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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versión On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.13 no.3 Belo Horizonte sept./dic. 2020

https://doi.org/10.36298/gerais202013e15241 

ARTIGOS

 

Aprendendo a Ser Docente: Relato de Experiência em Estágio de Docência

 

Learning to Teach: Experience Report of a Teaching Internship

 

 

Tâmara Ramalho de Sousa AmorimI; Manuella Castelo Branco PessoaII; Maria de Fatima Pereira AlbertoIII

IUniversidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil. E-mail: tamara.rsa@gmail.com (orcid.org/00000002-6126-5200)
IIUniversidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil. E-mail: manucastelobranco2@gmail.com (orcid.org/0000-0003-3523-8708)
IIIUniversidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil. E-mail: jfalberto@uol.com.br (orcid.org/ 0000-0003-2515-9571)

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a formação docente proporcionada a partir de uma experiência de estágio de docência em uma Instituição de Ensino Superior no Estado da Paraíba. Pressupõe-se que tal disciplina se configura como uma prática necessária e importante para a formação de futuros professores universitários na pós-graduação. Foram abordadas neste artigo as legislações pertinentes, os aspectos sobre a construção da prática do docente universitário, as bases teóricas que sustentaram a disciplina Psicologia da Adolescência e Juventude, as atividades realizadas no estágio-docência e como essa experiência foi vivenciada pelas estagiárias. Diante disso, foi possível avaliar a prática como um momento enriquecedor para a formação docente das estudantes: a vivência de ministrar aula, orientar e avaliar os alunos fortaleceu sua formação, promovendo-lhes um crescimento profissional que só foi possível acessar a partir da experiência de estar em uma sala de aula, enfrentando os desafios diários que são demandados aos professores.

Palavras-chave: Docência. Formação. Estágio Docência. Pós-graduação.


ABSTRACT

This article aims to reflect on teacher education provided from a teaching internship experience at an Institution of Higher Education in the state of Paraíba. It is assumed that this discipline is a necessary and important practice for the training of future university professors in graduate studies. The pertinent legislation was approached in the text, as well as the aspects on the construction of university teaching practice, the theoretical bases that support the discipline of Adolescence and Youth Psychology, the activities carried out in the teaching internship, and how this experience was perceived by the two trainees. Therefore, it was possible to evaluate this practice as an enriching moment for training as teachers: the experience of teaching, guiding, and evaluating students strengthened their training, promoting a professional growth and maturity that was only possible due to the experience of being in a classroom, facing the daily challenges that are presented to the teachers.

Keywords: Education. Teaching Internship. Postgraduate Program.


 

 

Introdução

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a formação docente proporcionada a partir de uma experiência de estágio de docência em uma Instituição de Ensino Superior (IES) no estado da Paraíba, contribuindo para a prática e a formação de futuros professores universitários. Trata-se de um relato de experiência realizado a partir do lugar de estudantes de pós-graduação em Psicologia baseado na vivência como futuras docentes universitárias na disciplina Psicologia da Adolescência e Juventude, ofertada no curso de graduação de Psicologia, e refletida em parceria com a professora que ministrou a disciplina. Toma-se como pressuposto que a disciplina de estágio de docência se configura como uma prática necessária e importante para a formação de futuros professores universitários na pós-graduação.

A formação e a prática de docentes na Educação Superior têm sido abordadas no âmbito da legislação e em discussões teóricas sobre o tema. No que se refere à legislação, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determina que a Educação é um direito de todos e dever do Estado e da família. Consoante o art. 205, a Educação "será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (Constituição Federal, 1988).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), instituída em 1961, determina no art. 66 que "o ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes, e a formação de profissionais de nível universitário". A partir de sua reformulação, com a Lei n. 9.394/1996, a LDB passou a reunir todos os graus e modalidades de ensino em uma única legislação, cujo art. 62 determina que a formação dos profissionais será efetivada por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, nos níveis médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. As funções de magistério, conforme especifica a LDB, que são aquelas exercidas por professores e especialistas em Educação no desempenho de atividades educativas, exercidas em estabelecimento de Educação nos diversos níveis e modalidades.

Cada universidade, segundo o regimento geral próprio, também determina a quais características e requisitos os professores devem atender. Na Universidade Federal da Paraíba, por exemplo, a Resolução n. 74/2013 do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão afirma em seu art. 17 que os programas de concursos para professores deverão ter um sentido amplo e geral, proporcionando condições de aferir o conhecimento básico necessário ao exercício das atividades docentes. As atividades a serem executadas pelo professor de Ensino Superior, segundo essa Resolução, incluem o ensino em cursos de graduação, pós-graduação, especialização e aperfeiçoamento, organização e execução de atividades de pesquisa e extensão, bem como de administração universitária.

