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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versión On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.16 no.4 Ribeirão Preto oct./dic. 2020

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.166424 

ARTIGO ORIGINAL

 

Análise cognitiva das representações sociais de profissionais da emergência hospitalar sobre suicídio*

 

Análisis cognitivo de las representaciones sociales de los profesionales de emergencias hospitalarias sobre el suicidio

 

 

Saulo Sacramento MeiraI,II; Alba Benemérita Alves VilelaIII; Claudia Ribeiro Santos LopesIV; Jeorgia Pereira AlvesIII; Hernane Borges de Barros PereiraV,VI

IUniversidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Ciências da Saúde, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil
IIBolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil
IIIUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Departamento de Saúde, Jequié, BA, Brasil
IVUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Departamento de Ciências e Tecnologias, Jequié, BA, Brasil
VUniversidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação, Salvador, BA, Brasil
VICentro Universitário Senai Cimatec, Modelagem Computacional, Salvador, BA, Brasil

Autor correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar os conteúdos constitutivos das representações sociais do suicídio dos profissionais de saúde do setor de pronto atendimento por meio de uma análise da rede cognitiva.
MÉTODO: estudo baseado na Teoria das Representações Sociais realizado com 104 profissionais de pronto-socorro de um hospital na Bahia, Brasil. A técnica de associação livre de palavras foi realizada com o termo suicídio, gerando uma rede semântica analisada pelo modelo de redes cognitivas.
RESULTADOS: a rede foi composta por 42 vértices (palavras evocadas pelos profissionais) e 273 arestas (conexões entre palavras), com um grau médio de 13. A estrutura representacional foi formada por quatro dimensões (biológica, afetivo-psicológica , social e religiosa) que explicavam a interface entre os termos primários (ie, núcleo central) de "desespero", "depressão", "doença", "tristeza", "morte", "ausência de Deus" e "fragilidade familiar" E os termos secundários (ie, periferia) "solidão","falta de amor", "fraqueza", "sofrimento emocional", "frustração", "conflito", "solução", "erro", "medo", "não aceitação", "ansiedade", "falta de controle" e "morte".
CONCLUSÃO: apesar da presença de aspectos reducionistas, a estrutura representacional criada pelos profissionais de saúde do hospital investigado transmitiu o significado e a imagem do suicídio em suas multidimensões, favorecendo mudanças nas práticas para melhorar a compreensão do suicídio.

Descritores: Suicídio; Emergência; Serviço de Emergência Hospitalar; Morte; Representações; AnCo-REDES.


RESUMEN

OBJETIVO: analizar los contenidos constitutivos de las representaciones sociales del suicidio por parte de los profesionales de la salud en el servicio de urgencias a través de un análisis de la red cognitiva.
MÉTODO: estudio basado en la Teoría de las representaciones sociales realizado con 104 profesionales de la sala de emergencias de un hospital en Bahía, Brasil. La técnica de asociación de palabras libres se realizó con el término suicidio, generando una red semántica analizada por el modelo de red cognitiva.
RESULTADOS: la red estaba compuesta por 42 vértices (palabras evocadas por profesionales) y 273 aristas (conexiones entre palabras), con una calificación promedio de 13. La estructura de representación estaba formada por (biológica, afectivo-psicológica, social y religiosa) eso explicaba la interfaz entre los términos principales (es decir, núcleo) de "desesperación", "depresión", "enfermedad", "tristeza", "muerte", "ausencia de Dios" y "fragilidad familiar" Y los términos secundarios (es decir, periferia) "soledad", "falta de amor", "debilidad", "sufrimiento emocional", "frustración", "conflicto", "solución", "error", "miedo", "no aceptación", "ansiedad", "Falta de control "y" muerte ".
CONCLUSIÓN: a pesar de la presencia de aspectos reduccionistas, la estructura de representación creada por los profesionales de la salud del hospital investigado.

Descriptores: Suicidio; Emergencia; Servicio de Emergencia del Hospital; Muerte; Representaciones; AnCo-REDES.


