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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versión On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.2 Rio de Janeiro mayo/ago. 2023  Epub 03-Mayo-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.77700 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Relato de Experiência: Intervenções em Psicologia Escolar na Educação Profissional e Tecnológica na Pandemia

Experience Report: Interventions in School Psychology in Professional and Technological Education in the Pandemic

Reporte de Experiencia: Intervenciones en Psicología Escolar en la Educación Profesional y Tecnológica en la Pandemia

Marina Lima Carvalho Branco* 

Psicóloga graduada pela Universidade de Brasília, Mestre pelo Instituto Politécnico de Santarém. Psicóloga Escolar no Instituto Federal de Brasília.


http://orcid.org/0000-0002-7653-9980

Lorena Silva Costa** 

Psicóloga Escolar no IFB, coordenadora das ações inclusivas. Mestre em Política Pública de Saúde. Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial.


http://orcid.org/0000-0001-5539-1756

Iasmin Santos da Rocha Pinto*** 

Psicóloga graduada pelo Centro Universitário de Brasília, Especialista em psicologia cínica e psicopedagogia, Psicóloga no Instituto Federal de Brasília.


http://orcid.org/0000-0002-4063-2817

*Instituto Federal de Brasília - IFB, Brasíla, DF, Brasil

**Instituto Federal de Brasília - IFB, Brasíla, DF, Brasil

***Instituto Federal de Brasília - IFB, Brasíla, DF, Brasil


RESUMO

A pandemia de Covid-19 evidenciou uma extrema fragilidade das políticas e investimentos para a saúde pública. Com o fechamento das atividades não essenciais como medida de prevenção à proliferação do vírus e o consequente fechamento das escolas, os profissionais que ali trabalham tiveram que se reinventar nas suas formas de atuação e manutenção dos vínculos. Neste cenário, este artigo tem o objetivo de desenvolver reflexões sobre as possibilidades de atuação em psicologia escolar nesse contexto de pandemia e emergência humanitária. Apresenta-se a experiência de trabalho de três psicólogas escolares do Instituto Federal de Brasília, envolvendo atividades de rodas de conversa on-line, pesquisas institucionais e produção de tecnologia educacional. A atuação está pautada nos princípios da psicologia escolar crítica, na prevenção de fatores de risco ao desenvolvimento e na orientação de atuação para contexto de emergência sanitária e humanitária. Destaca-se como resultado do trabalho o impacto positivo de pesquisas institucionais para tomadas de decisões da gestão escolar, o uso de tecnologias digitais como recurso para desenvolvimento de espaços de trabalho do psicólogo na escola e os momentos de acolhimento discente em grupos como espaços potentes para construção de vínculo e suporte aos estudantes, considerando as diversas dimensões do seu desenvolvimento.

Palavras-chave: covid-19; psicologia escolar; educação profissional e tecnológica.

ABSTRACT

The Covid-19 pandemic highlighted the extreme fragility of public health policies and investments. With the closure of non-essential activities as a measure to prevent the spread of the virus and the consequent closure of schools, the professionals who work there had to reinvent themselves in their ways of acting and maintaining ties. In this scenario, this article aims to develop reflections on the possibilities of acting in school psychology in this context of pandemic and humanitarian emergency. The work experience of three school psychologists from the Instituto Federal de Brasília is presented, involving online conversation circle activities, institutional research and the production of educational technology. The work is based on the principles of critical school psychology, the prevention of risk factors for development and guidance on actions in the context of health and humanitarian emergencies. It is highlighted as a result of the work the positive impact of institutional research on decision-making in school management, the use of digital technologies as a resource for developing psychologist workspaces at school, and the moments of welcoming students in groups as powerful spaces for bond building and support, considering the different dimensions of their development.

Keywords: covid-19; school psychology; professional and technological education.

RESUMEN

La pandemia de Covid-19 evidenció la extrema fragilidad de las políticas e inversiones en salud pública. Con el cierre de actividades no esenciales como medida para evitar la proliferación del virus y el consecuente cierre de las escuelas, los profesionales que allí laboran debieron reinventarse en sus formas de actuar y mantener vínculos. En ese escenario, este artículo tiene como objetivo desarrollar reflexiones sobre las posibilidades de actuación de la psicología escolar en este contexto de pandemia y emergencia humanitaria. Se presenta la experiencia de trabajo de tres psicólogas escolares del Instituto Federal de Brasília, involucrando actividades de círculos de conversación en línea, investigación institucional y producción de tecnología educativa. El trabajo se basa en los principios de la psicología escolar crítica, la prevención de los factores de riesgo para el desarrollo y la orientación de las acciones en el contexto de las emergencias sanitarias y humanitarias. Como resultado del trabajo se destaca el impacto positivo de la investigación institucional sobre la toma de decisiones en la gestión escolar, el uso de las tecnologías digitales como recurso para desarrollar espacios de trabajo del psicólogo en la escuela y los momentos de acogida de los estudiantes en grupos como espacios poderosos para la construcción de vínculos y apoyando a los estudiantes, considerando las diferentes dimensiones de su desarrollo.

Palabras clave: covid-19; psicología escolar; educación profesional y tecnológica.

