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Trivium - Estudos Interdisciplinares
versión On-line ISSN 2176-4891
Trivium vol.12 no.spe Rio de Janeiro set. 2020
ARTIGOS
A História resiste onde a Psicanálise insiste: diálogos entre dois campos que investigam o passado
History resists where Psychoanalysis insists: dialogues between two fields that investigate the past
La Historia resiste donde el Psicoanálisis insiste: diálogos entre dos campos que investigan el pasado
Docente do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC) - Departamento de Segurança Pública - Universidade Federal Fluminense - UFF. E-mail: danielimachado@id.uff.br
RESUMO
O presente artigo estabelece conexões reflexivas entre dois campos de conhecimento: a Psicanálise e a História. Ambos possibilitam caminhos para investigações acerca do passado. A Psicanálise contribui com suas articulações em torno do inconsciente e a História, com o tempo e os fatos sobre ele narrados. Esses dois caminhos discursivos que adotam propostas divergentes, a Psicanálise no campo do significante, a História no campo do significado, orientam-nos para refletirmos questões que dizem respeito ao tempo presente. Elaboramos um exercício reflexivo sobre problemas sociais e políticos existentes no Brasil contemporâneo a partir dos dois campos supracitados.
Palavras-chave: LINGUAGEM, INCONSCIENTE, HISTORIOGRAFIA, TEORIA DA HISTÓRIA E PSICANÁLISE
ABSTRACT
This article establishes reflexive connections between the two fields of knowledge, Psychoanalysis and History. Both fields provide paths for investigations into the past. Psychoanalysis contributes with its articulations around the unconscious and, History, with time and the facts narrated about it. These two discursive paths that adopt divergent methodological proposals, one in the field of the signifier, History in the field of meaning, guide us to reflect on issues that concern the present time. We elaborated a reflective exercise on social and political problems existing in contemporary Brazil from the two fields mentioned above.
Keywords: LANGUAGE, UNCONSCIOUS, HISTORIOGRAPHY, THEORY OF HISTORY AND PSYCHOANALYSIS
RESUMEN
Este artículo establece conexiones reflexivas entre los dos campos del conocimiento, el Psicoanálisis y la Historia. Ambos campos proporcionan caminos para investigaciones sobre el pasado. El Psicoanálisis contribuye con sus articulaciones en torno al inconsciente y, la Historia, con el tiempo y los hechos narrados al respecto. Estos dos caminos discursivos que adoptan propuestas metodológicas divergentes, uno en el campo del significante, la Historia en el campo del significado, nos guían a reflexionar sobre cuestiones que conciernen al presente. Elaboramos un ejercicio reflexivo sobre los problemas sociales y políticos existentes en Brasil contemporáneo a partir de los dos campos mencionados anteriormente.
Palabras clave: LENGUAJE, INCONSCIENCIA, HISTORIOGRAFÍA, TEORÍA DE LA HISTORIA Y PSICOANÁLISIS
Esse breve artigo pretende ser um exercício de diálogo entre a Psicanálise e a História. Trata-se de uma discussão para pensarmos problemas contemporâneos que a sociedade brasileira vem passando nesse início de década. Hoje temos a ascensão do neofascismo no Brasil, esse não é um fenômeno que identificamos apenas no Brasil, países como Hungria, Estados Unidos, Índia, Filipinas também possuem esse revés em sua política local. A eleição de Jair Messias Bolsonaro, em 2018, ajuda-nos a compreender como esse movimento neofascista surge no Brasil através de um discurso de ódio que impregna a sociedade brasileira de uma cisão social nunca vista em nossa sociedade. Hoje temos 30% da população de eleitores, aproximadamente, que apoiam o discurso fascista do candidato eleito. Trago algumas reflexões históricas atravessadas por apontamentos psicanalíticos lacanianos para pensarmos nossa realidade contemporânea à luz de algumas situações históricas da Alemanha nazista nos idos de 1930-40.