 

 

Introdução

Considerado honorável ou imoral, um ato individual ou um fato social, o suicídio tem estado presente ao longo da história da humanidade. No entanto, as discussões sobre suicídio continuam dinâmicas e abrangentes em todas as sociedades. Como com outras formas de morte, as pessoas não gostam de falar de suicídio, seja por seus aspectos controversos ou pela imoralidade que adquiriu ao longo do tempo em sociedades e instituições.

Abordar este tópico é um desafio e sua relevância vem ganhando atenção da mídia e da ciência por meio de boletins e relatórios destacando estimativas preocupantes, incluindo o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) "Prevenindo o Suicídio: Um Imperativo Global"(1), que constatou que a incidência de suicídio é que ocorre a cada 40 segundos em todo o mundo, o que corresponde a mais de 800 mil mortes por ano. Além disso, estima-se que, para cada pessoa que comete suicídio, pelo menos 20 outras tentam se suicidar.

Uma pesquisa recente da OMS(1) relatou que os suicídios são responsáveis por 1,4% de todas as mortes em todo o mundo, tornando-a a 15ª maior causa de mortalidade entre a população em geral em 2012. Além disso, a prevalência foi maior entre os homens do que entre as mulheres nesta série longitudinal. Além disso, é a quarta principal causa de morte entre as pessoas de 15 a 29 anos, embora a prevalência seja maior entre a população idosa.

A crescente tendência global para o suicídio tem intrigado diferentes grupos sociais, políticos e econômicos, e o assunto permanece controverso mesmo entre os profissionais de saúde responsáveis pela prevenção do suicídio e pela resposta e cuidado de indivíduos com comportamento suicida.

Os serviços de saúde são responsáveis por responder aos casos de suicídio. Neste contexto, os serviços de emergência hospitalar destacam-se por lidar com a maioria dos casos de tentativas falhadas de suicídio; portanto, o trabalho dos profissionais de saúde que cuidam de pacientes suicidas constitui um espaço privilegiado(2).

Apesar destes serviços, os comportamentos suicidas nem sempre são tratados adequadamente pelo pessoal hospitalar, quer devido à intensa dinâmica dos serviços de emergência, quer devido à falta de formação e à dificuldade associada ao tratamento de doentes suicidas. Esses pacientes são geralmente considerados como parte de um grupo com comportamentos estereotipados e não como pacientes individuais. Por este motivo, profissionais de saúde, como enfermeiros, médicos, psicólogos e profissionais de serviço social, tendem a ter comportamentos estereotipados, caracterizados pela hostilidade e rejeição(3-4).

A literatura sobre este problema continua a ser escassa. No entanto, a rotina diária de atendimento de urgência e emergência demonstra a necessidade de cuidados adequados, manejo de pacientes e intervenções educativas sobre suicídio. A Teoria da Representação Social expressa uma espécie de conhecimento produzido socialmente nas práticas quotidianas e pode contribuir para a investigação do fenômeno do suicídio no contexto hospitalar, por meio da compreensão e explicação do fenômeno do suicídio; na definição da identidade dos profissionais de saúde, bem como na salvaguarda da sua especificidade e para justificar, a posteriori, as posições tomadas por uma rede na perspectiva de uma assistência sanitária abrangente.

Neste contexto, surgem as seguintes questões: Quais são as representações sociais do suicídio criadas pelos profissionais de cuidados de emergência? Que elementos simbólicos o pessoal hospitalar considera envolvidos no cuidado destes pacientes? O autor da Teoria da Representação Social (TRS)(5) mostrou que a representação social é uma estrutura organizada e não simplesmente um pequeno reflexo da realidade. Além disso, esta abordagem direcionada para a ação orienta as relações e ações sociais, bem como os comportamentos e práticas intergrupais.

Portanto, o objetivo deste estudo foi determinar a estrutura das representações sociais do suicídio criadas pelos profissionais de emergência por meio de uma análise da rede cognitiva.