Em relação ao ensino na pós-graduação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em seu artigo 22 da Portaria n. 34/2006, entende que o estágio de docência é parte integrante na formação do pós-graduando, tendo como objetivo a preparação para a docência e a qualificação do ensino de graduação. Desse modo, o estágio de docência se coloca como uma ferramenta para garantir o padrão de qualidade dos programas e pós-graduação stricto sensu por meio da aprendizagem de atividade de ensino, contribuindo para a formação do corpo docente universitário. Vieira (2013), em um estudo sobre o mapeamento das discussões acerca do estágio de docência veiculada pela Revista Brasileira de Pós-Graduação (RBPG), afirma que o estágio de docência tem potencial para contribuir para a formação profissional para a docência, mas que deve acontecer para além de um treinamento didático, devendo levar em conta a complexidade da atividade docente.

No debate teórico sobre a formação para a atividade docente, Saviani (2011) aponta a existência de dois modelos: o dos conteúdos culturais-cognitivos e o pedagógico-didático. De acordo com o primeiro, a formação do professor está relacionada à cultura geral e ao domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que será lecionada. A formação pedagógica seria adquirida na própria prática docente, em decorrência do domínio dos conteúdos. Já o segundo modelo defende que a formação do professor só está integralizada se houver o efetivo preparo pedagógico-didático, devendo a instituição formadora, além de garantir a cultura geral e a formação específica na área, assegurar a preparação pedagógico-didática.

Nos modelos mencionados por Saviani (2011), há uma separação de dois aspectos indissociáveis da função docente: a forma e o conteúdo. Neste artigo, posiciona-se de acordo com o autor, entendendo que é necessário recuperar a indissociabilidade entre conhecimento dos conteúdos e formação pedagógica e didática, especialmente na formação para a docência no Ensino Superior, não havendo priorização de um aspecto sobre o outro. Assim, apoiando-se na Pedagogia Libertadora (Freire, 2011) e na Pedagogia Histórico-Crítica (Marsiglia & Saccomani, 2016; Saviani, 2011), serão apresentados saberes necessários à prática docente, com destaque para a docência no nível superior.

A Construção da Prática Docente

A reflexão acerca do que se define como prática docente remeteu inicialmente a Paulo Freire (2001) devido à Pedagogia Libertadora, quando o ilustre pedagogo defende que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua construção. Então, questiona-se: como criar tais possibilidades? Conforme Massetto (2014), o elevado domínio dos conhecimentos é uma das competências esperadas de um professor de nível superior; dessa forma, esse profissional precisa se atualizar constantemente, o que pode se dar por meio da pesquisa e da participação em eventos científicos e cursos. Entretanto, as exigências e desafios são maiores; Freire (2011) afirma que não basta somente transferir conteúdo, importa também a forma de transmiti-los e a relação estabelecida no processo de aprender.

Para que se criem possibilidades para a construção do conhecimento, Freire (2011) defende que o professor deve manter uma postura dialógica, aberta, indagadora, curiosa; falar com os estudantes e não aos estudantes; saber escutar, ter disponibilidade para a abertura à fala do outro, aos gestos do outro, às diferenças do outro, compreendendo que a relação docente-discente se dá entre sujeitos que, apesar das diferenças, não se reduzem à condição de objeto um do outro. É nesse sentido que "quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender" (Freire, 2011, p. 25).

O trabalho educativo se caracteriza como uma atividade dialética, exigindo do professor uma articulação entre a realidade, a identificação de elementos culturais que precisam ser assimilados e a descoberta de novas formas para isso (Saviani, 2011). Como afirmam Marsiglia e Saccomani (2016), a cultura historicamente acumulada não está disponível de forma imediata aos indivíduos, mas é apropriada processualmente, no curso do seu desenvolvimento. Considerando esse aspecto, o trabalho do professor inclui entender as possibilidades e conquistas de cada idade e, ao mesmo tempo, atuar impulsionando a transição de um período de vida a outro, de acordo com as atividades-guia correspondentes ao desenvolvimento humano (Vigotski, 2006).

