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Revista Psicopedagogia

versión impresa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.40 no.122 São Paulo mayo/ago. 2023  Epub 24-Jun-2024

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20230022 

ARTIGO DE REVISÃO

Atuação psicopedagógica na educação gerontológica para um envelhecimento saudável

Psycho-pedagogical performance in gerontological education for healthy aging

Monika Kratzer1 

Rosamaria Rodrigues Garcia2 

1Especialista em Gerontologia; Pós-graduada em Psicopedagogia; Graduada em Letras (Português-Inglês) com habilitação em tradução e interpretação, Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil.

2Fisioterapeuta; Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia; Mestre e doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; Docente do curso de Especialização em Gerontologia do Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil.


Resumo

No envelhecimento, o corpo sofre mudanças, inclusive cognitivas, que podem interferir na qualidade de vida e na funcionalidade das ações do indivíduo. O objetivo geral deste artigo é esclarecer como a Psicopedagogia pode contribuir para manter ou melhorar as funções cognitivas em idosos – devido à possibilidade de ocorrência de declínio cognitivo na velhice –, identificando estratégias que podem ser usadas na atuação clínica e educacional. Este artigo científico é de natureza aplicada, descritiva-exploratória, caracterizada por revisão de literatura com abordagem qualitativa. Foram utilizados os descritores “psicopedagogia” e “idosos”; “idosos” e “estimulação cognitiva”, sendo excluídos materiais que tratassem de idosos com déficit cognitivo ou demência. Foram selecionados nove artigos em língua portuguesa publicados no Brasil no período de 2011-2021 que relacionassem o trabalho psicopedagógico com o público idoso, utilizando a estimulação cognitiva como ferramenta. Os artigos analisados reforçam que a atuação psicopedagógica com idosos pode ser feita como medida preventiva e remediativa. Estratégias interventivas: jogos diversos; atividades de recordação; interpretação de imagens; inclusão digital; atividades artísticas em geral; testes; associações; planejamento; ordenação e lógica; atividades visuoconstrutivas; atividades cognitivas e motoras simultâneas; mudança em elementos e atividades cotidianas. Benefícios relacionados: valorização do idoso, melhora de relações interpessoais, de criação de amizades, da qualidade de vida, da independência, da autonomia, da funcionalidade, da autossuficiência, da autoestima, da autoimagem, do autocuidado, da percepção de problemas sociais, da superação de dificuldades, da quebra de paradigmas, da realização pessoal, da atuação cidadã, no desempenho das atividades de vida diária, resgate de antigos sonhos e projetos de vida.

Unitermos Educação Gerontológica; Psicopedagogia; Idoso; Envelhecimento; Estimulação Cognitiva

Summary

In aging, the body undergoes several changes, including cognitive ones, which can interfere with the quality of life and the functionality of the individual’s actions. The general objective of this article is to clarify how psycho-pedagogy can contribute to maintaining or improving cognitive functions in the elderly – due to the possibility of cognitive decline in old age –, identifying strategies that can be used in clinical and educational activities. This scientific article is of an applied, descriptive-exploratory nature, characterized by a literature review with a qualitative approach. The descriptors “psycho-pedagogy” and “elderly” were used; “elderly” and “cognitive stimulation”, excluding materials that dealt with elderly people with cognitive impairment or dementia. Nine articles in Portuguese published in the period 2011-2021 that related psycho-pedagogical work with the elderly public were selected, using cognitive stimulation as a tool. All analyzed articles reinforce that the psycho-pedagogical performance with the elderly can be done as a preventive and remedial measure. Among the interventional strategies are several games; remembrance activities; image interpretation; digital inclusion; artistic activities in general; tests; associations; planning; ordering and logic; visuoconstruction activities; simultaneous cognitive and motor activities; change in everyday elements and activities. Benefits related: appreciation of the elderly, improvement of interpersonal relationships, creation of friendships, improvement of the quality of life, independence, autonomy, functionality, self-sufficiency, self-esteem, self-image, of the self, the perception of social problems, overcoming problems, breaking personal care, improving citizenship, improving the performance of activities of daily living, rescuing old dreams and life projects.

Keywords Gerontological Education; Psycho-Pedagogy; Elderly; Aging; Cognitive Stimulation

Introdução

A aprendizagem está presente na vida dos seres humanos durante toda a existência, pois sempre estamos aprendendo algo novo, seja a manusear um lançamento eletrônico, seja a usar um novo aplicativo de smartphone, seja a mudar atitudes ao se deparar com uma situação inusitada. Hoje sabemos que, diferentemente do que se achava, o cérebro humano tem plenas capacidades de aprender coisas novas sempre, inclusive na velhice, pois tem contínua produção de novos neurônios. O que muda no processo de aprendizagem, portanto, é a forma como ela acontece.

Durante o envelhecimento, o corpo humano sofre diversas mudanças, inclusive cognitivas, que podem interferir diretamente na qualidade de vida da pessoa e na funcionalidade de suas ações. De acordo com Bortolanza et al. (2005), o declínio dos aspectos biopsicossociais pode limitar o indivíduo a realizar atividades que antes fazia, privando-o de determinadas situações e restringindo sua participação social.

Levando em consideração o aumento da longevidade humana e o crescente número de idosos no mundo – idosos esses que, no geral, tendem a aprender a lidar com novas demandas e situações todos os dias –, é de extrema importância associar a Psicopedagogia – área do conhecimento que articula ações interdisciplinares de educação e saúde e que tem como objeto de estudo qualquer processo de aprendizagem – à Gerontologia – ciência que estuda o envelhecimento humano. A respeito disso, Bortolanza et al. (2005, p. 162) enfatizam que “atualmente, a psicopedagogia está voltada para a compreensão do ser humano, no seu processo de aprendizagem, nas diferentes etapas de sua vida, direcionando o seu olhar também para o idoso”.

