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Revista Psicologia e Saúde

versión On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.11 no.2 Campo Grande mayo/ago. 2019

https://doi.org/10.20435/pssa.v11i2.616 

ARTIGOS

 

Revisão integrativa de produções científicas da psicologia sobre comportamento suicida

 

Integrative literature review of scientific productions of psychology on suicidal behavior revisión

 

Integrativa de produccíones científicas de la psicología sobre el comportamiento suicida

 

 

Eliene Rocha GomesI; Alexandra IglesiasII; Teresinha Cid ConstantinidisIII

IMestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde pela Faculdade de Ciências e Educação do Espírito Santo (UNIVES). Especialista em Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente pelo Hospital Cassiano Antônio de Moraes (Hucam). Graduada em Psicologia pela UFES. E-mail: eliene_rg@hotmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-2037-8727
IIPós-doutora e doutora em Psicologia, mestre em Saúde Coletiva e graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora do Departamento de Psicologia da UFES E-mail: leiglesias@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7188-9650
IIIDoutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestre em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora do Departamento de Terapia Ocupacional da UFES. E-mail: teracidc@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9712-3362

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RESUMO

O presente artigo consiste em uma revisão integrativa da produção científica da Psicologia no Brasil sobre comportamento suicida de 2006 a 2017. O objetivo é conhecer como o comportamento suicida tem sido abordado nesse campo do saber. Para tanto, foram realizadas buscas de artigos científicos nas bases de dados Scielo e Pepsic, com os descritores "comportamento suicida", "comportamento autodestrutivo" e "suicídio". Os resultados apontaram que, entre 2006 e 2010, a produção era escassa e, entre 2011 e 2013, houve um aumento significativo, com o ápice no ano de 2013. Em 2014 e 2016, houve uma nova queda. Os estudos analisados dividiram-se em empíricos e teóricos, entre as abordagens psicológicas utilizadas para as discussões dos artigos, destacou-se a Psicanálise. Conclui-se que, apesar do suicídio ser considerado questão de saúde pública, existe uma escassez de estudos sobre prevenção e intervenções na rede de atenção psicosssocial.

Palavras-chave: comportamento suicida, comportamento autodestrutivo, suicídio, revisão integrativa, Psicologia


ABSTRACT

This article deals with an integrative literature review of the scientific production of Psychology in Brazil on suicidal behavior from 2006 to 2017, in order to know how suicidal behavior has been approached in this field of knowledge. For this purpose, scientific articles were searched in the Scielo and Pepsic databases with the descriptions "suicidal behavior", "self-destructive behavior" and "suicide". The results showed that between 2006 and 2010 production was scarce, between 2011 and 2013 there was a significant increase with the apex in the year 2013. In 2014 and 2016 there was a new fall. The studies analyzed were divided into empirical and theoretical ones, among the psychological approaches used for the discussions of the articles was Psychoanalysis. It is concluded that although suicide is considered a public health issue, there is a shortage of studies on prevention and interventions in the psychosocial care network.

Keywords: suicidal behavior, self-defeating behavior, suicide, integrative review, Psychology


RESUMEN

El presente artículo se trata de una revisión integrativa de la producción científica de la Psicología en Brasil sobre comportamiento suicida de 2006 a 2017, con el objetivo de conocer cómo el comportamiento suicida ha sido abordado en ese campo del saber. Para ello se realizaron búsquedas de artículos científicos en las bases de datos Scielo y Pepsic con los descriptores "comportamiento suicida", "comportamiento autodestructivo" y "suicidio". Los resultados apuntaron que entre 2006 y 2010 la producción era escasa, entre 2011 y 2013 hubo un aumento significativo con el ápice en el año 2013. En 2014 y 2016 hubo una nueva caída. Los estudios analizados se dividieron si en empiricos y teóricos, entre los enfoques psicológicos utilizados para las discusiones de los artículos se destacó el Psicoanálisis. Se concluye que a pesar del suicidio ser considerado cuestión de salud pública, existe una escasez de estudios sobre prevención e intervenciones en la red de atención psicosocial.