Destaco aqui que a concepção do que chamo neofascista é sinônimo de reacionarismo, conservadorismo, autoritarismo no qual cada país que afirmo como tal, adota um inimigo para si e, consequentemente, passa a persegui-los, tendo como inimigos, os imigrantes, os mulçumanos, os judeus, há xenofobia, racismo, ódio à esquerda, ódio ao feminismo e ao movimento GLBTQIA+. O que designo aqui como neofascismo é a caracterização de líderes ou de partidos políticos que possuem semelhanças, em suas ideologias, com o que pregavam os movimentos fascistas clássicos dos anos de 1930 na Alemanha e na Itália e cujos movimentos são próximos e se assemelham, de um ponto de vista, com o que se apresenta hoje em nossa sociedade com a ascensão do movimento bolsonarista, que passou a elaborar um discurso de perseguição contra a esquerda com uma carga forte de preconceito, além de perseguir os movimentos sociais de negros, feministas e GLBTQI+. Trata-se de casos de repetição na História? A História se repete? Marx no 18 do Brumário de Luís Bonaparte estava certo quando afirmou que a História se repete como farsa, se não como tragédia? (Marx, 1852/2011) Não destacamos aqui uma discussão sobre o conceito de repetição. O artigo de Danieli Machado intitulado A História se repete? Uma análise comparativa do conceito de repetição em Koselleck e Lacan (2014) aponta uma investigação profunda sobre a pergunta realizada.
Cabe destacar aqui que a História e a Psicanálise nunca desfrutaram de uma relação cordial. Os historiadores, de acordo com Peter Gay em Freud para historiadores (Gay,1985/1989), sempre foram preconceituosos em relação à Psicanálise. Gay critica essa visão dos historiadores discordantes da Psicanálise e afirma que a Psicanálise oferece meios para descobrir as motivações irracionais e reprimidas não apenas aos indivíduos, mas de grupos, por exemplo, para pensarmos os totalitarismos modernos e as revoluções, como é o caso de nossa contribuição aqui, nesse breve artigo, de lançar luz para pensarmos sobre o fenômeno neofascista à brasileira.
Uma das tentativas incipientes de articulação entre os dois campos de conhecimento aqui citados, a História e a Psicanálise, deu-se no ano de 1958 com a revista intitulada American Historical Review de Willian Langer que trazia a psico-história e o artigo de Erick Ericson - O Jovem Lutero. Esses historiadores viam a Psicanálise intoleravelmente reducionista, imprudente, com simplificações descuidadas, pois achavam que não se deveria escrever uma versão ampliada do Édipo nem ligar os problemas religiosos a traumas sexuais. Além disso, via-a como uma fraude, também como absurdo ou como psicologia fracassada, imprudente, individualista, visão empobrecida sobre a natureza humana por representar judias vienenses (Gay,1985/1989). Critico essa percepção, pois ao que tudo indica, parece que esquecem que Freud analisou mulheres norte-americanas, russas, inglesas, francesas, homens cristãos e judeus da elite burguesa do final do século XIX. Além dessas visões distorcidas, os fenômenos subjetivos como os sonhos e as fantasias eram descartados. Esquecem que Freud fez uma incursão por personagens de ficção, artistas italianos mortos há mais de três séculos, dentre outros artistas por ele estudados e que foram importantes para o surgimento da Psicanálise. A História é escrita, portanto, a História é linguagem. A Psicanálise também é escrita e é linguagem. Esses historiadores não leram ou não entenderam o Mal-estar da civilização (1930/1976) ou Psicologia das massas e análise do eu (1921/1976), ou não leram Totem e Tabu (1913/1976). Freud considerou suas descobertas aplicáveis à humanidade inteira, presente e passado (...) o amor e o ódio, como o recalque e a angústia não são o monopólio de sua época (Gay,1985/1989).
A Psicanálise trata de uma escrita, trata da escrita sobre a História do sujeito. Ambos os campos lidam com uma escrita sobre o passado, o passado do sujeito com a Psicanálise e o passado dos sujeitos com a História; mas ambas lidam com a escrita de um sujeito que as escreve e subjetiva suas reflexões sobre o tempo passado, como ocorre com a Psicanálise, ou melhor, com o inconsciente do sujeito. Ambos lidam com uma escrita sobre o passado.