 

Método

Este estudo exploratório e qualitativo, baseado na TRS, foi realizado no serviço de emergência de um hospital público localizado em Jequié, Bahia, Brasil. Os participantes foram selecionados por amostragem não probabilística de acordo com o cronograma dos profissionais de atendimento de emergência que trabalham no hospital. O critério de inclusão foi o emprego, como profissional de emergência, de diferentes categorias, incluindo enfermeiros, médicos, psicólogos, técnicos de Enfermagem e assistentes sociais, independentemente do estatuto laboral (temporário ou permanente). Foram excluídos da participação os funcionários que não estavam presentes devido a férias ou licença de maternidade, bem como aqueles que não puderam ser encontrados após três tentativas de recrutamento em dias alternados do horário hospitalar. Todos os profissionais participantes declaram por escrito ou fornecem informações gratuitas.

O procedimento de coleta de dados foi realizado durante o primeiro semestre de 2017 no mesmo hospital após os participantes assinarem um documento de consentimento livre e esclarecido e conduzido por um pesquisador para garantir a homogeneidade na coleta de dados. O tempo médio de recolha de dados por participante foi de aproximadamente 30 minutos.

A técnica escolhida foi a livre associação de palavras e o termo indutor foi "suicídio". O número máximo de evocações por participante foi de cinco. As palavras faladas foram organizadas em um documento Word, que constituiu o corpus de análise. As palavras ou termos foram registrados na ordem em que foram mencionados. A tarefa foi explicada aos participantes antes da recolha de dados. Em seguida, perguntou-se, aos participantes, se tinham compreendido o funcionamento da técnica.

O modelo utilizado para a análise cognitiva foi o AnCo-REDES(6) e os dados foram avaliados usando Gephi, versão 0.8.2 beta.

O uso de redes semânticas permite, aos pesquisadores, identificar padrões, representações e modelos em sistemas complexos, incluindo fluxo de informação e conhecimento sobre um tema específico dentro das narrativas. O objetivo deste estudo foi identificar os significados de suicídio criados pelos trabalhadores de cuidados de emergência. O modelo AnCo-REDES é baseado na Teoria dos Grafos em que os vértices representavam as palavras e as bordas denotavam as conexões entre as palavras, criando, assim, uma rede semântica. Este modelo constitui um sistema de representação do conhecimento definido como um conjunto de palavras ou expressões interligadas relacionadas com o significado das representações de um grupo específico(6).

Os parâmetros de análise de rede escolhidos foram baseados na Teoria da Rede e incluiu o número de vértices (n = |V|), o número de arestas (m = |E|), o grau médio (<k>) e dois parâmetros utilizados na análise das redes sociais: Centralidade de Graus (CG) e Centralidade Eigenvetorial (CE). O grau médio da rede (<k>) foi usado como ponto de corte para a análise, enquanto CG correspondia ao número de conexões entre um vértice (palavra) e outras palavras dentro da rede, indicando a centralidade local do vértice. O modelo AnCo-REDES permitiu, aos investigadores, identificar elementos para uma análise cognitiva da estrutura das representações sociais (ou seja, o núcleo central, primeira periferia, elementos de contraste e segunda periferia), estabelecendo métricas baseadas nas seguintes medidas de vértices(7): núcleo central (CG > k e CE > 0,75); primeira periferia (CG > k e 0,60 < CE < 0,75); elemento de contraste (CG > k e 0,45 < CE < 0,60) e segunda periferia (CG < k ou CG > k com CE < 0,45).

Este estudo atende aos requisitos da Declaração da Associação Médica Mundial de Helsinque e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - (CEP/UESB) por meio do Número de Parecer: 1.269.923 e CAAE: 05900012.2.0000.0055.

 

Resultados e discussão

O total de 104 profissionais participou do estudo e seus dados sociodemográficos, religiosos e de atendimento hospitalar estão descritos na tabela 1. Revela-se que, considerando as 12 perdas para acompanhamento, a amostra do estudo foi heterogênea em relação à formação profissional, pois a natureza do trabalho hospitalar criou diferentes perspectivas sobre o objeto de estudo. Os cuidados prévios prestados aos pacientes suicidas e a adesão a práticas religiosas são variáveis relevantes, bem como a predominância do sexo feminino, e podem afetar a representação do suicídio.

