguay, & Latorre, 2004). A remuneração financeira (renda), embora seja um indicativo de satisfação, apresenta polaridades na influência que exerce, uma vez que, quando o sujeito é mal remunerado, tende a diminuir a satisfação, porém, ser bem-remunerado não implica diretamente estar satisfeito com o trabalho (Silva-Junior, 2001), fato que pode estar mais associado com a natureza do trabalho em si do que com a remuneração recebida.
Ao analisar o setor da economia em que a pessoa trabalha (p. ex., setor público ou privado), as pesquisas não são conclusivas sobre o nível de satisfação, apontando que as diferenças estão também na natureza do trabalho que pode impactar a percepção de satisfação. O setor privado incentiva a competividade e eficiência para o lucro, não oferecendo a garantia de estabilidade; e o setor público, embora estável, pode não se constituir como um espaço no qual os trabalhadores possam desenvolver suas ideias e satisfazer suas necessidades laborais (Barbosa, Bizarria, Neto, & Moreira, 2016; Ladeira, Sonza, & Berte, 2012). Todavia, as influências sobre o grau de satisfação não se dão apenas por variáveis externas relacionadas ao trabalho, mas também pela subjetividade do sujeito, que é expressa em sua personalidade e capacidade adaptativa e de enfrentamento.
Os fatores internos podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento de uma história de carreira adaptável e flexível em relação aos traumas vocacionais, às tarefas e às transições ocupacionais (Savickas et al., 2009) diante das constantes transformações no mundo do trabalho. A adaptabilidade de carreira é responsável pelo desenvolvimento de estratégias de enfrentamento em relação às mudanças, pelo alcance de expectativas e por uma postura ativa mesmo em situações incertas (Savickas, 2012). Entretanto, a capacidade adaptativa de uma pessoa está relacionada, entre outros fatores internos (Judge & Zapata, 2015; Rossier, 2015), a traços patológicos de personalidade (Millon, 2011). Nessa perspectiva, os indivíduos com transtornos psicológicos tendem a desenvolver estratégias inflexíveis em seus papéis sociais, acarretando comportamentos regrados e viciosos em que possam controlar suas ações, seus ambientes e suas relações de forma intensa e rígida. Esses comportamentos ultrapassam a linha de interação entre a pessoa e o ambiente e expandem-se para uma relação complexa de organização biológica e psicológica de forma sequencial e ao longo da vida do indivíduo que resulta em uma inadaptabilidade (Millon, 2016).
Considerando o cenário brasileiro sobre as pesquisas acerca da satisfação com o trabalho, há um crescente de publicações desde as primeiras décadas do século XX (Barros, 2015), sendo que, a partir de 1990, houve uma tendência em entender as causas, as consequências e as relações com outros conceitos, além do desenvolvimento de instrumentos para mensurar e avaliar a satisfação com o trabalho. Hoje as pesquisas estão centradas no papel da satisfação como responsável pelo bem-estar no trabalho, tendo como público predominante os profissionais da saúde (Siqueira & Gomide-Junior, 2014). Ainda no âmbito de pesquisas em carreira e trabalho, verifica-se que simultaneamente os interesses profissionais são amplamente investigados, porém com predomínio de estudantes de ensino médio como público-alvo (Ambiel, Lamas, & Melo-Silva, 2016), sendo que não são encontrados estudos que contemplem a relação entre a satisfação com o trabalho e os interesses profissionais de adultos trabalhadores, apresentando-se como uma lacuna na literatura.
Compreender a relação entre os interesses profissionais e a satisfação com o trabalho torna-se importante à medida que, mesmo em casos em que haja a congruência entre perfil de interesse e ambiente, é possível haver insatisfação com a ocupação. Tal fato ocorre em função de que os interesses são padrões estáveis ao longo da vida (Hoff, Briley, Wee, & Rounds, 2017; Holland, 1975) enquanto a congruência é instável, jamais definitiva e está sujeita às mudanças do indivíduo e do mundo do trabalho (Brito & Magalhães, 2017). Assim, as transformações laborais e sociais fazem as pessoas reverem suas crenças e a relação estabelecida com o trabalho de modo a criar conexões entre suas identidades e os papéis ocupacionais (Savickas, 2015). Desse modo, é impossível pensar que a congruência entre tipos vocacionais e ambientes é o único fator para um bom nível de satisfação no trabalho, devendo ser consideradas outras variáveis nesse processo, bem como verificar como essas afetam o próprio padrão de interesse.
