SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número2Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Revista de Psicologia da UNESP

versión On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.16 no.2 Assis jul./dic. 2017

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

A experiência teórico-prática com o Apoio Matricial: dispositivo para a formação de estudantes, pesquisadores e trabalhadores no SUS

 

The theoretical-practical experience with Matrix Support: device for the training of students, researchers and workers within brazilian Universal Health System

 

 

Ricardo Sparapan PenaI; Eloa Nogueira de SouzaII; Ana Caroline Rodrigues JustemIII; Beatriz de Oliveira Fernandes DuarteIV; Caio Junior Laranjeira CamiloV; Angelica Aparecida de Almeida OliveiraVI

IPsicólogo, professor do Departamento de Psicologia de Volta Redonda - pesquisador do REDESAÚDE: rede de compartilhamento, pesquisa e intervenção -Universidade Federal Fluminense
IIPsicóloga, pesquisadora do REDESAÚDE: rede de compartilhamento, pesquisa e intervenção - Universidade Federal Fluminense
IIIGraduanda em Psicologia, bolsista de desenvolvimento acadêmico do REDESAÚDE: rede de compartilhamento, pesquisa e intervenção - Universidade Federal Fluminense
IVGraduanda em Psicologia, bolsista de desenvolvimento acadêmico do REDESAÚDE: rede de compartilhamento, pesquisa e intervenção - Universidade Federal Fluminense
VGraduando em Psicologia, bolsista de desenvolvimento acadêmico do REDESAÚDE: rede de compartilhamento, pesquisa e intervenção - Universidade Federal Fluminense
VIGraduanda em Psicologia, bolsista de desenvolvimento acadêmico do REDESAÚDE: rede de compartilhamento, pesquisa e intervenção - Universidade Federal Fluminense

 

 


RESUMO

Este relato de experiência discute a ação de Apoio Matricial desenvolvida entre a Universidade Federal Fluminense, trabalhadores e gestores da Saúde Mental e Atenção Básica no município de Volta Redonda, RJ, abordando o Apoio Matricial como dispositivo para a formação de estudantes, pesquisadores e trabalhadores no SUS. Observamos que os atores envolvidos experimentam os desafios de articular as ações de cuidado em Saúde Mental no território, problematizando a fragmentação dos processos de trabalho em saúde e compreendendo a função da Psicologia na sustentação do compartilhamento entre diferentes saberes. Nesse sentido, o papel da universidade é apoiar, tanto em teoria como em campo, a construção do Apoio Matricial como uma direção de trabalho para a relação entre Saúde Mental e Atenção Básica. Concluímos enfatizando que trabalhar com o Apoio Matricial é investir na formação, provocando transformações subjetivas que afirmem novos modos de cuidar entre os atores envolvidos nas práticas em saúde.

Palavras-chave: formação dos profissionais de saúde; apoio matricial; saúde mental; sistema único de saúde


ABSTRACT

This experience report discusses the Matrix Support action developed between the Federal Fluminense University, workers and managers of Mental Health and Primary Care in the city of Volta Redonda, RJ, addressing the Matrix Support as a device for training students, researchers and workers in the SUS. We observed that the actors involved experienced the challenges of articulating Mental Health care actions in the territory, problematizing the fragmentation of work processes in health care and understanding Psychology's place in sustaining shared knowledges. In this sense, the University's role is to support, both in theory and in the field, the construction of the Matrix Support as a working principle that enables a relationship between Mental Health and Primary Care. We concluded emphasizing that working with Matrix Support is investing in training, promoting subjective transformations that affirm new ways of caring among the actors involved in health practices..

Keywords: health professionals education; matrix support; mental health; universal health system


 

 

Introdução

Este relato de experiência teórico-prática percorre as ações de dois projetos que trabalham o tema do Apoio Matricial como estratégia de qualificação das práticas clínicas e de gestão, desempenhadas tanto por trabalhadores quanto por gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), nos serviços de Saúde Mental (SM) e Atenção Básica (AB) do município de Volta Redonda, RJ. Vem sendo desenvolvido desde o ano de 2015, ganhando novos contornos e ampliando a sua equipe de execução nos anos de 2016 e 2017.