Com o avanço da expectativa de vida e o surgimento de grande número de doenças neurodegenerativas, cresceu também o interesse social e científico no envelhecimento saudável. As disfunções cognitivas trazem não só custo financeiro para as pessoas e para o Estado, mas também têm alto custo emocional tanto para as vítimas quanto para seus familiares. Prevenção e tratamento, portanto, são o foco de diversas áreas do conhecimento, principalmente das Neurociências (Bear et al., 2008).

A ONU, em Assembleia Geral de dezembro de 2020, declarou que o período de 2021-2030 seria a “Década do Envelhecimento Saudável”, numa tentativa de chamar a atenção para o despreparo mundial no que diz respeito ao atendimento das especificidades da pessoa idosa e na necessidade imediata de promover uma velhice mais saudável, independente e autônoma (Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde [OPAS/OMS], 2022). Com relação a isso, o Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-Brasil) publicou, já em 2015, um relatório intitulado Envelhecimento Ativo: um marco político em resposta à Revolução da Longevidade, no qual estabelece que as políticas públicas precisam estar embasadas nos quatro pilares do envelhecimento ativo: saúde, aprendizagem ao longo da vida, participação, segurança/proteção.

Nesse sentido, estudos diversos já comprovaram que a estimulação cognitiva auxilia na prevenção de demências e na desaceleração de demências diagnosticadas. Sendo assim, o objetivo geral deste artigo é esclarecer como a Psicopedagogia pode contribuir para manter ou melhorar as funções cognitivas em idosos – devido à possibilidade de ocorrência de declínio cognitivo na velhice –, identificando, para isso, estratégias psicopedagógicas que podem ser usadas na atuação clínica e educacional com o objetivo de prevenir ou remediar o aparecimento de declínios cognitivos em idosos saudáveis.

Como objetivos específicos, estão: abordar a importância da manutenção da aprendizagem durante a velhice; discutir a estimulação cerebral como ferramenta de manutenção das funções cognitivas; analisar e discutir estudos científicos que mostrem a aplicabilidade da Psicopedagogia na estimulação cognitiva de pessoas idosas, bem como em outras atividades relacionadas à aprendizagem de pessoas nessa faixa etária, como alfabetização e inclusão digital.

Acredita-se que este estudo contribuirá para o trabalho de psicopedagogos, pedagogos, neuropsicopedagogos e demais profissionais que tenham como foco o desenvolvimento e a manutenção cognitiva de pessoas idosas, já que objetiva fazer um apanhado de estratégias para tal finalidade. Justifica-se também incentivar profissionais de diversas áreas da saúde e da educação a recorrerem à atuação interdisciplinar com psicopedagogos visando a aplicação de estratégias psicopedagógicas em pessoas idosas para prevenção desses declínios cognitivos.

Além disso, por meio de recomendações feitas por profissionais do público-alvo deste estudo, pretende-se conscientizar a população geral, tanto idosa como não idosa, a buscar auxílio profissional para manter uma cognição saudável na velhice, já que o conceito de envelhecimento ativo e saudável abrange não somente a área física, mas mental, emocional e social. Espera-se, por fim, por meio da disseminação de conhecimento, contribuir para o desenvolvimento de hábitos que auxiliem um processo de envelhecimento ativo e funcional visando bem-estar e qualidade de vida na velhice.

Referencial teórico

A população mundial envelhece exponencialmente e cresce com ela a necessidade de dedicar atenção especial para a fase “mais longa” da vida: a velhice. Os fatores que impactam diretamente no envelhecimento da sociedade vão além do avanço tecnológico, da ciência e da medicina, já que incluem melhores condições gerais de infraestrutura e saneamento básico, principalmente para populações socialmente vulneráveis; crescimento econômico, maior presença da mulher no mercado de trabalho e consequente diminuição das taxas de natalidade; aumento do autocuidado, da prática de atividade física e do cultivo de hábitos alimentares saudáveis, entre outros. Com isso, não somente os jovens envelhecem, mas também os velhos ficam cada vez mais velhos (Papalia & Feldman, 2013; Barboza & Wisniewski, 2017; Bastos, 2019; Moura, 2020; Rocha, 2012; Oliveira et al., 2017; Bortolanza et al., 2005).

A longevidade, no entanto, traz consigo questões importantes como o aumento da incidência de doenças neurodegenerativas e psicossociais, já que viver mais nem sempre é sinônimo de viver com qualidade, boa saúde, autonomia e independência. Apesar disso, o envelhecimento populacional mundial trouxe à luz um novo modo de compreender a velhice, pois hoje entende-se que muitos problemas são resultantes de doenças, hábitos de vida e influência do ambiente, não necessariamente próprios do envelhecimento, o que explica, portanto, em partes, o fato de os declínios físicos e mentais da senescência começarem em idades diferentes para pessoas diferentes.

Além disso, analisando a expectativa de vida, em vez de considerar a idade numérica, passamos a pensar em quantidade de anos que se pode viver sem deficiências que afetem seu desempenho físico e social (Papalia & Feldman, 2013). Torna-se essencial, portanto, o cuidado do indivíduo como um todo, considerando seu bem-estar físico, mental, social e emocional, sem deixar de lado o entrelaçamento desses campos e a influência que exercem entre si, a fim de conservar e/ou melhorar a qualidade de vida pelo maior tempo possível.