A realidade que os historiadores lidam estão distantes das confessadas no divã? Alguns historiadores viam a Psicanálise como incapaz de abarcar as experiências coletivas que compõem o grosso material do historiador. Afirmavam, inclusive, não se pode psicanalisar os mortos, confrontando, inclusive, se pode psicanalisar os vivos (céticos), critica Peter Gay no livro supracitado. Ambos os campos possuem dois aspectos em comum: trabalham o passado e esse passado é escrito e, consequentemente, essa escrita só é possível porque há linguagem e ambos escrevem sobre o passado a partir de conexões com o presente, como ocorre com a escrita do inconsciente. Ambos os campos trabalham o passado. Peter Gay afirma: "Trabalham no sentido de tornar legíveis as pistas ilegíveis e escava sob as superfícies até atingir as camadas ocultas, obscurecidas e distorcidas pela passagem do tempo ou pela necessidade dos autores - ou do público - de negar verdades desagradáveis" (Gay, 1985/1989). Ambos os campos lidam com a escrita e, portanto, lidam com a linguagem. Não se dissocia o sujeito de suas questões inconscientes, estamos implicados nisso. Que escrita é essa? Por que escrevemos sobre a História? Estende-se pensar a História como projeto de uma coletividade e a História como produto de vida de um sujeito. O sujeito que pensa a História como projeto da coletividade faz-nos refletir algumas questões: o que ele escreve, por que ele a escreve? No consultório, o sujeito traz suas questões de ser no mundo que o implica como sujeito, porém esse mundo, muitas vezes, traz temas que envolvem "congregações religiosas, partidos políticos, comunidades étnicas, classes econômicas, são grupos e temas em que os historiadores concentram suas investigações". O que seriam, por exemplo, os sintomas contemporâneos sobre os quais a Psicanálise se tem debruçado desde o início desse século? Não seriam questões fundamentais para pensarmos a História contemporânea das doenças mentais, por exemplo?
Gay (1985/1989) chama a atenção para o campo dos historiadores, pois diz que a Psicanálise oferece uma resistência maior a uma aplicação e assimilação bem-sucedidas, pois os historiadores não buscam fazer análise, muito menos em nome de sua profissão. Os historiadores não passam por esse aprendizado complexo demorado, dispendioso, perturbador. "Em geral, os historiadores que simpatizam com a Psicanálise são mais ajudados pelas perguntas que Freud as habilita a fazer do que pelas respostas que ele lhes permite dar" (Gay, 1985/1989). A História é escrita, portanto é linguagem. A Psicanálise lida com a linguagem. O inconsciente é estruturado como uma linguagem como disse Lacan em vários de seus Seminários e Escritos. Nisso, vamos encontrar significantes que remetam a falas sobre o ontem e sobre o hoje do sujeito. Na escrita da História, vista aqui como produto acerca da coletividade, há um sujeito que a escreve, um sujeito que investiga e cuja investigação só é possível porque ele investe seus significantes inconscientes e os empresta a essa escrita que só é possível porque é através de reflexões sobre determinado tema que a angústia do historiador também é revelada. A História é produto de uma escrita. A angústia da História é revelada pelo sujeito que a escreve. O que esse sujeito escreve revela a sua história ou a História disciplina, que analisa os fatos?
Lacan em Função e campo da fala e da linguagem (Lacan,1966/2001) afirma: "O inconsciente é essa parte do discurso concreto, em tanto que transindividual, que falta a disposição do sujeito para restabelecer a continuidade de seu discurso consciente. Esse capítulo da minha história que está assinalado por um branco ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado". O que Lacan quer dizer com o capítulo censurado? No prefácio do livro de Anika Rifflet-Lemaire, intitulado Jacques Lacan, Lacan escreveu o prefácio e diz: "O inconsciente tem uma estrutura de linguagem, não pode de nenhum modo entender-se de outra forma, a não ser segundo o que afirmava faz um momento, isto é, que a linguagem é a condição do inconsciente". Concluímos com Lacan que a escrita é censura, é a marca recalcada inconsciente que sempre vem à tona. A História do sujeito não é essa marca que aparece no recalque e que a Psicanálise valoriza? Seria a História, como projeto para pensar a ação da coletividade, um produto de esquecimentos recalcados que sempre vem à tona na mente de seus historiadores? Por que eles decidem escrevê-la?
Michel de Certeau define História como um novo presente. Permite que um presente se manifeste como diferente do que, até então, lhe era imanente sob a forma da tradição. Ela aponta um novo começo, uma inovação. Ela exprime a necessidade de situar-se em relação ao que, no presente, refuta desentendimentos sobre algo antigo, rebelde e resistente no presente. A História só se torna possível porque se escreve sobre ela e quem cuida disso, é um campo da História que a gente conhece que é a historiografia... Hoje, por exemplo, há tentativas de escrever uma história "esquisita", depois de inúmeras pesquisas científicas no passado, alguns sujeitos de extrema direita acreditam no terraplanismo. Há quem afirme que a terra é plana... Que história é essa que estão querendo tecer hoje em dia? Qual o propósito que esses sujeitos têm ao afirmarem isso?