Palabras clave: comportamiento suicida, comportamiento autodestructivo, suicidio, revisión integradora, Psicología


 

 

Introdução

A morte sempre intrigou e horrorizou a humanidade, de modo que a consciência da morte é entendida, por alguns teóricos, como a inauguração da cultura e do que é propriamente humano, considerando como um marco importante a celebração de rituais fúnebres e o sepultamento dos corpos (Bellato & Carvalho, 2005). Nesse contexto, a morte voluntária intriga ainda mais, de modo que todo o desenvolvimento tecnocientífico tem se aliado no sentido de adiar ou evitá-la. No entanto, em todas as culturas, existem aqueles que vão espontaneamente até ela. Berenchtein Netto (2013) considera o suicídio como o que há de mais humano, "uma carta na manga, isto é, aquilo de que o sujeito pode dispor quando a vida lhe parecer insuportável".

O suicídio acontece em todas as culturas, há registros em todos os tempos, ganhando status diferente a depender dos valores da época. O suicídio, inicialmente não era considerado como pecado, e sim como crime de lesa a majestade, pois quem retirava a própria vida trazia prejuízos ao rei. Assim, os bens eram confiscados na tentativa de reparar tais prejuízos. Santo Agostinho, no século V, deslocou a questão do suicídio para religião, trazendo o preceito de que, se Deus deu a vida, o poder de retirá-la também seria apenas dele. Assim, na religião Católica, as pessoas que se suicidavam eram enterradas fora dos cemitérios e não eram veladas, devido à ideia de pecado cometido.

Diferente das culturas orientais em que o suicídio está associado em algumas situações à honra, na cultura ocidental, o suicídio é sinônimo de sofrimento, muitas vezes, atrelado a algum sofrimento psíquico como Depressão, Esquizofrenia, Transtorno Bipolar (D'Oliveira & Botega, 2006). Casos de suicídio decorrentes de quadros psiquiátricos correspondem a cerca de 90% do total de suicídios (Botega, Werlang, da Silva Cais, & Macedo, 2006).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2000), o suicídio caracteriza-se como uma questão de Saúde Púbica, apresentando-se como a terceira causa de morte no mundo, atrás apenas de homicídio e de acidentes de carro. A OMS (2002) indica um crescimento da incidência de suicídio principalmente entre jovens e crianças. No entanto o Brasil é considerado um país com baixo índice de suicídio, pois, em decorrência da dimensão populacional, os casos estão diluídos. Apesar disso, em números absolutos, ocupa a décima posição no ranking mundial do número de suicídios entre os países.

Outro fator que deve ser considerado em relação ao número de suicídios no Brasil é a subnotificação, principalmente no âmbito de serviços privados. Isso se deve aos mitos e tabus que cercam o suicídio (Braga & Dell'Aglio, 2013), à dificuldade dos profissionais em terem clareza sobre o quadro, bem como à recusa dos planos de saúde e seguros de vida de cumprirem suas obrigações com os encargos financeiros diante de um suicídio ou de uma tentativa. Estima-se que o número de suicídio é dez vezes superior ao número notificado e que os índices de tentativa de suicídio são ainda mais raros e menos confiáveis (D'Oliveira & Botega, 2006).

Segundo Freitas e Botega (2002), a tentativa de suicídio é o segundo maior motivo de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) de adolescentes do sexo feminino. Em relação ao gênero, as mulheres realizam mais tentativas, e os homens efetivam mais suicídio. Alguns autores atribuem essa diferença à socialização de gênero, em que os homens têm mais acesso a meios mais letais, e as mulheres tentariam mais por conta do sofrimento gerado pela misoginia (Holland, 2010).

O comportamento suicida é o termo utilizado para denominar as ações autoinfligidas que geram dano ao próprio indivíduo e abarca desde a ideação suicida, a tentativa e o próprio suicídio (Bertolote, Mello-Santos, & Botega, 2010). Compreende-se por ideação suicida os pensamentos de morte, as ideias sobre a própria morte, o planejamento e o desejo de se matar. A pessoa que passa por esse processo tem sentimentos ambivalentes em relação à morte voluntária, o que demonstra a necessidade do acionamento da rede de proteção, para seu cuidado e a prevenção do suicídio. Nesse sentido, conhecer a história dessa pessoa e se houve tentativa anterior de suicídio é um importante fator para se dimensionar os riscos de suicídio. A ideação suicida pode ser considerada o estágio inicial e o mais oportuno para identificação e prevenção do ato (OMS, 2002).

