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Psicologia para América Latina

versión On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.spe México nov. 2017

 

Psicologia e saude mental indígena: Um panorama para construção de políticas públicas

 

Psychology and indiginous mental health|: An overview to build public policy

 

 

Luiz Eduardo Valiengo BerniI

IDoutor em Psicologia (USP), ex-coordenador do Grupo de Trabalho – Psicologia e Povos Indígenas do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRPSP), membro fundador do Núcleo de Produção do Conhecimento – Psicologia e Povos Indígenas na União Latino-americana das Entidades da Psicologia (ULAPSI); Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da Herança Africana (UNIP/CNPq). E-mail: berni@usp.br

 

 


RESUMO

Os povos indígenas são minorias culturais inseridas na cultura nacional e em grande estado de vulnerabilidade. A saúde mental é um conceito/campo de atuação fundamental na sociedade não índia, envolvente, e uma criação da civilização europeia. A Saúde Mental no Brasil, apesar de se pautar nos dias atuais por um viés psicossocial, traz incongruências importantes que configuram de modo ambíguo o campo, e que têm impacto direto sobre essas populações. Não é possível aplicar os conceitos reducionistas de saúde, sobretudo de saúde mental, diretamente sobre as culturas indígenas que são, ao contrário da sociedade envolvente, holísticas. Portanto, faz-se necessária uma mediação inter e transcultural, permeada pela inter e Transdisciplinaridade para se construir políticas públicas que possam efetivamente atender a essas populações considerando suas especificidades.

Palavras chaves: Saúde Mental, Povos Indígenas, Interculturalidade, Interdisciplinaridade, Transdisciplinaridade.


ABSTRACT

Indigenous are cultural minorities included in the national culture, and in great condition of vulnerability. Mental health is a concept/basic field of activity in the surrounding society, and a creation of European civilization. In the Brazilian society so which, despite being guided today by psychosocial vias, brings important incongruities that make up the field so ambiguous and has impact on these populations. It is impossible to apply the reductionist concepts of health issues, especially mental health, directly on indigenous cultures that are on the contrary the surrounding society, holistic. Therefore, itis necessary to mediate inter/transcultural, integrated by interdisciplinarity, as well as by transdisciplinarity.

Key-words: Mental Health, Indigenous, Intercultural, Interdisciplinary, Transdisciplinary


 

 

Apresentação

A participação da Psicologia na Saúde Mental Indígena é ainda muito incipiente. O presente artigo é fruto da intervenção sistemática que o autor vem realizando ao longo dos últimos sete anos, junto ao Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, e o Sistema Conselhos de Psicologia, para aproximação da Psicologia, ciência e profissão, com a problemática da Saúde e da Saúde Mental dos Povos Indígenas do Brasil, na busca por atender a um chamado feito por essas comunidades, que se encontram em grande estado de vulnerabilidade.

Assim, apresenta-se na primeira parte deste artigo uma reflexão sobre a situação vulnerável dos Povos Indígenas brasileiros, apontando-se para a importância do entendimento dos conflitos inerentes a essa situação, bem como, apontando-se para a importância da questão da saúde (mental) ser abordada por uma ótica intercultural. Depois, discorre-se sobre o histórico e os fundamentos da saúde mental no Brasil e no mundo, com ênfase na reforma psiquiátrica, que imprimiu significativas diferenças no atendimento no país, nos últimos anos. A seguir, discorre-se sobre o histórico e a estrutura da atenção à saúde e à saúde mental indígena com destaque para elementos da legislação brasileira. Para, então, relatar-se as ações de aproximação que a Psicologia brasileira, a partir do Sistema Conselhos, marcadamente pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, vem realizando junto aos povos indígenas, numa busca que possa fundamentar o estabelecimento de uma efetivação da atenção diferenciada para atender aos anseios dessas comunidades, promovendo em primeira instância, seu protagonismo. Por fim, formulam-se os fundamentos referenciais para a constituição do trabalho da Psicologia junto a essas comunidades como subsídio para formação de políticas públicas que possam atender às necessidades dessas comunidades, respeitando a diversidade cultural existente.

 

Os Povos Indígenas do Brasil, Populações em estado de Vulnerabilidade

A história dos Povos Indígenas com a sociedade denominada "envolvente", a sociedade branca, é triste. O primeiro período do contato, durante o descobrimento ou invasão como os indígenas costumam classificar o período, na fase do Brasil Colônia, e depois no Império, objetivou, além da usurpação das terras, a escravização dessas populações. O impacto cultural e epidemiológico neste período foi gigantesco, e a população indígena decresceu de forma tão assustadora, que até os próprios europeus ficaram espantados. Com a República o projeto foi a integração dos indígenas à cultura nacional, o que significou, na prática, uma tentativa de extermínio dessas culturas. Os reflexos dessa política se fazem presente ainda hoje.