Outros elementos que dizem respeito à prática docente são: a reflexão crítica sobre sua própria prática, sempre num movimento dinâmico entre o fazer e o pensar sobre o fazer; pesquisa; bom-senso; criticidade; rigorosidade metódica, comprometimento; a consciência do quão grande é a responsabilidade do professor, algo que nem sempre é considerado (Freire, 2011), além do conhecimento do currículo como um todo (Masetto, 2014). Dessa forma, o processo educativo deve ser sistematizado, com atividades intencionalmente orientadas à ação educativa (Marsiglia & Saccomani, 2016).

A contradição autoridade versus liberdade e a tensão posta por ela é outro aspecto presente na prática docente. Em artigo sobre a trajetória dos professores iniciantes, Cunha, Braccini e Feldkercher (2015) afirmam que para muitos deles a preocupação maior é o domínio de classe, mantendo o equilíbrio entre o afeto e a necessária disciplina dos estudantes na sala de aula. De acordo com Freire (2011), é necessário existir um limite para a autoridade e a liberdade, do contrário, a liberdade se perverte em licenciosidade e a autoridade, em autoritarismo. A ação educativa traz consigo também o aspecto do compromisso político, especialmente quando se fala sobre docência na Educação Superior. Formar cidadãos críticos e reflexivos, assim, passa a ser dever do professor e um direito social do estudante, que deve ser garantido pela instituição de ensino (Modesto & Silvieri-Pereira, 2015).

Em todos esses saberes necessários à prática educativa, a universidade exerce um papel fundamental, pois ela é concebida como espaço de excelência na formação de inúmeros profissionais, incluindo-se os professores. Assim, a Educação Superior assume um status de promotora de mudanças sociais, cabendo ao professor a responsabilidade ética, profissional e política como formador de pessoas, sendo necessário capacitar-se e preparar-se antes que sua atividade docente seja iniciada, num processo contínuo e constante (Pereira et al., 2018).

Diante disso, o estágio de docência deve ser percebido como um importante método de formação de futuros docentes, tendo como papel desenvolver competências e didáticas relevantes à prática docente. Como afirmam Verhine e Dantas (2007), ao longo do período de obrigatoriedade do estágio de docência, o estudante da pós-graduação passa a lidar com três desafios: a aprendizagem dos discentes de graduação sob a responsabilidade do bolsista; sua aprendizagem como docente; e o atrelamento dessa experiência ao desenvolvimento da dissertação/tese. Entretanto, segundo Hostins (2006), na pós-graduação stricto sensu, a formação tem priorizado as atividades de pesquisa em detrimento da docência, e ainda, como afirma Vieira (2013), se fortalece uma ideia de que as habilidades de investigação adquiridas pelo pós-graduando no mestrado ou no doutorado ocorrem de maneira automática.

Dessa forma, é possível compreender esse contexto atentando para as políticas de pós-graduação, bem como para os processos de avaliação dos programas. Inicialmente a política de pós-graduação no Brasil focalizou a capacitação dos docentes; com o tempo, porém, houve aumento progressivo da importância do desenvolvimento da atividade científica, até que no III Plano Nacional de Pós-Graduação, lançado na década de 1980, a ênfase recaiu sobre o desenvolvimento da pesquisa na universidade, em um contexto de preocupação com a autonomia científica do país (Hostins, 2006). O processo de avaliação dos programas acompanhou essa mudança e as áreas de conhecimento geraram importantes indicadores, todavia, o mesmo não aconteceu com a docência, assim, não são encontrados indicadores que avaliem o aspecto pedagógico da formação docente no conceito atribuído ao curso; ou seja, "não se encontram indicadores que captem o êxito do curso na formação de docentes mais habilidosos e capazes de conduzir com êxito o processo de ensino-aprendizagem - pelo menos não indicadores tão claros e objetivos quanto aqueles definidos para aferir o sucesso na formação para a pesquisa" (Bastos et al., 2011, p. 1158).

Nesse sentido, a atividade mais diretamente relacionada à formação docente nos programas de pós-graduação stricto senso tem sido a oferta do estágio de docência, que se constituiu como um importante espaço para desenvolver ou aprimorar a prática educativa, na qual "o professor precisa integrar conhecimentos a partir de diferentes contextos para ir construindo sua forma própria de agir, sua teoria pessoal em relação à gestão da aula, com implicações cognitivas, éticas e afetiva" (Cunha et al., 2015, p. 6).