O que é a História? É o que se escreve sobre ela!! Lacan situa a pulsão de morte como limite da função histórica do sujeito. Pensar sobre o passado não há como não falar sobre o presente, remete a ideia de compulsão a repetição de Freud de 1914. O passado escrito pelos historiadores e pela Psicanálise é sempre uma reflexão que ocorre no presente da escrita. O campo da História situa-se, porém, no modus operandi do sentido, do significado; a Psicanálise, no do significante. Seria ousado identificar aqui os temas sobre os quais os historiadores investigam? Seria o recalque o ponto central das investigações existentes nos fenômenos da História? Seria o recalque o ponto central existente nas preocupações dos historiadores, ou os seus recalques estariam imersos em suas escritas sobre a história? A historiografia é uma forma de escrita que investiga sobre o que vem do passado até nós, mas que parte de nós e tende a fornecer certo tipo de inteligibilidade do que recebemos ou estabelecemos como passado.
Trago agora o fenômeno contemporâneo, o neofascismo, exposto no início do artigo para pensarmos, como um exercício, a partir da perspectiva da História comparada, como a História é inventada/tecida/escrita pelos historiadores, como a História é escrita. Os historiadores fazem isso. A História comparada ilumina aspectos do passado com aspectos sobre o presente ou vice-versa. Lança luz sobre determinados fenômenos que ocorreram e ou que estão em curso e os analisa e os compara. Trago aqui como exercício o Livro reportagem intitulado Hitler e seus comediantes - O despertar da Alemanha (1934) escrito pelo diplomata José Jobim que, curiosamente, foi assassinado pelos militares, tendo sido encontrado enforcado logo após falar sobre as falcatruas na construção da usina de Itaipu, um tema que esteve em foco quando se falou na mídia sobre o possível envolvimento de Jair Bolsonaro nas negociações de Itaipu no Paraguai. Alguns jornais retratam esse fato. Estaria a história repetindo-se? Se sim, há algo de estrutural na História, onde os significantes vão e voltam no fio da cadeia dos significantes da História. Outro exemplo, a figura dos militares na História da República brasileira. Os militares vão e voltam em nossa República. A República já nasce com as representações emblemáticas dos militares em torno da sua proclamação. Os nossos primeiros presidentes são militares. Marechal Deodoro da Fonseca e Marechal Floriano Peixoto. Se seguirmos o curso de nossos 130 anos de nossa História republicana, eles estão lá. Sempre presentes. O que foi a Ditadura?
O livro escrito pelo diplomata José Jobim é um livro reportagem sobre a Alemanha no momento da ascensão de Hitler ao poder em 1934. Poderíamos comparar fenômenos que ocorreram na Alemanha nazista com fenômenos que ocorrem hoje na história do tempo presente do Brasil? A História é discurso. A História é linguagem.
Hitler na Alemanha nazista é visto como salvador da pátria e hoje temos, também, um salvador? Um messias? O nazismo não aprecia a inteligência. Desperdiça-a, como vemos nos relatos de José Jobim. No primeiro capítulo de seu livro, temos: "Não somos nem queremos ser o país de Goethe e de Einstein. Justamente isso é que não". Atribui-se a essa frase do diário de viagem de José Jobim uma rejeição ao que seria cultura e ciência. O que o governo brasileiro tem feito com a ciência e com a cultura? Já foram criticados pelo chanceler, Ernesto Araújo, em uma palestra nos Estados Unidos: Michel Foucault, Antonio Gramsci, Bertolt Brecht, Rosa Luxemburgo, Jacques Lacan, Herbert Marcuse e György Lukács.
Continuando o exercício: Jobim, atravessando a fronteira da Alemanha com a França, foi parado pela aduana que lhe pergunta: "Tem alguma coisa a declarar?" Informa ao guarda da aduana: "que não tenho jornais proibidos, nem livros indignos, nem revistas esquerdistas, nem cigarros belgas". Enquanto me ouve, vai mexendo a bolsa. Agarra um livro e interroga, severo e triunfante: Que livro é esse? - Um romance francês... Mas não o proibiram na Alemanha. Veja bem que não o proibiram". Qual a analogia que podemos fazer com o nosso tempo presente? Se decido construir uma análise, como historiadora, a História de nosso tempo presente, devo pensar: o que me incomoda?