"A invisibilidade da presença indígena entre nós relaciona-se com uma visão disseminada na sociedade e que se expressa na ideia de que os índios brasileiros vivem (ou deveriam viver) distante de nós, dentro da mata, nas florestas da região amazônica ou nos cerrados do Centro-Oeste do Brasil, imersos em um passado cristalizado por nossos livros de História, onde o índio praticamente desaparece como protagonista da vida econômica, política, social e cultural da sociedade brasileira." (Governo do Estado de São Paulo, 2ª ed, 2010, pág.9)

Assim, dos primórdios da cultura brasileira até bem recentemente, a partir do projeto de dominação europeu, desenvolveu-se a ideia de que a etnia branca e a civilização europeia eram superiores. Na visão dessa sociedade "civilização" é o ápice de um processo evolutivo pelo qual todas as culturas deverão passar (Cohn, 2001).

Neste sentido, além da escravização e o extermínio das culturas indígenas, que no início da conquista somavam aproximadamente 1.000 povos, totalizando cerca cinco milhões de pessoas (Governo do Estado de São Paulo, 2ª ed, 2010, pág.15) , houve a introdução do escravo negro, vindo da África que somou cerca de quatro milhões de pessoas (Prefeitura Municipal de São Paulo, s.d., pág. 17). Criou-se, então ao longo dos séculos de nossa história, o "mito da democracia racial", ou seja, de que no país não havia preconceito ou discriminação racial dessa ordem (Governo do Estado de São Paulo, 2008, pág. 22), o que não é verdadeiro.

Foi só em 1988, com a nova Constituição, que o Estado brasileiro reconheceu ao indígena o direito a ser índio, garantindo-lhes os Direitos Coletivos. Deste período para cá, houve muitas e significativas mudanças no que diz respeito à Saúde, mas não só.

É fundamental se compreender que o Brasil, ainda apresenta uma das maiores diversidades culturais do mundo que, entretanto, continua invisível à maioria da população brasileira, pelas questões acima apontadas. No território nacional existem cerca de 305 povos indígenas, que falam aproximadamente 274 línguas. Na região amazônica estima-se que existam ainda cerca de 70 povos que nunca fizeram contato com o branco (ISA). A divisão territorial e cultural de muitas dessas sociedades não está restrita às dimensões territoriais do Brasil, muitas vezes espalham-se por mais de um país do continente.

Parece fundamental que se possa reconhecer, portanto, que o "campo das relações da sociedade nacional com as sociedades indígenas é um campo sempre conflituoso, permeado por relações de poder, e todas as equipes de saúde que entram nesse campo participam dessas relações." (Arruda, 2010, pág.95)

O encontro entre as culturas trouxe para as culturas Ameríndias um impacto epidemiológico sem precedentes, que levou, e ainda leva, a grande mortalidade, como já se afirmou. "Há de fato outro meio ambiente epidemiológico, no qual os conhecimentos desses povos ao longo de toda sua história e com os quais faziam frente às questões de saúde muitas vezes se mostraram inoperantes nesse novo contexto." (Arruda, 2010, pág. 95) dDaí a importância das ações de promoção de saúde junto a essas comunidades.

Ao se apontar essa questão é fundamental que se olhe para a questão da Cultura. Definir cultura, entretanto, não é tarefa simples.

"Uma cultura é sempre um olhar sobre a totalidade do Real, do Todo, mesmo que sempre o veja apenas em parte. Uma cultura não é uma simples criação aleatória, mas uma dimensão ontonômica, que faz parte da própria estrutura da realidade, pelo menos humana. Não existe vida sem cultura, uma vez que a verdadeira natureza humana é cultural." (Coll,2002, pág. 74)

Assim, cultura pode ser definida como "o conjunto de valores, crenças, instituições e práticas que uma sociedade ou grupo humano desenvolve num certo momento do tempo e do espaço, em diferentes campos da realidade, a fim de assegurar sua sobrevivência material e a plenitude espiritual, tanto individual como coletivamente." As culturas são galáxias em si (Coll, 2002, pág. 76).

Particularmente a situação das populações indígenas do Mato Grosso do Sul, é das mais dramáticas do país. "A taxa de mortalidade infantil é de 38 para cada mil nascidos vivos, superando a média nacional de 25 mortes por mil nascimentos. São assassinados cerca de 100 a cada 100 mil habitantes, quatro vezes mais que a média nacional." (CFP, 2012, pág. 14).

Além disso, as populações indígenas são assoladas pelo suicídio.