Assim, o estagiário docente também deve ater-se, como apontam Pereira et al. (2018), às alterações que o sistema universitário requer do professor, esperando que ele atue baseado na indissociabilidade ensino-pesquisa. Espera-se do professor universitário um posicionamento que fomente a perspectiva de produção de conhecimento e a autonomia de pensamento, incentive a criticidade e a criatividade flexibilizando espaços, tempos e modos de aprendizagem. É preciso ainda que o docente domine as novas habilidades decorrentes de avanços tecnológicos, tendo como central o processo educativo na aprendizagem do aluno. Levando em conta todos esses aspectos, propõe-se neste artigo refletir sobre a formação docente proporcionada a partir da experiência de estágio de docência na disciplina Psicologia da Adolescência e Juventude, o que será feito por meio de um relato de experiência.

 

Método e Desenvolvimento do Estágio de Docência

A Construção da Adolescência e da Juventude na Psicologia: Bases Teóricas que Deram Suporte à Disciplina

A disciplina Psicologia da Adolescência e Juventude teve como objetivo apresentar aos estudantes do curso de Psicologia as concepções teóricas e legais que aproximam e diferenciam adolescência e juventude, analisando ambas como processo histórico e social. Assim, com a finalidade de atender a tais objetivos, a disciplina contou com a seguinte ementa: a construção histórica e social da adolescência e sua demarcação biológica; a demarcação moderna da juventude e início da vida adulta; o estudo dos aspectos do desenvolvimento sexual, emocional e social da adolescência e juventude; situações de risco e vulnerabilidade; protagonismo e potencialização de identidades.

A disciplina primou por mostrar a complexidade de enfoques que abordam a adolescência e juventude de diferentes ângulos. Foram esplanadas tanto as abordagens que se embasam em questões mais biológicas para explicar o desenvolvimento como as teorias freudiana e piagetiana, concebendo-o como um processo determinista, baseado em características internas do sujeito; bem como a abordagem histórico-cultural, que enfatiza o contexto, como a teoria vigotskiana, considerando o desenvolvimento como uma conexão dinâmica entre contexto e sujeito (García, 2008).

A Psicologia adotou, durante um longo tempo, uma perspectiva naturalizante acerca da adolescência e juventude, como aponta García (2008). Ao associar a adolescência a uma fase conturbada e difícil, a Psicologia colaborou para legitimar uma série de concepções: fase de imaturidade, irresponsabilidade e instabilidade, enraizadas nas mudanças biológicas pelas quais passavam. Mas será que essa é a única forma de olhar o adolescente e o jovem? Como se chega a esse tipo de concepção?

Na contramão desse posicionamento teórico, a Psicologia Histórico-Cultural se propõe a superar a concepção naturalizante do ser humano no campo da Psicologia. Tendo Vigotski como precursor, tal teoria assume que o homem é um ser social, que se apropria de um agregado de relações sociais. Para pensar o desenvolvimento do adolescente e do jovem, é preciso ater-se à sua realidade objetiva, percebê-los como históricos, concretos e marcados por uma cultura (Vigotski, 2006).

Dessa forma, como afirmam Anjos e Duarte (2016), a adolescência e a juventude têm sua origem na história das transformações sociais e dos modos de produção, o que não significa negar as mudanças biológicas pertinentes a esse momento da vida. Segundo a teoria histórico-cultural, cada período do desenvolvimento é caracterizado por uma atividade-guia e linhas acessórias. A primeira desempenha a função principal de formar a relação do sujeito com seu entorno social, dirigindo as mudanças mais importantes; já a segunda também permeia as atividades dos sujeitos com a função de articular as ações que constroem o desenvolvimento iminente (Abrantes & Bulhões, 2016; Marsigla & Saccomani, 2016).

Na adolescência, a atividade-guia se caracteriza pela comunicação íntima e atividade profissional/de estudo, ou seja, a maneira de reproduzir as relações existentes entre os adultos com os seus pares somada ao estudar/se formar para se preparar para o futuro, surgindo o sentimento de maturidade como manifestação da autoconsciência (Anjos & Duarte, 2016; Leal & Mascagna, 2016). Por sua vez, o jovem terá como atividade-guia a contradição entre a atividade de formação de estudo profissionalizante e a atividade produtiva, inserindo-se em processos sociais mobilizadores da construção do seu projeto de vida (Abrantes & Bulhões, 2016). A qualidade das condições objetivas de vida e a Educação é que irão produzir e determinar a subjetividade dos sujeitos (Marsigla & Saccomani, 2016).

Entretanto, o que se percebe é que ainda hoje a adolescência encontra-se ligada a questões biológicas e à passagem pela puberdade; já os significados atribuídos à juventude ao longo da história estiveram diretamente relacionados às transformações sociais e do próprio capitalismo, servindo para designar um estado de ânimo, qualificar o novo e o atual, como afirmam Abrantes e Bulhões (2016). Dessa forma, tanto a adolescência quanto a juventude devem ser entendidas a partir da cultura, de suas relações com a coletividade (Marsiglia &Saccomani, 2016), distanciando-se de concepções que engessam e desqualificam essas categorias teóricas.