São considerados grupos de risco: idosos, jovens e os que vivem em isolamento social. Estes por pertencerem a grupos pouco integrados, ou marginalizados, sofrem uma série de privações e preconceitos. Já como fatores de risco: ser homem; apresentar sofrimento psíquico, principalmente depressão; conflitos familiares e histórico de comportamento suicida na família. Por sua vez, são destacados como fatores de proteção: possuir uma religião, ser casado ou ter filhos e residir com outras pessoas (Abreu, Lima, Kohlrausch & Soares, 2010). Os fatores de risco e proteção são dados importantes para compreensão do fenômeno de maneira mais ampla, mas não substituem a avaliação singular desses fatores para cada caso.

No ano 2000, a OMS fez uma recomendação de que os países elaborassem políticas de prevenção e cuidado ao comportamento suicida (Conte, Meneghel, Trindade, Ceccon, Hesler, Cruz, & Jesus, 2012). Nesse sentido, em 2005, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho (D'Oliveira & Botega, 2006) para elaborar as diretrizes nacionais de prevenção ao suicídio, o que resultou na portaria 1876/2006 (Brasil, 2006), assim como na produção de dois documentos para prevenção ao suicídio, um direcionado aos profissionais de saúde mental e o outro destinado aos profissionais da atenção básica. Tais documentos ajudaram a elucidar algumas questões relacionadas ao sofrimento e à vulnerabilidade psíquica da pessoa que apresenta comportamento suicida, como os fatores precipitantes e a importância do acolhimento.

A portaria 1876/2006 (Brasil, 2006) orienta ainda os estados e municípios a: construir ações voltadas à promoção da qualidade de vida, desenvolver estratégias de informação, organizar linhas de cuidado, identificar a prevalência dos condicionantes e determinantes de suicídio e tentativas, fomentar e executar projetos fundamentados em estudos, construir métodos de coleta e análise de dados, promover o intercâmbio de informações no âmbito do SUS e áreas afins, assim como promover a educação permanente a profissionais de saúde.

Discutir o comportamento suicida enquanto questão de Saúde Pública consiste em situá-lo para além do que se experimenta no campo relacional, permeado pelas fragilidades e potencialidades de quem o manifesta. É reconhecer a necessidade de cuidado em saúde, prevenção, tratamento e também acolhimento às pessoas próximas de quem cometeu suicídio, pois essas pessoas constituem um grupo de risco. Estima-se que, para cada suicídio, cerca de seis pessoas são afetadas e experimentam estresse pós-traumático e dificuldades em elaborar o luto por suicídio (D'Oliveira & Botega, 2006).

Nesse contexto, em 2014, a OMS lançou um documento intitulado "Prevenção ao suicídio: um imperativo global", que retoma a necessidade dos países cuidarem dessa questão do suicídio como uma prioridade, considerando a meta do Plano de Saúde Mental, 2013-2020, de reduzir a taxa de suicídio em 10 %. Esse documento ressalta ainda o suicídio como um fenômeno complexo que necessita de estratégias de prevenção em três níveis: universal dirigido a toda população; seletiva para os grupos vulneráveis; e individual para aqueles que apresentam precocemente sinais de comportamento suicida.

É notório, portanto, a presença do suicídio na contemporaneidade, demandando a participação da Psicologia como campo de produção de saberes e como possibilidade de intervenção tanto no campo da saúde quanto no campo social. Diante disso, se coloca a questão: como a Psicologia no Brasil tem abordado o comportamento suicida? A partir dessa questão, objetivou-se conhecer a produção científica brasileira da psicologia sobre o comportamento suicida.

 

Método

Para responder ao objetivo deste estudo, a revisão integrativa de literatura mostrou-se o instrumento mais fecundo, pois permite, além de revisar a produção acadêmica, fazer a síntese do conhecimento e organizar as produções sobre o tema, no âmbito cientifico, garantindo assim um rigor metodológico e a apresentação crítica da análise dos textos (Souza, Silva & Carvalho, 2010).

A coleta de dados ocorreu entre maio e junho de 2017. As bases de dados utilizadas nessa revisão foram Pepsic (Periódicos eletrônicos em Psicologia) e Scielo (Scientific Electronic Library Online).