O corpo humano passa por diversas mudanças enquanto envelhece, algumas delas visíveis, como a cor e textura dos cabelos e da pele, e algumas delas menos perceptíveis, como as estruturas e o funcionamento de órgãos internos e o organismo em geral (Papalia & Feldman, 2013; Barboza & Wisniewski, 2017; Bastos, 2019; Santos et al., 2019; Oliveira et al., 2017; Bortolanza et al., 2005). São alterações orgânicas, sistêmicas, cerebrais, sensoriais, psicomotoras, no sono e nas funções sexuais. Além das perdas físicas, o idoso também sofre com perda de autoestima, de representatividade do seu papel na família, no trabalho e na sociedade em geral, perda do poder aquisitivo e econômico, do poder de decisão, da presença de parentes e entes queridos (Bastos, 2019; Santos et al., 2019; Oliveira et al., 2017; Bortolanza et al., 2005). Devido ao tema deste trabalho, será dado foco às características de envelhecimento do cérebro, por estarem relacionadas à aprendizagem, mas é obrigatório considerar o envelhecimento global do corpo, já que o aprendizado humano ocorre principalmente pelas vias sensoriais e psicomotoras.

Com o envelhecimento, o cérebro humano diminui de volume e peso, tem redução na quantidade do neurotransmissor dopamina e diminuição na bainha de mielina. Tais alterações impactam diretamente no controle das funções executivas, na regulação da atenção e no declínio cognitivo e motor, respectivamente. Em contrapartida, o cérebro mais velho passa a criar novas células nervosas no hipocampo, área relacionada à aprendizagem e à memória, e ativa mais áreas do que um cérebro novo durante tarefas cognitivas, usando vias alternativas para resolução de problemas (Papalia & Feldman, 2013; Bastos, 2019; Santos et al., 2019).

Normalmente, as mudanças que ocorrem com o envelhecimento do cérebro de pessoas saudáveis são sutis e fazem pouca diferença em seu funcionamento, variando consideravelmente de uma pessoa para outra, de uma região do cérebro para outra, e de um tipo de tarefa para outro. Além disso, a plasticidade do cérebro pode “reorganizar os circuitos neuronais para responder ao desafio do envelhecimento neurobiológico”. (Park & Gutchess, 2006, como citado em Papalia & Feldman, 2013, p, p. 107)

Ou seja, os declínios cognitivos de ordem genética ou biológica (inteligência fluida) podem ser, de certa forma, amenizados pelas influências culturais e sociais (inteligência cristalizada) que o indivíduo teve no decorrer da vida (Silva et al., 2013).

É importante lembrar que muitas pessoas acima de 60 anos sofrem de doenças crônicas, como a hipertensão, e doenças mentais, como a depressão, que quando não controladas podem interferir nas capacidades cognitivas e na aprendizagem. Em adultos mais longevos é comum também o aparecimento de demências, que são caracterizadas pelo declínio comportamental e cognitivo de causas fisiológicas ‒ há mais de 50 causas de demências de origem conhecida, mas as mais comuns são Alzheimer e Parkinson. Outro ponto relevante no trabalho com idosos é a compreensão básica da farmacologia usada para tratamento dos problemas de saúde geralmente apresentados nessa faixa etária, já que podem causar efeitos colaterais que influenciam diretamente nas funções mentais e cognitivas da pessoa idosa.

Mas, apesar de tantos declínios e enfraquecimentos, a conservação da lucidez é capaz de manter viva a memória coletiva e a transmissão de ideias e valores. É preciso aprender até mesmo a conviver com as limitações da idade, privilegiando o bem-estar pelo exercício cerebral, a busca de conhecimento e novas experiências e o convívio social, uma vez que a interferência humana no mundo acontece por meio da cognição (Bortolanza et al., 2005). Conhecemos hoje, portanto, uma revolução cultural do envelhecimento humano, na qual se entende que a melhor forma de experienciar a velhice é com saúde (OPAS/OMS, 2022).

O entrelaçamento entre a Psicopedagogia e a Gerontologia

O Código de Ética do Psicopedagogo (2022) tem estabelecido no Artigo 1o do Capítulo 1 (Dos princípios) que:

A Psicopedagogia é um campo de conhecimento e ação interdisciplinar em Educação e Saúde com diferentes sujeitos e sistemas, quer sejam pessoas, grupos, instituições e comunidades. Ocupa-se do processo de aprendizagem considerando os sujeitos e sistemas, a família, a escola, a sociedade e o contexto social, histórico e cultural. Utiliza instrumentos e procedimentos próprios, fundamentados em referenciais teóricos distintos, que convergem para o entendimento dos sujeitos e sistemas que aprendem e sua forma de aprender.

Parágrafo 1o – A intervenção psicopedagógica é da ordem do conhecimento, relacionada com a aprendizagem, considerando o caráter indissociável entre os processos de aprendizagem, as dificuldades e as possibilidades dos sujeitos e sistemas.

Parágrafo 2o – A intervenção psicopedagógica ocorre com diferentes sujeitos e sistemas, quer sejam pessoas, grupos, instituições e comunidades, considerando os processos de aprendizagem e seus contextos, em situações de pesquisa, de atendimento clínico e/ou institucional.

Com relação aos instrumentos de trabalho, afirma-se no Artigo 12 do Capítulo V (Dos instrumentos) que “são instrumentos da Psicopedagogia, aqueles que servem ao seu objeto de estudo – a aprendizagem humana. Sua escolha decorrerá da formação profissional e competência técnica do psicopedagogo” (Código de Ética do Psicopedagogo, 2022).

Entende-se, aqui, portanto, que a Psicopedagogia é a área do conhecimento que lida com quaisquer processos de aprendizagem humana relacionados a indivíduos diversos e heterogêneos, levando em consideração as características inerentes de tais indivíduos. Além disso, o profissional de Psicopedagogia pode recorrer a todos os instrumentos de que dispor de acordo com sua formação e experiência pessoal.