Atividades do Estágio de Docência

Segundo a Resolução n. 50/2015, que regulamenta o Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o estágio de docência diz respeito à atuação do pós-graduando, conjuntamente com um professor, na preparação e ministração de uma disciplina em curso de graduação, com a supervisão de seu orientador e o professor da respectiva disciplina. Essa atividade tem como objetivo o aperfeiçoamento da formação de estudantes de pós-graduação para o exercício da docência em nível de Ensino Superior, como consta na Portaria n. 34/2006, art. 22 da Capes.

As atividades do estágio-docência consistiram em: orientações da professora responsável, organização e discussão acerca da ementa da disciplina, organização e orientação para os seminários realizados pelos estudantes da graduação, execução de aulas expositivas e dialogadas, auxílio na elaboração das avaliações e exercícios e disponibilização de horário fixo para discussão das dúvidas dos graduandos a respeito das aulas.

A disciplina foi pensada levando-se em conta as possibilidades de concepções sobre adolescência e juventude de maneira dialógica com os alunos, a necessidade de uma compreensão crítica e questionadora acerca dos estereótipos reproduzidos socialmente a respeito dessas categorias teóricas, bem como promovendo discussões sobre as confusões conceituais que as envolvem.

Primeiramente, debateu-se coma a professora orientadora do estágio de docência a ementa da disciplina, acordando o que seria lecionado e o cronograma de atividades, para que as datas das avaliações e seminários também pudessem ser decididas de forma coerente. Os textos obrigatórios também foram escolhidos a partir das leituras feitas a priori, sempre levando em conta as temáticas que seriam abordadas. Além dos textos obrigatórios, foram feitas, segundo orientação da professora responsável, outras leituras com o objetivo de enriquecer a aula e auxiliar no aprendizado das estagiárias, que naquele momento estavam cursando o mestrado, a respeito dos determinados temas.

A metodologia das aulas foi acordada levando-se em conta a carga horária e o número de aulas disponibilizadas para cada conteúdo, por exemplo: quais temas teriam apenas aulas expositivas, sobre quais temas seriam as atividades, quais seriam realizadas em sala de aula e quais seriam externas e seleção de textos para os seminários realizados em sala de aula. Decidiram-se também os recursos audiovisuais que seriam utilizados e os filmes que serviriam como complemento da aula e ferramenta para discussão. Os filmes utilizados foram: A tempestuosa adolescência (2003), Capitães da areia (2011), Juno (2008) e Juízo (2008), sendo resguardado um tempo voltado para a discussão a respeito dos respectivos temas tratados por estes.

Foi reservado um determinado número de aulas para que os estudantes pudessem apresentar seminários com temáticas determinadas a priori, que seguiam a linha da disciplina. Os temas foram: Adolescentes e Jovens em Situação de Rua; Adolescentes e Jovens que Cumprem Medidas Socioeducativas; Adolescência, Juventude e Movimentos Culturais; Adolescência Juventude e Movimentos Étnicos; Políticas Públicas de Formação Profissional para Jovens: Programa da Aprendizagem; Políticas Públicas de Formação Profissional para Jovens: Pronaf; ProJovem e Finalização da Disciplina.

Os seminários compuseram-se de três partes: visita à instituição relacionada à temática do seminário, trabalho escrito e apresentação em sala de aula. As instituições visitadas pelos estudantes atuam no atendimento aos jovens em situação de risco social e pessoal. As referências utilizadas no trabalho escrito foram escolhidas e analisadas em conjunto pelas estagiárias. Ao final da disciplina, realizou-se uma avaliação com os alunos, levando-se em conta a metodologia e os recursos utilizados, os textos obrigatórios, a repercussão das temáticas em sala de aula, os assuntos que emergiram nas discussões e que poderiam ser trabalhados futuramente na referida disciplina e as dificuldades e acertos em sala de aula.