Ambos os projetos nos convocam, na condição de docente, pesquisadores e bolsistas graduandos em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), à participação no grupo de estudos e pesquisas "REDESAÚDE: compartilhamento, pesquisa e intervenção"1, cujos encontros ocorrem semanalmente, e onde são feitas as discussões sobre temas no campo da Saúde Coletiva, bem como as reflexões sobre a inserção de docente, pesquisadores e alunos no plano de experimentação das práticas de Apoio Matricial.

Essas ações são realizadas em conjunto por dois projetos, sendo um de Extensão Universitária, intitulado "Experiências de apoio à gestão na rede de saúde mental em Volta Redonda" (PROEX/UFF)2, em curso desde 2015, e outro de Desenvolvimento Acadêmico, intitulado "A experiência teórico-prática de graduandos em Psicologia com o Apoio Matricial na rede de serviços do Sistema Único de Saúde" (PROAES/UFF)3, iniciado em 2017.

As atividades de extensão universitária têm o objetivo de promover ações de Apoio Matricial em SM que fortaleçam as redes de trabalho e cuidado entre os serviços de SM e AB. Já as atividades de Desenvolvimento Acadêmico relacionam-se à formação dos alunos bolsistas, inserindo-os na experimentação dessas ações de apoio que visibilizam as articulações entre clínica e gestão no SUS, refletindo sobre a atuação da Psicologia nas políticas públicas de saúde.

O papel da universidade, nessa experiência, é apoiar, tanto em teoria como em campo, a construção do Apoio Matricial como uma direção de trabalho para a relação entre SM e AB, no território em que estamos. Bolsistas e pesquisadores dos projetos, então, realizam uma revisão bibliográfica, para ampliar a compreensão do grupo de estudos sobre o tema do Apoio Matricial no SUS, vivenciam o desenvolvimento de ações de Apoio Matricial em SM na AB, assim como elaboram os relatos empíricos e analíticos sobre o acompanhamento das práticas em curso.

Nesse sentido, nossa experiência contribui para a qualificação das relações de trabalho entre SM e AB. Além de acompanhar os trabalhadores e gestores na construção do Apoio Matricial como diretriz de trabalho, um dos objetivos desses projetos é também fortalecer a vivência dos estudantes no SUS, enfatizar o formar-se psicólogo na interface academia-rede de saúde, apostando que a formação de futuros trabalhadores desse campo não dissocia o cuidado da dimensão política das práticas em saúde. Assim, entendemos que o Apoio Matricial também se posiciona como um dispositivo que contribui para a formação em saúde, na medida em que os alunos se envolvem com as discussões e as ações de cuidado em SM no território, entrando em contato com o cotidiano e também com as tensões constitutivas do trabalho em equipe e da relação entre diferentes serviços. Um dos efeitos dessa jornada com o Apoio Matricial é a compreensão do cuidado ao sofrimento psíquico como função de toda a rede de saúde, e não exclusiva dos serviços de SM, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), por exemplo.

Atualmente, a ação de apoio que desenvolvemos é aberta a todas as Unidades Básicas de Saúde, com Estratégia Saúde da Família (UBSF) do município, com participação livre de trabalhadores e gestores, além dos CAPS e outros serviços, como o Ambulatório de SM, o Consultório na Rua (CnaR) e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Estabelecemos que a cada semana o grupo formado por docente, alunos e pesquisadores visita uma UBSF, onde discutimos ao menos um caso eleito pelas equipes participantes como situação em saúde mental de difícil enfrentamento. De acordo com a complexidade dos casos em discussão, esses espaços também recebem equipamentos da Assistência Social e Educação. Em seu percurso, já participaram dessa atividade 32 UBSF, 5 CAPS, 1 Ambulatório de Saúde Mental, 1 Equipe de Consultório na Rua (CnaR) e 1 Equipe de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). No ano de 2017, foram discutidos 13 casos, em que a experiência de Apoio Matricial, articulando Universidade, trabalhadores e gestores, logrou promover a qualificação do acesso e do cuidado ao sofrimento psíquico na interface entre SM e AB.