"A taxa de suicídio entre as populações indígenas do Brasil é quatro vezes maior do que no resto do país, segundo pesquisa veiculada pela UNICEF. Mato Grosso do Sul e Amazonas concentram cerca de 81% dos casos de suicídio do país. No primeiro, as taxas são 34 vezes maior do que a média nacional. O valor sobe ainda mais entre os jovens. O Brasil tem cinco casos de suicídio a cada cem mil habitantes; entre os jovens indígenas de MS, esse número chega a 446 casos para cada cem mil" (Carta Capital, 2011)

Desafiando a lógica da dominação e do extermínio, o Censo Demográfico de 2010 (IBEGE, 2012) demonstrou que essas populações continuam em crescimento no país, a uma taxa de 1,1% ao ano. Entretanto, nos últimos dez anos, o aumento populacional tem se concentrado mais nas regiões rurais, havendo um decréscimo nos centros urbanos. Hoje se autodeclaram indígenas cerca 817 mil pessoas. O crescimento mais expressivo se deu na Região Norte (48,6%). A maior concentração de índios urbanos está na Região Nordeste (20,4%). No Sul (8,1%) e o Sudeste (3,7%) onde há a menor concentração de indígenas no país e o Centro-Oeste (19,1%) onde há muitos conflitos de terra. Apesar de ter havido um decréscimo nas capitais, em duas delas particularmente houve aumento, são elas Boa Vista (Roraima) e Campo Grande (Mato Grosso do Sul).

Portanto, a primeira questão importante a se considerar ao se tratar da Saúde Mental Indígena é saber que embora as comunidades indígenas possam ser vistas como populações em estado de vulnerabilidade, como de fato são, essas comunidades não são subculturas da cultura nacional, e, portanto, não podem receber o mesmo tratamento. Na verdade, trata-se de culturas inseridas numa cultura envolvente, que continuam lutando para sua sobrevivência.

 

Breve Histórico da Saúde Mental Avanços e Incongruências

O conceito de Saúde Mental hoje praticado, segundo Michel Foucault (apud Reis, 2011) se reporta inicialmente ao surgimento da Psiquiatria como disciplina de estudo científico, e está associada a um movimento revolucionário, à Revolução Francesa, e ao movimento racionalista, projeto da ciência moderna. Com fundamentos humanistas, sua origem promoveu inicialmente a libertação dos loucos dos manicômios onde viviam por longo tempo, acorrentados ao abandono e ao preconceito social reinante na época. A figura de Philippe Pinel está diretamente associada a este movimento, ele foi um dos primeiros teóricos a propor uma classificação para a loucura e a criação de métodos de intervenção, inaugurando a nosografia dessas patologias. A intervenção de recuperação do doente era baseada no que Pinel denominou de "tratamento moral", uma forma de trazer a pessoa sem razão para o mundo da razão. Assim, esta foi a base sobre a qual a psiquiatria se desenvolveu, num modelo hospitalocêntrico, de diagnóstico classificatório, onde a loucura adquiriu o estatuto de doença, e com uma terapêutica de enfoque curativo, aperfeiçoada em sua dimensão biomédica (Reis, 2011).

O ápice dessa abordagem se deu em 1879, mesmo ano de fundação da Psicologia como ciência, quando o médico francês Fournier conseguiu provar que a Paralisia Geral, um quadro altamente debilitante, classificado no início de séc. XIX, que causa a demência precoce e a morte, foi associada à etiologia sifilítica. Foi a primeira vez que um transtorno orgânico foi associado a um transtorno psíquico. Isso teve impactos significativos sobre a Psiquiatria, pois a partir daí teve início a busca pelo extrato biológico dos transtornos mentais. Essa situação persistiu por longos anos até que a Psicanálise e as formas sociais de compreensão da loucura começaram a pressionar os meios psiquiátricos trazendo novas perspectivas para o campo. (Gastal, 1999)

No Brasil, os hospitais psiquiátricos foram instituídos no final do século XIX, ainda no império, com a criação do Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro. Até então, os loucos que não eram agressivos ficavam perambulando pelas ruas, enquanto os agressivos ficavam encarcerados. Logo em seguida, em São Paulo, foi criado pelo psiquiatra Franco da Rocha, a Asilo de Alienados Juqueri, que depois passou a se denominar Hospital e Colônia de Juqueri, sendo por muitos anos um centro de referência. Em 1958 o Juqueri chegou a ter 14 mil internos. Esse modelo institucional que promovia a exclusão social foi seguido por todo o país.

Nos anos 1970 o Brasil contava com uma capacidade de internação de 100 mil leitos. Essa capacidade excessiva no Brasil, não estava apenas vinculada às questões de ordem médica, mas cumpria um papel de exclusão social fundamental nos tempos da ditadura militar. (Pedreira, 2012)

O movimento anti-psiquiatria teve alguns expoentes, Foucault, na França, de Laing e Cooper na Inglaterra, e Basaglia na Itália. Este último deu grande impulso naquilo que ficou conhecido como a luta antimanicomial.

"O eixo de suas proposições pode ser condensado na fórmula da desinstitucionalização da loucura. Assim se constituiria a sua psiquiatria democrática: primeiro, pela desmontagem dos muros institucionais que engessam a loucura (o hospício em primeiro plano), e segundo, pela criação de novos serviços, que se introduziriam na cidade, re-inserindo o louco ou evitando a sua exclusão." (Aguiar, 2010)

As ideias de Basaglia repercutiram também no Brasil, onde este esteve no final dos anos 1970. Ainda nesta década, apesar da manutenção dos hospitais psiquiátricos, começa um movimento intramuros de descentralização, com a instalação de Comunidades Terapêuticas. Em nível governamental, o Estado de São Paulo, em 1977, institui os primeiros doze Ambulatórios de Saúde Mental. No final dos anos 1980 o governo paulista amplia a rede ambulatorial e institui as equipes multiprofissionais.