 

Resultados e Discussão: Os Desafios da Prática Docente

Refletir sobre os desafios da prática docente requer expor nossas vivências como estagiárias e as vivências de quem ministra a disciplina, que supervisiona, mas que precisa garantir espaços de autonomia. Depois de debater com a professora ministrante, fomos encorajadas a destacar no texto nossa vivência como estagiárias. É na reflexão sobre o nosso cotidiano, como nos apropriamos e superamos as demandas que nos foram colocadas, como nos sentimos diante da situação, que podemos avaliar o lugar de aprendizes de docente (Vigotski, 2006). A possibilidade de atuar como estagiárias docentes nos proporcionou vivenciar tais desafios, demandando uma resposta como futuras professoras e pensar possibilidades de práticas que surtissem um efeito de aprendizado, tanto para os estudantes quanto para nós.

Desde o início, tomamos como base a concepção de Paulo Freire de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua construção. Assim, compreendemos que o nosso trabalho como aprendizes da docência era entender o que os estudantes traziam, considerar as possibilidades de atuação e impulsionar ações que construíssem e colaborassem para o seu desenvolvimento iminente, como sugerem Marsiglia e Saccomani (2016) e Saviani (2011). Tais ações eram impulsionadas pelas indicações de textos somadas às exposições e discussão dos temas em sala de aula.

Ao trabalhar com jovens graduandos, deve-se entender que a atividade-guia da juventude - conforme apresentado anteriormente - é a contradição entre a atividade de formação de estudo profissionalizante e a atividade produtiva. Dessa forma, a disciplina foi planejada de maneira intencionalmente orientada para a formação do psicólogo na atuação com adolescentes e jovens (Abrantes & Bulhões, 2016; Marsiglia & Saccomani, 2016), sendo apresentadas ferramentas que articulavam os conteúdos científicos com a realidade e demandas culturais (Saviani, 2011). Desse modo, possibilidades de casos eram trazidas à sala de aula, demandando-os a pensar em possibilidades de atuação partindo do que havíamos trabalhado teoricamente, ressignificando o lugar do psicólogo.

A formulação de uma aula remeteu-nos à época de estudantes da graduação, isso nos levou a refletir com a professora ministrante sobre o tipo de aula de que gostávamos, as que eram de fato proveitosas e as que não foram tão significativas. Como sentir-se minimamente segura para dar uma aula? Estudar bastante, para além do texto que era indicado em sala de aula, era a ferramenta que tínhamos em mãos, o domínio dos conhecimentos, como afirma Masetto (2014). Porém, tínhamos claro que era necessário ir além da perspectiva conteudista. A indagação sempre presente era: como fazer os estudantes participarem? À medida que fomos vivenciando a experiência como professoras, percebemos a importância de trazer aspectos da realidade dos estudantes de Psicologia, colocando-os em situações que poderiam emergir na prática como futuros profissionais.

Provocar esse tipo de situação atava os alunos à realidade e fazia com que o que ali era estudado tivesse utilidade, possibilitando-os vislumbrar ferramentas para a prática. Tais questões estimulavam os estudantes a serem protagonistas e os potencializavam, pois a eles também era resguardada a participação em sala de aula, respeitando seus saberes e suas diferenças (Freire, 2011). Levar em conta o saber do outro é também respeitar e dar lugar à vivência e história de vida dos jovens que ali estavam, que por diversas vezes nos brindaram com seu cotidiano e as necessidades que tinham como jovens em formação. Pelo lado da experiência como futuras docentes, as ferramentas de atuação possibilitadas no estágio de docência auxiliaram a promoção de um vínculo entre a prática e o acessado como alunas de pós-graduação, sendo possível identificar uma série de competências didático-pedagógicas necessárias à prática docente, indo além do discurso da tendência de produtivismo acadêmico, como atentam Pereira et al. (2018).

Estávamos ansiosas em relação à forma como seria a aula, havia a preocupação de que fosse dinâmica e participativa. Assim, as estagiárias procuraram diferentes estratégias: o conteúdo era estudado a partir de diversos textos, além do indicado em sala de aula; havia um cuidado para que os recursos visuais servissem como apoio e não como substituto da aula. Eram trazidos elementos que, relacionados com os conteúdos, tinham como função incitar a discussão, como notícias de jornal e charges; as aulas eram iniciadas sempre convocando os educandos a enunciarem sobre o que sabiam em relação ao assunto/tema da aula; enfim, buscou-se sempre um ambiente favorável à discussão, respeitando os diferentes posicionamentos existentes em sala de aula.

O fato de os estudantes serem jovens também foi levado em conta, pois estávamos falando sobre condições objetivas de vida diferentes, fato que isso repercutia nas discussões acerca dos temas tratados em sala de aula. Muitos aspectos da realidade deles, como sujeitos e estudantes de Psicologia, vinham à tona em cada posicionamento demarcado. Assim, emergiram naquele contexto de sala de aula as vivências daqueles jovens estudantes, construindo um conhecimento, um compartilhamento de experiências que só é possível acessar a partir desses momentos de discussão, a partir do outro, para além do texto científico que os estudantes eram demandados a ler.