A chegada da pandemia de Covid-19 trouxe como consequência a evidência de uma extrema fragilidade das políticas e investimentos para a saúde pública no Brasil, tanto no que diz respeito às equipes que atuam nesses serviços, quanto às tecnologias e avanços científicos. O vírus alcançou diversos espaços no mundo, gerando um grande impacto na vida cotidiana de diferentes povos e culturas, mortes e sentimentos de impotência e insegurança sobre o futuro. Com a interrupção de muitas atividades econômicas, os empregos e as possibilidades de sobrevivência de milhões de pessoas foram severamente afetados, gerando além do medo e insegurança pela própria situação, também a preocupação relacionada à insegurança alimentar e cuidados básicos. Só no Brasil, de acordo com os dados do painel desenvolvido para ser o veículo oficial de comunicação sobre a situação epidemiológica da Covid-19 no país, mais de 575 mil pessoas vieram a óbito por Covid-19 até agosto de 2021 (https://covid.saude.gov.br/), e mesmo com a chegada da vacina e as medidas de contenção do contágio, não é possível dizer que há um controle da situação. Vamos levar ainda muito tempo para compreender e superar todos os impactos diretos e indiretos causados pela pandemia.

Diante da análise das circunstâncias apresentadas no início do ano de 2020, o Ministério da Saúde atuou na elaboração de uma série de orientações que serviram como base para a formulação, pelos Dirigentes das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, das indicações de medidas comportamentais que deveriam ser adotadas para que a comunidade acadêmica pudesse seguir presente nos espaços educativos, respeitando protocolos de biossegurança. Após transcorrido um curto período, avaliou-se que tais medidas não seriam suficientes para o convívio seguro no espaço acadêmico, havendo a compreensão de que as atividades presenciais não seriam possíveis naquele momento.

O Governo do Distrito Federal publicou o Decreto n. 40.539 (2020), que norteou a Resolução 10/2020 - RIFB-IFB. Tal Resolução orientou a suspensão do calendário acadêmico do Instituto Federal de Brasília (IFB). Seguiu-se, então, um período que exigiu da gestão institucional uma cuidadosa análise, com a necessidade de observação de uma complexidade de fatores, como as características socioeconômicas do público atendido, constituído em quantidade expressiva por estudantes que compõem famílias em situação de baixa renda e vulnerabilidade social. Impôs-se o desafio de gerir esse espaço tão heterogêneo, formado por diferentes contextos sociais, na busca por alternativas de adaptação ao cenário.

Para o fortalecimento das ações de planejamento institucional frente à situação imprevista, foi criado o Comitê de Emergência (COE/IFB), vinculado ao gabinete da Reitoria e composto por diversos segmentos da instituição, incluindo representações locais em cada campus. O COE foi criado com a finalidade de que seus membros pudessem dedicar-se aos temas sensíveis decorrentes das significativas mudanças que se fizeram necessárias para a garantia de que as atividades institucionais não seguissem paralisadas, pois já havia a sinalização da necessidade de prorrogação do período em que o distanciamento social seria imprescindível como medida de segurança, afastando a previsão de retorno presencial em curto ou médio prazo.

Após o período inicial de suspensão das atividades letivas, que durou aproximadamente quatro meses, entendeu-se que a expectativa de retorno à rotina escolar como experimentamos no início do ano letivo tornou-se uma realidade distante, exigindo o estabelecimento de novas formas de vínculo estudante-escola, assim como formas alternativas de viabilização do processo de ensino e aprendizagem. As atividades letivas e o calendário acadêmico foram retomados de forma não presencial, fazendo com que o corpo técnico e o corpo docente se dedicassem ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento de metodologias apropriadas ao panorama.

O movimento em direção à retomada de vínculos com a comunidade acadêmica iniciou-se antes mesmo do restabelecimento do calendário acadêmico e, mesmo durante o período de suspensão, vários atores institucionais dedicaram-se a elaborar projetos que envolviam a comunidade acadêmica. Neste cenário, este artigo tem o objetivo de desenvolver reflexões sobre as possibilidades da atuação em psicologia escolar nesse contexto de pandemia e emergência humanitária, a partir da experiência de trabalho de três psicólogas escolares do Instituto Federal de Brasília, propiciando o cuidado, acolhimento e o suporte necessário aos processos de acompanhamento de estudantes, dos professores e das famílias.

Esse trabalho é pautado em uma atuação comprometida com a construção de concepções críticas e dialéticas sobre o homem, seu desenvolvimento, sua subjetividade, seus processos de aprendizagem e de comunicação e está desvinculado das crenças de compreensão absoluta e da aceitação total que sustentam práticas equivocadas de ‘cuidado’ ou ‘ajuda’ a ‘sofredores’, para torná-los ‘felizes’, ‘adaptados’ e ‘equilibrados’ (Marinho-Araújo & Almeida, 2008). Levando esses aspectos em consideração, destaca-se que atividades de suporte emocional e de saúde mental aos estudantes e suas famílias também foram observadas em estudos sobre o trabalho de psicólogos escolares em outros países durante a pandemia (Reupert et al., 2021). Contudo, não se trata de uma ação exclusiva da emergência da pandemia (Kutcher et al., 2014), o que ressalta a ênfase na prevenção e nos processos de emancipação em contextos comunitários, dos quais a escola faz parte (Mezzalira et al., 2019).

A dimensão preventiva considerada neste artigo parte do fator protetivo da escola no processo de desenvolvimento humano, e envolve os sujeitos em suas construções de melhores condições de vida. Embora epistemologicamente divergente do conceito de prevenção da saúde pública, o conceito aqui defendido se aproxima da compreensão ampliada descrita por Czeresnia (2009) sobre a promoção à saúde, por entender-se como possibilidade de fomento ao bem-estar, a partir da valorização de recursos sociais e pessoais dos envolvidos (Ronchi et al., 2021). Para a execução deste trabalho, considerou-se a importância do planejamento na atuação do psicólogo escolar como uma estratégia para a ação, pois com o planejamento pode-se pôr em questão as demandas de caráter clínico individualizantes, implicando toda a comunidade escolar em ações interdisciplinares, a partir das situações que emergem no campo de ação (Ronchi et al., 2022).