Nesses momentos, ocorre a construção coletiva de trabalho entre esses serviços, buscando estimular as trocas de saberes e experiências de atenção à saúde, potencializando os vários olhares, criando um espaço no qual o trabalhador possa olhar para o que faz e para o modo como acolhe os usuários em sofrimento psíquico. Com esse procedimento, espera-se que, possa entender a presença da saúde mental em seu processo de trabalho, (re)conhecer seu cotidiano perante essa problemática e refletir sobre suas ações, intervindo para criar estratégias de cuidado. Dessa forma, o Apoio Matricial funciona como ferramenta capaz de qualificar o acolhimento às demandas de SM na AB.

Em concomitância com as ações territoriais, no grupo de estudos e pesquisas REDESAÚDE são debatidos temas relacionados à Psicologia e à Saúde Coletiva, no intuito de ampliar a compreensão da função da Psicologia nessa tarefa de compartilhamento de saberes, isto é, na desestabilização de seu território disciplinar (PASSOS, 2013). São elaborados também os relatórios das reuniões de Apoio Matricial em campo, momento em que o grupo se debruça sobre as questões que apareceram em ato. Analisamos, nesse ponto, que o campo de ação do Apoio Matricial se coloca como o espaço onde docente, graduandos e pesquisadores atuam como trabalhadorespesquisadores, pois entendemos que teoria e prática não se opõem, mas se colocam como elementos dessa experiência pública de construção do cuidado em rede.

 

Aportes teóricos para a experiência

Para sustentar a aposta de trabalhar com o Apoio Matricial no município, buscamos algumas referências que orientam nossas incursões pelo campo de práticas.

Pensando, então, de acordo com Campos e Domitti (2007), o Apoio Matricial oferta o que os autores chamam de retaguarda assistencial e suporte técnico-pedagógico. Em nossas idas ao campo, vivenciar essas duas faces do Apoio significa colocar em relação, nos processos de trabalho, a clínica e a gestão. Nas discussões de caso das quais participamos, a Psicologia é convocada a comparecer com a sua parte no processo, ou seja, é chamada a responder para resolver os problemas de saúde mental apontados pelas equipes. Compreendemos que nossa entrada pedagógica no processo de Apoio não está relacionada à resolução de problemas, mas sim à reflexão sobre as situações que as equipes vivenciam no cotidiano com os usuários dos serviços e à produção de corresponsabilização pelo cuidado no território. Aqui, tem-se a dimensão do quanto a Psicologia pode contribuir para a destituição de um saber psicológico especialista, colocando-se ao lado da multiplicidade de saberes e modos de cuidar. Em nosso entendimento, a formação em Psicologia na relação com o SUS permite a experimentação de outras formas de cuidar e pensar a saúde no encontro com seus limites, buscando, assim, ampliar suas possibilidades de atuação no diálogo com outros saberes que também constituem o campo da saúde. Então, o exercício do Apoio Matricial permite que a Psicologia sustente suas ações tanto de suporte pedagógico quanto de retaguarda assistencial nos encontros entre os diversos saberes que transitam nas equipes, e não isolada em seu arcabouço teórico.

Nesse mesmo sentido, Dimenstein et al. (2009), ao escrever sobre o Apoio Matricial em saúde mental na Estratégia Saúde da Família (ESF), nos apontam o distanciamento que as práticas, nesse campo, devem manter das ações verticalizadas em saúde. Todavia, a preocupação das autoras está em inserir o usuário como ator no processo de cuidado, o que nos remete, em nossa experiência, ao nosso desafio de provocar diálogos entre as relações que os trabalhadores estabelecem com seus saberes, os processos de trabalho nas equipes e as demandas de cuidado singular trazidas pelos usuários, afirmando a ampliação da clínica conectada à formulação de Campos (2013), quando se refere à relação entre o sujeito e sua doença ou modo de sofrer. É necessário enfatizar, ainda inspirados em Dimenstein et al. (2009), que existe uma clínica de cada um, e aqui localizamos o principal desafio da formação em Psicologia no SUS: a clínica de cada um a serviço da produção do comum (NEGRI, 2005).