Um marco histórico foi o ano de 1986, com a instalação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial, conhecido como CAPS Itapeva. Seguido em 1989 com a instalação na cidade de Santos de um Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), com funcionamento 24 horas. (Rios, 2007) Começa, então, de maneira efetiva a criação de uma rede substitutiva de atenção à Saúde Mental. O Projeto é concretizado apenas com a promulgação da Lei 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial. Tornando assim, a base da política nacional, privilegiando um tratamento com enfoque comunitário, entretanto, a lei omite propostas claras para extinção dos hospitais. A partir daí há uma grande evolução nas propostas para uma Saúde Mental inclusiva no país. (Pedreira, 2012)

Em 2008 é realizado o Censo Psicossocial no Estado de São Paulo, quando se concluiu que ainda havia 6.349 pessoas que moravam em Hospitais Psiquiátricos no estado, sendo que 65% delas há mais de dez anos. Neste levantamento foi possível perceber que muitas dessas pessoas não tinham sequer registro civil. (Pedreira, 2012) Apesar do arrojo da concepção de Saúde no Brasil, a par-   tir do Sistema Único de Saúde (SUS), que propõe a universalização dos serviços, na    prática há uma  incongruência.

"O modelo assistencial do SUS preconiza como ação em saúde mental o enfrentamento e combate às formas segregacionistas e de exclusão social. (...) Mas ainda parece incipiente o manejo da Clínica da Reforma Psiquiátrica, a clínica da inclusão, a clínica ampliada. (...) teremos que aprender a conjugar loucura com cidadania, dignidade com tratamento, respeito com eficácia, e ciência com ética." (Endo, Belinck, 2012, pág. 73) Ao se analisar esse breve histórico da Saúde Mental, vê-se que apesar dos avanços propositivos neste campo no Brasil, há ainda incongruências na prática, para a erradicação do modelo reducionista e promotor da exclusão social, como é o caso do modelo hospitalocêntrico. O modelo integral, substitutivo, descentralizado que cria uma rede de atenção e inclusão social traz um novo paradigma que continua concorrendo com o paradigma reducionista da hospitalização que, no fundo, não se conseguiu ainda vencer.

 

Histórico e Estrutura da Atenção à Saúde e Saúde Mental Indígena

A responsabilidade pela Saúde Indígena, de 1910 a 1967 foi do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) se é que se possa falar nestes termos naquela época. O que se sabe é que no início o projeto do SPI foi marcado pelo pensamento indigenista de Rondon, cujas propostas arrojadas preconizavam que "o Brasil deveria ter dois tipos de estado: os estados brasileiros ocidentais, que seriam correspondentes às unidades federativas e os estados autóctones americanos, que seriam dos índios" (Magalhães, J. 2009/2010, pág. 36). Este tipo de pensamento proporcionava inicialmente grande ênfase na valorização das culturas indígenas e, portanto, o uso dos recursos próprios dessas culturas na promoção da saúde, apesar dos impactos epidemiológicos  existentes.

Com a extinção do SPI em 1967, no auge da ditadura militar, e mediante um genocídio dos índios Cinta-Larga ocorrido no estado do Mato Grosso, conhecido como "Massacre do Paralelo 11", foi  instituída a FUNAI (Fundação Nacional do Índio),   que continuou a política anterior.

"O surgimento do Estatuto do Índio em 1973, com um conjunto de regras estatais na relação com os povos indígenas, fortalece a ideia de tutela e integração dos índios à sociedade nacional" (Magalhães, J. 2009/2010, pág. 40).

Foi só na reforma sanitária durante a abertura política no Brasil, após 20 anos de ditadura, que se começou a pensar numa política diferenciada de atenção às populações indígenas. Dessa vez tendo os próprios índios como articuladores de seu destino, por exemplo, com a eleição de Mário Juruna para o Congresso Nacional.