Com o intuito de contribuir para o avanço da temática, esta pesquisa teve como objetivo verificar a relação entre interesses profissionais e satisfação com o trabalho em adultos brasileiros com situação laboral ativa. Levantou-se como hipótese para esta relação que (h1) pessoas com interesses Realista, Empreendedor e Convencional são mais satisfeitas com o salário e a natureza do trabalho enquanto sujeitos com interesses sociais com colegas e chefia (Holland, 1975). Além disso, buscou-se identificar as variáveis que possam atuar como preditores da satisfação com o trabalho e dos interesses profissionais compreendidos a partir da Teoria de Holland (1997). Em relação aos interesses profissionais, buscou-se verificar a capacidade preditiva das variáveis sociodemográficas, levantando-se algumas hipóteses: (h2) quanto maior a renda, maior a predição de interesses por atividades do tipo Realista, Empreendedor e Convencional (Martins & Noronha, 2010); (h3) trabalhar na área de formação contribui na predição dos interesses (Holland, 1997; Rounds & Su, 2014); (h4) ambientes profissionais são preditores de interesses inversamente proporcionais a eles (Holland, 1987); (h5) o nível de funcionamento da personalidade tem impacto sobre a formação dos interesses profissionais (Hogan & Roberts, 2004; Holland, 1975).
Método
Participantes
Participaram deste estudo 249 pessoas com situação laboral ativa, sendo 186 (74,7%) do sexo feminino e 63 (25,3%) do sexo masculino, com idades variando entre 18 e 63 anos (M = 30,53; DP = 8,446). Os respondentes são oriundos de 21 estados brasileiros, com maior concentração no Estado de São Paulo (n = 156; 62,7%). Apesar da abrangência quanto aos estados, ressalta-se que a concentração no Estado de São Paulo não traz representatividade e não constitui uma amostra heterogênea do ponto de vista da distribuição geográfica, caracterizando a presente amostra como por conveniência. Em relação ao estado civil, 151 se declararam solteiros (60,6%), 84 casados ou em união estável (33,7%), 10 divorciados (4%), 1 viúvo (0,4%) e 3 pessoas disseram ter outro estado civil (1,2%), porém não indicaram o tipo. A escolaridade dos participantes variou de ensino fundamental completo (n = 2; 0,8%), até ensino médio completo (n = 30; 12%), ensino superior cursando (n = 48; 19,3%), ensino superior completo (n = 66; 26,5%) e pós-graduação (n = 103; 41,4%).
Em relação às ocupações profissionais, entre os que cursam ou cursaram algum curso de nível superior, a maior parte (66,7%) declarou trabalhar na mesma área de formação. Sobre o tempo de atuação no local de trabalho, 52 pessoas (20,9%) afirmaram estar exercendo a atividade há menos de 1 ano; 91 (36,5%), entre 1 e 3 anos; 51 (20,5%) entre 3 e 6 anos; 33 (13,3%) entre 7 e 10 anos; e 22 participantes (8,8%) exercem a mesma função há mais de 10 anos. No tocante à renda mensal, 32 participantes (12,9%) relataram receber até um salário-mínimo, 172 (69,1%) entre um e cinco salários, 40 (16,1%) entre cinco e 10 salários e 5 pessoas (2%) recebiam mais do que 10 salários-mínimos.
Sobre o histórico de saúde mental, 194 dos respondentes (77,7%) disseram nunca ter feito tratamento psiquiátrico em alguma fase da vida, 229 não faziam tratamento (92%) e 225 não tomavam medicação psiquiátrica no momento da coleta (90,4%). Em relação a tratamentos psicológicos, a maior parte da amostra (50,6%) já o realizou em algum período da vida e, no momento da coleta, 83,1% (n = 207) disseram não fazer tratamento dessa natureza. No que se refere a episódios suicidas, 89,2% (n = 222) nunca tentaram cometer suicídio e, no período de coleta, 24 pessoas (9,6%) relataram a presença de ideações suicidas.