Voltando ao texto de Campos e Domitti (2007), encontramos no Apoio Matricial uma referência à produção subjetiva que ocorre na relação entre trabalhadores e usuários, sustentando vínculos para que o cuidado se distancie da fragmentação das práticas. Assim, compreendemos que o Apoio Matricial acontece quando há corresponsabilização entre as equipes, e a questão existente entre núcleo e campo, abordada por Campos (2000), figura entre alguns pontos que devem ser constantemente trabalhados em direção à produção do comum. Avançando teoricamente sobre mais um aspecto que diz da função do matriciamento, enfrentamos atualmente a tarefa de discutir e construir cotidianamente as ações de SM na AB. Na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), as unidades de AB, assim como outros serviços, comparecem como componentes constitutivos de uma rede que apresenta dificuldades em articular práticas que não necessariamente definam o que é apenas do âmbito da AB, assim como o que é da SM. No plano de ações da RAPS, por exemplo, a produção de redes de cuidado não avança se a AB não se fizer presente nesse processo e, olhando para o tempo em que vivemos, defendemos, assim como Dimenstein et al. (2009), que o Apoio Matricial articula o diálogo entre os serviços especializados e a AB para a construção do cuidado integral.

Nossa ação, na linha do que colocam os autores, enfatiza, então, a troca de saberes entre serviços, construindo esse Apoio às equipes que demandam discussões e intervenções conjuntas nessa delicada fronteira entre SM e AB.

 

A problemática da experiência

O contingente de demandas e ações desenvolvidas no contexto da AB é grande. Nosso grupo de estudos e pesquisas, nesse percurso pelo Apoio Matricial em Volta Redonda, junto com trabalhadores e gestores, assume a posição de não deixar que se consolide a interpretação de que, no meio de tantas tarefas a serem executadas, o Apoio Matricial seja visto como "um trabalho a mais".

Entendemos que a atividade de análise da demanda dos usuários e também do território, o artifício da escuta, o acolhimento, como ato inerente aos processos de trabalho em saúde, são constitutivos do Apoio Matricial.

Esse entendimento possibilita que os elementos constitutivos do Apoio auxiliem na incorporação da SM no cotidiano das equipes de AB, e apresentem-se como um investimento no campo da formação de alunos e trabalhadores, não apenas no âmbito da graduação em Psicologia, mas na produção de interferências na perspectiva da educação em saúde como mais um elo entre a academia e o SUS.

Dando sequência a essa formulação, o movimento de apoio da Universidade à construção do Apoio Matricial em SM no município coloca trabalhadores, gestores e o grupo de estudos e pesquisas em paridade no que diz respeito à formação, isto é, faz-se necessário formar os alunos com base na experiência no território, e também continuar formando os trabalhadores e gestores para a qualificação de suas práticas.

Identificamos que a dificuldade de compreender a demanda de SM na AB aparece em dois pontos distintos, podendo ser encontrada em outros aqui não explorados: a demanda espontânea, ou seja, aquela que se apresenta na porta das UBSF e que causa estranhamento nos trabalhadores e gestores, e a não espontânea, traduzida pelas questões de SM que surgem dos diversos atendimentos realizados dentro dos serviços, como nas ações de saúde da criança, da mulher e visitas domiciliares, por exemplo. O principal impasse aqui é trabalhar as dificuldades para o acolhimento e o distanciamento dos trabalhadores quando têm de lidar com novas questões. Entendemos que esse distanciamento pode ser provocado pela angústia em acolher uma demanda de SM sem saber previamente como se faz.

É aqui, então, que o Apoio Matricial afirma mais uma vez a sua potência, quando se propõe a estar ao lado de trabalhadores e gestores, implicado em dar suporte às produções subjetivas que ampliam a potência desses atores para o acolhimento, acompanhamento corresponsável e encaminhamentos necessários aos casos de SM na rede, sem que, para isso, devam se transformar em profissionais psis, mas, sim, que validem suas experiências como sujeitos políticos transformadores do cenário de práticas fragmentadas em saúde.