Já de acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG, 2022), Gerontologia:

É o estudo do envelhecimento nos aspectos – biológicos, psicológicos, sociais e outros. Os profissionais da Gerontologia têm formação diversificada, interagem entre si e com os geriatras.

Campo científico e profissional dedicado às questões multidimensionais do envelhecimento e da velhice, tendo por objetivo a descrição e a explicação do processo de envelhecimento nos seus mais variados aspectos. É, por esta natureza, multi e interdisciplinar. Na área profissional, visa a prevenção e a intervenção para garantir a melhor qualidade de vida possível dos idosos até o momento final da sua vida.

Com relação ao profissional especialista em Gerontologia, a SBGG enfatiza que tal profissional pode ter formação superior em diversas áreas do conhecimento, e que precisa ser “apto para lidar com questões do envelhecimento e da velhice, com um olhar interdisciplinar a partir da sua área original de conhecimento” (2022). Ela também estabelece que:

A atuação profissional pode ser de prevenção, de ambientação, de reabilitação ou nos cuidados paliativos, abrangendo, entre outras, as seguintes áreas: ensino; pesquisa; educação comunitária; promoção de saúde; controle e tratamento de doenças; reabilitação; apoio psicológico; manutenção e promoção da autonomia e independência; adaptação ambiental; reinserção no contexto social; atividades corporais e comportamentais; segurança e defesa de direitos; antropologia; educação. (SBGG, 2022)

A Gerontologia, assim como a Psicopedagogia, aqui definida, é uma especialidade de formação de base múltipla, que exige do profissional uma visão crítica e especializada sobre a velhice e o envelhecimento, em seus diversos aspectos.

Com relação ao entrelaçamento da Psicopedagogia com a Gerontologia, Júlia Eugênia Gonçalves, em sua obra Psicopedagogia para adultos e idosos: diagnóstico e intervenção (2020), estabelece que:

a Psicopedagogia é, portanto, um campo do conhecimento humano essencial para a sociedade da informação dos tempos atuais, que articula saberes e fazeres de forma transdisciplinar e atende os indivíduos em suas necessidades de Educação Continuada no espaço lúdico da aprendizagem no qual desejo e conhecimento se mesclam em criatividade.

Estimulação cognitiva

A estimulação cognitiva se define como um grupo de estratégias de intervenção cognitiva baseadas na plasticidade cerebral que pressupõe a reorganização de sinapses neurais com o intuito de melhorar o desempenho cognitivo, aumentar a capacidade da memória e aprimorar habilidades em tarefas de atenção, linguagem, velocidade de processamento e outras, observando-se, inclusive, efeitos de generalização tanto para tarefas similares quanto para tarefas distantes.

O treino de habilidades cognitivas tem sido um dos principais tratamentos não farmacológicos para a manutenção da saúde cognitiva em seres humanos, já que não gera efeitos adversos e acaba sendo o tipo de intervenção financeiramente mais viável. Ainda não há um protocolo de programa de intervenção tido como o mais eficaz, o que abre possibilidades para um leque de treinos com variedade de duração, intensidade, técnicas e ferramentas, sendo, atualmente, exploradas também ferramentas eletrônicas e aplicativos digitais, o que beneficia idosos com dificuldades de mobilidade ou questões de distanciamento (Brum et al., 2018).

Saúde e bem-estar mental na velhice

Chegar à velhice com boa qualidade cognitiva é um dos principais marcos de velhice bem-sucedida, já que estudos comprovam que, quanto melhor é o desempenho cognitivo, mais alto é o grau de independência, autonomia e socialização. Silva e Silva referem que o Centers for Disease Control e a Alzheimer Association estabelecem como desempenho cognitivo saudável o funcionamento de:

domínios como linguagem, pensamento, memória, funções executivas . . ., julgamento, atenção, percepção, capacidade de lembrar habilidades. . . e a capacidade de manter objetivos na vida. . . a saúde cognitiva refere-se à capacidade de manter as habilidades cognitivas, funcionais e a rede de contatos sociais ativos. (Silva & Silva, 2018, p. 9)

Estudos na área do envelhecimento mental indicam que o declínio cognitivo costuma se acentuar por volta dos 70 e 80 anos de idade e sofre grande influência de fatores socioeducacionais, neurofisiológicos e ambientais, o que caracteriza um processo bastante diverso e variável. No entanto, há comprovações de que o fator que mais influencia é a escolaridade, devido ao desenvolvimento neuronal (Silva & Silva, 2018).

Há na literatura indicações consistentes de que o engajamento em atividades cognitivamente desafiadoras, associadas a atividades físicas, contribuem para a plasticidade cerebral, para a criação de novos processos sinápticos e para a formação de novos neurônios, ou seja, é preciso que a aprendizagem esteja presente no dia a dia do indivíduo, principalmente durante a velhice, para que a cognição se mantenha ativa e saudável.

O ILC-Brasil, no documento referido anteriormente, enfatiza que a aprendizagem ao longo da vida perpassa por todos os demais pilares do envelhecimento ativo, ou seja, “nos instrumentaliza para permanecer saudáveis, relevantes e engajados na sociedade” (ILC-Brasil, 2015, p. 49).

Método

Este artigo científico é de natureza aplicada, descritiva-exploratória, cuja estratégia de pesquisa caracteriza-se por revisão de literatura com abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada por consulta à literatura técnica acerca do tema, consistindo de obras impressas, revistas eletrônicas, artigos e livros digitais. Foram consultados também bancos de dados públicos – Scientific Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual de Saúde e Google Acadêmico – e bancos de dados privados – Medline Complete, Dynamed Plus e Minha Biblioteca do Centro Universitário São Camilo.