Em 1986 aconteceu a I Conferência Nacional de Atenção à Saúde do Índio, de onde se destacam duas  recomendações:

"1) garantir a participação política das nações indígenas na formulação, no planejamento, na gestão, na execução e na avaliação das ações e dos serviços de saúde; 2) assegurar o respeito e o reconhecimento das formas diferenciadas das nações indígenas no cuidado com a saúde. Essas recomendações vêm sendo desde então incorporadas nas  Conferências de Saúde Indígena, bem como na legislação geral para a saúde e na específica à saúde indígena." (Langdon, 2007, pág. 21)

De 1999 a 2010, saúde indígena esteve a cargo da FUNASA (Fundação NacionaldeSaúde),Ladeira(2010)afirmaqueograndeavançonaatenção à Saúde Indígena se deu a partir deste período, portanto, é muito recente. O atendimento à Saúde Indígena está inserido no SUS que, como se sabe, preconiza um atendimento universal à população. Dada a especificidade dessas populações, o Ministério da Saúde criou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI), por meio da Lei 9836/99, bem como da Portaria 254/02. "caracterizada por ser integral e diferenciada e integrada com a formação das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) são compostas por enfermeiro, médico, odontólogo, auxiliar de enfermagem, auxiliar de dentista, motorista e agente indígena de saúde e saneamento. Composição que pode variar, em alguns casos com a presença de psicólogo e assistente social". A Portaria MS 2.759/07 estabelece diretrizes gerais para a política de atenção integral à saúde mental das populações indígenas e cria o comitê gestor. Em seu artigo primeiro a portaria apresenta diretrizes para o estabelecimento de uma "Política de Atenção Integral à Saúde Mental das  Populações Indígenas":

• Apoiar e respeitar a capacidade cultural (medicina tradicional e lideranças) das comunidades/etnias para que eles próprios possam  encontrar  saídas  para  os  problemas  da  comunidade.
• Articular soluções coletivas   com atores sociais relevantes,  como  os  etnólogos  e  a  comunidade  acadêmica;
• Garantir ações integradas, através da articulação institucional  entre as diferentes esferas de governo (União, Estado e Municípios);
• Garantir  acessibilidade  através  das  ações  de  construção;
• Considerar como fundamento das propostas de intervenção a pesquisa, a ação participativa, que permita sistematizar informação epidemiológica, os modelos explicativos e sistemas de ação que os indígenas implementam para a superação de seus  problemas;
• Garantir a criação de um sistema de monitoramento e avaliação das ações
• Garantir que o Programa de Formação Permanente de Recursos Humanos para a Reforma Psiquiátrica, absorva, especialmente em regiões com grande concentração de comunidades  indígenas,  a  problemática  da  saúde  mental  indígena.

"O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena é organizado por meio dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), compostos de postos de saúde dentro das Terras Indígenas, que contam com o trabalho dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e dos Agentes Indígenas de Saneamento (Aisan); pelos pólos-base, que incluem as Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSI); e pelas Casas do Índio (Casai), que apoiam os serviços de média e alta complexidade referenciados na rede do SUS (Brasil, 2004)." (Langdon, 2007, pág. 20)

Stock (s.d.) adverte "a Portaria é interessante e plural. Entretanto, precisamos de cautela, pois a denominação "Saúde Mental" é de invenção da sociedade de influência ocidental e não faz parte da cosmologia dos povos indígenas. Por isso, falarmos imediatamente de uma "Saúde Mental Indígena" é perigoso, pois podemos desde o início já estarmos impondo apenas um modo de compreender a dinâmica da vida, dos processos de saúde-doença, como uma verdade absoluta. Os Povos Indígenas possuem as suas próprias e diversas concepções de produção de saúde e adoecimento, intimamente ligadas às práticas do xamanismo e à dimensão espiritual."

De modo geral, pode-se afirmar que é modesta a contribuição da Psicologia para a saúde mental indígena. Os psicólogos nas equipes multidisciplinares são raros, assim como em todo o subsistema de atenção à saúde indígena." (Vianna, Cedaro e Ott, 2012)

Desde 2010 a saúde indígena está a cargo da SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) que tem por objetivo "coordenar e executar o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI) em todo Território Nacional. A SESAI tem como missão principal a proteção, a promoção e a recuperação da saúde dos povos indígenas e exercer a gestão de saúde indígena, bem como orientar o desenvolvimento das ações de atenção integral à saúde indígena  e de educação em saúde segundo as peculiaridades, o perfil epidemiológico e a condição sanitária de cada Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI, em consonância com as políticas e programas do Sistema Único de Saúde – SUS". A Secretaria conta com cinco áreas:

1) Departamento de Gestão da Saúde Indígena (DGSI), cuja função é, como o próprio nome indica, garantir a gestão ou a operação do sistema;
2) Departamento de Atenção a Saúde Indígena (DASI) é um órgão de planejamento e supervisão  das ações;
3) Distrito Sanitário Especial Indígena, (DSEI) em número de 34. Unidade gestora, descentralizada com o objetivo de garantir a regionalização dos serviços atendendo as especificidades das etnias/populações;
4) Polo Base, em número de 351, que capilariza ainda mais o sistema e
5) Controle Social - realizado por dois conselhos, o Conselho Local de Saúde Indígena (CLSI), composto apenas por indígenas e de caráter consultivo e o Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) de formação paritária com poder deliberativo; além do Fórum dos Presidentes do CONDSI, de caráter apenas consultivo (Portal da Saúde).

