IV. MEMÓRIA

 

Vida e obra de Renato Ferraz Kehl

 

 

Nascido na cidade de Limeira, Estado de São Paulo, a 22 de agosto de 1889, onde passou grande parte da sua existência, faleceu em São Paulo, em 14 de agosto de 1974, Renato Ferraz Kehl, que foi um dos grandes expoentes no desenvolvimento da Eugenia e ciências afins, no Brasil. Suas contribuições foram tão importantes que transcenderam a outros países da América Latina e também da Europa.

As ideias de Kehl sobre o tema se apoiaram inicialmente nas contribuições de Francis Galton, que considerava a Eugenia como o aprimoramento das qualidades raciais humanas, tanto do ponto de vista hereditário, quanto do desenvolvimento físico, psíquico e moral. Chamou-lhe a atenção o posicionamento daquele cientista, considerado precursor dos estudos estatísticos, destacando-se pela introdução da Curva Normal que leva seu próprio nome. Foi baseando-se nestes conhecimentos que Galton desenvolveu suas descobertas sobre Eugenia, as quais apresentou no | Congresso Internacional desse campo, realizado na Inglaterra, em 1912. Foi quando Kehl tomou contato pessoal com Galton e pôde, com ele, dar começo ao desenvolvimento de suas próprias ideias sobre a matéria.

Formado pela então Faculdade de Farmácia de São Paulo e, posteriormente, pela memorável Faculdade de Medicina do Brasil, no Rio de Janeiro, dedicou-se inicialmente ao exercício da clínica médica e, mais tarde, à área da saúde pública, exercendo o cargo de Inspetor Sanitário Rural. Nesta função, contribuiu significativamente para a organização dos serviços de educação sanitária relacionados com a lepra e as doenças venéreas, preocupações essenciais da saúde pública, na época. Possuidor de extensa cultura humanística e destacado interesse científico, incursionou-se em diferentes áreas do saber, a partir da Eugenia, em cujo campo realizou importantes conquistas, sempre deixando transparecer o respeito que tinha pelo ser humano. São provas, uma variedade de publicações, editadas em sua maioria pela tradicional Livraria Francisco Alves e em sucessivas edições. Publicou 30 livros, alguns deles traduzidos em espanhol, e muitos artigos em jornais para o grande público e em revistas de caráter científico.

Desse legado, citam-se algumas obras de seu interesse inicial, a Eugenia e Medicina (1920) e, posteriormente, uma publicação mais abrangente, Por que sou Eugenista - 20 anos de Campanha Eugênica (1917-1937) (1938). Colaborou com a empresa médica leiga no Brasil, na Argentina, no Peru e na Espanha, tendo sido também redator fundador do Boletim de Eugenia e dos Anais de Eugenia. Durante muitos anos, Renato Kehl, como era assim conhecido, foi colaborador assíduo no jornal A Gazeta de São Paulo e no periódico limeirense Letras da Província.

À partir desse enfoque básico de natureza eugênica, o ilustre médico, estendeu seus interesses a uma variedade de assuntos de caráter psicológico, ético, social e filosófico. Suas publicações, quer de natureza científica, quer de divulgação, continham um colorido em comum, isto é, o bem-estar do homem. Como curiosidade, também escreveu às crianças; sua publicação Fada Hygia foi a elas dirigida, sendo até impressa em 6º edição. Citam-se de suas obras, aquelas especificamente psicológicas, trazendo em seu bojo ideias inovadoras e de vanguarda: a Interpretação do Homem, a Psicologia da Personalidade (5º edição) e a Conduta. No primeiro texto, divulgou, com análise crítica, a Caracteriologia de Kretschmer, então em vigor no mundo científico; no segundo, a conceituação de personalidade, cujas ideias básicas continuam em vigência e, no terceiro, a difusão de normas éticas dirigidas principalmente aos cuidados com o ser humano. Além disso, enriqueceu esse contexto psicológico com uma variedade de artigos de divulgação sobre orientação familiar, terceira idade, saúde, entre outros. Dessas últimas contribuições, Renato Kehl lançou as primeiras ideias sobre o aconselhamento psicológico e os princípios éticos, extensíveis à atuação dos psicólogos, na atualidade.

O ilustre médico não permanecia apenas no plano das publicações e na participação das entidades associativas profissionais, nacionais e internacionais, mas atuava com veemência, em movimentos em prol da saúde mental da população, tendo sido membro ativo do Conselho Consultivo da Liga de Higiene Mental e também do Conselho de Assistência e Proteção ao Menor. Por seus méritos no desenvolvimento das ciências médicas, assim designadas, fora escolhido como titular da Academia Nacional de Medicina do Brasil e também .da Academia Nacional de Medicina do Peru.

Em síntese, por esta singela exposição do seu legado, pode-se afirmar que Renato Ferraz Kehl marcou época no pioneirismo da ciência psicológica no Brasil. Por esta razão foi escolhido, por esta Academia, Patrono da Cadeira nº 13, que leva seu nome. Na oportunidade do centenário de seu nascimento (1989), quando da posse do autor desta exposição, como sucessor de João Souza Ferraz para a referida Cadeira, foi homenageado, mais uma vez, por seu relevante legado à ciência que nos ocupa.

 

Fontes:

- Kehl, R. (1917) Eugenia. São Paulo, Jornal do Comércio.         [ Links ]

- Kehl, R. (1938) Por que sou eugenista - 20 anos de Campanha Eugênica (1917-1937. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves.         [ Links ]

- Ferraz, S. J. (1980) Nomes que poderiam ser lembrados. Limeira: Letras da Província, n. 209.         [ Links ]

- Ferraz, S. J. (1980) Renato Ferraz Kehl, Patrono da Academia Paulista de Psicologia. Limeira: Letras da Província, n. 211.         [ Links ]

- Pérez-Ramos, J. (1989) Palavras do novo Acadêmico. São Paulo: Acervo da Academia Paulista de Psicologia.         [ Links ]

 

 

Juan Pérez-Ramos
Cadeira nº13, "Renato Kehl"
(Boletim APP ano XXII, nº 3/02, pp.6-7)