A Psicologia Escolar no IFB

O Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Brasília, IFB, quando foi criado em 2008, era composto apenas pelo Campus Planaltina. A Lei n. 11.892 (2008) transformou a Escola Técnica de Brasília (antigo Colégio Agrícola) em Campus Planaltina do IFB. Já em 2009, foram instituídos os campi Brasília, Gama, Samambaia e Taguatinga. Ao longo dos anos, o número de unidades foi dobrado, com a criação dos campi Ceilândia, Estrutural, Recanto das Emas, Riacho Fundo e São Sebastião. Atualmente, são 10 unidades, com mais de 17 mil estudantes matriculados em 110 cursos diferentes, nas mais diversas modalidades, que vão desde capacitações rápidas, passando pelo ensino médio integrado ao curso técnico, até a pós-graduação.

Com uma estrutura robusta, o corpo administrativo do IFB se divide em atividades que contemplam o ensino, a pesquisa e a extensão, em um organograma que denuncia a sobrecarga de coordenações e diretorias. O serviço de psicologia entra no IFB logo no momento de criação da rede. Neste contexto de estruturação dos serviços administrativos, a psicologia enquanto ciência e profissão foi convidada a compor as equipes multiprofissionais das Coordenações de Assistência Estudantil e Inclusão Social (CDAE), nos campi recentemente criados.

Vinculados à Pró-reitoria de Ensino, Pesquisa e Extensão (PREN), os psicólogos participaram dos espaços democráticos de estruturação dos trabalhos administrativos e, a partir da criação da Política de Assistência Estudantil do IFB, obtiveram vitórias no que tange à criação de equipes multiprofissionais mínimas de trabalho, ao impedimento do trabalho em itinerância e à autonomia na execução de atividades vinculadas à implementação dessa política. No ano de 2016, o coletivo de psicólogos dos campi existentes e Reitoria reuniram-se sob a coordenação da PREN para elaboração de um documento norteador das atividades da profissão na Coordenação de Assistência Estudantil (CDAE), a Nota Técnica Nº 001/2016 - PREN/IFB.

Esse documento regulamentador estabeleceu que o serviço de psicologia ofertado na CDAE é de natureza escolar/educacional, ficando regido pelos princípios norteadores da prática profissional, orientados pelo Conselho Regional de Psicologia (Resolução CFP n. 18, 2019). Essa experiência foi o embrião do que posteriormente ficou conhecido como Fórum de Psicologia Escolar do IFB, nomenclatura acordada para os encontros desses profissionais para elaboração de propostas e levantamento de demandas institucionais. Esse Fórum é um apoio e suporte institucional para os psicólogos que, em cada um dos campi, contam apenas com a equipe multiprofissional, não contando com a partilha com outro profissional especializado na área da psicologia. Assim, por muitas vezes, por mais que haja uma equipe multiprofissional constituída, torna-se um trabalho solitário.

Com a paralisação das aulas presenciais em função da pandemia de Covid-19, o Fórum de Psicologia teve oportunidade de se reunir com maior frequência por meio de plataformas digitais e atuar conjuntamente, algo que não era possível no dia-a-dia presencial. Foram estabelecidas reuniões semanais para avaliação do cenário e planejamento de atividades. O contexto atípico expôs angústias, potências e dificuldades na compreensão do trabalho do psicólogo na escola, que serão expressas pelos seguintes pontos: a diferença entre atendimento clínico e psicossocial; a intervenção psicológica no contexto on-line; a prática da pesquisa em psicologia como instrumento de avaliação institucional; e a contribuição da psicologia para a formação continuada.

O Elefante na Sala: Diferença entre Atendimento Clínico e Psicossocial

A psicologia escolar enquanto campo teórico e prático vem desde os anos 1980 reconstruindo sua identidade profissional em um contínuo afastamento daquilo que ficou conhecido como “clínica na escola”, uma prática que foca nos sujeitos, no diagnóstico das queixas de aprendizagem e se desconecta da instituição escolar, de seus atores, de sua política e de seu território. Atualmente, a identidade do psicólogo escolar está descrita no âmbito das resoluções e normativas técnicas do Conselho Federal de Psicologia. Contudo, as formações em psicologia ainda refletem sobre as competências necessárias para esse trabalho, dada a complexidade dos contextos de atuação (Patto, 1984; Marinho-Araújo & Almeida, 2008).

Quando as atividades presenciais no IFB foram suspensas e todos os técnicos administrativos tiveram que transpor seus trabalhos para o contexto remoto, a dúvida presente era se essa saída era cabível para os psicólogos da instituição. Com a publicação da Resolução CFP n. 04/2020, os profissionais puderam esclarecer suas dúvidas a respeito da prestação de serviços psicológicos por meio da utilização de tecnologias da informação e da comunicação durante o período de pandemia. O regulamento condicionou a prestação dos serviços por esses meios à realização de cadastro prévio na plataforma e-Psi, junto ao respectivo Conselho Regional de Psicologia - CRP, a quem caberia a emissão de um parecer a partir da justificativa apresentada por cada profissional.

O fantasma das práticas “tradicionais” em psicologia escolar assombra e é possível de ser visto em diversos debates. No contexto da pandemia, começou com a pergunta “o atendimento on-line é clínico?”. O próprio conceito de clínica, que assombra a escola, é em si uma representação de um momento histórico e epistemológico que há muito vem sendo redefinido por diversos trabalhos e avanços da psicologia, da saúde mental e da própria avaliação psicológica (Lancetti, 2016). Os objetivos clínicos, ainda que sejam sob a ótica contemporânea, são objetivos que não cabem na escola. Não cabe à escola identificar nos sujeitos sua personalidade e promover caminhos de superação de conflitos emocionais nos tempos e formas necessários da psicoterapia.

Entende-se que os processos sociais e históricos da reforma psiquiátrica e sanitária traduzidos nos debates sobre a atuação psicossocial em saúde mental, dos direitos humanos, da emancipação dos sujeitos e da necessidade de articular a subjetividade aos processos escolares, colocam a escola como parte do território e em articulação permanente e irrevogável com as demais políticas públicas. Por isto, uma compreensão psicossocial sobre as demandas dos sujeitos no seu processo de escolarização é um dos desafios contemporâneos da psicologia escolar que a pandemia reverberou.

“O psicólogo escolar, ao intervir nas instituições públicas de Educação, precisa ter uma visão crítica sobre os aspectos sociais, econômicos e políticos no Brasil, porque são esses elementos que norteiam a proposta pedagógica da Educação e, portanto, a dinâmica escolar. No contexto público educacional brasileiro observa-se que a mudança no espaço escolar, com vistas à promoção do desenvolvimento infantil, está além de um planejamento de atividades pedagógicas e intervenções psicológicas, pois exige uma nova conjuntura política e econômica que priorize os serviços públicos de atendimento às crianças e adolescentes” (Mezzalira et al., 2019, p. 235)

Com a reorientação do conceito de saúde em uma perspectiva biopsicossocial, o papel relevante da escola como um determinante social de saúde compreende que a qualidade de vida de uma população depende de sua condição de existência, dos acessos aos bens e serviços sociais como emprego, renda, educação, alimentação, saúde, saneamento básico, habitação e transporte (Adriano et al., 2000). Este aspecto reafirma a necessidade de compreensão dos estudantes em suas diversas dimensões (identitária, sociodemográfica, familiar, escolar, protetiva e subjetiva). Uma análise de indicadores de risco e de proteção ao desenvolvimento dos estudantes pressupõe uma concepção de mundo baseada em uma perspectiva histórica e materialista, porque é no cotidiano que o desenvolvimento das pessoas acontece, no seu tempo histórico e espaço social da realidade concreta (Guzzo, 2016).

Buscando conhecer os impactos da vivência de situações de violência sobre o desenvolvimento de crianças, Martín-Baró (1990) baseou-se na ideia de Freire (1968/2016) sobre situação-limite, e a reconstruiu como uma categoria psicológica. Desta forma, afirmou que as situações-limite são situações concretas que refletem a relação entre o sujeito e o seu meio, considerando seus determinantes e possibilidades de mudança nos aspectos que impactam o processo do desenvolvimento. Para Moreira e Guzzo (2016), situações-limite são “ações, eventos ou práticas que, segundo o ponto de vista das crianças ou dos demais sujeitos do cenário escolar, prejudicam, impedem ou dificultam o desenvolvimento da criança, afetando-a criticamente” (p. 210).

Neste sentido, podemos compreender a pandemia como uma situação-limite, por ser um contexto de crise humanitária, em que a desigualdade social da comunidade escolar foi acentuada através do desemprego. Estudantes e suas famílias vivenciam o luto e experiências emocionais intensas, como medo da morte, ansiedade, tristeza, sem suporte de dispositivos sociais. A pergunta que separa um olhar clínico de um olhar psicossocial é, portanto, como a psicologia poderá acolher essa demanda e intervir a partir de uma intencionalidade para o desenvolvimento dos adolescentes e adultos de maneira emancipatória e territorial, partindo do contexto escolar?

Um dos fundamentos deste relato consiste na ideia de que o psicólogo, como profissional social, deve estar sensível e preparado para uma ação comunitária e coletiva junto à sua comunidade, entendendo que a escola é parte da comunidade. Defendemos também o papel protetivo da escola junto a essa comunidade ao garantir os direitos das crianças e adolescentes colaborando com o desenvolvimento da cidadania e emancipação (Lane & Codo, 1984; Brasil, 1988).

Para tanto, alguns dos objetivos do trabalho psicológico no IFB foram acompanhar a dimensão psicossocial dos estudantes, identificando e analisando como eles percebem as situações vividas e os elementos capazes de se constituírem em indicadores para promoção do bem-estar e prevenção de violência no contexto pandêmico; verificar como se organizam as redes de apoio afetivo e social, especialmente tendo como foco a relação família, escola e comunidade; fornecer subsídios para a formulação, gestão e avaliação de políticas públicas para proteção e promoção do desenvolvimento dos estudantes no ambiente do campus; e oportunizar espaço de desenvolvimento humano, com participação estudantil na busca de emancipação.

Como a utilização de recursos on-line foi amplamente associada a um trabalho clínico, no próximo tópico apresentaremos um maior detalhamento sobre a forma de utilização desses recursos no contexto educativo e suas finalidades.

Intervenção da Psicologia Escolar no Contexto On-line

Buscando estreitar laços e não perder os vínculos afetivos conquistados com a comunidade acadêmica, tendo em vista a sensibilização imposta pelo momento vivido e dado o isolamento social imposto como medida de proteção à saúde, sentiu-se a necessidade da construção de novas redes de solidariedade. Assim, em uma ação integrada, os psicólogos do IFB propuseram o projeto “Algumas Palavras...”. O projeto consistiu no lançamento periódico de textos reflexivos para acesso de toda a comunidade acadêmica, com o foco em apontamentos e reflexões relacionados aos desafios do momento. Tendo em vista que o laço social é um fator importante de proteção para a saúde mental, uma das formas pensadas para alcançar a comunidade foi por meio da relação escrita-leitura. Os textos eram produzidos individualmente, em duplas ou em trios, pelos psicólogos que atuam em campi diferentes, mas que neste momento sentiram a necessidade de unir forças e trabalhar conjuntamente.