Dessa forma, a tentativa em sala de aula era promover uma ação pedagógica de maneira a preparar para a inserção profissional atuando com a atividade-guia da formação de estudo profissionalizante. Somado a isso, procurou-se inseri-los em processos sociais mobilizadores da construção do seu projeto de vida (Anjos & Duarte, 2016; Leal & Mascagna, 2016), possibilitando o contato com instituições e programas que trabalhavam diretamente com a juventude, aproximando-os da prática do psicólogo/a que atua nessa área.

A turma, como um todo, ajudou bastante: participava, fazia perguntas e a maioria dos alunos lia os textos indicados. A professora ministrante acordou com as estagiárias docentes que algumas aulas seriam ministradas com a presença dela e algumas sem. Nas aulas que ministramos sozinhas, tivemos alguns testes por parte dos alunos, já que éramos professoras em formação, por exemplo: às vezes achavam que poderíamos ser mais maleáveis do que a professora da disciplina; nossa autoridade também foi questionada no princípio da disciplina; acreditavam que poderíamos abonar faltas; mas com o tempo e a experiência fomos aprendendo a lidar com tais situações. Nesses momentos, percebíamos as exigências e desafios da prática docente, entre eles o desafio de manter o equilíbrio entre o afeto e a necessária disciplina dos estudantes, como apontaram Cunha et al. (2015). Para lidar com a situação, conseguimos firmar com os estudantes um acordo de convivência e cumpri-lo. Conseguimos construir uma relação de respeito e carinho com eles, e ter seu feedback foi muito importante para nós.

Os temas abordados na disciplina, por si só, colaboraram para que a turma participasse das discussões em sala de aula. Diferentemente do que muitos estudantes esperavam e do que eles relataram de experiências em disciplinas anteriores, os temas não traziam a adolescência e a juventude por uma lógica naturalizante, biológica, mas com a visão de que os períodos de desenvolvimento são produzidos socialmente (García, 2008). Como exemplo, há o tema da sexualidade, que foi abordado por uma concepção diferente; não mais a visão biológica - tão comum em aulas sobre o assunto -, mas uma visão social acerca do sexo e das relações de gênero. Esse e outros conteúdos tratados trouxeram discussões do cotidiano e isso contribuiu para manter a atenção da turma. Procurava-se sempre, como aponta Freire (2011), estabelecer uma relação do ensino dos conteúdos com a experiência social dos educandos.

Nas aulas ministradas pelas estagiárias, em relação a cada conteúdo, a prática em Psicologia foi tematizada. Acreditando que "formar é muito mais do que puramente treinar o educando" (Freire, 2011, p. 16), e levando em consideração o compromisso político do professor de formar cidadãos críticos e reflexivos (Masetto, 2014; Modesto & Silvieri-Pereira, 2015), as estagiárias sempre convidavam os estudantes a se colocar no papel de psicólogos naquela situação e refletir como agiriam, de que maneira lidariam com a demanda. Ao fim dos seminários, especialmente, a pergunta: "Você acha que esse é lugar de psicólogo?", foi repetida a cada apresentação, a ponto de, depois de algum tempo, os próprios estudantes trazerem essa reflexão, dispensando esse questionamento por parte da professora da disciplina e das estagiárias.

Havia o desafio da avaliação, o qual foi percebido pelas estagiárias como uma difícil tarefa, pois a intenção era construir questões que não apenas abordassem os conteúdos vistos em sala, mas instigasse a reflexão. Outra experiência de dificuldade foi vivenciada no momento de contribuir na correção das avaliações: como atribuir uma nota, algo tão objetivo, a questões tão subjetivas? Assim, tanto a elaboração quanto a correção das avaliações foram feitas em conjunto com a professora da disciplina para que houvesse o aprendizado de como ser o mais justa possível na atribuição das notas. Os resultados das avaliações proporcionaram às estagiárias, em conjunto com a professora, a reflexão a respeito do alcance dos objetivos pleiteados na disciplina - uma das funções da avaliação, como afirmam Modesto e Silvieri-Pereira (2015). A maioria dos estudantes atingiu o esperado e determinado pelo sistema de avaliação da instituição de ensino.