Para identificar o termo oficial indexado para comportamento suicida, foi feita a pesquisa no campo autoridades da Biblioteca Nacional. Para "comportamento suicida" apareceram: "suicídio" e "comportamento autodestrutivo". Para a busca nas bases de dados, respeitou-se a especificidade de cada portal, de modo que ao final foram utilizados os descritores: "comportamento suicida", "comportamento autodestrutivo" e "suicídio".

Para selecionar as referências do Scielo, foi realizada a busca no portal do Periódicos Capes. Nessa base de dados, foram utilizados todos os descritores com o operador booleano "OR" e, em seguida, realizada, no mesmo portal, a busca avançada para conter pelo menos um dos termos no título, no período de 2006 a 2017, em publicações de Psicologia. No Pepsic, utilizamos a mesma estratégia de busca.

Foram considerados como critérios de inclusão: a) artigo completo; b) disponibilizado em língua portuguesa; c) sendo ao menos um dos autores da área da Psicologia; d) conter ao menos um dos termos (suicídio, comportamento suicida, ideação ou tentativa de suicídio) no título do artigo e ter o comportamento suicida como tema central do estudo; e) ter sido publicado entre 2006 e 2017 e f) em revista com qualis entre A1 e B2. Ressalta-se que este último critério visa à qualidade dos artigos científicos analisados, pois, segundo Freire Costa e Yamamoto (2008), as avaliações dos periódicos científicos possibilitam a avaliação indireta de seus títulos, já que classificam sua circulação, padronização e outros aspectos.

Como critérios de exclusão têm-se: a) texto escrito por outros profissionais de saúde; b) texto disponibilizado de forma parcial; c) texto disponível em outro idioma que não o Português d) não apresentar o comportamento suicida como tema central. Para evitar a duplicação dos dados, estes foram cruzados.

Como forma de análise, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo de Bardin (1977), a qual permite descrever os achados da coleta e agrupar temas semelhantes em categorias.

Foi encontrado o total de 95 referências, 32 no Scielo e 63 no Pepsic. No Scielo, foram descartados 23 artigos, 21 deles não apresentavam pelo menos um dos descritores no título, um desses trabalhos encontrava-se em língua inglesa, e um não tratava o comportamento suicida como tema central. Já no Pepsic, foram eliminados 55 artigos, nove pelo texto estar disponível apenas em outros idiomas, três por ser escrito por outros profissionais de saúde, 29 não foram publicados em revistas A1, A2 e B1, 13 por não tratar do comportamento suicida como tema central e uma referência estava duplicada. O total de referências analisadas foi de 17 artigos, nove do Scielo e oito do Pepsic.

 

Figura 1

 

Apresentação dos Resultados

O Quadro 1 apresenta os artigos selecionados pelo critério de seleção, destacando-se os objetivos e contribuições dos estudos.

Dos estudos apresentados, 11 são caracterizados como pesquisa empírica, e seis como pesquisa teórica. Dentre as pesquisas teóricas, dois referem-se à pesquisa de revisão bibliográfica, um caracteriza-se como revisão crítica a partir de dados epidemiológicos, dois apresentam-se como estudos de discussão teórica e um deles como reflexão metapsicológica a partir de experiência clínica. Em relação às pesquisas empíricas, sete utilizaram de entrevistas, sendo que duas delas tiveram como participantes os familiares de pessoas com comportamento suicida; duas, os profissionais de saúde mental; uma especificamente os psicólogos; e duas delas, o público-alvo foram as pessoas que tentaram suicídio. As outras pesquisas empíricas se utilizaram de escalas e questionários (três estudos), e um do método de estudo de caso.

Nem todos os estudos explicitaram o referencial teórico utilizado. Somente em nove estudos foi possível identificar o referencial teórico empregado para a leitura dos dados, um utilizou-se da teoria sistêmica; um, da Teoria de Representação Social; dois, da psicologia comportamental; e cinco, da Psicanálise como referencial de análise e discussão.

A Psicologia se ocupou do comportamento suicida de maneiras diferentes ao longo desses 10 anos. Inicialmente em 2006 e 2010, destacou-se a busca por identificar na população de adolescentes a ideação suicida (Borges & Werlang, 2006), entender as dinâmicas psíquicas de quem tentava suicídio (Macedo & Werlang, 2007; Cremasco & Brunhari, 2009) e conhecer a crise suicida pela ótica da família (Krüger & Werlang, 2010). Já em 2011, o foco era de caráter psicossocial, tanto os estudos do suicídio entre indígenas (Grubits, Freire, & Noriega, 2011) quanto de representação social (Morais & Sousa, 2011) mostraram como o impacto do choque cultural ou das crises econômicas, como o desemprego, são fatores de risco externos e possíveis de objetos de políticas públicas para prevenção. De 2013 até 2016, predominaram questionamentos sobre como integrar o atendimento (Toro, Nucci, Toledo, Oliveira, & Prebianchi, 2013), as percepções de profissionais sobre o comportamento suicida (Oliveira, Collares, Noal, & Dias, 2016) e os impasses éticos/manejo dos casos (Kovacs, 2013; Zana & Kovács, 2013; Freitas & Martins-Borges, 2014).

As publicações analisadas distribuem-se em: A1 17,6 %, A2 35,3% e B1 47%. Na figura 2, podemos observar que a produção a respeito do comportamento suicida, no recorte de tempo entre 2006 a 2017, varia de um a quatro artigos. Os anos de maior quantidade de publicações foram 2011, com três artigos, e 2013, com quatro artigos.

 

 

A temática da produção sobre o comportamento suicida pode ser verificada no Quadro 2:

Após análise temática dos artigos selecionados sobre comportamento suicida, o conteúdo foi agrupado em quatro categorias temáticas: 1. Dinâmica psíquica relacionada ao suicídio; 2. Causalidade/Fatores de risco e proteção; 3. Suicídio e grupos específicos; e 4. Questões éticas.

 

Discussão dos Resultados

Dinâmica Psíquica Relacionada ao Suicídio

Nessa categoria temática, predominaram estudos da abordagem teórica da Psicanálise, em que o aparelho psíquico, diante de condições muito adversas, experimenta a sobrecarga que leva à saturação, compelindo o sujeito a optar pela morte. Macedo e Werlang (2007), a partir de um caso clínico de paciente em internação hospitalar, pós-tentativa de suicídio, discutem o trauma real e a fantasia e concluem que, diante de uma tentativa de suicídio, faz-se urgente a escuta desse sujeito. Relacionam a tentativa de suicídio à repetição do traumático vivido pela paciente em inúmeras situações: nascimento do irmão quando criança e a violência constante por parte do pai. Diante da impossibilidade de expressar sua dor, o sujeito passa a autoagressão. A parti daí, os autores definem a tentativa de suicídio como um ato-dor.

Em outro estudo, Macedo e Werlang (2007) entrevistam cinco pacientes internados por ingestão de medicamentos, soda cáustica ou morfina e exploram o que denominam de ato-dor como uma falha na simbolização da dor, que resulta numa ação do sujeito contra ele mesmo. Os autores concluem que a vivência de situações traumáticas, ao longo da vida, decorrentes das violências sofridas contribui para uma saturação do aparelho psíquico. Para eles, a descarga desse excesso de intensidade resulta na tentativa de suicídio, em outras palavras, diante da impossibilidade de expressar de outra forma o sofrimento vivido, esses pacientes recorrem à morte como saída para resolver seus conflitos.

Nesse sentido, os estudos de Cremasco e Brunhari (2009) se propõem a examinar a articulação entre a angústia e o suicídio nas obras de Freud e Lacan. Para tanto, os autores se utilizam de trechos de entrevistas, cartas de suicídio ou bilhetes de adeus, apresentando o suicídio ou tentativa como uma forma de descarga frente à angústia, assim como trazido por Macedo e Werlang (2007). Esses autores consideram que, frente a um sofrimento indescritível, o sujeito utiliza o acting out ou passagem ao ato, tendo a morte como a melhor saída frente à angústia.

Assim, a presença de comportamento suicida indica que a dinâmica psíquica está prejudicada, face a situações adversas passadas ou atuais que, ao se acumularem, levam a repetição do traumático no ato suicida, como uma possibilidade de interromper a dor experienciada.