Foram utilizados os descritores “psicopedagogia” e “idosos”; “idosos” e “estimulação cognitiva”, sendo excluídos deste trabalho artigos incompletos e materiais produzidos de forma não científica, bem como materiais que tratassem de idosos com déficit cognitivo ou demência. Foram selecionados, portanto, materiais em língua portuguesa (nove artigos) publicados no Brasil no período de 2011-2021 que tratassem de idosos saudáveis e relacionassem o trabalho psicopedagógico com o público idoso, utilizando a estimulação cognitiva como ferramenta do psicopedagogo. Nesse ponto, é importante ressaltar que, mesmo com o aumento dos estudos na área do envelhecimento, ainda há poucas publicações relacionando as áreas de Psicopedagogia e Gerontologia, o que justifica a seleção de apenas nove artigos encontrados no período de 10 anos.

Resultados

Barboza e Wisniewski (2017) ressaltam que a Psicopedagogia pode contribuir para a melhoria da aprendizagem em idosos a partir da identificação de potencialidades e dificuldades de cada indivíduo, considerando os declínios que podem ocorrer com o envelhecimento. A atuação pode ser tanto preventiva quanto terapêutica e deve ser feita sem estereótipos ou preconceitos. As autoras destacam também o papel inclusivo e de valorização do idoso que a educação assume, “ampliando suas relações interpessoais, melhorando sua qualidade de vida, sua autoestima, e autoimagem” (Barboza & Wisniewski, 2017, p. 34). Por fim, as autoras reforçam que o exercício da memória é a melhor maneira de preservá-la e citam algumas práticas como jogar jogos de xadrez, fazer palavras cruzadas, realizar exercícios mentais diários simples como recordar fatos cotidianos, aprender a usar o computador, a fazer pinturas, a cantar ou tocar um instrumento musical, entre outras atividades. Um envelhecer bem-sucedido pode estar relacionado à continuidade de aprendizado de coisas novas.

Bastos (2019) analisou sete artigos publicados em 2018 que tratavam de idoso e Psicopedagogia. Ela enfatiza a falta de preparo de muitos profissionais no que diz respeito ao trabalho com idosos, já que uma atuação equivocada pode marginalizar o aprendente em vez de incluí-lo, e sinaliza que a própria trajetória de vida do idoso interfere no processo de envelhecimento, que comumente passa por uma quebra de paradigmas para que a aprendizagem se concretize. Sugere ainda que o profissional que trabalha com aprendizagem deve possibilitar ao idoso novas descobertas e novas possibilidades de aprendizado, pois trabalha com a “interpretação do desenvolvimento cognitivo, social e motor e suas relações com o ambiente” (Bastos, 2019, p. 556), a fim de criar vínculos afetivos com a aprendizagem e atuar de forma interventiva e preventiva, capaz de minimizar os declínios cognitivos e melhorar a qualidade de vida.

Bastos (2019) evidencia que quase metade dos idosos brasileiros é analfabeta e identifica um nicho de trabalho psicopedagógico importante, assim como de criação de políticas públicas que envolvam educação e envelhecimento. Outro ponto elencado é a baixa procura de idosos por cursos do Ensino Superior, que traria benefícios pessoais e sociais a eles. Além disso, aponta que intervenções individuais ou em grupos com atividades de memória, jogos de tabuleiro, jogos de palavras, atividades de coordenação motora auxiliam no processo de reserva cognitiva e, nesse sentido, salienta a importância da Neuropsicologia, que fornece recursos para a identificação da modalidade e do estilo de aprendizagem, bem como os recursos usados por cada idoso para aprender. Ela ressalta, ainda, a relevância do suporte familiar para que o aprendizado aconteça, dando destaque para o trabalho com as habilidades emocionais e de comunicação.

Silva et al. (2013) afirmam que a pessoa idosa, se adequadamente estimulada, apresenta grande potencial cognitivo para novos conhecimentos pedagógicos, tecnológicos e culturais. Os autores sinalizam o despreparo dos profissionais de educação no que diz respeito ao ensino para idosos, bem como a falta de políticas públicas eficazes e direcionadas a esse público, enfatizando que conhecer como ocorre a aprendizagem no cérebro em envelhecimento é essencial para elaborar métodos precisos para a educação na velhice. Indicam, ainda, a alfabetização como estratégia desafiadora e emancipatória, já que proporciona o desenvolvimento de habilidades cognitivas, sendo trabalho do psicopedagogo colaborar para uma educação gerontológica que leve em consideração o contexto e as experiências de vida do idoso, a manutenção do foco atencional, o aumento do tempo para execução de uma tarefa, a eliminação de distrações e a repetição verbal e visual.

Moura (2020) ressalta a importância de dar atenção às necessidades educativas do idoso, bem como às especificidades do envelhecimento, pensando ações psicopedagógicas assertivas e que atuem em problemas de aprendizagem não identificados em fases anteriores da vida do ser aprendente, que pode ou não ter mantido seus padrões de funcionalidade, autonomia e independência na velhice. Ela elenca as seguintes demandas do trabalho psicopedagógico: promoção da autoestima ao retomar projetos de vida interrompidos; identificação de situações causadoras de dificuldades de aprendizagem; auxílio na identificação de transtornos neurobiológicos; auxílio no planejamento de estudos e nova atividade profissional; intervenções cognitivas (treino, estimulação, reabilitação).

No relato de caso que Moura (2020) apresenta é possível perceber os benefícios da estimulação cognitiva e seus efeitos positivos nas atividades de vida diária do idoso, ressaltando que esse tipo de serviço não cresce na mesma proporção que o país envelhece, e que é preciso valorizar as potencialidades do idoso e torná-lo protagonista de qualquer ação direcionada a ele.