Instrumentos
Escala de Satisfação no Trabalho (EST) - versão reduzida (Siqueira, 2008). O instrumento é composto por 15 itens e avalia a satisfação no trabalho em cinco dimensões: satisfação relacionada aos colegas, ao salário, à chefia, à natureza do trabalho e às promoções. Os itens são respondidos em uma escala Likert de sete pontos, variando de totalmente insatisfeito (1) à totalmente satisfeito (7). Para alcançar os objetivos deste trabalho, optou-se por agrupar os fatores referentes a questões financeiras (satisfação com o salário e com promoções) e aqueles que se referiam a relações no ambiente de trabalho (satisfação com colegas e com a chefia).
18-REST (Ambiel et al., 2018). Desenvolvido com base nos pressupostos de Holland (1997), composto por 18 itens que avaliam os interesses profissionais de acordo com as seis tipologias: Realista, Investigativo, Artístico, Social, Empreendedor e Convencional. Todos os itens são respondidos em uma escala Likert de 5 pontos dispostos em não gosto/não gostaria fortemente (1) a gosto/gostaria fortemente (5).
Foi aplicado o Inventário Dimensional Clínico da Personalidade - versão triagem (IDCP-triagem). O IDCP-triagem (Carvalho, Pianowski, & Reis, 2017) foi desenvolvido a partir da versão completa do IDCP (Carvalho & Primi, 2015), cujas propriedades psicométricas demonstraram adequação na literatura prévia (Carvalho, Primi, & Stone, 2014; Carvalho & Primi, 2016). A versão presentemente utilizada do IDCP visa realizar triagem de pessoas com suspeita de transtornos da personalidade. O instrumento é composto por 15 itens que foram selecionados com base em análises identificando os itens mais discriminativos para pessoas com e sem transtornos da personalidade. Os itens são dispostos em uma escala tipo Likert de 4 pontos, sendo que 1 corresponde a não tem nada a ver comigo e 4 tem tudo a ver comigo. As propriedades psicométricas sugerem adequação do instrumento para fins de triagem (Carvalho, 2017).
Marcadores de Ambientes de Trabalho e Congruência de Holland (MATCH) - desenvolvido a partir da tradução das características e necessidades de ambientes de trabalho propostas por Holland (1997). Inicialmente realizou-se a tradução do inglês para o português das 15 características definidas pelo teórico e em seguida foram excluídos os termos repetidos, chegando-se a 10 características por tipologia, totalizando 60 marcadores. Após essa seleção inicial, os marcadores foram analisados por quatro juízes, todos doutores em psicologia com conhecimento da Teoria de Holland, orientação de carreira e avaliação psicológica. Os juízes deveriam indicar os cinco marcadores mais representativos da tipologia. Após sua análise, as avaliações foram tabuladas e adotou-se como critério para permanência do marcador a concordância mínima de 80% entre os juízes. Assim, cinco marcadores nas tipologias Realista, Investigativo, Artístico, Social e Empreendedor obtiveram pontuação necessária nas respectivas tipologias e quatro marcadores atenderam aos critérios na tipologia Convencional.
Os marcadores foram respondidos em forma dicotômica (sim ou não) a partir da chave: "Em meu ambiente de trabalho eu preciso ser uma pessoa". Os marcadores utilizados foram: Realista (pouco sociável, franca, persistente, objetiva e modesta); Investigativo (analítica, crítica, curiosa, introspectiva, racional); Artístico (expressiva, imaginativa, intuitiva, original, sensitiva); Social (cooperativa, empática, generosa, atenciosa, sociável); Empreendedor (aventureira, ambiciosa, extrovertida, boa de papo, autoconfiante); Convencional (cuidadosa, eficiente, persistente, prudente).
Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade São Francisco. O protocolo com os instrumentos foi elaborado na plataforma Google Forms, e a divulgação ocorreu por meio de redes sociais on-line e por listas de e-mail. Os participantes deveriam concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para terem acesso ao protocolo de aplicação.