 

 

A rede semântica apresentada na Figura 1 destaca-se por ter uma configuração de componente único, ou seja, uma conexão entre todos os vértices da rede. Acrescenta-se, considerando os 42 vértices (ou seja, as palavras evocadas por cada um dos 104 profissionais) e os 273 bordos (ou seja, as conexões entre palavras), que o grau médio da rede foi de 13. Este resultado indica que os vértices com CG < 13 foram elementos da segunda periferia na estrutura de representação social.

As palavras evocadas pelos profissionais de cuidados de emergência foram agrupadas de acordo com a abordagem estrutural da TRS e são apresentadas na Tabela 2.

A estrutura representativa foi organizada por dimensões biológica, afetivo-psicológica, social e religiosa (Figura 2). A dimensão biológica incluiu os termos "doença", "depressão" e "morte" no núcleo central e "ansiedade", "solução" e "falta de controle" na zona de contraste. A dimensão afetivo-psicológica era composta pelos termos "desesperança", "depressão", "tristeza" e "baixa autoestima" no núcleo central e "falta de amor", "aflição emocional", "frustração", "conflito", "medo" e "não aceitação" na primeira periferia. A dimensão social incluiu os termos "fragilidade familiar", "solidão" e "fraqueza" na primeira periferia e "erro" e "matar" na zona de contraste. A dimensão religiosa incluiu o termo "ausência de Deus".

Dimensão Biológica

A dimensão biológica explica a representação ao incluir os termos "doença", "depressão" e "morte" no núcleo central. É importante notar que o núcleo central estrutura a representação social, exerce uma função geradora e produz o significado básico da representação, ao mesmo tempo em que organiza a representação, determinando a distribuição dos elementos(8-9). Neste sentido, os profissionais de emergência explicaram o suicídio como uma disfunção orgânica e, portanto, como um indivíduo de acordo com a teoria psiquiátrica de Pinel e Esquirol do século XIX. Esta teoria foi a primeira a identificar as causas do suicídio associadas à loucura e cuja natureza patológica foi historicamente tratada apenas com intervenções clínicas, incluindo choques violentos para corrigir "defeitos mentais"(10).

O suicídio foi e está frequentemente associado a distúrbios psiquiátricos; mais recentemente, tem sido associado à esquizofrenia e ao abuso de álcool e outras drogas, em particular(11). Os profissionais participantes também atribuíram um forte significado à depressão, concordando com o relatório da OMS(12) que afirma que a depressão e as tentativas de suicídio são os principais preditores do risco de suicídio. Estas suposições derivam da literatura psiquiátrica e são corroboradas pelas principais diretrizes de saúde, incluindo as da Classificação Internacional de Doenças e Problemas de Saúde Relacionados (CID-10) e do Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-V), bem como as escalas e inventários internacionalmente conhecidos, como o Beck's Depression Inventory, que avalia os sintomas depressivos(13). A associação entre suicídio e depressão é indiscutível. No entanto, estes problemas são multifatoriais e tanto os fatores de risco (ou seja, predisponentes) como as suas causas (ou seja, fatores precipitantes) devem ser analisados para além dos fatores individuais para considerar os preconceitos sociais e culturais(14).

O significado mais relevante da doença no contexto das representações do suicídio é apoiado pelos elementos secundários (periféricos), que expressam experiências e histórias individuais, incluindo a heterogeneidade do grupo e as suas contradições(9). Além disso, estes elementos reforçam as ideias de centralidade ao incluir outros fatores associados ao uso de medicamentos e tratamentos (segundos elementos periféricos), possivelmente devido à natureza intervencionista dos profissionais, dada a dificuldade associada à previsão de um indivíduo cometer suicídio.