Rocha (2012) aponta a modificabilidade neurofuncional, princípio da plasticidade cerebral, como responsável pelas novas aprendizagens e consequente retardo do envelhecimento pela formação de reserva cognitiva cerebral, e sinaliza que os avanços da Neurociência atualmente subsidiam a definição de estratégias de estimulação ou reabilitação cerebral. Ressalta que a ação psicopedagógica tem como objetivo otimizar ou reabilitar o potencial cognitivo do idoso, enriquecendo-o ou compensando dificuldades e, para isso, busca identificar a modalidade de aprendizagem (perfil de modificabilidade) do sujeito antes de iniciar uma intervenção, que pode acontecer individualmente ou em grupos, e apresenta benefícios e melhoria de qualidade de vida. Por fim, Rocha reforça a necessidade de haver profissionais bem preparados para a realização desse trabalho psicopedagógico.

Cleto e Penna (2011) chamam a atenção para a necessidade de profissionais especializados para atender às exigências atuais dos idosos, que são específicas e de natureza diversa, inclusive educacional, que traz qualidade de vida, inclusão social e valorização ao sujeito. Para tanto, é preciso uma mudança de pensamento em relação às condições físicas, mentais e comportamentais da pessoa idosa, que está muito mais ativa, independente e participativa. Os autores apresentam uma definição de gerontologia educacional fomentada por autores renomados e a categorizam em educação direcionada aos idosos; educação sobre velhice e idosos; e educação de capacitação profissional para lidar com o público idoso. Ressaltam também que a gerontologia educacional dá suporte para a “construção de uma velhice digna, por meio de intervenção pedagógica e prevenção de perda cognitiva precoce” (Cleto & Penna, 2011, p. 15).

Cleto e Penna (2011) afirmam que, de acordo com a bibliografia analisada, a educação para o idoso precisa dispor de ferramentas pedagógicas capazes de valorizar sua experiência de vida, suas potencialidades e sua visão de mundo, além de estimulá-lo de maneira global: motora, cognitiva, afetiva, social e espiritualmente, com atividades cognitivas, lúdicas e prazerosas (exercícios, jogos, testes, quebra-cabeças, enigmas, atividades com tabuleiro) que estimulem a inteligência, a criatividade, a memória, o raciocínio lógico, a agilidade mental, as associações. Além disso, destacam a motivação (vínculo afetivo com a aprendizagem) e a psicomotricidade (função motora e de percepção) como fatores essenciais para uma aprendizagem efetiva. Como sugestões, os autores indicam como recurso educacional para o idoso as universidades de terceira idade, estimulação cognitiva associada à psicomotricidade, estudo da informática e de novas tecnologias.

Guimarães et al. (2020) chamam a atenção para a concretização do envelhecimento populacional e a necessidade de conscientização das pessoas para a situação do idoso na sociedade e suas condições cognitivas, e ressaltam que os conhecimentos da Neurociência contribuem para o envelhecimento saudável. Uma dessas contribuições é a noção de que o cérebro é capaz de criar uma reserva cognitiva a partir de estímulos ambientais e experiências desafiadoras (plasticidade cerebral), permitindo a manutenção das funções cerebrais no envelhecimento. Outro ponto relevante é a descoberta de que quase todos os seres produzem novos neurônios em todas as fases da vida.

Esses autores afirmam que o treino cognitivo tem o intuito de gerar independência e autonomia para os idosos melhorando a qualidade de vida deles e de seus familiares, já que atua em suas funções físicas, psíquicas e sociais. Eles estabelecem que o treino cognitivo deve ser personalizado, ou seja, de acordo com o perfil cognitivo do idoso e seu repertório intelectual e social. Deve-se fazer uma anamnese e propor atividades que trabalhem a memória, a linguagem, o planejamento, a ordenação, a lógica, as habilidades visuoespaciais e as principais funções executivas. Deve-se também explicar ao idoso o motivo de fazer estimulação cognitiva para que ele se conscientize sobre essa necessidade, assim como incentivar a prática de atividades físicas e as relações sociais.

Santos et al. (2019) recordam que o envelhecimento e o declínio cognitivo acontecem de diferentes formas em diferentes pessoas, dependendo das singularidades de cada uma e seu estilo de vida, e que a estimulação cognitiva é feita para “melhorar o desempenho das funções cognitivas” (Santos et al., 2019, p. 38) por meio de exercícios capazes de formar novas sinapses cerebrais e induzir a plasticidade cerebral. Além disso, chamam a atenção para o uso de jogos eletrônicos para fins de desenvolvimento de habilidades cerebrais (atenção, memória, raciocínio lógico, concentração, sistematização de conhecimento), autonomia, autossuficiência, sociabilidade e inclusão digital, desde que usados de forma lúdica e prazerosa.

Esses autores relacionam a tecnologia à vida da pessoa idosa e apontam que há a necessidade de os idosos se manterem atualizados com as inovações digitais, garantindo a independência e a inserção sociocultural. Reforçam também que além da prática é necessário que eles compreendam a utilidade desses recursos tecnológicos e como eles podem contribuir para o bem-estar deles na vida cotidiana, auxiliando-os a superar déficits cognitivos que possivelmente tenham em decorrência da idade. Após a finalização do estudo feito, foi possível concluir que o uso de aplicativos de jogos eletrônicos em smartphones é uma excelente ferramenta psicopedagógica para estimulação cognitiva, já que provou trazer benefícios e melhorias não só cognitivas, mas também psicoemocionais, elevando a autoestima, o bem-estar e a participação social do idoso.

Oliveira et al. (2017) ressaltam o alerta feito pela Organização Mundial de Saúde sobre o despreparo dos sistemas de saúde atuais no que diz respeito ao atendimento do crescente número de idosos, além da carência de políticas públicas que deem conta dessa demanda. Afirmam, ainda, que uma velhice saudável é feita da combinação de hábitos saudáveis de alimentação, convívio social, estimulação motora e estimulação cognitiva, pois o cérebro é o órgão que menos envelhece, já que é capaz de gerar novos neurônios e também novas conexões entre neurônios já existentes.