Consideramos, entretanto, que todos nós - trabalhadores, gestores e grupo de estudos e pesquisas - devemos atentar para a demanda pela nossa constante formação no cotidiano de nossas ações.

 

Linhas analíticas sobre este processo

Compreendemos, pelas nossas vivências no território, que a direção de trabalho que tomamos aponta para a construção de práticas interdisciplinares de formação em saúde, de clínica e de gestão. Assim, afirmamos uma experiência crítica em saúde, conectada com as políticas públicas nesse campo, construindo a interface de conhecimento teórico-prático para a formação constante de novos e de atuais trabalhadores do SUS, qualificando-os para o trabalho em equipe e em rede.

É importante reafirmar, com base em nossa leitura de Cunha e Campos (2011), que o Apoio Matricial se inscreve numa lógica de cogestão do cuidado operada entre sujeitos no trabalho em saúde. Nesse sentido, compreendemos o Apoio Matricial como função que produz a roda (CAMPOS, 2007), ou seja, espaço onde somos corresponsáveis pela circulação dos potenciais saberes e problemáticas, e também por uma interação propícia para que haja circulação de afeto e poder no processo de formação de sujeitos políticos, ou seja, de trabalhadores e gestores implicados com a indissociabilidade entre clínica e gestão (BRASIL, 2010).

Entender esse processo de formação de sujeitos políticos é fundamental para a defesa dos dispositivos que operam articulados ao processo de cuidado no SUS. Dentre esses dispositivos, citamos a Equipe de Referência (CAMPOS, DOMITTI, 2007) e o Projeto Terapêutico Singular (PTS) (OLIVEIRA, 2013) como espaços coletivos de cuidado. Em nossa experiência, na Equipe de Referência, isto é, nas equipes das UBSF, encontramos uma possibilidade de compartilhar os múltiplos saberes e modos de fazer presentes entre os trabalhadores, apostando que o Apoio Matricial pode colocar esses elementos em relação, sustentando, assim, a não hierarquização das diferentes funções presentes nas equipes, a fim de promover a lateralidade do processo de cuidar (CAMPOS, 2007) e de encontrar também, nesse espaço, certa via de conexão com a democratização institucional (CAMPOS, 2007), isto é, uma via de produção da roda.

Já com o PTS, apostamos em sua dimensão de projetualidade, como apontada por Oliveira (2013). Tal dimensão nos transporta à necessidade de afirmar radicalmente a experiência de inclusão dos usuários no processo de cuidar, construindo e discutindo com eles as ofertas em saúde, enfrentando as ações de dessubjetivação características de processos fragmentados de trabalho em saúde.

Destacamos, então, que o Apoio Matricial compõe com a democratização institucional ao problematizar que a satisfação das necessidades em saúde deve dar-se na construção coletiva em conjunto com trabalhadores, gestores e usuários. Desse modo, também buscamos destacar que a democratização institucional só é promovida porque, radicalizando a produção inclusiva de ações em saúde, isto é, levando-se a cabo a participação de trabalhadores, gestores e usuários nesse processo, é que se cria o espaço coletivo de gestão ou, como Campos (2007) nos ensina, de cogestão. Temos aqui, de certo modo, uma função matricial para o apoio: a ampliação da capacidade de promover leituras sobre a demanda e de qualificar a tomada de decisões das equipes.

Mais uma vez, seguindo nesse plano de reflexões, conseguimos avançar, com o nosso território de práticas de Apoio, na compreensão do que seria a ampliação da clínica, alimentando o entendimento de que o que se amplia na clínica, como nos diz Campos (2013), é seu objeto de intervenção, o qual passa a não ser mais o efeito das práticas fragmentadas que olham exclusivamente para os sintomas (a doença), alçando lugar à condição de experiência de adoecer (aqui o sujeito em relação com a doença).