O projeto teve início em abril de 2020 e teve sua última publicação em abril de 2021, sempre no site institucional do IFB. As publicações inicialmente tinham periodicidade quinzenal e depois, com o avanço da pandemia e permanência das atividades no contexto remoto, se tornaram mensais. Foram produzidos um total de 20 textos, com temas relacionados às emoções e vivências experienciadas durante a pandemia, destinados a toda a comunidade escolar. O projeto recebeu apoio institucional e ao longo dos meses houve a sugestão, por parte da comunidade escolar, de que outros temas fossem trabalhados nesse espaço. As autoras deste artigo estiveram envolvidas diretamente na produção de 11 desses textos, escrevendo sobre angústia, boa convivência familiar, sobrecarga feminina, bem-estar, aprendizagem e afetividade, adolescência e o isolamento social, entre outros. Os textos, no geral, tiveram uma média de 1.200 visualizações (até 19/08/21) sendo que o texto “Algumas palavras… sobre a sobrecarga das mulheres em tempo de pandemia” foi o mais visto, com 3.486 visualizações.

Com o projeto “Algumas Palavras”, o acesso do público-alvo às produções dependia da autonomia, interesse e vontade do indivíduo pela busca. Era uma ação que seguia a direção psicólogos-comunidade, mas as profissionais atuantes sentiram que faltava ouvir, faltava o que é tão particular da psicologia, a sua escuta. Dessa maneira, partindo da necessidade de ouvir e acolher, outra forma que as autoras encontraram de manter os vínculos com a comunidade escolar foi a proposição de rodas de conversa on-line.

Proporcionar esse espaço de escuta e troca de experiências possibilitou aos estudantes a sensação de pertencimento e de estabelecimento de uma rede de apoio, em muitos momentos compartilhando a fala de estarem sentindo-se sós e assumindo uma postura de ajudar uns aos outros. Estar em grupo e de forma intercampi oportunizou o reconhecimento de que o indivíduo não é o único que passa por uma situação difícil, que existem outras pessoas por perto, ainda que virtualmente, que podem apoiá-lo e inspirá-lo, possibilitando uma segurança para lidar com as próprias dificuldades. No início, era comum que os participantes chegassem mais quietos e tímidos. Então, alguns acordos eram feitos para que se sentissem mais à vontade e assim se sentissem seguros para dividir seus pensamentos e angústias.

Os temas foram pensados a partir das demandas que eram apresentadas pelos estudantes, familiares e docentes, sendo assim nomeadas as temáticas, que foram distribuídas em nove encontros: 1. Fortalecendo vínculos familiares através da comunicação; 2. Compreendendo as emoções em tempos de isolamento; 3. Conversando sobre a ansiedade; 4. Como lidar com o medo em tempos de pandemia; 5. Vamos falar sobre o retorno?; 6. Vamos falar sobre o luto?; 7. Qual a importância da rotina?; 8. Ressignificando histórias de isolamento; 9. Construindo sonhos.

Almejava-se a participação de toda a comunidade escolar nas rodas propostas, convidando-se estudantes, familiares e servidores. Para registro do trabalho, era solicitada uma inscrição prévia dos participantes por meio do preenchimento de um formulário eletrônico. A média de participação foi em torno de 13 participantes.

Para a condução de cada encontro, diferentes metodologias foram utilizadas, como a introdução do tema a partir de questões norteadoras apresentadas por meio de materiais textuais ou visuais, como perguntas mobilizadoras, vídeos, figuras, quadrinhos, partes de livros, e sugestão de filme a ser assistido em momento anterior para debate durante a roda de conversa. A partir da introdução sugerida, seguiam-se as falas dos participantes que se expressavam da maneira com preferiam, inclusive de maneira escrita, incentivando-se o compartilhamento de experiências por meio de uma abordagem dialógica e participativa. A plataforma utilizada foi o Google Meet e as reuniões não eram gravadas.

As psicólogas elencaram a promoção da psicoeducação como um dos principais objetivos das rodas, acrescentando-se, conforme a ocasião, o trabalho de temas como o recurso da comunicação não-violenta como instrumento enriquecedor das relações familiares. A abordagem do autoconhecimento como facilitador das relações interpessoais, a identificação de emoções e sentimentos envolvidos nos processos de ansiedade, do medo, do luto e estratégias para monitoramento e enfrentamento de percepções desconfortáveis, a importância da organização e da rotina para o desenvolvimento escolar, com informações relativas ao funcionamento da escola quando da retomada do calendário acadêmico, e, ainda, a abordagem sobre planos e expectativas para o futuro também foram temas abordados nos encontros.

Em cada encontro realizado, demandas estudantis eram apresentadas e identificadas pelo serviço de psicologia. A partir disso, o acompanhamento integral dos estudantes era realizado, e por “acompanhamento” entendemos como conhecer profundamente a realidade concreta dos estudantes. Assim, acompanhar o processo de desenvolvimento em seus diferentes contextos (no bairro, na família, na escola) exige o comprometimento da profissional da psicologia na escola em compreender a vida do estudante pela perspectiva dele, ou seja, sobre como ele entende seu próprio processo de desenvolvimento (Guzzo, 2016).