Com relação à atuação psicopedagógica, as autoras reforçam que, antes de iniciar um atendimento, é preciso conhecer o idoso, seu contexto social, estilo de vida, grau de instrução, cultura, situação econômica e social e hereditariedade. O trabalho de estimulação exercita habilidades de “atenção, concentração, equilíbrio, memória, percepção espacial, visual, auditiva, olfativa, tátil, gustativa, coordenação ampla e fina, organização espaço-temporal, raciocínio, sequência lógica” (Oliveira et al., 2017, p. 24), entre outras; e dentre os benefícios alcançados estão a melhoria no desempenho psicomotor, na capacidade funcional, na autonomia, no equilíbrio, na integração social, na atenção, na concentração, na memória, na aprendizagem, na velocidade de raciocínio, na linguagem etc.

Elas ressaltam, ainda, a importância de realizar tarefas duais que combinem capacidade motora e cognitiva, fazer atividades com a mão não dominante, fazer caminhos diferentes, mudar a ordem de tarefas rotineiras, mudar móveis e objetos de lugar, fazer atividades como quebra-cabeças, jogos de memória, criação de objetos a partir de imagens, jogos e tabuleiros e enigmas. O psicopedagogo torna-se mediador entre o idoso e a construção de conhecimentos.

Discussão

Barboza e Wisniewski (2017) e Cleto e Penna (2011) mencionam o Estatuto do Idoso como política pública que evidencia a aprendizagem como direito do idoso e critério de qualidade de vida. Bastos (2019), além do Estatuto do Idoso, cita a Política Nacional do Idoso como instrumento público de referência para a prática. Já Oliveira et al. (2017) mencionam apenas a Política Nacional do Idoso como publicação reguladora.

Com relação à justificativa do trabalho psicopedagógico com idosos, Barboza e Wisniewski (2017), Bastos (2019) e Moura (2020) citam termos do Código de Ética do Psicopedagogo. Quanto à fonte de atualizações de informações, procedimentos e metas, Oliveira et al. (2017), Bastos (2019), Rocha (2012) e Santos et al. (2019) pautam-se pelas orientações da Organização Mundial da Saúde.

Todos os artigos analisados reforçam que a atuação psicopedagógica com idosos pode ser feita como medida preventiva e remediativa (curativa ou de reabilitação). Como prevenção, a intervenção se dá com o intuito de munir o indivíduo de recursos cognitivos (reserva cognitiva) capazes de manter a atividade cerebral e a funcionalidade de suas funções mentais, bem como evitar ou retardar a manifestação de alguma demência. Como reabilitação, a intervenção visa evitar ou retardar o avanço de quadros demenciais e auxiliar o idoso a privilegiar o uso de habilidades mentais que ainda estão preservadas para ter mais funcionalidade, independência e autonomia em suas atividades de vida diária.

São bastante presentes em vários estudos as descobertas atuais da área da Neurociência, que evidenciam a neuroeducação como fonte norteadora de conhecimentos para a prática educacional, seja ela gerontológica ou não.

Dentre as estratégias de atividades que podem ser usadas para intervenção com idosos mencionadas pelos autores lidos estão: jogos de tabuleiro, xadrez; jogos diversos; jogos e diagramas de palavras e números; jogos de memória; atividades de recordar fatos do dia a dia ou outros fatos relevantes; criação de objetos a partir de imagens; inclusão digital com uso de computadores, smartfones, tablets e outras tecnologias; atividades que envolvam música ou instrumentos musicais; atividades artísticas; atividades de canto; testes; quebra-cabeças; enigmas; associações; planejamento; ordenação e lógica; atividades visuoconstrutivas; realização de atividades cognitivas e motoras simultâneas; mudança na ordem das atividades cotidianas; mudança de caminhos; mudança de decoração de um ambiente.

No geral, para montar uma metodologia de trabalho eficaz com idosos, é preciso que sejam estimuladas as habilidades de memória, percepção, atenção, concentração, equilíbrio, criatividade, linguagem, comunicação, socialização, funções executivas, inteligência, inteligência emocional, raciocínio verbal, raciocínio lógico, raciocínio visual, raciocínio abstrato, agilidade mental, esquema corporal, estruturação espacial, competências motoras ampla e fina, habilidades manuais, competências espirituais, competências sensoriais, lateralidade, orientação temporal.

Com relação aos benefícios atingidos com a estimulação psicopedagógica, foram elencados valorização do idoso, melhora de suas relações interpessoais, criação de novas amizades, melhoria da qualidade de vida, da independência, da autonomia, da funcionalidade, da autossuficiência, da autoestima, da autoimagem, do autocuidado, da percepção de problemas sociais, da superação de dificuldades, da quebra de paradigmas, da realização pessoal, da melhora da atuação cidadã, da melhora no desempenho das atividades de vida diária, do resgate de antigos sonhos e projetos de vida.

Para a atuação da prática psicopedagógica com idosos, são enfatizadas as seguintes orientações:

  • criar oportunidades de novas aprendizagens;

  • valorizar as potencialidades do paciente idoso;

  • guiar-se pelo repertório intelectual e social do idoso, ou seja, basear-se nos saberes obtidos por ele ao longo da vida (contextos e experiências);

  • levar em conta a individualidade de cada idoso;

  • ter acolhimento emocional;

  • identificar a existência de dificuldades de aprendizagens pré-existentes e nunca diagnosticadas;

  • aumentar o tempo de execução das tarefas para que o idoso consiga realizá-la, eliminando distrações e favorecendo a repetição verbal e visual;

  • ter em mente que o aprendizado pode ser tanto acadêmico quanto não acadêmico;

  • desenvolver o vínculo afetivo do idoso em relação à aprendizagem, para que ela de fato aconteça;

  • assegurar que a estimulação cognitiva traga atividades cognitivas e motoras, lúdicas, prazerosas e desafiadoras;

  • explicar ao idoso o porquê de determinada atividade estar sendo feita e elencar as habilidades desenvolvidas com ela para que ele esteja ciente e tenha melhor adesão à prática educativa;

  • incentivar que o idoso também pratique atividades físicas, tenha uma alimentação saudável e mantenha ativas as relações sociais.