A correlação entre o elemento "morte" (termo central do núcleo) e os termos da segunda periferia "solução" e "falta de controle" indica ambivalência em relação à representação do suicídio. Parece que a falta de controle é um distúrbio de associação de pensamento e considerado um critério importante para o diagnóstico de esquizofrenia(15). Além disso, este autor acreditava que a falta de controle provoca ambivalência no indivíduo: um sentimento entre os desejos de querer viver e provocar a própria morte como solução para acabar com o sofrimento, uma decisão que leva a um tipo de vida nova.

Neste contexto, a presença do elemento de contraste "ansiedade" é justificada. É importante ressaltar que os termos com baixa frequência são posicionados na zona de contraste ou, no caso de uma análise de rede cognitiva, com CG> k e 0,45 < CE < 0,60. No entanto, estes termos são igualmente importantes para os participantes porque foram evocados(9), demonstrando que a ansiedade é incluída na estrutura interna das representações, tanto por indivíduos que experimentam o conflito interno causado pela ambivalência como por profissionais de saúde que são treinados para manter e salvar vidas a qualquer custo e sentem que suas intervenções terapêuticas são questionadas quando confrontados por esses pacientes(16). Outro processo que demonstra a ansiedade é a possibilidade de suicídios entre pacientes em atendimento médico, afetando fortemente outros pacientes, familiares e a equipe de atendimento, além de produzir sentimentos de culpa, raiva e ansiedade(17).

Portanto, elementos centrais, constitutivos do pensamento social, estão presentes nestas representações e ajudam a organizar e a compreender a realidade vivida por indivíduos ou grupos(8).

Dimensão social

A dimensão social criada pelos profissionais de emergência incluiu o termo "fragilidade familiar". Estes profissionais salientaram a importância deste elemento no que diz respeito à estrutura representativa do suicídio, possivelmente por meio da compreensão da sua função primária como integrador das características individuais e das relações sociais. Resultados de pesquisas sobre fragilidade familiar concluíram que famílias instáveis e estruturais têm grande dificuldade em lidar com eventos externos. Além disso, as famílias expõem ambientes desconfortáveis e depreciados, desenvolvendo sentimentos de confusão, inadequação e baixa autoestima fortemente relacionados com o suicídio(18).

Observe também que as interligações podem ser usadas com os termos da segunda periferia "morte prematura", "jovem" e "inocência", pois refletem o papel crítico que a fragilidade familiar desempenha como fator de risco entre crianças e adolescentes(19). Estes profissionais acreditam que a integração familiar é altamente relevante para o desenvolvimento de relacionamentos, interações e execuções.

Além disso, a integração social é mantida por mecanismos como atividades laborais, ambiente escolar e outras obrigações sociais, na perspectiva de que a probabilidade de suicídio aumenta à medida que a coesão social diminui em associação com situações presentes na zona de contraste (por exemplo, desemprego e fragilidade social). Esta separação social, reconhecida no suicídio como "suicídio egoísta", é mais provável de ocorrer quando os indivíduos se sentem excluídos de grupos sociais e a vida perde sentido(20).

O elemento de contraste "matar" também está relacionado com "fragilidade familiar" (um termo central), indicando a sua semelhança com a descrição dos elementos que contribuem para o suicídio. O desejo de matar pode ser dirigido ao eu ou ao mundo exterior (incluindo os entes queridos). No caso deste último, quando a instabilidade emocional investida em um ou mais objetos se desprende do eu, o impulso homicida liberado é dirigido à pessoa que o originou, como um objeto substituto, compreendendo, assim, um tipo de homicídio deslocado(21).

O elemento representativo "solidão" está diretamente associado à "fragilidade social" e é descrito como uma manifestação de suicídio egoísta(20). A baixa integração dos indivíduos na sociedade deve-se ao aumento da marginalização, voluntária ou não, combinada com a redução ou falta de confiança social, o que pode desencadear sentimentos de vazio e isolamento, aumentando o sofrimento mental destes indivíduos.