"A saúde indígena no Brasil vive hoje um situação de crise. Apesar da política pública desenvolvida no âmbito federal principalmente a partir de 1999, os resultados obtidos até agora, segundo as lideranças indígenas é muito insatisfatório. Pela qualidade dos serviços de saneamento e de atendimento, que se refletem nos altos índices de morbidade que afetam principalmente as crianças e os idosos." (Governo do Estado de São Paulo, 2010, pág. 76)

 

Aproximações da Psicologia com as Questões Indígenas

A ciência psicológica não tem tradição de trabalho com as questões indígenas, a exemplo do que tem a antropologia. Embora sempre houvesse psicólogos trabalhando com essas populações, as ações se deram normalmente pelo viés da pesquisa acadêmica e nunca foram expressivas.

O chamado oficial da Psicologia para lidar com as questões da Saúde Mental Indígena se deu em novembro de 2004 no Seminário "Subjetividade e Povos Indígenas" organizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Para a Psicologia, a autorização para abordar a temática se deu a partir do IV Congresso Nacional da Psicologia (2001) em que se propôs uma tese para abordar a questão, a de número 155, ligada à Área de Direitos Humanos, que continha a seguinte proposição: "contribuir para o fortalecimento das diversas etnias e trabalhar na defesa de seus direitos humanos e civis. O psicólogo deve acompanhar, denunciar ou sensibilizar-se para a questão indígena para aproximação da Psicologia com essas questões. " (CFP, 2004)

"Participaram do seminário cerca de 50 índios, representantes de 37 aldeias de 11 estados (RS, MS, MT, TO, MG, MA, PE, RR, RO, AM e AP), pertencentes a 23 povos indígenas relacionados a seguir: Xukuru, Xukuru de Ororubá, Kawbiwa, Karajá Xmbioá, Karajá, Gavião, Arara, Aikanã, Sabanê, Apurinã, Macuxi, Bororo, Terena, Xerente, Canela, Kaingang, Guajajara, Guarani/Kaiowá, Wapichana, Tucano, Mayoruna, Maxakali e Karitiana. Além dos representantes dos povos indígenas, participaram também uma média de 10 missionários do CIMI e 15 psicólogos, sendo a sua maioria conselheiros dos novos plenários dos CRP's." (CFP,2004)

No seminário em questão, foram as seguintes as queixas apresentadas pelos indígenas que buscavam na Psicologia apoio:

• massacre de índios, assassinatos de líderes, expulsão e perda de territórios e de recursos naturais;
• desvalorização da cultura indígena, rejeição e perda da língua, dos costumes e da religião;
• inserção do sistema educacional como agente desintegrador e presença de várias igrejas produzindo interferência religiosa nas aldeias;
• identidade fragilizada havendo sentimento de vergonha entre os jovens ao praticar a própria cultura, frente a força e avanço dos costumes e valores da sociedade nacional;
• prostituição, violência familiar e uso de drogas como o álcool acarretando problemas de saúde;
• transmissão de doenças como tuberculose;
• dependência da sociedade nacional pelo aprendizado de hábitos e costumes específicos desta sociedade, como o uso de dinheiro para obtenção de alimento e mercadorias e consumo de produtos industrializados como açúcar, sal e café;
• migração de indígenas para as periferias das cidades;
• discriminação dos índios que perderam sua cultura, como a língua e os costumes, negando a identidade indígena, principalmente, daqueles que se encontram nas periferias das cidades, não sendo reconhecidos como índios pela sociedade nacional e por suas instituições como a FUNAI;

• ausência de políticas públicas que contemplem a diversidade dos povos indígenas;
• produção de pesquisas desvinculadas da realidade, constituindo em invasões domiciliares com criação de expectativas e frustração das famílias, sem retornos concretos para as comunidades.

Outra questão levantada foi a respeito dos benefícios e aprendizados que estas comunidades adquiriram na convivência com as sociedades não-índias e respondendo a esta questão, afirmaram que:

• ar e negociar com a sociedade nacional, aprendendo a fala, a escrita e os significados específicos desta sociedade;
• passaram a utilizar a escrita, registrando a língua, os costumes e a cultura, como forma de preservar a memória dos povos;
• participaram de escolas com estudos diferenciados para a população indígena e em projetos como o programa de preservação da tartaruga;
• desenvolveram uma organização política passando a reivindicar direitos junto à sociedade nacional;
• utilizaram recursos oferecidos pela sociedade nacional em prol das comunidades indígenas, como, por exemplo, utilização da imagem (vídeo) e da mídia para mostrar a realidade, conflitos e dificuldades que vivem as comunidades indígenas;
• realizaram intercâmbio entre povos indígenas diferentes e,
• a mudança de postura da Igreja Católica foi um benefício adquirido no contato com a sociedade nacional.