Recentemente, o Secretário de Cultura do governo, já demitido do cargo, foi alvo de críticas por fazer alusão ao nazismo de forma direta e sem filtros, trazendo menção direta ao discurso de Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha hitlerista. Roberto Alvim afirma que sua frase tratava de uma "coincidência retórica", alegando também que "a frase em si é perfeita". Segue a fala proferida pelo então Secretário de Cultura: "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada". O discurso de Joseph Goebbels, que pode ser lido no livro de Peter Longerich intitulado Goebbels: a Biography (2010/2014) diz-nos: A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada". O que identificamos nas duas frases? Trata-se de mera "coincidência retórica"? Ou trata-se de um projeto neofascista em curso? Em todo discurso há intenção! Há desejo. Que desejo é esse movido por esse discurso? O Secretário da Cultura foi exonerado do cargo; o governo mudará, porém, a sua retórica? A ideia do fascismo está lá, plantada, assombrando os fantasmas da História e produzindo recalques nos sujeitos que discordam desse discurso. Relutei alguns minutos em descrever essas reflexões no presente artigo. Há em curso, no governo, um projeto de formação de um SNI (Serviço Nacional de Informações) no intuito de investigar movimentos antifascistas. Nos anos de chumbo da ditadura brasileira (1964-1984), o SNI supervisionava e coordenava atividades de informações e contrainformações no Brasil e no estrangeiro. Perseguia aqueles que fossem contra o sistema autoritário.
A História forma/elabora sentido à palavra e à ação dos homens. Em todo ato e todo discurso, está implicado um sujeito que os ultrapassa: o sujeito do inconsciente. Por isso, afirmo, não há como desprender-nos desse sujeito. A História é discurso! Lacan diz em Função e campo da fala e da linguagem (1966/2001): "Que modo particular tal sujeito tem lugar no modo particular de discurso que é o da história". Ainda diz: "O que ensinamos ao sujeito a reconhecer como seu inconsciente é sua história". O historiador revela a história enquanto uma atualização subjetiva do passado no presente". Essa subjetividade de que Lacan nos fala tem a ver com a subjetividade do historiador que decide sobre o evento passado constituído como tal. Na Psicanálise: Os pacientes operam por uma reconstrução do passado no presente. Seria diferente o que fazemos com a História? Lacan diz: aproximando ambos os campos: "a rememoração é para a análise seu "material", do mesmo modo que os mitos originais da cidade são o material da história".
O instrumento de trabalho da Psicanálise é o inconsciente e, se ele "é estruturado como uma linguagem", isso não quer dizer que ele seja uma linguagem, que permita uma leitura com a significação ausente do discurso consciente, ou seja, do discurso produzido pelos historiadores; que esse discurso complemente dando sentido a uma lacuna ou uma falta. O inconsciente não se dá a conhecer. O que ele tem como suporte são os representantes recalcados que se apresentam na cadeia do discurso do sujeito. Beatriz Lavieri em Discurso histórico: esquecido que se lembra, memória que se esquece (1996), lembra-nos que, no Discurso de Roma (1966/2001), Lacan fala sobre a função primária e secundária da historização: a primeira, a função primária, romperia com essa ordem discursiva marcando uma falta na continuidade desse discurso. Para Lacan, a falta se produz noutra cena que é o inconsciente e que ex-siste ao campo do significado e das certezas. A segunda função, ela diz: "Penso que é para o que esses representantes recalcados constituem de marca histórica, de lacuna na História do sujeito, para o qual Lacan chama a atenção. Esse recalcado, estigma histórico, com a dimensão do objeto que lhe escapa, produz-se a cada momento discursivo. Mesmo mantido sob a amnésia no discurso histórico, ele retorna, insiste na repetição, sustentando vivo o desejo, sustentando o historiador, por assim dizer, historiando" (Lavieri, 1996). Eu ousaria questionar aqui: O sentido da História teria algo a ver com o recalque, pois se "o inconsciente é a História do sujeito", ele se inscreve em outra cena, como a parte ausente, como aquela que falta na disposição do discurso consciente. Seria esse o motivo que nos leva a pensar porque a História é sempre pensada e investigada permanentemente? A repetição marca a lacuna na História do sujeito e, por isso, faz-se e refaz-se, permanentemente, a História.
Referências
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