Dimensão afetivo-psicológica

A dimensão afetivo-psicológica inclui os aspectos emocionais do suicídio governados por sentimentos negativos e pessimistas. Os elementos centrais "desesperança", "tristeza" e "baixa autoestima" refletem as opiniões dos participantes sobre os sentimentos dos seus pacientes em relação ao suicídio. A combinação de desesperança e tristeza como sentimentos de falta de sucesso e desagrado pelo futuro não esperando a verdadeira satisfação(22) causa "frustração" (um primeiro termo periférico) sobre a perspectiva de interromper a vida como algo precioso e "não aceitação"; é uma "morte prematura". Os suicídios anômicos ou egoístas podem ser entendidos não como castigos, mas como tentativas de fuga que ocorrem quando as forças esmagadoras da sociedade fazem os indivíduos sentirem-se perdidos ou sozinhos(20).

Profissionais de saúde mental estudaram, em detalhe, a representação simbólica do "desespero". As evidências apontam que o sentimento de esperança é validado como um elemento de importância significativa nas medidas de risco de suicídio, atuando como mecanismo de proteção contra desejos suicidas(23), e que o diagnóstico precoce dos níveis de desesperança pode ajudar a prevenir o suicídio(24).

Estudos mostraram que pacientes suicidas tendem a confundir emoções. Esta descoberta foi corroborada pela presença dos termos "conflito" e "medo" na zona de contraste(25-28). A literatura também indica que estes elementos fazem parte do autoconceito, na perspectiva de que os limites do eu são incertos entre relações pouco saudáveis nas quais os indivíduos não sabem onde terminam os seus desejos e fantasias ou onde começam os dos outros(27). Diante de relações quebradas e/ou perda de um parceiro, esta relação sinérgica causa a perda de parte do self.

Os profissionais de saúde percebem que muitos indivíduos que tentam o suicídio não querem morrer. No entanto, eles sentem-se infelizes com a vida e experimentam o medo e a não aceitação, que são causados pela indecisão e por problemas emocionais complexos, como a ansiedade.

Neste contexto, foram analisadas as tentativas de suicídio dos jovens e observou-se que a falta de amor (primeiro termo periférico) limitava as capacidades de autoavaliação e autocorreção quando o amor não era correspondido e levava à angústia de experimentar a morte(28). Neste sentido, a baixa autoestima é um elemento central do suicídio produzido pela falta de amor. Os profissionais de saúde devem considerar o suicídio como tendo uma origem psicológica por meio da manifestação de traços de identidade dentro das relações.

Dimensão religiosa

Os aspectos religiosos emergiram dos profissionais de saúde investigados por meio das evocações do termo "ausência de Deus", sinalizando a existência de possíveis relações entre aspectos biológicos e metafísicos nas representações sobre suicídio.

Historicamente, a espiritualidade, nas suas mais variadas concepções, constitui a identidade sociocultural de diferentes sociedades, especialmente as ocidentais, e manifesta-se quase diretamente na vida quotidiana dos indivíduos, comunidades e serviços. Acredita-se que, para evitar o horror da finitude humana, o sofrimento associado à deterioração do corpo após a morte e uma obsessão pela vida, a humanidade criou religiões e crenças que garantiriam a imortalidade para escapar à perda da individualidade, para se tornar nada, e o vazio(29) sendo qualquer ato contrário à manutenção da vida confrontada com uma certa reserva e moralização por parte dos profissionais de saúde.

Algumas explicações para estas construções simbólicas dos profissionais de saúde têm origem no seu conhecimento histórico comum, dado que a religião foi fundamental na formação de representações e atitudes em relação ao suicídio. Santo Agostinho e, depois, São Tomás de Aquino descreveram a posição da igreja e consideraram o suicídio como pecaminoso e moralmente mau(30) porque a vida era a representação do sagrado para as culturas monoteístas e tinha alta relevância teológica. Estes componentes simbólicos são relevantes para a construção do conhecimento sobre o suicídio.