O CRP-SP esteve presente a este encontro e, algum tempo depois começou a realizar ações de aproximação da Psicologia com as questões Indígenas. O primeiro passo foi em 2005 rastrear psicólogos que tivessem trabalhos ou que atuassem com as questões indígenas. Em outubro de 2006 foi criada a lista de discussão no Yahoogroups "Psicologia e Povos Indígenas" http://br.groups.yahoo.com/group/Psicologia-Indigenas/. Além dos poucos psicólogos que foram encontrados, abriu-se espaço para a participação de outros profissionais, como antropólogos e historiadores, ou mesmo de pessoas que tivessem afinidade com a questão.

A partir de 2006 o CRP-SP começou a organizar eventos sempre com a presença de indígenas, procurando fomentar seu protagonismo. Em 2007 a XII Plenária do CRPSP aprovou a criação do Grupo de Trabalho Psicologia e Povos Indígenas www.crpsp.org.br/povos.

As ações de aproximação redundaram na produção de dois vídeos e um livro, escrito por indígenas, profissionais de diversas áreas e psicólogos. Em 2007 foi produzido o Programa Diversidade 68 "Questões Indígenas"; em 2010 a publicação do livro Psicologia e Povos Indígenas, em versão impressa e on-line; em 2011, o Vídeo "Entre a Aldeia e a Cidade: Estado, Território e Identidade na Visão dos Povos Indígenas" .

Além disso, o GT desenvolveu duas novas teses que foram levadas e aprovadas no VII Congresso Nacional da Psicologia (CNP), 2010, de modo que o Sistema Conselho continua autorizado a pautar essas discussões nos Regionais para o triênio 2010-2013. As teses aprovadas foram a Tese 74, "Relação entre a Psicologia e População Indígena" e Tese 133 "Diálogos com Movimentos Sociais: Psicologia e Direito dos Povos Indígenas" (CFP, 2010).

O CRP-RS, durante o mesmo período, manteve ações de aproximação com as populações indígenas, a partir da Comissão de Direitos Humanos. De 2011 para cá outros Conselhos Regionais começaram a realizar ações de aproximação, como foi o caso do CRP-MS e do CRP-DF, com a realização do I Seminário de Saúde Mental Indígena, em maio de 2012, além do próprio Conselho Federal com o apoio à Expedição Guarani-Kaiowá, organizada pelo Tribunal Popular da Terra (CFP, 2012).

Dentre as ações de aproximação da Psicologia com os Povos Indígenas, destacam-se as "Recomendações aos Psicólogos no Trabalho com Populações Indígenas" (CRPSP, 2010, pág. 320-333). Tais recomendações podem ser sintetizadas da seguinte forma:

"A aproximação da Psicologia com os Povos Indígenas deve ser cautelosa, para que não se repita o erro histórico de se falar e atuar pelos indígenas, ao invés de proporcionar a eles as condições para que eles próprios se posicionem. Por isso, nossas ações devem fomentar seu protagonismo. A construção de conhecimentos, entre a Psicologia e os Povos Indígenas, deve ser compartilhada, norteada pela humildade em reconhecer que as culturas indígenas são milenares e que os conhecimentos acumulados por essas sociedades, são muito maiores e mais profundos do que os conhecimentos da Psicologia, que é apenas uma disciplina entre tantas outras. Neste sentido, a intermediação na construção proposta passa necessariamente pela interdisciplinaridade, pela transdisciplinaridade e pela multiprofissionalidade." (Berni, 2012)

As ações do GT PSIND do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo levaram à constituição de um Núcleo de Produção do Conhecimento Psicologia e Povos Indígenas, na União Latino-americana das Entidades da Psicologia (ULAPSI) que congrega pesquisadores de diversos países do continente, e cuja primeira reunião se deu durante o IV Congresso da ULAPSI, realizado na cidade de Montevideo, no Uruguai, em abril de 2012. O objetivo do Núcleo é:

"a) Identificar e divulgar práticas psicológicas as quais têm produzido melhorias na qualidade de vida das comunidades e/ou colaborado para o fortalecimento e reconhecimento sociopolítico do protagonismo indígena.
b) Aglutinar, por meio eletrônico, referências e contatos de povos indígenas latino-americanos (publicações, sites, endereços), de maneira a favorecer pesquisas e articulações.
c) Fomentar a inclusão da temática indígena nos espaços acadêmicos de formação dos psicólogos, de maneira a ampliar o pluralismo epistemológico da ciência psicológica e comprometer os psicólogos com essa causa.
d) Promover articulação entre psicólogos que trabalham com indígenas na América Latina, objetivando troca de experiências e acumulação de conhecimento.
e) Realizar encontros temáticos e participar de congressos, divulgando a produção do Núcleo. e) Produzir publicações em suportes diversos (digital e papel)." (ULAPSI, 2012)

No mês de abril de 2012 a Universidade de São Paulo, por meio de carta encaminhada ao CRP SP, solicitou apoio para a realização de um curso, já aprovado pela universidade, para capacitação de pessoal no campo da Saúde Mental Indígena, com ênfase na Psicologia.