Procedimentos de análise de dados
As análises foram realizadas no software SPSS versão 22. De acordo com os objetivos, foi realizada correlação de Pearson entre os fatores da EST e os fatores do 18-REST; correlação parcial, entre as mesmas variáveis, controlando as variáveis tipo de trabalho (setor público ou privado), renda mensal, tempo em que trabalha na função, traços patológicos de personalidade e ambientes profissionais; análise de regressão linear, utilizando o método enter, tendo como variável dependente o escore geral de satisfação no trabalho e como variáveis independentes as questões sociodemográficas, os escores de interesses profissionais, o nível de funcionamento de personalidade e os escores de ambientes profissionais; e análise de regressão linear com as tipologias de Holland como variáveis dependentes e como independentes as questões sociodemográficas, os fatores de satisfação com o trabalho, o nível de funcionamento da personalidade e os ambientes profissionais.
Resultados
Inicialmente buscou-se verificar as pontuações médias de interesses dos participantes na 18-REST. Nesse sentido, a distribuição das respostas dos participantes nos tipos de interesses vocacionais ocorreu da seguinte forma: Realista (M = 4,89; DP = 2,25); Investigativo (M = 9,42; DP =2,79); Artístico (M = 8,23; DP = 3,34); Social (12,35; DP = 2,40); Empreendedor (M =10,32; DP = 2,81) e Convencional (M =8,19; DP =2,76). Na sequência, com o objetivo de verificar a relação entre interesses profissionais e satisfação no trabalho e testar a h1, foram realizadas correlações de Pearson entre os fatores da 18-REST e os três fatores da EST calculados para este estudo. Os resultados são apresentados na Tabela 1.
Verifica-se que a maior parte das correlações foi nula ou sem significância estatística. As tipologias Empreendedor e Convencional correlacionaram-se com todos os fatores de satisfação no trabalho, em sentido positivo e com magnitudes fracas. O fator Satisfação com a Natureza do trabalho correlacionou-se também com as tipologias Artístico e Social em sentido positivo e com magnitude fraca. Por fim, com o escore geral de satisfação no trabalho houve ainda uma correlação positiva e com magnitude fraca com o tipo Social.
Na sequência, buscando complementar a verificação da h1, foram realizadas análises de correlações parciais, controlando as variáveis tipo de trabalho (setor público ou privado), renda mensal, tempo em que trabalha na função, traços patológicos de personalidade e ambientes profissionais, porém, não foram verificadas mudanças em relação aos coeficientes. Ainda buscando aprofundar as análises que embasam a h1, realizou-se análise de regressão linear, tendo como variável dependente o escore geral de satisfação no trabalho e como variáveis independentes as questões sociodemográficas, os escores de interesses profissionais, o nível de funcionamento de personalidade e os escores de ambientes profissionais. Os resultados são apresentados na Tabela 2.
Os resultados indicaram que o coeficiente de determinação (R2 ajustado) explicou 10,6% da variabilidade, sendo que apenas o tipo Empreendedor e a renda financeira dos trabalhadores obtiveram significância estatística na predição da variável. Desse modo, percebe-se que, neste estudo, a satisfação está atrelada às questões financeiras ou a atividades nas quais os indivíduos tendem a ser líderes ou que exerçam relações de poder, características típicas da tipologia Empreendedor. Na sequência, testando as hipóteses 2, 3, 4 e 5 desta pesquisa, buscou-se verificar quais variáveis predizem os tipos de interesses por meio de regressão linear com as tipologias de Holland como variáveis dependentes e como independentes as questões sociodemográficas, os fatores de satisfação com o trabalho, o nível de funcionamento da personalidade e os ambientes profissionais. Os resultados podem ser vistos nas tabelas 3, 4 e 5.
Tal qual pode ser observado nas tabelas apresentando os resultados das análises de regressão, apenas no tipo Investigativo nenhuma variável foi capaz de predizer o perfil de interesse em questão. Os demais tipos foram preditos por alguma variável, porém, de modo geral os preditores não alcançaram significância estatística. Os coeficientes de determinação (R2 ajustado) explicaram de 4,6% (na tipologia Investigativo) a 15,4% (na tipologia Realista) da variabilidade, sendo que o tipo de trabalho, os ambientes profissionais e a satisfação com a natureza do trabalho, com o salário e com as promoções foram estatisticamente significativos na predição dos tipos de interesses profissionais.
Também pode-se observar que, entre os resultados significativos, os interesses pelos tipos Realista e Convencional foram preditos negativamente pelas características de ambientes Sociais. O tipo Artístico foi predito positivamente pela satisfação com a natureza do trabalho, enquanto que o tipo Empreendedor foi predito pela satisfação com salário e promoções. Por fim, o tipo Social foi predito positivamente por características de ambientes Social e Realista e negativamente pelo ambiente Convencional.