Causalidade/Fatores de Risco e Proteção

Essa categoria contém os estudos que se propuseram a identificar e mapear as possíveis casualidades, fatores de risco e proteção ao suicídio. Morais e Sousa (2011) realizaram um estudo em um município de Pernambuco com alto índice de suicídio, com o intuito de identificar por meio das representações sociais os fatores de risco. Os 12 participantes da pesquisa foram pessoas da comunidade: idosos, professores, gestores e familiares de pessoas que cometeram suicídio. Os resultados mostraram que o suicídio estava ligado a fatores psicossociais: como desemprego, falta de expectativa de vida, profunda tristeza, excesso de medicamentos, problemas pessoais, fracasso e questões financeiras.

Schlösser, Rosa e More (2014) revisaram estudos sobre comportamento suicida ao longo do ciclo vital para identificar fatores de risco e proteção nas fases infanto-juvenil, adulta e velhice. Foi identificado que riscos e fatores protetivos para suicídio na infância eram pouco relatados, já na adolescência os fatores de risco estavam ligados aos maus tratos, aos abusos sexual e físico, à disfunção familiar, à baixa autoestima, ao uso de substância psicoativas, à presença de transtorno mental, principalmente depressão, a conhecer alguém que morreu por suicídio e ter acesso a armas de fogo. Como fatores de proteção, os autores apontam sentimentos de bem-estar, autoestima elevada, flexibilidade emocional e capacidade de buscar ajuda. Na fase adulta, apontam como risco a fragilidade da masculinidade diante do desemprego, o uso de substâncias, as doenças terminais e os transtornos mentais. Como fatores de proteção: ter filhos, possuir boas relações interpessoais, satisfação nas atividades cotidianas, flexibilidade diante de problemas e busca de ajuda quando necessário. Na velhice, como fatores de risco: descuido com medicação, isolamento social, sentimento de culpa ou dependência, rigidez e impulsividade. Como proteção: participar do convívio social, de grupo de pares, preparação para aposentadoria. Concluem por fim, que apesar de cada etapa colocar questões próprias e, em alguns momentos, riscos e proteções específicos, os fatores de risco e proteção estão presentes em todas as etapas da vida.

Pastore e Lisboa (2015), por sua vez, avaliaram: desempenho cognitivo, impulsividade e ideação suicida em 82 pessoas internadas em uma clínica psiquiátrica em Porto Alegre. Os autores dividiram os participantes em dois grupos: um com histórico de tentativa de suicídio e outro sem histórico. A partir daí, os autores aplicaram em cada grupo a Escala Wechsler de Inteligência para adultos (WAIS III), a Escala Barratt de Impulsividade (BIS), a Escala Beck de Suicídio (BSI), a Escala FAST e um questionário sociodemográfico. Pastore e Lisboa (2015) concluíram que não houve distinção quanto ao desempenho cognitivo, já em relação à presença de ideação suicida e a impulsividade, esses quesitos se mostraram maiores no grupo com histórico de tentativa de suicídio. As comorbidades identificadas pelos autores foram dependência química, prevalência de depressão e transtorno de humor bipolar, o que denota semelhança entre os dois grupos. Dessa forma, os autores também concluíram que essa semelhança de resultados de comorbidades constitui um desafio e um alerta para o cuidado em saúde, no que tange à prevenção do suicídio.

Brunhari e Moretto (2015), em um estudo de cunho psicanalítico, discutiram o material clínico; a partir daí, apontaram, como causa principal das tentativas de suicídio, o rompimento amoroso. Os autores consideram o suicídio como o paradigma da melancolia, em que o sujeito, diante da perda do objeto de amor, experimenta o efeito catastrófico de identificação com o objeto de amor e, na ausência dele, mantém o amor no eu, identificando se a ele e, ao tentar matá-lo, recorre ao suicídio.

É possível afirmar que os estudos aqui apresentados concordam que são fatores de risco: situação de violência, isolamento, uso de substâncias psicoativas e rigidez emocional. Dentre os fatores de proteção, destaca-se a importância de possuir vínculos, decorrente disso, ressalta-se o caráter gregário do humano. São ainda considerados fatores protetivos: autoestima elevada, integração nas relações interpessoais e sociais e flexibilidade diante de problemas.