Em 2016 ao final da gestão do XIV Plenário do Conselho de Regional de Psicologia de São Paulo, deu-se mais um importante passo para a aproximação da Psicologia com as questões indígenas, desta vez com o lançamento do livro "Povos Indígenas e Psicologia a Procura do bem viver" (CRP SP, 2016a). Outro elemento importante nesta aproximação, todavia abordando o campo da Saúde Mental de forma ampla, foi a publicação da "Coleção Psicologia, Laicidade e as Relações com a Religião e a Espiritualidade" (CRP SP, 2016b).

 

Considerações Finais: Por uma Saúde Mental Indígena e Políticas Públicas com Teko Porã

Como se viu o conceito de Saúde Mental é uma construção da sociedade não índia, muito focado na problemática reducionista "mental" da civilização ocidental. As ações das políticas públicas oscilam entre um enfoque biomédico, onde há preferência pela compreensão in vitro, do tipo laboratorial, que produzem medicamentos, por exemplo, comercializados com o objetivo de lucro, e as referências in vivo,  de ordem psicossocial, ligadas aos direitos humanos, à cidadania, às construções sociais das subjetividades. Ambos os modelos trazem fatores importantes na promoção do adoecimento ou da saúde mental. Talvez essa oscilação seja fruto de uma alienação própria dos grandes centros urbanos, onde normalmente se realizam as pesquisas laboratoriais, redutos por excelência do que Edgard Morin denominou do "Grande Paradigma Ocidental", focado no consumo e na aquisição de bens.

Ao centrar-se no modelo in vitro parece haver um reducionismo da Saúde Mental à perspectiva das individualidades o que não permite uma visão holística do conjunto social, das desigualdades, das explorações de todo tipo, que causam grande sofrimento psíquico e que são promotoras da "doença mental". A invisibilidade ou negação desses fatores de oscilação, ou dessa polarização, traz importantes impactos sobre as políticas públicas do setor havendo, como no Estado de São Paulo, por exemplo, onde ambos os modelos convivem de forma conflituosa.

A Atenção à Saúde Mental Indígena deve estar ligada à qualidade de vida, fruto do bem-estar coletivo promovido tanto por fatores sociais, quando fatores físico-biológicos. Algo que aponte para o que os povos indígenas quíchua chamam de Sumak Kawsay,os aimará chamam de Suma Qamaña e os guarani chamam deTeko Porã, ou seja o "bem-viver" que "é a proposta para que a sociedade possa recuperar as condições de sua própria produção e reprodução material e espiritual, ou seja, uma nova visão da natureza, sem ignorar os avanços tecnológicos nem os avanços em produtividade, mas sim projetando-os no interior de um novo contrato com a natureza como parte de sua própria dinâmica, como fundamento e condição de possibilidade de sua existência no futuro". (Davos, 2010)

A Organização Mundial de Saúde tem enfatizado a importância dos países membros se debruçarem na busca por estratégias mais efetivas na promoção da Saúde Mental, inclusive no resgate das Práticas Tradicionais e das Técnicas Complementares Alternativas e Integrativas de conhecimento.

Para uma visão abrangente, ou holística, é fundamental o diálogo intersetorial, Inter e Transdisciplinar, Inter e Transcultural, de modo que se possam promover ações integradas em diversas instâncias de governo e da sociedade, na busca pela melhoria da qualidade de vida e, portanto na promoção da Saúde Mental e do Bem Viver, capazes de vencer as dicotomias ainda presentes neste campo.

A promoção da Saúde Mental e da Saúde Mental Indígena passa necessariamente pelo fomento do protagonismo dessas populações, pela autonomia, pelo estabelecimento de significado e propósito de vida, pelo fortalecimento e resgate das culturas Ameríndias. Portanto, essa dimensão deve estar contida tanto na proposição das Políticas Públicas de forma ampla, quando nos projetos terapêuticos específicos principalmente para as comunidades indígenas.

Apesar de a apresentação precedente justificar ações de aproximação da Psicologia com a questão indígena no Brasil, sobretudo no que diz respeito à Saúde Mental. Como se viu, a questão não pode ser vista de forma compartimentada, ou seja, apenas do ponto de vista da Saúde Mental, ou da Psicologia, que são apenas disciplinas, ou áreas de atuação da cultura envolvente. É preciso lembrar que atuar junto aos Povos Indígenas é estar entre culturas que estão em conflito.

É preciso vencer a visão idealista, romântica e muitas vezes exótica, fruto de um congelamento histórico, que se procura atribuir aos povos indígenas.

Há uma necessidade mundial de valorização da diversidade. A sobrevivência da humanidade depende disso. Fato que os povos indígenas são sabedores há muito tempo. Talvez a adoção de protocolos internacionais de valorização da diversidade, como por exemplo, a Carta da Terra, que enfatiza a importância de se cuidar do planeta de seus recursos naturais fomentado uma economia que promova a sustentabilidade, ou Carta da Transdisciplinaridade, que íncita a academia a dialogar com os conhecimentos tradicionais e produzir conhecimentos que valorizem os diferentes saberes, seja algo relevante.

 

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