Discussão
Neste estudo, buscou-se conhecer as relações entre interesses profissionais e satisfação com o trabalho em uma amostra composta por participantes de diversas regiões do Brasil, todos com situação laboral ativa. De maneira complementar, verificou-se também a capacidade preditiva de diversas variáveis na predição da satisfação com o trabalho e dos interesses profissionais. No que concerne ao objetivo principal deste estudo (h1), as correlações entre os interesses profissionais e a satisfação com o trabalho foram mais conclusivas para as tipologias Empreendedor e Convencional, sendo que as demais correlações foram muito próximas a zero ou sem significância estatística. Tal resultado pode estar relacionado ao fato de que os dois tipos vocacionais Empreendedor e Convencional se relacionam proximamente em termos de valores associados ao trabalho (Holland, 1975), buscando a estabilidade financeira e o controle sobre a situação, por exemplo, ainda que de formas distintas em termos de atuação. Futuros estudos devem buscar investigar essa possibilidade.
Sobre a relação entre interesses e satisfação com o trabalho, havia hipóteses específicas para cada um dos tipos. Partindo da ideia de que Holland (1997) relaciona os tipos Realista, Empreendedor e Convencional como mais ligados às questões financeiras, como poder econômico e estabilidade laboral financeira, esperava-se que essas tipologias fossem preditas pela satisfação com o salário e com a natureza do trabalho (h1), o que foi observado unicamente para o interesse Empreendedor em relação à natureza do trabalho. Assim, futuras pesquisas podem abordar detalhadamente o impacto da satisfação com a renda para os interesses profissionais, considerando também a estratificação das ocupações em termos de prestígio social, que pode ter sido uma variável interveniente neste estudo.
Também se esperava que interesses Sociais fossem preditos por satisfação com colegas e chefia (h1), tendo em vista que se trata de pessoas que se sentem realizadas pelo contato com o outro e preferem ocupações em que o convívio social seja marcante (Holland, 1975), porém, a hipótese não foi corroborada. Nesse sentido, nesta amostra pode ter ocorrido incongruência entre ambiente e interesses, contemplando pessoas com interesses sociais, mas que estejam atuando em ambientes opostos e, consequentemente, gerando insatisfação com os colegas. Futuros estudos podem analisar qualitativamente o tipo de relação estabelecida nos ambientes laborais.
Acerca das hipóteses específicas, levantadas sobre as variáveis preditoras da formação de interesses profissionais, a h2, relativa à renda, não foi corroborada. Diferentemente do estudo de Martins e Noronha (2010), no qual a renda esteve associada a interesses do tipo Realista, Empreendedor e Convencional, neste estudo a variável não foi preditora desses interesses. Tal resultado pode estar relacionado como o fato de que neste estudo a maior concentração de pessoas esteve em uma única faixa salarial (entre 1 e 5 salários), não havendo variabilidade suficiente para diferenciar os participantes. Assim, sugere-se que novos estudos sejam realizados considerando a estratificação salarial dos participantes.
Esperava-se também que trabalhar na área de formação pudesse ser preditivo em termos de diferenciação e consistência tipológica (Holland, 1987; Rounds & Su, 2014), porém, a h3 não foi corroborada. Na presente amostra, houve predominância de pessoas com interesses sociais e atuando em ambiente social em detrimento dos demais tipos de interesses e ambiente profissionais, o que pode ter restringido a variância dessas variáveis. Futuros estudos devem buscar verificar esses resultados em amostras com maior variabilidade nessas variáveis.
No tocante à hipótese de que os ambientes seriam preditores dos tipos de interesses (h4), os resultados foram teoricamente coerentes com os pressupostos de Holland (1975) para a tipologia Realista (correlação negativa com ambiente Social), Artístico (correlação positiva com ambiente Artístico), Social (correlação negativa com ambiente Convencional) e Convencional (correlação negativa com ambiente Social). Em outras palavras, ambientes inversamente proporcionais ou congruentes conseguiram predizer os interesses opostos ou correspondentes. Todavia os ambientes não foram preditores para os interesses Investigativo e Empreendedor, fato que pode estar relacionado com a concentração de pessoas com interesses sociais neste estudo.