Deste modo, entendemos que ao oferecer espaços de escuta e acolhimento para a comunidade, oportunizamos uma porta de entrada para reverberar demandas não apenas institucionais, mas intersetoriais de garantia de direitos que precisam ser considerados. A partir das rodas de conversa, pudemos desenvolver outras ações institucionais como atividades de suporte familiar e reflexão por meio de vídeos e palestras, orientação à gestão por meio de palestras temáticas de formação continuada, pautas propostas em reuniões de colegiado de curso e gerais de coordenações, participação de formação continuada, e encaminhamento e acompanhamento de estudantes em dispositivos externos como conselho tutelar, defensoria pública e Centro de Atenção Psicossocial - CAPS.

As rodas também evidenciaram que os estudantes apresentaram diversas situações de risco psicossocial que impactavam sua permanência na escola. Situações como a experiência de ansiedade, tristeza e medo frente às incertezas da pandemia, conflitos familiares ampliados pelo isolamento social, desemprego, falta de lazer e ausência de rede de apoio, tanto no nível governamental, através do acesso a políticas sociais, quanto no nível comunitário, evidentes nos conflitos familiares e exposição à violência doméstica, e no sentimento de solidão e distanciamento de amigos e pessoas significativas.

Zhou (2020) chama atenção para a fragilidade de crianças e adolescentes no contexto pandêmico, entendendo que as ações de suporte deverão se estender por um tempo após o fim da pandemia, como forma de prevenção ao agravamento de saúde mental e, em específico, ao transtorno de estresse pós-traumático. Esta fragilidade é percebida não apenas em termos de desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes, mas no campo das relações professor-aluno e família-aluno, demandando, portanto, uma articulação e o apoio de três sistemas significativos: o social, o escolar e o familiar. Essa cooperação proposta por Zhou (2020) é conhecida no Brasil como intersetorialidade.

A experiência das atividades conduzidas pelo serviço de psicologia escolar do IFB evidenciou a fragilidade de um trabalho escolar que precisa dos demais sistemas, familiar e social. A atuação psicossocial no contexto escolar proporciona o acionamento dos demais sistemas, possibilita a redução dos níveis de estresse e auxilia na construção de um terreno seguro em uma perspectiva de educação de saúde e prevenção. Como em outros trabalhos desenvolvidos em espaços educativos, na experiência aqui relatada foi possível observar que promover um espaço sem hierarquização, incentivando-se uma relação de horizontalidade entre facilitadoras-participantes, mostrou-se essencial para a potencialização dos objetivos estabelecidos para os encontros (Branco & Pan, 2016).

A roda de conversa é uma atividade relevante para o desenvolvimento de habilidades sociais, não só como forma de aprender a demonstrar os próprios sentimentos, mas de aprender também com os sentimentos compartilhados pelos outros. Em muitos momentos, o grupo estimulou a não desistência do curso, oferecendo, inclusive, ajuda nos trabalhos e nas disciplinas. Foi percebido que se estabeleceu satisfatoriamente um clima de confiança e troca entre os participantes, permitindo que pudessem expor suas dificuldades, abrindo também espaços para mudanças de postura frente aos problemas enfrentados e a reconfiguração e ressignificação das experiências vividas. Mesmo com as diferenças entre uma roda de conversa no formato virtual em comparação com o formato presencial, foi perceptível que continuou sendo possível a criação de um espaço de fala e escuta, de acolhimento e reflexão.

A experiência vivenciada com essa proposta de trabalho nos traz a indicação de que a roda de conversa pode ser considerada um instrumento de promoção de saúde, mostrando-se ainda como um processo de intervenção comunitária. Tal percepção justifica-se pelas possibilidades de capacitação dos participantes no sentido de gerar discussões sobre opções para a melhoria da qualidade de vida, tendo-se a intenção de estimular os participantes a desenvolver a consciência de que, ao aprender a observar e identificar suas próprias necessidades e objetivos, podem delinear seus projetos de vida e anseios, e modificar o contexto em que estão inseridos, obtendo novos aprendizados e o fortalecimento tanto individual quanto coletivo (Costa et al., 2015).

As atividades desenvolvidas nesse contexto alinharam-se à concepção de que as discussões e ações voltadas à prevenção em saúde mental e psicoeducação devem estar direcionadas ao desenvolvimento da autonomia e do protagonismo dos sujeitos, assim como ao fortalecimento da percepção de pertencimento a uma coletividade. De maneira semelhante aos apontamentos descritos por Costa et al. (2015), a partir da utilização da metodologia de rodas de conversa em seu estudo conduzido em uma instituição da Atenção Básica em Saúde, ao aplicarmos a ferramenta na instituição de ensino percebemos o fortalecimento e o empoderamento dos grupos participantes e a possibilidade de ampliação da capacidade de resolução de conflitos. Tais competências contribuem positivamente ao promover o cuidado institucional e a prevenção aos agravos ao sofrimento psíquico dos sujeitos, como o desânimo frente às incertezas, a ruptura em relação à rotina cotidiana, e a exigência repentina de intensificação da autonomia do sujeito na busca pelo seu desenvolvimento acadêmico frente ao formato das atividades pedagógicas no modelo remoto.

A Prática da Pesquisa em Psicologia como Instrumento de Avaliação Institucional

A suspensão do calendário acadêmico, o isolamento social e, posteriormente, a escolha por realização das atividades escolares de modo remoto transformou todo o cotidiano que era conhecido e reconhecido pelos profissionais em uma grande novidade, e o seu fazer teve que revisto e ressignificado. Não havia mais como andar pelos corredores, então foi preciso pensar outra forma de fazer com que essas vozes institucionais fossem ouvidas e assim planejar e programar novas ações para um novo contexto.