Suicídio e Grupos Específicos

Essa categoria temática agrupa os estudos que relacionam o suicídio a grupos específicos como profissionais de saúde, jovens, familiares e pessoas usuárias de álcool e outras drogas.

Em relação aos profissionais de saúde, os estudos concentram-se em investigar como os profissionais reagem emocionalmente diante do comportamento suicida, a experiência do profissional de psicologia no hospital geral junto aos pacientes que tentaram suicídio, significados do comportamento suicida atribuídos por profissionais de saúde, compreensão do modo como psicólogos lidam com pacientes com ideação ou tentativa de suicídio na prática clínica e investigações de questões éticas.

Oliveira, Collares, Noal e Dias (2016) apontam que os profissionais sentem um forte desconforto emocional diante de atendimentos que envolvam o comportamento suicida, por se sentirem despreparados, academicamente, para acompanhar esses casos. Os autores concluem que o despreparo é um fator que contribui para o desconforto emocional e limita as possibilidades de atendimento ao comportamento suicida. Já Zana e Kovacs (2013), ao entrevistarem psicólogos clínicos, constataram a grande preocupação desses profissionais diante da necessidade de quebra de sigilo, garantido pelo código de ética da classe e a continuidade da relação terapêutica, o que, segundo os autores, constituiu um tema delicado, com grandes implicações pessoais e profissionais.

Toro et al. (2013) relatam a experiência de psicólogos que atuam junto aos pacientes que tentaram suicídio e receberam cuidados no hospital geral, pronto socorro ou centro de terapia intensiva. Afirmam que, apesar do atendimento se dar em um curto intervalo de tempo, devido ao tempo médio de internação, tal atendimento constitui-se em uma importante etapa para continuidade do acolhimento a pessoa no período pós-tentativa de suicídio. Nesse contexto, os autores sugerem a implantação de um protocolo interdisciplinar para avaliar as condições da tentativa e embasar tomadas de decisões futuras da equipe de saúde, no intuito de promover um cuidado em saúde mais integral e menos burocrático.

Quanto ao significado atribuído ao comportamento suicida por parte dos profissionais de saúde, Freitas e Martins-Borges (2014) destacaram a existência de dois eixos de significações: o primeiro entende o suicídio como sofrimento que deveria ser acolhido pelos profissionais, e o segundo, como uma demanda não legítima e inadequada, ou ainda, como um modo de "chamar atenção", não estando assim no escopo de ações que competem ao profissional de saúde.

Em relação ao suicídio e os jovens, Borges e Werlang (2006), em um estudo com 526 adolescentes de 15 a 19 anos, identificaram a ideação suicida e a depressão por meio de escalas em 36% dos participantes e, em 28%, a presença de sentimento de desesperança moderada ou grave. Os autores destacaram, ainda, algumas variáveis relacionadas à ideação suicida: sexo feminino, depressão, tentativa de suicídio de amigo e desesperança. Grubits et al. (2011), por sua vez, apresentaram conclusões de estudos sobre a causa do suicídio de jovens indígenas Guarani/kaiowa, em que se destacam a noção de feitiço, imposição cultural, superlotação das aldeias e confinamento que esse grupo vem sofrendo, como fatores de risco para o suicídio nessa população.

Quanto às famílias, Krüger e Werlang (2010) realizaram estudo sobre a dinâmica familiar diante da crise suicida, seis famílias participaram de intervenções breves com base na teoria sistêmica. Segundo as autoras, o momento da crise suicida de um dos membros da família pode ser também um momento para redimensionar as experiências passadas e as perspectivas futuras, bem como fazer novas escolhas e pensar sobre os rompimentos na família.

Em relação às pessoas em uso de substâncias psicoativas, Almeida, Flores e Scheffer (2013), em estudo comparativo realizado entre homens usuários de substâncias psicoativas e aqueles que não faziam uso, para avaliação das funções executivas, emocionais e ideação suicida, constataram não haver distinção significativa quanto aos dois grupos em relação à cognição, diferente do que a literatura costuma apontar, e sim em relação à expressão de raiva e impulsividade. Com relação à ideação suicida, apenas no grupo de usuários de substâncias psicoativas foi identificado ideação em 24% dos participantes, sendo que outros 24% já haviam tentado anteriormente.