Além disso, esperava-se (h5) que o nível de funcionamento da personalidade estivesse diretamente relacionado com a formação dos interesses profissionais, pois diferenças individuais de personalidade têm impacto sobre como o indivíduo responde frente às experiências e aos ambientes, de modo a moldar suas preferências (Hogan & Roberts, 2004; Holland, 1975). Todavia, essa variável não foi preditora para nenhum dos seis tipos vocacionais avaliados. É possível que, em amostras clínicas, esse resultado sofra alterações, o que deve ser investigado futuramente.
Neste estudo, os resultados indicaram que o ambiente profissional é a variável que mais impacta o tipo de interesse. Assim, interesses Realistas foram mais associados ao tipo de trabalho positivamente e para ambientes menos sociais. Tal resultado é consonante com a proposta teórica (Holland, 1997), uma vez que esse perfil tem aversão por situações e ambientes nos quais tenha que socializar, autoexpressar-se de forma independente (Holland, 1975). O tipo Artístico apresentou maior predição em função de ambiente artístico e da satisfação com a natureza do trabalho, reforçando a importância da congruência entre interesses e ambientes para a satisfação (Holland, 1996). Além disso, o tipo Social apresentou dois resultados consoantes com a Teoria de Holland, pois esteve relacionado positivamente com ambientes sociais, indicando congruência entre ambiente e perfil, bem como negativamente com ambientes convencionais. Todavia, foi predito positivamente por ambientes realistas, o que não era esperado, tendo em vista que as demandas psicológicas de um ambiente realista são opostas aos valores de pessoas com interesses Sociais (Holland, 1985). Por fim, o tipo Convencional também foi predito de modo coerente com a Teoria de Holland, pois esteve negativamente associado com ambiente Social, indicando que não tende a se desenvolver em ambientes sem autocontrole e que demandem maior educação na interação com os pares.
Em termos de aplicação prática, os resultados deste estudo podem auxiliar orientadores de carreira, bem como gestores organizacionais no entendimento e desenvolvimento de estratégias para maior grau de satisfação com o trabalho. O ambiente de trabalho mostrou-se como a variável com maior capacidade preditiva de interesses. Assumindo que a congruência é um dos elementos para a satisfação (Holland, 1997), porém, considerando que essa percepção de ajustamento é instável em função de variações internas e sociais (Judge & Zapata, 2015; Rossier, 2015), seria útil que nas intervenções de carreira e nas pesquisas de clima organizacional fossem investigados o quanto o ambiente tem sido compatível com os interesses dos sujeitos. Nesse sentido, favorecer a congruência poderia ser uma medida eficaz de aumentar os níveis de satisfação com o trabalho, melhorando o bem-estar pessoal, a qualidade das relações e, consequentemente, a produtividade dos indivíduos.
Os resultados da presente pesquisa devem ser compreendidos levando em consideração suas limitações metodológicas, tal como maior concentração de participantes em um único estado e predominância de pessoas com alta escolaridade, fato que não pode representar concretamente a realidade dos trabalhadores brasileiros. Sugerem-se novas pesquisas que consigam equilibrar os participantes em função das variáveis sociodemográficas, bem como que investiguem diretamente a relação entre saúde mental no trabalho e interesses profissionais para além da satisfação com o trabalho.
Nesse sentido, a partir da compreensão da relação entre essas variáveis é possível que orientadores de carreira consigam verificar possíveis sinais de adoecimento e realizar encaminhamentos que visem promover a saúde do trabalhador. Além disso, como entendimento da temática, as intervenções podem ajudar as pessoas a construírem uma trajetória profissional mais adequada aos seus interesses, de modo a ter maior satisfação e menor propensão a adoecimentos no trabalho.
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Endereço para correspondência:
Leonardo de Oliveira Barros
Universidade São Francisco
R. Waldemar César da Silveira, 105 - Jardim Cura D'ars
13045-510, Campinas-SP, Brasil
E-mail: leonardobarros_lob@hotmail.com
Recebido em: 19/02/2018
Primeira decisão editorial em: 21/05/2018
Versão final em: 29/05/2018
Aceito em: 06/06/2018