A avaliação dos seminários realizados pelos estudantes também foi feita em conjunto com a professora da disciplina. Avaliaram-se aspectos como a dinâmica do grupo, integração entre os membros, o referencial bibliográfico e a relação teoria e prática. O feedback dado pela turma ao final dos seminários foi muito positivo, pois, por meio destes, os estudantes relataram que foi possível relacionar a dimensão teórica e a vivência da prática, como também conhecer a realidade de diferentes juventudes.

No último dia de aula, aplicou-se uma avaliação da disciplina como um todo, em que foi sugerida uma técnica inspirada no trabalho de Célestin Freinet,1 chamada "Que bom, que pena e que tal". Assim, os alunos foram orientados a escrever sobre um aspecto positivo e um negativo da disciplina, e a dar uma sugestão para o próximo semestre. Entre os aspectos positivos foram apontados: a temática da disciplina, os temas dos seminários, o embasamento histórico-cultural da disciplina e as visitas a campo aliando teoria, prática e reflexão. Alguns pontos negativos foram: ausência de alguns em sala de aula e a greve que ocorreu no meio do semestre letivo. Algumas sugestões foram: intercalar aulas e seminários, apresentações de pesquisas, extensões e dissertações.

O estágio de docência foi um dos poucos momentos em que as estagiárias puderam aprender sobre a prática docente, já que não há disciplinas de formação pedagógica no programa de pós-graduação, cujo foco maior é a pesquisa, corroborando com o que afirmam Bastos et al. (2011) e Oliveira e Vasconcellos (2011). A partir do estágio de docência, do acompanhamento e orientação da professora da disciplina, foi possível apreender e experienciar os aspectos pedagógicos, técnico-científicos e éticos tão necessários à prática docente. Essa experiência mostrou a necessidade de uma construção ininterrupta de saberes e fazeres, como já sinalizava Vieira (2013), uma vez que se encontra permeada por condicionantes sociais, culturais, políticos, institucionais, profissionais e pessoais.

Tal experiência confirmou ainda, em concordância com Saviani (2011), a necessidade de se recuperar a indissociabilidade entre conhecimento dos conteúdos e formação pedagógica e didática. É preciso tornar os conteúdos assimiláveis, aproximá-los da realidade objetiva, para que possam ser vislumbrados a partir destes uma possibilidade de prática. Tais constatações, já apontadas nos trabalhos de Pereira et al. (2018) e Verhine e Dantas (2007), se potencializaram ao serem vivenciadas na experiência como estagiárias docentes, o que aponta para uma prática necessária e importante para a formação de futuros professores universitários na pós-graduação.

 

Considerações Finais

Como apresentado no resumo, este artigo tem como objetivo refletir sobre a formação docente proporcionada a partir de uma experiência de estágio de docência, então, ao longo do texto, as autoras optaram por trazer aspectos da experiência, como forma de analisá-la, reunindo cognição e emoção, a partir de aspectos respaldados teoricamente. Desse modo, a vivência como estagiárias docentes possibilitou crescimento profissional, uma vez que deparar-se com situações reais do dia a dia em sala de aula proporcionou uma experiência que vai além dos livros e fórmulas para enfrentar a sala de aula.

O desejo de atender às demandas e alguns difíceis comportamentos dos estudantes em sala de aula demandou também das estagiárias um posicionamento firme, porém acolhedor. Essa experiência exigiu cognitivamente, no sentido do domínio dos conteúdos, aprender a escutar, a ter firmeza nas decisões; mas também afetivamente, no sentido de que foram criados laços com a turma, evidenciado a partir da necessidade de saber acolher suas dificuldades.

O processo de orientação e acompanhamento da professora responsável nas atividades realizadas ao longo do estágio de docência também é um ponto a ser destacado. Participar da elaboração da disciplina, aprender a fazer uma ementa, traçar objetivos, selecionar um conteúdo pertinente à temática e condizente ao que se espera da disciplina foi uma experiência necessária para a formação como docente. Por fim, a experiência de estágio de docência se mostrou de grande importância para a nossa formação como futuras professoras, uma vez que possibilitou reflexões sobre a prática do professor e ainda sobre as lacunas nas formações oferecidas por alguns programas de pós-graduação, que muitas vezes estão preocupados unicamente com a realização de uma pesquisa, deixando falhas relacionadas à formação necessária para atuar em sala de aula.

 

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Recebido em: 28/2/2018
Aprovado em: 31/8/2018

 

 

1 Pedagogo francês que se identificava com a Escola Nova, defendendo que, além das técnicas pedagógicas, o ambiente político e social ao redor da escola não deve ser ignorado pelo educador.

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