A explicação sobre a influência dos fatores sociais e espirituais na conexão entre o indivíduo e a comunidade, baseada na análise sociológica do suicídio, surgiu na França do século XIX(20) e questionou a demonização dirigida ao suicídio, sugerindo que os indivíduos religiosos mostraram maior coesão a partir da configuração dos cultos religiosos. Esta tendência para manter os encontros comunitários aumentou a coesão social que, associada a outros estímulos em torno da fé, impulsionou a resiliência humana e reforçou o significado existencial e um propósito de permanecer vivo.

A correlação entre a "ausência de Deus" (um termo central) e a "fé" (um segundo termo periférico), expressa pela coleta de dados, indica aspectos genéricos desta dimensão não física relacionada à espiritualidade, transmitindo um sentido mais transcendente da vida, desprovido de formas, referências e símbolos(31), que permite uma compreensão da existência a partir de uma perspectiva mais ampla e profunda do que a realidade mais imediata. Para este subgrupo de profissionais de saúde, a fé representa paciência e esperança para o futuro e a sua ausência representa suicídio.

As fortes relações entre religião, família e política são evidentes em um ambiente hospitalar e criam percepções, atitudes, práticas, relacionamentos e opiniões sobre o cuidado de pacientes suicidas.

 

Considerações Finais

Apesar da constituição das representações deste grupo, acrescentando muito conhecimento reificado ou, pelo menos, técnico-profissional e considerando a maior ênfase na dimensão biológica, as representações criadas pelos profissionais de saúde do hospital investigado transmitiam diferentes significados para o suicídio, incluindo aspectos biológicos, afetivo-psicológicos, sociais e religiosos, que favorecem mudanças nas práticas individuais e coletivas para uma melhor compreensão do suicídio.

Neste sentido, as representações sociais foram estruturadas em um núcleo central no qual o desespero, a depressão, a doença, a tristeza, a morte, a ausência de Deus, a fragilidade familiar e a baixa autoestima foram elementos de maior significado, sendo estes elementos centrais apoiados por elementos secundários (periféricos).

Quanto às implicações para a prática dos cuidados de saúde, as ideias, convicções e pensamentos dos profissionais de saúde podem ser usados para melhorar a aceitação e o cuidado dos pacientes suicidas.

 

Agradecimentos

Ao Hospital Geral Prado Valadares (HGPV), localizado no interior do Estado da Bahia, por disponibilizar os espaços e seus profissionais para que colaborassem com as informações contidas nessa pesquisa.

 

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Autor correpondente:
Saulo Sacramento Meira
E-mail: saulo_meira@hotmail.com

Recebido: 07.02.2020
Aceito: 15.07.2020

 

 

Contribuição dos autores: Concepção e planejamento do estudo: Saulo Sacramento Meira e Alba Benemérita Alves Vile. Obtenção dos dados: Saulo Sacramento Meira e Alba Benemérita Alves Vile. Análise e interpretação dos dados: Saulo Sacramento Meira, Alba Benemérita Alves Vile, Claudia Ribeiro Santos Lopes, Hernane Borges de Barros Pereira e Jeorgia Pereira Alves. Análise estatística: Saulo Sacramento Meira, Claudia Ribeiro Santos Lopes, Hernane Borges de Barros Pereira e Jeorgia Pereira Alves. Obtenção de financiamento: Saulo Sacramento Meira e Alba Benemérita Alves Vile. Redação do manuscrito: Saulo Sacramento Meira e Alba Benemérita Alves Vile. Revisão crítica do manuscrito: Saulo Sacramento Meira, Alba Benemérita Alves Vile, Claudia Ribeiro Santos Lopes, Hernane Borges de Barros Pereira e Jeorgia Pereira Alves.
All authors approved the final version of the text.
Conflict of interest: the authors have declared that there is no conflict of interest.
* Este artigo refere-se à chamada temática "Violência autoprovocada: autolesão não suicida e comportamento suicida". Artigo extraído da tese de doutorado "Analysis of suicide behavior in the public hospital emergency service", apresentada a Universidade estadual do sudoeste da Bahia, Jequié, BA, Brasil.

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