Buscando uma forma de ouvir e se aproximar dos estudantes, as autoras propuseram ao Fórum de Psicólogos Escolares do IFB que fosse feito um mapeamento do bem-estar psicológico da comunidade acadêmica. E assim, em uma ação articulada, fez-se a proposta de utilização desse mapeamento como ferramenta de avaliação e diagnóstico situacional das condições subjetivas, da percepção sobre o distanciamento social e dinâmica familiar dos estudantes no contexto da pandemia da Covid-19. O objetivo foi nortear não somente as ações específicas da atuação dos psicólogos, como também fornecer informações aos gestores da instituição sobre como o corpo discente estava vivenciando o isolamento social e os possíveis impactos dessa vivência tão desgastante, quando do retorno às atividades estudantis.

O trabalho foi realizado em duas etapas. A primeira, com os estudantes, foi realizada em julho de 2020 e, posteriormente, com os servidores, em setembro do mesmo ano. A pesquisa com os estudantes teve como instrumento um questionário elaborado pelo grupo de psicólogos do IFB, que contém perguntas fechadas e abertas para coletar informações a respeito da percepção sobre o distanciamento social, dinâmica familiar, sentimentos e emoções, fatores de risco e de proteção para a saúde mental e expectativas no retorno às aulas. Dentre as perguntas fechadas, destacamos que as que buscavam compreender os sentimentos e emoções tinham quatro opções de resposta, a saber: não senti, já sentia e o isolamento não intensificou, já sentia e o isolamento intensificou, comecei a sentir no isolamento.

A coleta foi on-line, por meio do Google Forms. Cada psicólogo ficou responsável por divulgar o link do questionário para os discentes do seu campus. Entre as formas de divulgação, foi priorizado envio de e-mail e compartilhamento do link nos grupos de Whatsapp dos discentes, com apoio da Coordenação de Assistência Estudantil, Registro Acadêmico, Coordenações de Curso e Direção de Ensino, Pesquisa e Extensão.

Os dados quantitativos foram analisados por meio de estatísticas frequentistas, especificamente o teste qui-quadrado, com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Foram analisados, então, por meio do qui-quadrado, cada sentimento e emoção a partir das categorias “não senti”, “já sentia e o isolamento não intensificou”, “já sentia e o isolamento intensificou’, “comecei a sentir no isolamento”. Além disso, também por meio do qui-quadrado, foram testadas as associações entre as emoções/sentimentos e variáveis como gênero, atividade física e qualidade do sono. Já na parte qualitativa, por meio do programa Iramuteq, foi realizada nuvem de palavras, que consiste na identificação dos termos mais utilizados no discurso dos estudantes. Os resultados, encontrados no relatório “O bem-estar subjetivo da comunidade estudantil do IFB em tempos de pandemia”, podem ser acessados no site institucional do IFB.

Quanto à pesquisa com os servidores, foi aplicado um questionário para coletar informações a respeito dos sentimentos e emoções dos servidores durante a pandemia, as sensações no trabalho, a motivação docente no contexto de pandemia, a vivência no trabalho remoto, e a expectativa no retorno ao trabalho presencial. Para avaliar os sentimentos e emoções dos servidores durante a pandemia, foi utilizado um questionário composto por itens com padrão de resposta categórico elaborado pelas autoras, tendo como base o instrumento da pesquisa realizada com os estudantes do Instituto Federal de Brasília. Já para avaliar as sensações no trabalho, foi utilizada a Escala de Caracterização de Burnout (Tamayo & Troccoli, 2009), adaptada para o contexto da pandemia (Modesto et al., 2020). A escala adaptada pelos últimos autores era Likert, no entanto optamos por transformá-la em uma escala categórica.

As categorias de opções de resposta do instrumento eram: i) não senti; ii) diminuiu com a pandemia; iii) já sentia e a pandemia não intensificou; iv) já sentia e a pandemia intensificou; v) comecei a sentir na pandemia. Para avaliar a motivação docente, foi utilizada a Escala de Motivação Docente (Davoglio & Santos, 2017). A escala original tem 23 itens divididos em cinco fatores, no entanto optamos por utilizar apenas 14 itens divididos em três fatores com índices satisfatórios de consistência interna: desenvolvimento (α = 0,77), prática docente (α = 0,68) e inserção institucional (α = 0,80). O instrumento é respondido em escala Likert de 6 pontos, avaliando a opinião (concordância) sobre aspectos motivacionais. Os resultados encontrados podem ser acessados no relatório “O bem-estar subjetivo dos servidores do IFB em tempos de pandemia” disponível no site institucional do IFB.

Os dois relatórios elaborados foram apresentados à gestão e os dados obtidos foram publicados no site institucional como forma de assegurar o acesso democrático às informações coletadas. Destaca-se que o material tem servido de apoio para diversas coordenações e comissões, sendo mencionado em reuniões de planejamento pedagógico, o que demonstrou para o serviço de psicologia a importância de construção de materiais semelhantes no futuro.

O Fórum de Psicólogos fez a escolha por uma análise de dados por campus, com o objetivo de se obter dados específicos, que permitissem que as particularidades de cada realidade fossem observadas e analisadas. Afinal, cada campus está localizado em regiões administrativas com aspectos socioeconômicos diversos e oferta cursos diferentes, para públicos-alvo distintos. A despeito de tantas particularidades, foram observados alguns padrões de resultados entre os campi.