Grande parte dos artigos analisados trazem duas problemáticas importantes: a escassez de políticas públicas e investimento financeiro direcionados ao público idoso e à continuidade educacional para pessoas 60+, independentemente do tipo ou da meta de estudo, principalmente a alfabetização de jovens adultos, que, além de garantir o pleno exercício da cidadania, favorece toda a aprendizagem que o idoso venha a ter; e o despreparo dos profissionais da educação para lidar com o público idoso como aprendente, já que se sugere a necessidade de conhecer os declínios cognitivos e motores que podem acontecer com o envelhecimento para que a didática e a prática educacional sejam melhores e mais bem desenvolvidas.

Por fim, a título de curiosidade, dentre os materiais excluídos deste trabalho estão diversos artigos que analisam a eficácia de intervenções baseadas em estimulação cognitiva tanto em idosos saudáveis quanto em idosos demenciados e todos eles apontam ganhos significativos, em diversas escalas e em diferentes áreas da vida, seja social, pessoal, familiar etc., em maior ou menor grau, comprovando o alcance de bem-estar e qualidade de vida para o idoso.

Considerações

Entendemos com este estudo que a estimulação cognitiva comprovadamente auxilia na prevenção e no tratamento de declínios cognitivos e que essa atividade pode ser desenvolvida com idosos por psicopedagogos por meio de testes de rastreamento e protocolos interventivos, associando a prática aos conhecimentos da Gerontologia.

Dentre as estratégias psicopedagógicas que podem ser usadas na atuação clínica e educacional com o objetivo de prevenir ou remediar o aparecimento de declínios cognitivos em idosos saudáveis, estão: jogos de tabuleiro; xadrez; jogos diversos; jogos e diagramas de palavras e números; jogos de memória; atividades de recordar fatos do dia a dia ou outros fatos relevantes; criação de objetos a partir de imagens; inclusão digital com uso de computadores, smartphones, tablets e outras tecnologias; atividades que envolvam música ou instrumentos musicais; atividades artísticas; atividades de canto; testes; quebra-cabeças; enigmas; associações; planejamento; ordenação e lógica; atividades visuoconstrutivas; realização de atividades cognitivas e motoras simultâneas; mudança na ordem das atividades cotidianas; mudança de caminhos; mudança de decoração de um ambiente.

Conclui-se também que ainda há poucas políticas públicas envolvendo a educação gerontológica e que, para haver uma mudança de cenário, é imprescindível que os representantes políticos do país pensem nessa questão como estratégia de saúde e prevenção de doenças, garantindo à pessoa madura acesso à educação com métodos apropriados e a um envelhecimento respeitoso e com mais qualidade de vida. Nesse sentido, é importante ressaltar que as políticas públicas devem ser precursoras de uma mudança de visão em relação ao envelhecimento humano, atuando ativamente contra atitudes preconceituosas, na tentativa de erradicar o etarismo (ou idadismo), e incentivando a intergeracionalidade e a valorização da pessoa idosa, sendo que, para isso, deve-se começar (mas não se limitando a isso) pela atuação na Educação Infantil e na Educação Básica, vista a função escolar de formação cidadã.

Ademais, entende-se que há carência do mercado por serviços especializados para o público 60+, tanto como oferta de serviço quanto como qualificação profissional, o que demonstra ser um nicho com muitas possibilidades de pesquisa, inovação e atuação. Quanto ao preparo dos profissionais atuantes com idosos, é importante que sejam instruídos adequadamente de forma a compreender as alterações do envelhecimento humano e a aprender a tratar a pessoa idosa com dignidade e respeito, proporcionando-lhe a autonomia e a independência que lhe forem alcançáveis.

O envelhecimento mundial chegou muito antes do que as pessoas esperavam, e podemos perceber agora uma corrida em busca da saúde perdida no decorrer dos anos. Convenciona-se que o envelhecer físico, cognitivo e socialmente ativo é a melhor forma de poder viver essa fase da vida, mas como fazer isso em uma sociedade que não se preparou para viver a velhice? É necessário mudar hábitos, atitudes e formas de pensar não apenas nos idosos de hoje, mas em todas as pessoas, pois virão a ser idosos um dia. A conscientização é, portanto, uma das alternativas de intervenção.

A velhice é uma das fases da vida pela qual todas as pessoas passarão, com suas marcas, seus declínios, suas desvantagens, muitas das quais inevitáveis e progressivas. O envelhecer chega para cada indivíduo de um jeito diferente, que o sente de maneira diferente e o experiencia dos modos mais diversos. Em contrapartida, viver o envelhecer pode ser uma caminhada carregada de conquistas, evoluções e aprendizados, principalmente o aprendizado de ressignificar a vida a cada dia e a cada mudança esperada ou não.

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Trabalho realizado no Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil.

Recebido: 23 de Junho de 2022; Aceito: 01 de Julho de 2023

Correspondência: Monika Kratzer Centro Universitário São Camilo R. Raul Pompéia, 144 – Pompeia – São Paulo, SP, Brasil – CEP 05025-010 E-mail: monikakratzer85@gmail.com

Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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