Azevedo e Teixeira (2011) realizaram uma articulação teórica psicanalítica para compreender a relação entre a toxicomania e o ato suicida, com base nos estudos de Freud, Joel Birmam e Jesus Santiago. A partir daí, os autores concluíram sobre a impossibilidade de lidar com o excesso pulsional diante dos obstáculos sociais, assim esses sujeitos buscam uma descarga pulsional não simbólica, por meio do acting out, o ato em si do uso de substancias ou do suicídio.

Nos estudos com profissionais, apareceram questões importantes como concepções e sentimentos diante do comportamento suicida. Em relação aos jovens, considerado um grupo de risco, se confirmou a presença da ideação suicida e, em particular, nos jovens indígenas, além da aculturação e isolamento como um importante foco para ações de prevenção. Nas famílias, o enfoque foi o cuidado a toda família após uma tentativa de suicídio de um membro e deslocou a questão do âmbito indivdual para o campo familiar. Já com os usuários de álcool e outras substâncias, também grupo de risco, destaca-se a necessidade de acolhimento, uma vez que a raiva e a impulsividade frente a dificuldades podem levar ao ato suicida.

Questões Éticas

Em relação às questões éticas e ao comportamento suicida, os dois estudos encontrados discutem os conflitos éticos envolvidos, a pratica clínica do psicólogo e os procedimentos éticos em questão. Kovács (2013), em uma revisão crítica, aponta como o principal conflito ético, em relação ao suicídio e os profissionais de saúde, tentar impedi-lo de todas as formas ou compreender que diante do sofrimento, o suicídio se coloca como uma possibilidade para cessar a dor. Zana e Kovacs (2013), ao entrevistarem psicólogos clínicos, apontam a preocupação com a continuidade e qualidade do atendimento psicológico pós a quebra de sigilo, com a finalidade de prevenir o suicídio. As autoras discutem ainda a necessidade de refletir sobre o desejo de morrer de cada paciente e sobre a possibilidade de quebra de sigilo e não a obrigatoriedade de quebrá-lo, pois, ao se posicionar assim, os psicólogos poderiam estar se aliando ao discurso de outros profissionais de saúde que são formados para "salvar a vida a qualquer custo".

O suicídio, como questão de saúde, convoca os diversos profissionais a intervirem. Nesse sentido, os estudos citados apontam que. diante dessa situação crítica, ainda assim, o cuidado em saúde precisa considerar e legitimar a singularidade e o sofrimento humano, de modo que as tomadas de decisão não ocorram de maneira fácil ou generalizada e principalmente não sejam apenas protocolares.

 

Considerações Finais

O comportamento suicida é complexo, multicausal e compreende muitos aspectos: a ideação, a tentativa e o próprio suicídio, trazendo muitas nuances para o debate como prevenção, identificação do risco, tratamento e intervenções. As Diretrizes Nacionais, os Manuais direcionados a profissionais e os debates do Conselho Federal de Psicologia, sem dúvida se constituem avanços para a construção da Política Pública de Saúde, atenta ao comportamento suicida nos diversos espaços.

O presente trabalho cumpriu com o objetivo proposto de conhecer a produção científica brasileira em Psicologia sobre o comportamento suicida. Em relação ao comportamento suicida em grupo etários, não há estudos sobre crianças na literatura nacional, assim essa lacuna que poderá ser sanada por estudos futuros. Vale ressaltar que a busca realizada se limitou a apenas duas bases de dados, Pepsic e Scielo, e não explorou teses e dissertações.

Percebe-se uma escassez no cenário brasileiro de estudos longitudinais e de pesquisas que propõem intervenções e cuidado aos que apresentam comportamento suicida na rede de atenção psicossocial, para além dos cuidados emergenciais em hospitais. Sobre as questões éticas, o tema é explorado considerando as relações entre profissionais e pacientes, bem como a delicadeza da questão. Apesar de fatores de risco e proteção bem delimitados, nota-se, nessa revisão, uma escassez de estudos sobre a prevenção ao suicídio que abarquem os diversos setores da sociedade e as iniciativas para evitar o acesso a meios letais.

 

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Recebido em: 08/08/2017
Última revisão: 05/10/2018
Aceite final: 23/10/2018

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