A partir da apresentação dos achados obtidos com a aplicação das duas etapas da pesquisa, foi possível promover reflexões entre os diversos setores institucionais sobre a importância de que, tanto as condições de trabalho oferecidas enquanto o trabalho remoto se faz necessário, quanto o planejamento para o retorno às atividades presenciais em momento oportuno, sejam viabilizados de maneira a propiciar o cuidado com a saúde mental de toda a comunidade acadêmica.

Contribuição da Psicologia para Formação Continuada

A partir da visibilidade da pesquisa realizada sobre o bem-estar subjetivo, as autoras foram convidadas pela Pró-Reitoria de Ensino a participar do encontro pedagógico, que é uma atividade que envolve toda a equipe escolar na preparação didático-administrativa para o retorno às aulas. Foi produzido um vídeo orientativo sobre “Os efeitos do isolamento social na vida da escola”, no quadro chamado “Diálogos Formativos”, da TV IFB, que é um canal disponibilizado pela instituição na plataforma digital do YouTube. Esse vídeo teve como objetivo refletir sobre a condição da realidade dos estudantes, a importância da educação no desenvolvimento humano e a necessidade de não deixar nenhum deles desassistido nas novas formas de práticas pedagógicas.

Também foi realizada uma formação para os professores sobre adaptação curricular no contexto remoto. Este trabalho teve o objetivo de refletir sobre os aspectos afetivos da formação de professores para a inclusão, oferecendo algumas orientações sobre o trabalho desenvolvido em um campus agrícola. A palestra foi disponibilizada pelo canal da TV IFB e teve participação de vários campi na interação com a psicóloga.

O Fórum de Psicologia também foi acionado para contribuir na escrita de um documento com recomendações para o retorno das aulas, que seria disponibilizado aos professores de todos os campi. Essa recomendação se baseou em três pontos principais: i) nos resultados da pesquisa do mapeamento do bem-estar com os estudantes, ii) em orientações sobre desenvolvimento humano e formação docente iii) e na promoção da saúde mental em contextos de emergências humanitárias.

Outra forma de atuação neste período foi a experiência de contribuir para formação de futuros psicólogos através da supervisão de estágio profissional no contexto remoto. A novidade do contexto também foi um aspecto enriquecedor para a prática de atuação dos estudantes e desenvolvimento de competências profissionais. Os estagiários estiveram envolvidos na elaboração de documentos como cartilhas e textos informativos, vídeos curtos de orientação, e condução das atividades em grupo com estudantes.

Considerações Finais

A imprevisibilidade imposta pela pandemia do novo coronavírus fez com que vários aspectos da vida tivessem que ser ressignificados, e um deles foi a forma de atuação dos psicólogos escolares. No início, em meio a tantas incertezas, apresentou-se como um grande desafio a elaboração do formato em que ocorreriam as atividades no contexto remoto, considerando os meios tradicionais de atuação do psicólogo escolar do dia a dia do campus. Foi um período de angústias, receios e necessidade de adaptação. Havia ainda o desconhecimento sobre o desenrolar dos fatos sobre uma patologia inédita e de ampla disseminação, e uma expectativa de que a pausa seria breve, nos permitindo rapidamente retornar ao conhecido. Com o prolongamento do período de isolamento, foi preciso pensar em novas formas do fazer psicológico na escola, resguardando suas especificidades e sem deixar de considerar o contexto de emergência sanitária e humanitária.

A realização da pesquisa de mapeamento do bem-estar subjetivo mostrou-se uma importante ferramenta para o desenvolvimento do restante do trabalho realizado no período. A partir dos dados coletados com a utilização desse instrumento, tornou-se possível a construção de todo um planejamento institucional de atuação, servindo como um guia que proporcionou um norte para as atividades organizadas em seguida.

O uso de tecnologias digitais mostrou-se um importante recurso para o desenvolvimento de espaços de trabalho do psicólogo na escola. A produção de materiais informativos como cartilhas e textos, participação na elaboração de vídeos e palestras on-line, oferta de atendimento individual e em grupo também nesse formato foram formas que as profissionais encontraram de estar presentes no cotidiano do Instituto, contribuindo com a gestão para o planejamento dos novos formatos de atividades para a atuação institucional.

Sendo a escuta sensível e acolhedora ferramenta fundamental do fazer da psicologia escolar, foi a partir dessas tecnologias que ela se fez presente. Desafios como a falta do uso da câmera não tornavam possível a consideração do comportamento não-verbal e do real interesse dos estudantes nas atividades propostas, mas o retorno, tanto nas atividades seguintes quanto nos relatos das falas de feedback, foi aos poucos tornando a falta da presença física um pouco menos significativa.

Outro ponto a ser destacado foi a constatação da grande desigualdade de acesso aos recursos digitais, entendendo que parte importante do público que compõe os estudantes da instituição ainda está às margens do acesso com qualidade a equipamentos e à conexão com a internet. Permanece o desafio de incluir esses que não conseguimos alcançar de maneira satisfatória pela atuação remota.

O contexto pandêmico que se apresentou evidenciou a necessidade de mudanças contínuas e em curtos períodos de tempo como características do desenvolvimento tecnológico da atualidade, o que exigiu a busca constante por alternativas viáveis de atuação, priorizando inclusive ações menos dispendiosas, e o aprimoramento contínuo de instrumentos, metodologias e recursos que permitam a inclusão dos sujeitos em espaços de educação e de desenvolvimento humano.

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Recebido: 21 de Setembro de 2021; Revisado: 16 de Janeiro de 2023; Aceito: 31 de Janeiro de 2023

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