Nesse mesmo território de práticas, temos colhido as percepções do trabalho com o Apoio Matricial de forma gradativa, observando que o trabalhador da AB pode se desprender de certas funções excessivamente tecnicistas e programáticas, esvaziadas de sentido político, passando a ser um articulador de diferentes saberes e práticas que transformam tanto a atenção da equipe para essa questão, como o cuidado em SM, já que muitas unidades de saúde apresentam dificuldades nessa área.

Para isso, prioriza-se, sobretudo, a produção de espaços coletivos, dando enfoque aos olhares diferenciados e às perspectivas diversas, a fim de encontrarmos uma saída que não prejudique o usuário e que considere as complexidades envolvidas. Podemos enxergar o Apoio Matricial como facilitador do fluxo na rede de saúde, o qual atua como suporte aos serviços, conectando, por exemplo, o campo da Saúde Mental com o campo da Saúde Coletiva.

 

Concluindo com alguma direção

Finalizando, portanto, temos conseguido trabalhar com o Apoio Matricial na rede SUS de Volta Redonda porque investimos nessa interface de formação de alunos e trabalhadores, articulados também com outras políticas de saúde do SUS, como, por exemplo, a Educação Permanente em Saúde (EPS). Construímos, não sem dificuldades, a adesão das equipes de AB e SM a esta estratégia, uma vez que ela mobiliza a transformação das práticas em saúde e também a produção de novas subjetividades entre os atores envolvidos na cena do cuidado. Compreendemos que o próximo passo é sustentar, ao longo do tempo, a concretização da autonomia dessas equipes de AB para o acolhimento dos casos que apresentam sofrimento psíquico e também para a pactuação de agendas de Apoio Matricial com os parceiros dos serviços de SM e do NASF, prescindindo dessa nossa experiência de Apoio para que isso aconteça. Entendemos, desse modo, que a nossa função como parceiros na construção dessa estratégia terá o seu fim em algum momento, já que afirmamos que o Apoio Matricial é um processo eminentemente produtor de autonomia e de redes cooperativas de trabalho.

 

Referências

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização.(2010).HumanizaSUS: Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 4ªed. Brasília, Editora do Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_documento_gestores_trabalhadores_sus.pdf Acesso em: 25/11/2017.         [ Links ]

Campos, G. W. S. (2000). Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 5(2),219-230.         [ Links ]

Campos, G.W. S.; Domitti, A. C.(2007). Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(2),399-407.         [ Links ]

Cunha, G. T.; Campos, G. W. S.(2001) Apoio Matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde e Sociedade. São Paulo, 20(4),961-970.         [ Links ]

Dimenstein, M. et al.(2009). O apoio matricial em unidades de saúde da família: experimentando inovações em saúde mental. Saúde e Sociedade. São Paulo, 8(1),63-74.

Negri, A. A constituição do comum. Conferência inaugural do II Seminário Internacional Capitalismo Cognitivo - economia do conhecimento e a constituição do comum. Trad. Fabio Malini. Rio de Janeiro, 24 e 25 de outubro de 2005. Organizado pela Rede Universidade Nômade e pela Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS). Disponível em: https://fabiomalini.wordpress.com/2007/03/25/a-constituicao-do-comum-por-antonionegri/ Acesso em 25/11/2017.         [ Links ]

Oliveira, G. N.(2013). O projeto terapêutico singular. In Guerreiro A. P.; Campos G.W.S. (Orgs.). Manual de práticas de atenção básica à saúde ampliada e compartilhada. 3ª ed. São Paulo, Hucitec, p. 283-297.         [ Links ]

Passos, E. A construção da clínica comum e as áreas profissionais. In A. A. Capozzolo; S. J.Casetto; A. L. Henz. (Orgs.). Clínica comum: itinerários de uma formação em saúde. São Paulo, Hucitec, 2013, p. 213-228.         [ Links ]

 

 

1 Certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
2 Pró-Reitoria de Extensão/Universidade Federal Fluminense;
3 Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis/Universidade Federal Fluminense.

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons